Trechos do livro “Palestras com Estudantes Americanos”

Existe o carro de boi e o avião a jato, isso é evolução. Há uma evolução do primata para o chamado homem. Há evolução do não saber ao saber, a evolução implica o tempo; mas psicologicamente, interiormente, há evolução? Você está acompanhando a pergunta? Externamente, pode-se ver como a arquitetura avançou da cabana primitiva para a construção moderna, a mecânica do carrinho de duas rodas para o motor, o avião a jato, indo para a lua e tudo o mais – está lá, obviamente não há dúvida se essas coisas evoluíram ou não. Mas há evolução interior, afinal? Você acredita que sim, você pensa assim, não é? Mas existe? Não diga “há” ou “não há”. Meramente afirmar é a coisa mais tola, mas descobrir é o começo da sabedoria. Agora, psicologicamente, há evolução? Isto é, eu digo ‘eu me tornarei algo’, ou ‘eu não devo ser algo’; o tornar-se ou o não ser, envolve tempo — não é? ‘Depois de amanhã ficarei menos zangado’, ‘serei mais gentil e menos agressivo, mais prestativo, não serei tão egocêntrico, egoísta’, tudo o que implica tempo – ‘eu sou isso’ e ‘eu serei aquilo’. Digo que evoluirei psicologicamente — mas existe tal evolução? Serei diferente daqui a um ano? Sendo violento hoje, toda a minha natureza é violenta, toda a minha criação, educação, as influências sociais e as pressões culturais geraram em mim violência; também herdei a violência do animal, os direitos territoriais e os direitos sexuais e assim por diante – essa violência evoluirá para a não violência? Você pode me dizer por favor? A violência pode se tornar não violência? A violência pode se tornar amor? 

Se admitirmos a possibilidade de progresso e evolução psicológicos, então devemos admitir o tempo. Mas o tempo é o produto do pensamento. Quando você diz: ‘Bem, eu sou isso hoje, um produto do pensamento – mas serei algo diferente na próxima semana’, ou em alguma data futura, ou amanhã, essa é uma concepção trazida pelo pensamento, obviamente. E o pensamento, como temos dito, é sempre velho. O pensamento pode ser alterado, pode ser modificado, pode ser adicionado, subtraído, mas permanece sempre pensamento; pensamento sendo a resposta da memória, que é do passado. E o pensamento, o passado, gerou o tempo psicológico. Se não há tempo psicológico – e não há nenhum – então você está lidando com “o que é”, não com “o que deveria ser”, como se pensava. Novamente, “o que deveria ser” é uma invenção, é uma fuga do fato de “o que é”. Porque não sabemos como lidar com “o que é”, inventamos o futuro. Se eu soubesse o que fazer com minha violência agora, hoje, não pensaria no futuro. Se eu soubesse o que significa morrer hoje completamente, não teria medo do amanhã, da morte e da velhice, que são produtos do pensamento, a concepção do amanhã. Então, há apenas uma coisa, ‘o que é’; posso entender isso? — a mente pode entender completamente e ir além disso? Isso significa não admitir o tempo de forma alguma, porque o tempo é uma invenção do pensamento. Então, para entender ‘o que é’, devo dedicar toda a minha mente e coração a isso. Devo entender a violência; a violência não é algo separado de mim, eu sou a violência; a violência não está lá e eu estou aqui; Eu sou a própria natureza e estrutura da violência; isto é, o ‘observador’ é o ‘observado’. O “observador” que diz “eu sou violento”, ele se separou da violência; mas se você observar bem de perto, o ‘observador’ é a violência. Quando isso é um fato, não uma ideia, então o dualismo e a divisão, entre o “observador” e o “observado”, chega ao fim; então sou violência; tudo o que faço nasce dessa violência, portanto, o esforço acaba. Quando não há divisão entre o fato da violência e o ‘observador’ que pensa ser diferente, então verá que o ‘observador’ é o ‘observado’, não são estados separados. E quando se vê que o ‘observador’ é o ‘observado’, como violência, então o que a mente deve fazer? Qualquer ato por parte da mente para fazer algo sobre a violência ainda é violência. Assim, a mente percebendo que tudo o que pensa sobre violência é parte da violência, seu pensamento chega ao fim – e, portanto, a violência cessa. A percepção disso é imediata, não algo a ser cultivado ao longo do tempo, a ser alcançado em alguma data futura. Então há, nessa percepção, a visão de algo imediatamente; em que não há tempo, progresso ou evolução; é uma percepção e ação instantâneas. E com certeza o amor é assim, não é? O amor não é produto do pensamento; o amor, como a humildade, não é algo a ser cultivado. Você não pode cultivar a humildade, é apenas o homem vaidoso que cultiva a humildade; e quando ele está “cultivando”, isto é, progredindo para a humildade, ele está sendo vaidoso – como um homem que pratica a não violência, enquanto isso ele está sendo violento. 

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Existem obviamente dois tipos de tempo; tempo cronológico e tempo psicológico. Há o tempo psicológico, como não ser ou vir a ser — sou isto, serei aquilo, sou violento e não serei violento. A divisão entre “o que é” e “o que deveria ser” é o caminho do tempo. Nisso está envolvido o vir a ser. Sou violento e para me tornar não violento, para me tornar pacífico, preciso ter tempo. A não violência é o oposto da violência e esta divisão gera o conflito, o conflito entre como sou e como deveria ser. Nisso está envolvido todo o processo do tempo psicológico. E existe realmente tempo psicológico? Obviamente há o tempo pelo relógio, você tem que ter tempo para pegar ônibus, trem e assim por diante; mas existe algum outro tipo de tempo? — pois esse tempo gera medo. Ou seja, sou vicioso e odioso por dentro, sou psicologicamente feio e o pensamento projeta a ideologia da não violência que deve ser alcançada, uma ideologia da perfeição e assim por diante. Assim, o pensamento envolve tempo; e o pensamento gera medo. O pensamento gera o medo do amanhã — do que pode acontecer; o pensamento mantém o passado como “foi” e cria as várias possibilidades de “o que será”. O pensamento tem medo do passado, bem como do futuro. O pensamento é o tempo, e o tempo, psicologicamente, é essa divisão entre “o que foi”, “o que é” e “o que deveria ser”.