https://jkrishnamurti.org/content/ojai-6th-talk-oak-grove-10th-may-1936

Sexta palestra em Oak Grove, Ojai

Alguns de vocês podem pensar que sou repetitivo, e posso ser, porque algumas perguntas que me foram enviadas, as entrevistas e conversas comuns que tenho com pessoas, me deram a impressão de que há pouca compreensão do que venho dizendo; e assim, tenho que repetir a mesma coisa com palavras diferentes. Espero que aqueles de vocês que captaram mais ou menos as ideias fundamentais terão a paciência para ouvir novamente o que tenho a dizer.

Existe tanto sofrimento, em inúmeras formas, que a pessoa agoniza sob ele. Esta não é uma frase vazia. A pessoa percebe tanta exploração e crueldade a sua volta que fica se perguntando constantemente qual é a causa do sofrimento e como ele pode ser dissipado.

Há alguns que acreditam firmemente que a miséria do mundo é o resultado de algum infortúnio maligno fora do controle do homem, e que felicidade e liberdade do sofrimento só podem existir em outro mundo, quando o homem voltar para Deus. Esta atitude em relação à vida é completamente errônea do meu ponto de vista, pois este caos é produção do próprio homem.

Para discernir o processo do sofrimento, cada pessoa deve compreender a si mesma. Compreender a si mesmo é uma das tarefas mais difíceis e exige o esforço mais extenuante e vigilância constante, e muito poucos têm a inclinação ou o desejo de compreender profundamente este processo de sofrimento e tristeza. Nós temos mais oportunidades de dissipar nossas energias com diversões absurdas, conversas fúteis e buscas vãs, do que penetrar profundamente em nossas próprias demandas psicológicas, necessidades e ideais. Mas isto envolve esforço extenuante de nossa parte, e como não queremos nos empenhar, preferimos fugir para todo tipo de satisfações fáceis.

Se não fugimos pelas diversões, fugimos pelas crenças, pelas atividades de organizações com suas lealdades e compromissos. Estas crenças se tornam uma blindagem, impedindo de nos compreendermos. As sociedades religiosas prometem ajudar a nos compreendermos, mas infelizmente, somos explorados e, simplesmente, repetimos suas frases e sucumbimos à autoridade de seus líderes. Assim estas organizações, com suas crescentes restrições e promessas secretas, nos levam a mais complicações que nos tornam incapazes de compreender a nós mesmos. Uma vez que nos comprometemos com uma sociedade particular, com seus líderes e seus amigos, começamos a desenvolver aquelas lealdades e responsabilidades que nos impedem de ser honestos conosco mesmos. Existem, naturalmente, outras formas de fuga por meio de várias atividades superficiais.

Para compreender a si mesmo profundamente, é preciso equilíbrio. Ou seja, não se pode abandonar o mundo, esperando se compreender, ou ficar tão enredado no mundo que não há ocasião para compreender a si mesmo. Deve haver equilíbrio, nem renúncia nem aquiescência. Isto exige vigilância e profunda consciência. Devemos aprender a observar nossas ações, pensamentos, ideais, crenças, silenciosamente e sem julgamento, sem interpretá-los, de modo a podermos discernir seu verdadeiro significado. Devemos, primeiro, estar cientes de nossos próprios ideias, buscas, desejos, sem aceitá-los ou condená-los como sendo certos ou errados. Atualmente não podemos discernir o que é verdadeiro e o que é falso, o que é duradouro e o que é transitório, pois a mente está tão mutilada por seus próprios desejos, ideias e fugas que é incapaz de percepções verdadeiras. Assim, precisamos, primeiro, aprender a ser observadores silenciosos e equilibrados de nossas limitações e atritos, que causam sofrimento.

Se você começa a observar, verá que está em busca de novas explicações, definições, satisfações, ideais, imagens gráficas e quadros como substitutos do antigo. Você aceita as velhas crenças, explicações e quadros, pois elas o satisfazem; e agora, com o atrito da vida, você descobre que elas não lhe dão mais o que você quer. E você busca novas explicações, novas esperanças, novos ideais e fugas, mas com o mesma carga de desejo e satisfação. Aí você começa a comparar as antigas explicações com as novas, e escolhe aquelas que lhe dão mais segurança e contentamento. Você pensa que, aceitando estas novas explicações e ideais, encontrará felicidade e paz. Como sua demanda é por contentamento e satisfação, você ajuda a criar e aceitar crenças e explicações que realizam seu desejo, e começa a talhar seu pensamento e conduta segundo estes novos modelos. Se você observar, perceberá que é assim. Como existe muito sofrimento, dentro e fora, você deseja conhecer a causa, mas fica facilmente satisfeito com explicações, e continua a sofrer. Explicações são poeira demais para uma mente perspicaz.

Alguns de vocês acreditam na ideia da reencarnação. Chegam e me perguntam no que acredito, se a reencarnação é um fato ou não, se lembro de minhas vidas passadas, e assim por diante. Ora, por que me perguntam? Por que você quer saber o que penso a respeito? Você quer uma confirmação de sua própria crença, que você chama fato, uma lei, pois isto lhe dá esperança, um propósito na vida. Assim, a crença se torna um fato para você, uma lei e você vai em busca de confirmação para sua esperança. Mesmo que eu pudesse confirmá-la, isto não pode ser de vital importância para você. O que quer que isto possa ser para mim, real ou falso, o que é importante para você é que você deveria discernir por si mesmo estas concepções por meio de ação, pelo viver, e não aceitar nenhuma afirmação.

Existem três condições da mente: “Eu sei”, “eu creio” e “eu não sei”. Quando você diz, “eu sei”, quer dizer que sabe pela experiência, e por essa experiência você se torna certo e convencido de uma ideia, uma crença. Mas essa certeza, essa convicção, pode se basear na imaginação, num desejo de realização, que para você, gradualmente, se torna um fato, e você diz: “eu sei”. Alguns dizem que a reencarnação é um fato, e para eles, talvez seja, já que podem ver suas vidas passadas; mas para você que busca continuidade, a reencarnação dá esperança e propósito, e você, assim, se agarra à ideia, dizendo que é sua intuição que induz você a aceitá-la como um fato, uma lei. Você aceita a ideia de renascimento pela afirmação de outra pessoa sem nem questionar seu conhecimento, que pode ser imaginação, alucinação, ou a projeção de um desejo. Ansiando por autoperpetuação, imortalidade, você se torna incapaz de verdadeiro discernimento. Se você não diz, “eu sei”, diz então, “eu acredito em reencarnação, pois ela explica as desigualdades da vida”. Novamente, esta crença, que você afirma ser induzida pela intuição, é o resultado de uma esperança oculta e anseio por continuidade.

Assim, tanto o “eu sei” como o “eu creio” são insegurança, incerteza, e não para se confiar. Mas se você pode dizer, “eu não sei”, compreendendo completamente o significado disto, então há uma possibilidade de perceber aquilo que é. Estar num estado de não saber exige grande despojamento e esforço vigoroso, mas não é um estado negativo; é o estado mais vital e sério para a mente-coração que não se apega a explicações e afirmações.

Pode-se afirmar casual e facilmente que não se sabe, e muitas pessoas o afirmam. Ouve-se e lê-se tanto sobre a causa do sofrimento que, inconscientemente, a pessoa começa a aceitar esta explicação e rejeitar aquela, de acordo com os preceitos de satisfação e esperança. Como a maior parte das pessoas tem mentes atravancadas com crenças, preconceitos, esperanças ocultas e demandas, é quase impossível que elas digam “eu não sei”. Elas estão tão constrangidas por certas crenças devido a seus anseios interiores que nunca ficam num estado de completa bancarrota; elas nunca estão nesse estado de total despojamento quando todos os apoios, explicações, esperanças, influências cessaram completamente.

Nós só começamos a discernir o que é verdadeiro quando todo o querer cessa, pois o querer cria crenças, ideais, esperanças, que são meras fugas. Quando a mente não está mais buscando segurança sob nenhuma forma, ou exigindo explicações, ou confiando em influências sutis, então, nesse estado de nudez, está o real, o permanente. Se a mente for capaz de discernir que ela está criando sua própria ignorância pelo anseio e perpetuação de si mesma com sua própria ação de querer, então a consciência muda para a realidade. Aí existe permanência; aí está o fim da transitoriedade da consciência. Consciência é a ação ou atrito entre ignorância e as provocações exteriores da vida, do mundo, e esta consciência, esta luta e sofrimento, se perpetua pelo querer, pelo anseio, que cria sua própria ignorância.

Interrogante: Por favor, explique mais claramente o que você quer dizer com flexibilidade de mente.

Krishnamurti: Não é necessário ter uma mente maleável, alerta? Não se deve ter uma mente que seja supremamente flexível? A mente não deve ser como uma árvore que tem suas raízes no fundo da terra, mas permite a passagem dos ventos? Ela própria é, e por isto pode ser flexível. Ora, com o que estamos ocupados? Estamos tentando ser alguma coisa, e glorificamos esse tornar-se. Esse tornar-se não é realização, mas imitação, copiar um padrão que chamamos perfeição; é seguir, obedecer, a fim de conseguir, ter sucesso. Isso não é realização. Uma rosa ou uma violeta, que é adorável, é uma flor perfeita, e isso em si é realização; seria inútil querer que uma violeta pudesse ser como uma rosa. Ficamos fazendo esforço constante para ser alguma coisa, e assim, a mente-coração se torna mais e mais rígida, limitada, estreita e incapaz de profunda flexibilidade. Assim, ela cria mais resistências para autoproteção contra o movimento da vida. Estas resistências autocriadas impedem a mente-coração de compreender suas próprias atividades que engendram e aumentam a ignorância. A flexibilidade da mente não está em se tornar alguma coisa, em adorar o sucesso, mas é conhecida quando a mente se desnuda para àquelas resistências que ela produziu pelo anseio. Isto é verdadeira realização. Nessa realização está o eterno, o permanente, o sempre flexível.

Interrogante: Eu conheço todas as minhas limitações, mas elas continuam comigo ainda. Então, o que você quer dizer com trazer o subconsciente para o consciente?

Krishnamurti: Senhor, simplesmente conhecer as próprias limitações não é, certamente, suficiente, é? Você não percebe a significação delas? Eu venho dizendo durante muitos anos que certas coisas são limitações, e você pode estar, talvez, repetindo minhas palavras sem compreendê-las profundamente, e aí diz: “Conheço todas as minhas limitações”. A consciência vigorosa de suas próprias limitações gera a dissipação delas.

Cerimônias, como outras perversões do pensamento, são limitações para mim. Suponha que você concorde, e queira descobrir se sua mente está confinada nestas limitações. Comece a ficar consciente delas, não julgando, mas observando silenciosamente e discernindo se certas reações são perniciosas, limitadas. Esse próprio discernimento, essa conscientização, sem criar uma qualidade oposta, despoja da mente aquelas resistências e restrições perniciosas. Quando você pergunta: “Como vou me livrar de minhas limitações?” isto indica que você não está consciente delas, que não há um esforço vigoroso para discernir. Há uma alegria nesta conscientização vigorosa, no próprio empenho. A conscientização não dá prêmio.

Interrogante: Eu venho escutando suas palestras por vários anos, mas, para ser franco, ainda não percebi o que você tenta transmitir. Suas palavras sempre me pareceram vagas, enquanto que os textos de H. P. Blavatsky, Rudolf Steiner, Annie Besant e alguns outros, me ajudaram grandemente. Não é porque existem diferentes modos de apresentar a verdade, e que seu modo é o modo do místico distinto do ocultista?

Krishnamurti: Eu respondi esta pergunta não sei quantas vezes, mas se você quiser, responderei novamente. Qualquer explicação, qualquer medida da verdade, deve ser errada. A verdade é para ser compreendida, ser discernida, não para ser explicada. Ela existe, mas não é para se tentar obtê-la. Aquilo que é apresentado como verdade não é verdade.

Mas então você pode me perguntar: “O que você está tentando fazer? Se não está nos dando um quadro gráfico da verdade, medindo para nós o imensurável, o que você está fazendo?” Tudo que tento fazer é ajudá-lo a discernir por si mesmo que não existe salvação fora de você mesmo; que nenhum Mestre, nenhuma sociedade pode salvá-lo; que nenhuma igreja, nenhuma cerimônia, nenhuma prece pode romper suas limitações autocriadas e restrições; que só por meio de sua própria conscientização vigorosa existe a compreensão do real, do permanente; e sua mente está tão atravancada, tão pressionada com crenças, ideais, desejos e esperanças que é incapaz de percepção. Certamente isto é simples, claro e preciso; não é vago.

Cada pessoa, por seu próprio desejo, está criando ignorância, e essa ignorância, por suas atividades volitivas, vai perpetuando a si mesma como individualidade, como o processo do “eu”. Eu digo que o “eu” é ignorância, não tem realidade, nem esconde algo permanente. Eu disse isto muitas vezes e expliquei de vários modos, mas alguns de vocês não querem pensar claramente, e se prendem a suas esperanças e satisfações. Você quer evitar o vigor profundo; você espera que pelo esforço de outra pessoa seus conflitos, misérias e sofrimentos se dissiparão, e você quer que as organizações exploradoras, sejam religiosas ou sociais, sejam miraculosamente transformadoras. Se você faz um esforço, quer um resultado, o que exclui a compreensão. E você diz: “Qual é a importância de fazer esforço se eu não consigo nada com isto?” Seu esforço, pela vontade, cria mais limitações que destroem a compreensão. A mente fica presa neste círculo vicioso, esforço pela vontade, que mantém a ignorância; e, assim, o processo do “eu” se torna auto-sustentável. As pessoas que juntaram dinheiro, propriedades, qualidades, são rígidas em sua aquisição e são incapazes de compreensão profunda. Elas são escravas de seu próprio desejo, o que cria um sistema de exploração. Se você refletir nisto, não é difícil de compreender, mas compreender por meio da ação exige esforço vigoroso.

Para alguns de vocês, o que digo é vazio e sem sentido; para outros, vir a estes encontros é um hábito; e uns poucos estão vitalmente interessados. Alguns de vocês pegam uma ou duas afirmações minhas, separam-nas de seus contextos, e tentam inseri-las em seu próprio sistema particular. Nisto não existe compreensão, e isto só levará a mais confusão.

Interrogante: Já que os Mestres fundaram a Sociedade Teosófica, como você pode dizer que as sociedades espirituais são um obstáculo à compreensão do homem? Ou isto não se aplica à Sociedade Teosófica?

Krishnamurti: Isso é o que declara toda sociedade, seita ou corpo religioso. Católicos romanos sustentaram por séculos que eles eram os representantes diretos de Cristo. E outras seitas religiosas têm afirmações semelhantes, apenas com nomes diferentes. Ou seu ensinamento é inerentemente verdadeiro e, assim, não precisa do apoio de nenhuma autoridade, conquanto grande ela seja; ou, ele só se sustenta pela autoridade, seja do Buda, do Cristo, ou dos Mestres, então não tem significado; então se torna meramente o meio de explorar as pessoas por seus medos. Isto acontece constantemente no mundo todo: o uso da autoridade para coagir pessoas por seus medos – o que é chamado amor ou respeito por uma forma particular de atividade – ou fundar uma organização religiosa. E você, que deseja felicidade, segurança, segue sem pensar e é explorado. Você não questiona a concepção total de autoridade; você se submete à autoridade, à exploração, pensando que isto vai levá-lo à realidade, mas apenas maior confusão e miséria o esperam. Esta questão da autoridade é tão sutil que o indivíduo se ilude dizendo que é sua própria escolha voluntária submeter-se a uma forma particular de crença ou ação. Onde existe desejo, deve haver medo e a criação da autoridade com suas crueldades e exploração.

Eu tenho repetido isto com diferentes palavras muitas vezes. Alguns chegaram e me disseram que renunciaram a esta ou àquela organização. Certamente essa não é a coisa mais importante, embora a renúncia deva, necessariamente, se seguir se há compreensão. O importante é, por que eles se juntam realmente? Se eles puderem descobrir o impulso que os leva a se unir a estas seitas religiosas, grupos, e discernir a profunda significação desse impulso, então eles mesmos vão se abster de se juntar a qualquer organização religiosa. Se você analisar esse anseio, perceberá fundamentalmente que onde existe promessa de segurança e felicidade, o desejo por estas coisas é tão grande que ofusca a compreensão, o discernimento; e a autoridade é venerada como um meio de satisfação dos muitos anseios.

Interrogante: Você é, ou não é, um membro da Great White Lodge* de adeptos e iniciados?

Krishnamurti: Senhor, o que isto importa? Receio que este país e, especialmente, esta costa, esteja inundada por este tipo de mistério, o que é usado para explorar pessoas devido à credulidade e ao medo delas. Existem muitos “swamis”, brancos e negros, que lhes falam sobre estas coisas. Seriamente, o que importa se existe uma White Lodge ou não? E quem fala ou escreve sobre estes mistérios exceto aqueles que, consciente ou inconscientemente, querem explorar o homem em nome de fraternidade, amor e verdade? Cuidado com tais pessoas. Elas estabelecem superstições incríveis e perniciosas. Algumas vezes ouvi pessoas dizerem que são guiadas por Mestres que irradiam forças, e assim por diante. Você não sabe, não consegue perceber por si mesmo que você é seu próprio mestre, que você cria sua própria ignorância, seu próprio sofrimento, que ninguém pode, por nenhum meio, libertá-lo do sofrimento, agora ou sempre? Se você discernir este fato, verdade, lei fundamental que você cria sua própria limitação e sofrimento, que você mesmo ajuda a criar um sistema que explora o homem duramente, e que a partir de suas próprias demandas internas, medos e desejos, organizações religiosas e outras são criadas para ardilosa exploração, então você não vai mais encorajar ou ajudar a criar estes sistemas; então a autoridade deixa de ter qualquer posição significativa na vida. Só então o homem pode chegar a sua própria realização verdadeira.

Isto exige tremenda confiança em si. Mas você diz: “Nós somos fracos e devemos ser guiados; devemos ter enfermeiras”. Assim, você continua com todo o processo de superstição e exploração. Se você vai discernir profundamente que a ignorância se perpetua por meio de sua própria ação, então haverá uma profunda mudança em sua relação com a vida. Mas eu lhe asseguro, isto exige uma profunda compreensão de você mesmo.

*(sociedade mística)

10 de maio de 1936