O livro da vida

Só existe apego; não existe tal coisa como desapego. A mente inventa o desapego como reação à dor do apego. Quando você reage ao apego se tornando “desapegado”, está apegado a alguma outra coisa. Então o processo único é o apego. Você é apegado à sua esposa ou seu marido, aos seus filhos, a ideias, tradição, autoridade, e assim por diante; e sua reação a esse apego é desapego. O cultivo do desapego é o resultado de sofrimento, dor. Você quer fugir da dor do apego, e sua fuga é encontrar alguma coisa a que você ache que pode se apegar. Então só existe apego, e é uma mente estúpida que cultiva o desapego. Todos os livros dizem, “Seja desapegado”, mas qual é a verdade da questão? Se você observar sua própria mente, verá uma coisa extraordinária que pelo cultivo do desapego, sua mente está se tornando apegada a alguma outra coisa. 

Trecho de palestra em Saanen – 16/07/1974

Para o orador apego é muito mais importante que desapego. Porque se a pessoa pode descobrir por que a mente é apegada, não importa a quê – meu sentar aqui, fiz isso por cinquenta anos, numa plataforma, falando, e estou apegado a isso – se estou apegado, espero não estar – se estou apegado. E por que está apegado? Você vê a diferença? Não como ser desapegado mas porque estar apegado. Por que você é apegado à sua casa, sua esposa, suas ideias, suas meditações, seu sistema, por quê? O que aconteceria se você não fosse apegado? O apego dá certa ocupação à mente – certo? Você pensa constantemente sobre isto. E esta ocupação constante é um dos fatores que a mente e o cérebro dizem, “Sim, devo ficar ocupado com alguma coisa” – por favor, acompanhe tudo isto. Com meu Deus, com meu sexo, com minha bebida, com Deus sabe o que – eu devo ficar ocupado – com a cozinha ou com o rei, ou com alguma ordem social, ou comunidade, ou o que seja. E a partir desta demanda por ocupação há o apego, você se agarra a alguma coisa. Ora, por que a mente está ocupada? Por que ela deve estar ocupada? E o que aconteceria se ela não estivesse ocupada? Ela se perderia? Ela se desintegraria? Sentir-se-ia completamente nua, vazia e, por isso o medo desse vazio, por isso ocupação? Daí, a importância da mobília, do livro, da ideia, e todo o resto. Assim, a partir do sentimento vazio e da solidão de não ser totalmente íntegra, a mente é apegada. Entende? E pode a mente viver, ser vital, energética, cheia de profundidade, sem apego? Naturalmente que ela pode.