Trecho do “livro Diário de Krishnamurti”

As sombras são mais vivas que a realidade; as sombras são mais longas, mais profundas e mais ricas; parecem ter vida própria, independente e protetora; há uma satisfação peculiar em seu convite. O símbolo se torna mais importante que a realidade. O símbolo dá abrigo; é fácil sentir conforto em seu abrigo. Você pode fazer o que quiser com isso, isso nunca irá contradizer, nunca mudará; pode ser coberto com guirlandas ou cinzas. Há uma satisfação extraordinária numa coisa morta, num quadro, numa conclusão, numa palavra. Apesar de estarem mortos exalam perfumes que nos dão imenso prazer. O cérebro é sempre o ontem, o hoje é a sombra de ontem, e amanhã é a continuação dessa sombra, um pouco alterada, mas ainda cheira a ontem. Assim, o cérebro vive e tem sua existência nas sombras; é mais seguro, mais reconfortante.

A consciência está sempre recebendo, acumulando e, a partir do que reuniu, interpretando; ela está recebendo por todos os seus poros; armazenando, experimentando o que reuniu, julgando, compilando, modificando. Ela vê não apenas através dos olhos, através do cérebro, mas também através deste pano de fundo. A consciência surje para receber e, ao receber, ela existe. Nas suas profundezas ocultas, ela guardou o que recebeu ao longo dos séculos, os instintos, as memórias, as defesas, acrescentando, acrescentando, apenas retirando para acrescentar mais. Quando esta consciência olha para o exterior é para pesar, equilibrar, comparar, e receber. E quando olha para o interior, seu olhar ainda é o olhar externo, para pesar, para comparar e para receber; o despojamento interno é outra forma de acumular. Esse processo de vinculação ao tempo continua com dor, com alegria e sofrimentos passageiros.

Mas olhar, ver, ouvir, sem esta consciência – uma ação na qual não há recepção, é o movimento total da liberdade. Esta ação não tem centro, um ponto pequeno ou extenso, a partir do qual se move; assim ela se move em todas as direções, sem a barreira do tempo-espaço. A sua escuta é total, o seu olhar é total. Essa ação é a essência da atenção. A atenção abrange todas as distrações. Somente a concentração conhece o conflito da distração. Toda consciência é pensamento, expresso ou não, verbal ou buscando a palavra; pensamento como sentimento, sentimento como pensamento. O pensamento nunca está parado; a reação que se expressa é pensamento e o pensamento aumenta ainda mais as respostas. A beleza é o sentimento que o pensamento expressa. O amor ainda está dentro do campo do pensamento. Existe amor e beleza dentro do cercado do pensamento? Existe beleza quando o pensamento existe? A beleza, o amor que o pensamento conhece é o oposto da feiúra e do ódio. A beleza não tem oposto, nem o amor.

Ver sem pensamento, sem palavra, sem resposta da memória é totalmente diferente de ver com o pensamento e o sentimento. O que você vê com o pensamento é superficial; então ver é apenas parcial; isso não é ver realmente. Ver sem pensamento é ver totalmente. Ver uma nuvem sobre uma montanha, sem o pensamento e suas respostas, é o milagre do novo; não é “bonito”, é explosivo na sua imensidão; é algo que nunca existiu e nunca existirá. Para ver, para ouvir, a consciência em sua totalidade deve estar quieta para que a criação destrutiva exista. É a totalidade da vida e não o fragmento de todo pensamento. Não há beleza, mas apenas uma nuvem sobre a montanha; isso é criação.