https://jkrishnamurti.org/content/eddington-pennsylvania-2nd-public-talk-14th-june-1936

Segunda Palestra em Eddington, Pennsylvania

Interrogante: O que está errado com o relacionamento com o outro, quando aquilo que é uma vida livre, para si mesmo, parece ser um falso viver para o outro, e causa ao outro, profundo sofrimento, enquanto se é, em si mesmo, sereno? É isto uma falta de verdadeira compreensão da parte da pessoa, e portanto, uma falta de simpatia?

Krishnamurti: Tudo depende do que você chama de vida livre. Se você está obcecado por um ideal e o segue impiedosamente, sem considerar profundamente seu significado integral, você não está realizando e, portanto, está criando sofrimento para o outro e para si mesmo. Através da sua própria falta de equilíbrio você cria desarmonia. Mas, se estiver verdadeiramente realizando, isto é, vivendo com valores verdadeiros, então embora essa realização possa trazer antagonismo e conflito, você realmente ajudará o mundo. Mas tem de se estar consciente, extremamente alerta, para ver se está meramente vivendo de acordo com um ideal, princípio, ou padrão, o que indica a falta de compreensão real do presente e uma fuga da realidade. Esta fuga, esta imitação que leva à frustração, é a verdadeira causa de conflito e sofrimento.

Interrogante: Como posso impedir a interferência com aquilo que penso ser ação correta, sem causar infelicidade a outros?

Krishnamurti: Se você meramente considera não causar infelicidade a outros, e tenta moldar a sua vida, de acordo com essa ideia, então, você não está agindo realmente. Mas, se você se liberta das muitas camadas sutis do egoísmo, então a sua ação, embora possa causar infelicidade, é aquela que é correta.

Interrogante: Moralidade e ética, embora sejam fatores variados, têm, ao longo das eras, fornecido os motivos para a conduta, como por exemplo, o ideal de caridade Cristã ou a renúncia Hindu. Desprovidos desta base, como podemos viver vidas úteis e felizes?

Krishnamurti: Há a moralidade do ideal e a real. O ideal é amar o outro, não matar, não explorar, e assim por diante. Mas na verdade a nossa conduta é baseada em uma concepção diferente. A ética de nossa existência diária, a moralidade de nossos contatos sociais é baseada fundamentalmente no egoísmo, na aquisição, no medo, na autoproteção.
Enquanto esses existirem, como pode haver verdadeira moralidade, verdadeiro relacionamento do indivíduo com seu ambiente, com a sociedade? Enquanto cada um se isolar através do medo, aquisição, desejos egoístas, crenças, e ideais, como pode haver verdadeiro relacionamento com o outro?

A moralidade do dia-a-dia é realmente imoralidade, e o mundo é apanhado nesta imoralidade. Várias formas de aquisição, exploração, e assassinato são honradas pelos governos e pelas organizações religiosas, e são a base da moralidade aceita. Em tudo isto não existe amor, mas apenas medo, que é encoberto pela repetição constante de palavras idealistas que impedem o discernimento. Para ser verdadeiramente moral, isto é, ter um verdadeiro relacionamento com o outro, com a sociedade, a imoralidade do mundo deve terminar. Esta imoralidade foi criada através dos desejos e esforços auto protetores de cada indivíduo.

Agora, você perguntará como pode alguém viver sem desejo, sem aquisição. Se pensar profundamente sobre o significado de ser livre da aquisição, se o experimenta, então verá por si mesmo que consegue viver no mundo sem ser do mundo.

Interrogante: No livro intitulado “O iniciado no Ciclo Escuro”, é dito que o que você ensina é o Advaitismo, que é uma filosofia apenas para os iogues e chelas, e perigosa para o indivíduo comum. O que tem a dizer sobre isso?

Krishnamurti: Certamente, se eu considerasse que o que estou dizendo é perigoso para o indivíduo comum, não falaria. Então, cabe a vocês considerar se o que digo é perigoso. Pessoas que escrevem livros desse tipo estão, consciente ou inconscientemente, explorando outros. Eles têm seus próprios eixos para moer, e ao se comprometerem a um sistema, eles trazem a autoridade de um Mestre, da tradição, da superstição, das igrejas, que geralmente controla as atividades de um indivíduo.

O que há naquilo que estou dizendo, que é tão difícil ou perigoso para o homem comum? Eu digo que, para conhecer o amor, a bondade, a consideração, não pode haver egoísmo. Não pode haver fugas sutis do real, através do idealismo. Digo que a autoridade é perniciosa, não apenas a autoridade imposta por outro, mas também aquela que é desenvolvida inconscientemente, através da acumulação de memórias auto protetivas, a autoridade do ego. Digo que você não pode seguir outro para compreender a realidade. Certamente, nada disto é perigoso para o indivíduo, mas é perigoso para o homem que está comprometido a uma organização, e deseja mantê-la, para o homem que deseja adulação, popularidade, e poder. O que digo sobre o nacionalismo e distinção de classes é perigoso para o homem que se beneficia das suas crueldades e degradação. A compreensão e o esclarecimento são perigosos para o homem que, sutilmente ou grosseiramente, goza dos benefícios da exploração, autoridade, medo.

Interrogante: Você descarta qualquer sistema de filosofia, mesmo a Vedanta, que ensina a renúncia?

Krishnamurti: Você deve perguntar a si mesmo por que precisa de um sistema, não por que eu o descarto. Você pensa que sistemas ajudam o indivíduo a revelar-se, satisfazer-se, compreender. Como pode um sistema ou uma técnica, alguma vez lhe dar esclarecimento? O esclarecimento vem através do esforço correto, através do próprio discernimento do processo de ignorância. Para discernir, a mente não pode ter preconceitos; mas agora, como a mente tem preconceitos e não pode discernir, certamente, nenhum sistema pode libertá-la do preconceito. Tudo o que um sistema pode é dizer-lhe para não ter preconceitos, ou pode indicar vários tipos de preconceitos, mas é você que tem de se esforçar para se libertar deles.

Não existe tal coisa como renúncia. Quando você compreende os valores certos da vida, a ideia de renúncia não tem qualquer significado.

Quando você não compreende os valores certos, existe o medo e então há a esperança de se libertar dele através da renúncia. O esclarecimento não vem através da renúncia. Você pensa que, por se afastar da realidade, da existência diária, você vai encontrar a verdade. Pelo contrário, você encontrará a realidade somente através da vida diária, através de contato humano, através das relações sociais e através da forma de pensar e do amor.

Interrogante: Qual é a sua ideia de meditação?

Krishnamurti: O que é chamado de meditação, como praticado por muitas pessoas, é concentração numa ideia e autocontrole. Esta concentração ajuda a desenvolver uma forte memória de algum princípio que guia e controla o pensamento e a conduta diários. Essa conformidade a um princípio, a um ideal, não é senão uma fuga da realidade, a falta de discernimento da causa adequada do sofrimento. O homem que busca a realidade através da renúncia, através da meditação, através de qualquer sistema, é capturado no processo de aquisição, e aquilo que pode ser adquirido não é verdadeiro.

Meditação não é um afastamento da vida. Não é concentração. Meditação é o constante discernimento do que é verdadeiro nas ações, reações, e provocações da vida. Discernir a verdadeira causa da luta, crueldade, e miséria é verdadeira meditação. Isto requer um estado de alerta, profunda consciência. Nesta consciência, no curso de profundo discernimento dos valores certos, vem a compreensão da realidade, felicidade.

14 de Junho de 1936