Quinta Palestra em Oak Grove

Ojai, Califórnia

Esta manhã quero falar sobre o medo, que cria, que necessita de compulsão, influência.

Ora, nós dividimos a mente em pensamento, razão, intelecto; mas como expliquei em minha última palestra, para mim mente é inteligência, autocriativa, mas obscurecida pela memória; a mente, que é inteligência, está obscurecida pela memória e confusa com esse “Eu” consciente, o resultado do meio. Assim a mente ficou escravizada pelo meio que ela mesma criou através da ânsia, e assim existe medo continuamente. A mente criou o meio, e enquanto não compreendermos esse meio, haverá medo. Nós não damos nosso pensamento integral ao meio e não estamos totalmente conscientes dele, assim a mente fica escravizada a esse meio e por isso há medo; e a compulsão é o instrumento do medo. Assim, naturalmente, a falta de compreensão do meio é provocada pela falta de inteligência, e porque não compreendemos o meio, o medo é criado, e medo precisa de influência, seja exterior ou interior.

E como é criada esta contínua compulsão, que se tornou o instrumento, este penetrante instrumento do medo? A memória obscurece a mente, e isto, eu disse vezes e vezes, é o resultado da falta de compreensão do meio que cria conflito, e a memória se torna consciente dela mesma. Esta mente, obscurecida, limitada e confinada pela memória, busca a perpetuação do resultado que é o “Eu”; assim, perpetuando o “Eu”, a mente busca ajustamento, alteração, ou modificação do meio, seu crescimento e expansão. Você sabe, a mente está continuamente buscando ajustamento ao meio; mas ajustamento ao meio não gera compreensão, nem nós podemos ver a significação desse meio simplesmente modificando o estado da mente ou tentando mudar ou expandir esse meio. Porque a mente está continuamente buscando sua própria proteção, ela fica obscurecida pela memória que se tornou confusa, identificada com  sua própria consciência – essa própria consciência que deseja perpetuar-se – consequentemente ela tenta alterar, ajustar, modificar o meio, ou em outras palavras, a mente busca fazer o “Eu”, como ela considera, imortal, universal e cósmico. Não é assim?

Então a mente, que busca imortalidade, realmente deseja a continuidade deste “Eu” consciente, a perpetuação do meio; isto é, enquanto a mente se prende a esta ideia do “Eu” consciente, que não é mais que a falta de compreensão do meio e, portanto, a causa do conflito, enquanto ela buscar, nessa limitação, sua própria perpetuação, e essa perpetuação nós chamamos de imortalidade, ou essa consciência cósmica na qual o particular ainda permanece. Enquanto a mente, que é inteligência, é mantida na servidão da memória, que é o “Eu” consciente, existe a procura do falso pelo falso. Este “Eu”, como expliquei, é a falsa reação ao meio; existe uma causa falsa e ela está sempre buscando uma falsa solução, um falso efeito, um falso resultado. Assim, quando a mente obscurecida pela memória está buscando perpetuar-se como consciência de si mesma, ela está buscando a falsa imortalidade, uma falsa expansão cósmica, ou como você queira chamar.

Neste processo de perpetuação do “Eu”, essa memória autopreservada, na perpetuação desse “Eu” nasce o medo – não o medo superficial, mas o medo fundamental com o qual quero ocupar-me presentemente. Remover esse medo, que tem como sua expressão exterior nacionalidade, crescimento, realização, sucesso – remova esse medo fundamental, a angústia pela perpetuação desse “Eu” – e todo medo cessa. Então o medo existe enquanto há este desejo de perpetuação dessa coisa que é falsa; este “Eu” é falso, assim você deve ter uma falsa reação, que é o próprio medo. E onde há medo, deve haver disciplina, compulsão, influência, dominação, a procura do poder que a mente glorifica como virtude e como divino. Se você realmente pensa nisto, verá que onde existe inteligência não pode haver a perseguição do poder.

Ora, toda vida é moldada pelo medo e pelo conflito, e por isso pela compulsão, pela imposição de leis e restrições o que alguns consideram virtuoso e digno, e outros pernicioso e nocivo. Não é assim? Estas são as restrições que você estabeleceu em sua procura por perpetuação, livre do medo; nessa procura você criou disciplinas, códigos, e autoridades. E sua vida é moldada, controlada, e formada pela compulsão em várias formas e graus. Alguns chamam essa compulsão de virtuosa, outros de nociva.

Nós temos, em primeiro lugar, a compulsão exterior do meio sobre o indivíduo. A pessoa comum que você chama de não desenvolvida, não espiritual, é controlada pelo meio, meio exterior, isto é, pela religião, códigos de conduta, padrões morais, autoridade política e social; ela é escrava de tudo isto porque tudo isto está enraizado nas necessidades econômicas do indivíduo. Não está? Remova inteiramente as necessidades econômicas das quais o indivíduo depende, então códigos de conduta, padrões morais, políticos e econômicos e valores sociais desaparecem. Então nestas restrições do meio exterior que criam conflito entre o indivíduo e o meio externo, em que o indivíduo é pervertido, moído, retorcido, ele se torna crescentemente não inteligente. O indivíduo que é meramente condicionado o tempo todo pelo meio exterior, moldado por certas regras, leis, reações, editos, padrões morais, quanto mais você o imprensa, menos e menos inteligente ele fica. Mas inteligência é a compreensão do meio, ver sua sutil significação, livre da compulsão.

Estas restrições impostas ao indivíduo, que ele chama de meio exterior, têm como expoentes os charlatões e os exploradores na religião, na moralidade popular, e na vida econômica e política do homem. O explorador é o indivíduo que usa você conscientemente ou inconscientemente, e você consente consciente ou inconscientemente, pois não compreende; você se torna o explorado economicamente, socialmente, politicamente, religiosamente, e ele se torna seu explorador. Assim desse modo a vida se torna uma escola, uma armação, uma armação de aço, na qual o indivíduo é enquadrado, na qual ele se torna meramente uma máquina – o indivíduo se torna meramente um dente da máquina, descuidado e rigidamente limitado. A vida se torna um contínuo esforço, uma batalha, e por isso ele estabeleceu esta falsa ideia que a vida é uma série de lições a serem aprendidas, adquiridas, de modo que ele possa estar prevenido, de modo que ele possa encontrar vida nova amanhã, mas com suas ideias preconcebidas. A vida se torna meramente uma escola, não uma coisa para ser vivida, ser desfrutada, ser vivida com êxtase, completamente, sem medo.

O meio exterior força o indivíduo, esmaga-o nesta armação de aço de padrões, de moralidade, de ideias religiosas, de editos morais, e como o indivíduo é esmagado a partir do exterior, ele busca e foge para um mundo que chama de interior. Naturalmente, quando a mente está sendo torcida, moldada, pervertida pelo meio externo, e existe constante conflito no meio externo, constante batalha, constantes falsos ajustes, a mente espera tranquilidade, esperança, um mundo diferente; então o indivíduo constrói um romântico abrigo de fuga onde busca compensação para a perda e o sofrimento do mundo exterior.

Por favor, como eu disse, você está aqui para descobrir, para criticar, não para se opor. Você pode se opor depois de ponderar muito cuidadosamente sobre o que eu estive falando. Você pode colocar barreiras se quiser, mas primeiro descubra totalmente o que estou querendo transmitir; e para fazer isso você deve ser super crítico, atento, inteligente.

Como eu disse, sendo esmagado por circunstâncias externas que criam sofrimento, e num esforço para fugir dessas circunstâncias externas, o indivíduo cria um mundo interior, começa a desenvolver uma lei interior e cria suas próprias restrições individuais, que ele chama de autodisciplina, ou cooperação com aquilo que ele aprendeu a chamar de seu ego elevado.

Muitas pessoas – as chamadas pessoas espirituais – rejeitaram a força exterior do meio e sua influência, mas desenvolveram uma lei interior, um padrão interior, uma disciplina interior que chamam de trazer o ego elevado para o inferior; ou seja, em outras palavras, mera substituição. Assim há autodisciplina. Então há aquilo que é chamado voz interior, cujo poder e controle é muito maior que o meio exterior. Mas qual é, afinal de contas, a diferença entre um e outro? Ambos estão controlando, pervertendo a mente, que é inteligência, através deste desejo de autoperpetuação. E também você tem o que chama de intuição, que é simplesmente a realização irrestrita de suas próprias esperanças e desejos secretos. Portanto você preencheu o mundo interior, o que você chama de mundo interior, com tudo isto – autodisciplina, a voz interior, intuição. Todas, se você for refletir sobre isto, são formas sutis desse mesmo conflito, levado para um mundo diferente, onde não existe compreensão, mas meramente um moldar, um ajuste a um meio mais sutil,  que você chama de mais espiritual.

Você sabe, no mundo exterior alguns buscaram e encontraram distinções sociais, e do mesmo modo as chamadas pessoas espirituais meramente buscam neste mundo interior, e geralmente encontram, seus pares espirituais e superiores; e outra vez como existe conflito no exterior entre indivíduos, também é criado neste mundo interior um conflito espiritual entre ideais, realização, e seus próprios anseios. Você vê então o que foi criado.

No mundo exterior não há expressão para a mente obscurecida pela memória, para esse “Eu” consciente não há expressão, porque o meio é muito forte, muito poderoso, muito esmagador; ali você entra no molde, ou se não, você é aniquilado. Então você desenvolve uma forma interior ou mais sutil de meio, no qual o mesmo tipo de coisa acontece. Esse meio que você criou é uma fuga do exterior, e aí também você tem padrões, leis morais, intuições, o ego elevado, a voz interior, e a eles você fica constantemente se ajustando. Isto é um fato.

.Em essência, estas restrições que chamamos de exterior e interior são nascidas do anseio, e assim existe medo; e do medo vem restrição, compulsão, influência, e o desejo de poder, que não são mais do que expressões externas do medo. Onde há medo não pode haver inteligência, e enquanto não compreendermos isso, haverá esta divisão na vida como exterior e interior e, portanto, nossas ações serão sempre influenciadas, ou compelidas pelo exterior, e portanto falsas, ou compelidas pelo interior, o que é igualmente falso, porque também no interior você está meramente tentando ajustar-se a outros determinados padrões.

O medo é criado quando o falso busca a perpetuação de si mesmo no meio falso. E assim o que acontece com nossa ação, que é nossa conduta diária, com nosso pensamento e emoção, o que acontece com eles?

Mente e coração estão se moldando ao meio, meio exterior, mas quando eles descobrem que não podem, pois a compulsão se torna muito forte, se voltam então para uma condição interior onde mente e coração buscam perfeito bem estar e satisfação. Ou eles se satisfazem completamente através de realizações econômica, social, religiosa, ou política, e então se voltam para o interior, lá também para prosperar, ter sucesso, ganhar; e para ganhar, eles devem ter sempre um ponto alto, uma meta, que se torna a condição à qual a mente e o coração estão continuamente se ajustando.

E nesse meio tempo, o que acontece com nossos sentimentos, nossas emoções, nossos pensamentos, nosso amor, com nossa razão? O que acontece quando você está simplesmente se ajustando, quando está simplesmente modificando, alterando? O que acontece com qualquer coisa – o que acontece com uma casa cujas paredes você simplesmente decora embora suas fundações estejam podres? Assim, do mesmo modo, nossos pensamentos e nossas emoções estão simplesmente tomando forma, alterando-se, modificando-se segundo um padrão, seja o padrão externo ou o interno; ou de acordo com uma compulsão externa ou uma direção interna. Tão grandemente nossas ações estão sendo limitadas pela influência, que toda razão se torna meramente a imitação de um padrão, um ajustamento a uma condição, e o amor se torna apenas outra forma de medo. Toda nossa vida – afinal, nossa vida são nossos pensamentos e nossas emoções, nossas alegrias e nossas dores – toda nossa vida se torna incompleta, todo nosso processo de pensamento ou a expressão dessa vida é simplesmente um ajustamento, uma modificação, nunca uma perfeição, uma plenitude. E disso surgem problemas e mais problemas, o ajustamento ao meio, que deve constantemente mudar, e a conformidade a padrões, que também podem variar. Assim você prossegue nesta batalha, e esta batalha você chama de evolução, o desenvolvimento do ego, a expansão dessa consciência que não é nada mais que memória. Você inventou palavras para pacificar sua mente mas continua nesta luta.

Agora, se você realmente refletir sobre isto – e acho que você tem uma oportunidade durante estes dias – se você reconhece isto e sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar, se torna consciente deste meio exterior, destas circunstâncias, condições, e do mundo interior onde existem as mesmas condições, os mesmos meios, que você nomeou com termos mais sutis, mais bonitos; se você fica realmente consciente disto, então começará a compreender o verdadeiro significado do exterior e do interior; há uma imediata percepção, a libertação da vida, então a mente se torna inteligente e pode funcionar naturalmente, criativamente, sem esta constante batalha. Então a mente – inteligência – reconhece os obstáculos, e pela compreensão destes obstáculos, ela penetra; não há ajustamento, não há modificação, há apenas compreensão. Daí a inteligência não depende do exterior ou do interior, e nessa atenção não existe desejo, nem anseio, mas a percepção do que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro, não pode haver anseio.

Você sabe, quando existe um anseio, sua mente já está obscurecida, já está pervertida, porque a mente se identifica com um e rejeita o outro – onde existe anseio não existe compreensão; mas quando a mente não se identifica com o “Eu” mas fica consciente do exterior e do interior, das sutis divisões, das várias emoções, das delicadas nuances da mente se dividindo como memória e inteligência – então nessa conscientização você verá a completa significação do meio que nós criamos através dos séculos, esse meio que chamamos de exterior, e aquele que chamamos interior, ambos continuamente mudando e se ajustando um ao outro.

Tudo que lhe interessa agora é modificação, alteração, ajustamento, e, portanto deve haver medo. O medo tem seus instrumentos na compulsão, e a compulsão só existe quando não há compreensão, quando a inteligência não está funcionando normalmente.

22 de junho de 1934.