Adyar  

Krishnamurti foi engrinaldado por um membro da audiência que lhe desejou um feliz ano novo.

Krishnamurti: Obrigado. Eu tinha esquecido que é um ano novo. Desejo também a todos um feliz ano novo.

Na minha breve palestra desta manhã, quero explicar como se pode descobrir por si mesmo o que é a verdadeira satisfação. A maioria das pessoas no mundo está presa em algum tipo de insatisfação e está constantemente buscando satisfação. Isto é, sua busca por satisfação é uma busca por um oposto. Agora, a insatisfação, o descontentamento, surgem da sensação de vazio, da sensação de solidão, de tédio, e quando vocês têm essa insatisfação, vocês procuram preencher o vazio, o vácuo em sua vida. Quando vocês estão insatisfeitos, vocês estão constantemente procurando algo para substituir o que causa insatisfação, algo para servir como substituto, algo que lhes dê satisfação. Vocês se voltam para uma série de conquistas, para uma série de sucessos para preencher o vazio doloroso em sua mente e em seu coração. Isso é o que a maioria de vocês está tentando fazer. Se houver medo, vocês buscam a coragem que vocês esperam que lhes dê contentamento, felicidade.

Nesta busca pelo oposto, sentimentos profundos estão sendo gradualmente destruídos. Vocês estão se tornando cada vez mais superficiais, cada vez mais vazios, porque toda a concepção de vocês sobre satisfação, sobre felicidade, é de substituição. O anseio, o desejo ardente da maioria das pessoas é pelo oposto. Em seu desejo ardente por conquista, vocês perseguem ideais espirituais ou procuram ter títulos mundanos, e ambos equivalem exatamente à mesma coisa.

Tomemos um exemplo que talvez possa tornar o assunto mais claro; embora, na maioria das vezes, os exemplos sejam confusos e desastrosos para a compreensão, porque não dão uma percepção clara do abstrato, e é só através do abstrato que se pode chegar à prática. Suponham que eu deseje uma coisa e que, através de meus esforços, eu finalmente a possua. Mas essa posse não me dá a satisfação que eu esperava, não me dá felicidade duradoura. Então eu mudo meu desejo para outra coisa, e eu possuo isso. Mas mesmo essa coisa nova não me dá satisfação permanente. Depois volto-me para o afeto, para a amizade, depois para as ideias e finalmente volto-me para a busca da verdade ou de Deus. Esse processo gradual de mudança dos objetos de desejo é chamado de evolução, crescimento em direção à perfeição.

Mas se vocês realmente pensarem sobre isso, verão que esse processo nada mais é do que o progresso da satisfação e, portanto, um vazio, uma superficialidade cada vez maiores. Se prestarem atenção, verão que essa é a substância de suas vidas. Não há alegria em seu trabalho, em seu meio; vocês têm medo, têm inveja das posses dos outros. Daí surge a luta, e dessa luta surge o descontentamento. Então, para superarem esse descontentamento, para encontrarem satisfação, vocês se voltam para o oposto.

Da mesma maneira, quando vocês mudam seu desejo do chamado transitório, do não essencial para o permanente, o essencial, o que vocês fizeram foi apenas mudar o objeto de sua satisfação, o objeto de seu ganho. Primeiro era uma coisa concreta e agora é a verdade. Vocês apenas mudaram o objeto de seus desejos, tornando-se assim mais superficiais, mais frívolos, mais vazios. A vida tornou-se insatisfatória, superficial, transitória.

Não sei se vocês concordam ou discordam do que estou dizendo, mas se vocês estiverem dispostos a pensar sobre isso, discutir e questionar, verão que o desejo ardente de vocês pela verdade, como venho tentando explicar durante estas conversas, é meramente o desejo de gratificação, de satisfação, de anseio por proteção, por segurança. Nesse desejo ardente nunca há realidade. Esse desejo ardente é superficial, passivo; resulta em nada mais do que astúcia, vazio e crença inquestionável.

Existe um verdadeiro desejo ardente, um verdadeiro anseio; não é o desejo de um oposto, mas o desejo de compreender a causa da própria coisa em que estamos presos. Agora, vocês estão constantemente buscando opostos; quando vocês estão com medo, vocês buscam a coragem como um substituto para o medo, mas esse substituto não os liberta realmente do medo. Fundamentalmente, vocês ainda estão com medo; vocês apenas encobriram esse medo básico com a ideia de coragem. O homem que persegue a coragem, ou qualquer outra virtude, está agindo superficialmente, ao passo que, se tentasse compreender inteligentemente essa busca pela coragem, ele seria levado à descoberta da própria causa do medo, o que o libertaria do medo bem como do seu oposto. E esse não é um estado negativo: é a única maneira dinâmica, positiva de viver.

Qual é, por exemplo, sua preocupação imediata quando vocês estão com uma dor física? Vocês querem alívio imediato, não é? Vocês não estão pensando no momento em que não sentiam dor ou no momento em que não sentirão dor. Vocês estão preocupados apenas com o alívio imediato dessa dor. Vocês estão buscando o oposto. Vocês estão tão consumidos com essa dor que querem se livrar dela. Existe a mesma atitude quando todo o seu ser está consumido pelo medo. Quando tal medo surgir, não fujam dele. Lidem com ele completamente, com todo o seu ser, não tentem desenvolver coragem. Só então vocês compreenderão sua causa fundamental, libertando assim a mente e o coração do medo.

A civilização moderna ajudou a treinar sua mente e seu coração para não sentirem intensamente. A sociedade, a educação, a religião os encorajaram em direção ao sucesso, deram-lhes esperança de ganho. E neste processo de sucesso e ganho, neste processo de conquista e crescimento espiritual, vocês destruíram diligentemente, cuidadosamente a inteligência, a profundidade do sentimento.

Quando vocês estão realmente sofrendo, como quando morre alguém que vocês realmente amam, qual é a reação de vocês? Vocês estão tão presos em suas emoções, em seus sofrimentos, que por um momento vocês ficam paralisados pela dor. E depois o que acontece? Vocês anseiam ter seu amigo de volta novamente. Então vocês buscam todas as maneiras e meios de chegar a essa pessoa. O estudo da vida depois da morte, a crença na reencarnação, a utilização de médiuns – tudo isso vocês buscam para entrar em contato com o amigo que perderam. Então, o que aconteceu? A agudeza da mente e do coração que vocês sentiram no sofrimento, tornou-se embotada, morreu.

Por favor, tentem acompanhar inteligentemente o que estou dizendo. Mesmo que vocês acreditem na vida após a morte, por favor, não fechem a mente e o coração de vocês contra o que tenho a dizer.

Vocês desejam ter o amigo que perderam. Agora, essa mesma carência destrói a intensidade, a completude da percepção. Porque, afinal, o que é sofrimento? O sofrimento é um choque para despertá-lo, para ajudá-lo a compreender a vida. Quando vocês experimentam a morte, vocês sentem absoluta solidão, sentem a perda de suporte; vocês são como o homem que foi privado de suas muletas. Mas se vocês buscarem imediatamente novamente as muletas na forma de conforto, companhia, segurança, vocês privam o choque de seu significado. Outro choque vem, e novamente vocês passam pelo mesmo processo. Assim, embora vocês tenham muitas experiências durante sua vida, os choques de sofrimento que deveriam despertar sua inteligência, sua compreensão, vocês gradualmente amortecem esses choques por seu desejo e busca por conforto.

Assim, vocês utilizam a ideia de reencarnação, de crença na vida após a morte, como uma espécie de droga ou anestésico. Ao se voltarem para essa ideia, não há inteligência. Vocês estão apenas buscando uma fuga do sofrimento, um alívio da dor. Quando vocês falam sobre reencarnação, vocês não estão ajudando os outros a compreender verdadeiramente a causa da dor; vocês não os estão ajudando a se libertarem do sofrimento. Vocês estão apenas dando a eles um meio de fuga. Se outro aceita o conforto, a fuga que vocês lhe oferecem, seus sentimentos tornam-se superficiais, vazios, porque ele se refugia na ideia da reencarnação. Por causa dessa segurança plácida que vocês lhe deram, ele não sente mais profundamente quando alguém morre, porque ela embotou seus sentimentos, insensibilizou seus pensamentos.

Assim, nessa busca por contentamento, por conforto, seus pensamentos e sentimentos se tornam superficiais, estéreis, triviais, e a vida se torna uma concha vazia. Mas se vocês veem o absurdo da substituição e percebem a ilusão do contentamento, com sua conquista, então há uma grande profundidade no pensamento e no sentimento; então a própria ação revela o significado da vida.

Interrogante: Há muitos sistemas de meditação e de autodisciplina adaptados a diversos temperamentos, e todos eles se destinam a cultivar e aguçar a mente, as emoções ou ambas; porque a utilidade e o valor de um instrumento são maiores ou menores conforme seja afiado ou rombudo. Agora: (1) Você acha que todos esses sistemas são igualmente inúteis e prejudiciais sem exceção? (2) Como você lidaria com as diferenças temperamentais dos seres humanos? (3) Que valor tem a meditação do coração para você?

Krishnamurti: Vamos diferenciar entre concentração e meditação. Agora, quando vocês falam de meditação, a maioria de vocês refere-se ao mero aprendizado do truque da concentração. Mas a concentração não leva à alegria da meditação. Considerem o que acontece no que vocês chamam de meditação, que é meramente o processo de treinar a mente para se concentrar em um determinado objeto ou ideia. Vocês excluem de sua mente todos os outros pensamentos ou imagens, exceto aquela que vocês escolheram deliberadamente; vocês tentam focar sua mente naquela única ideia, imagem ou palavra. Agora, isso é meramente contração do pensamento, limitação do pensamento. Quando outros pensamentos surgem durante esse processo de contração, vocês os descartam, os afastam. Assim, sua mente se torna cada vez mais estreita, menos elástica, cada vez menos livre. Por que vocês querem se concentrar? Porque vocês veem um engodo, uma recompensa, esperando por vocês como resultado da concentração. Vocês querem se tornar um discípulo, querem encontrar um Mestre, querem se desenvolver espiritualmente, querem compreender a verdade. Assim, sua concentração se torna completamente destrutiva em relação ao pensamento e a emoção, porque vocês consideram a meditação, a concentração em termos de ganho, em termos de fuga da confusão. Apenas pensem nisso por um momento, aqueles de vocês que praticaram meditação, concentração durante anos. Vocês têm forçado sua mente a se ajustar a um padrão específico, a se conformar a uma determinada imagem ou ideia, a se moldar de acordo com uma determinada peculiaridade ou preconceito. Agora, todas as crenças, ideais, peculiaridades dependem de gostos e antipatias pessoais. Sua autodisciplina, sua chamada meditação é meramente um processo pelo qual vocês tentam obter algo em troca. E essa garantia de terem algo em troca, essa busca por recompensa, também explica a grande adesão em igrejas e sociedades religiosas: essas instituições prometem uma recompensa, um prêmio aos seguidores que aderirem fielmente à sua disciplina.

Onde existe controle, não há meditação do coração. Quando vocês estão procurando com o objetivo de ganhar, de ter uma recompensa, sua busca já terminou. Tomemos, por exemplo, o caso de um cientista, um grande cientista, não um pseudocientista. Um verdadeiro cientista está continuamente experimentando sem buscar resultados. Em sua busca, há o que chamamos de resultados, mas ele não fica preso a esses resultados, porque está constantemente experimentando. Nesse mesmo movimento de experimento, ele encontra alegria. Essa é a verdadeira meditação. A meditação não é a busca por um resultado, um subproduto. Tal resultado é meramente acidental, uma expressão externa daquela grande busca que é extática, eterna.

Agora, em vez de banir cada pensamento que surge, como vocês fazem quando praticam a chamada meditação, tentem compreender e viver no significado de cada pensamento à medida que ele vem a vocês; façam isso não em um determinado período, em uma determinada hora ou momento do dia, mas durante todo o dia, continuamente. Nessa consciência, vocês compreenderão a causa de cada pensamento e seu significado. Essa consciência libertará a mente dos opostos, da trivialidade, da superficialidade; nessa consciência, há liberdade, completude de pensamento. É um movimento eterno, sem limitação, e nisso existe a verdadeira alegria da meditação, em que há paz viva. Mas quando vocês buscam um resultado, sua meditação se torna rasa, vazia, como é demonstrado pelos seus atos. Muitos de vocês meditaram durante anos. O que isso lhes tem ajudado? Vocês baniram seus pensamentos de suas ações. Em templos, em santuários, em capelas de meditação, vocês encheram suas mentes com a suposta imagem da verdade, de Deus, mas quando vocês saem para o mundo, suas ações não exibem nada daquelas qualidades que vocês estão tentando alcançar. Suas ações são exatamente o oposto, são cruéis, exploradoras, possessivas, destrutivas. Assim, nesta procura por recompensa, por um prêmio, vocês diferenciaram entre pensamento e ação, vocês fizeram uma divisão entre os dois, e sua chamada meditação é vazia, rasa, sem profundidade de sentimento ou grandeza de pensamento.

Se vocês estiverem constantemente conscientes, completamente conscientes à medida que cada pensamento e emoção surgem, nessa chama sua ação será o resultado harmonioso de pensamento e sentimento. Essa é a alegria, a paz da verdadeira meditação, não esse processo de autodisciplina, de torção, de treinamento da mente para se conformar a uma determinada atitude. Tal disciplina, tal distorção significa apenas decadência, tédio, rotina, morte.

Interrogante: Durante a Convenção Teosófica na semana passada, vários líderes e admiradores da Dra. Besant falaram, prestando-lhe grandes homenagens. Qual sua homenagem e opinião dessa grande figura que foi uma mãe e uma amiga para o senhor? Qual foi a atitude dela em relação a você durante os muitos anos de tutela do senhor e seu irmão, e posteriormente? O senhor não é grato a ela por sua orientação, formação e cuidado?

Krishnamurti: O Sr. Warrington gentilmente me pediu para falar sobre esse assunto, mas eu disse a ele que não queria. Agora, não me condenem usando palavras como “tutela”, “gratidão” e assim por diante. Senhores, o que posso dizer? A Dra. Besant era nossa mãe, ela olhou por nós, cuidou de nós. Mas uma coisa ela não fez. Ela nunca me disse: “Faça isso”. Ou: “Não faça aquilo”. Ela me deixava à vontade. Bem, com essas palavras prestei-lhe a maior homenagem. (Aplausos da audiência)

Vocês sabem, seguidores destroem líderes, e vocês destruíram os seus. Ao seguirem um líder, vocês exploram esse líder. Ao usar o nome da Dra. Besant tão constantemente, vocês estão meramente explorando-a. Vocês estão explorando-a e explorando outros professores. O maior desserviço que vocês podem fazer a um líder é seguir esse líder. Eu sei que vocês sensatamente acenam com as cabeças em sinal de aprovação. Deixem-me apenas citar o nome dela e santificar sua memória, e posso explorá-los porque vocês querem ser explorados; vocês querem ser usados como instrumentos, porque isso é mais fácil do que pensar por si próprios. Vocês são engrenagens, peças de máquinas sendo usadas por exploradores. As religiões usam vocês em nome de Deus, a sociedade usa vocês em nome da lei, os políticos e educadores usam e exploram vocês. Os chamados Mestres e guias religiosos exploram vocês em nome de cerimônias, em nome de Mestres. Estou apenas despertando vocês para esses fatos. Vocês podem fazer o que quiserem com eles – com isso não estou preocupado, porque não pertenço a nenhuma sociedade e provavelmente não voltarei aqui.

Comentário da audiência: Mas nós queremos que você volte.

Krishnamurti: Por favor, não fiquem sentimentais sobre isso. Provavelmente alguns de vocês ficarão satisfeitos por eu não voltar mais.

Comentário: Não.

Krishnamurti: Esperem um momento, por favor. Eu não quero que vocês me peçam ou não me peçam para voltar. Isso não importa nada.

Senhores, estas duas coisas são totalmente diferentes: o que vocês estão pensando e fazendo, e o que estou falando e fazendo. As duas não podem combinar. Todo o seu sistema está baseado na exploração, no seguimento da autoridade, na crença na religião e na fé. Não apenas o seu sistema, mas os sistemas do mundo inteiro. Não posso auxiliar aqueles de vocês que estão contentes com esse sistema. Eu quero auxiliar aqueles que estão ansiosos para romper, para compreender. Naturalmente, vocês me expulsarão, porque me oponho a tudo o que vocês gostam, a tudo o que vocês consideram sagrado e valioso. Mas sua rejeição não importa para mim. Não estou ligado a este ou a qualquer lugar. Repito, o que vocês estão fazendo e o que estou fazendo são duas coisas totalmente diferentes, que não têm nada em comum.

Mas eu estava respondendo à questão sobre a Dra. Besant. A mente humana é preguiçosa, letárgica. Ela tem sido tão embotada pela autoridade, tão moldada, controlada, condicionada, que não pode se sustentar sozinha. Mas ficar sozinho é a única forma de compreender a verdade. Agora, vocês estão realmente, fundamentalmente interessados em compreender a verdade? Não, a maioria de vocês não está. Vocês só estão interessados em apoiar o sistema que agora sustentam, em encontrar substitutos, em buscar conforto e segurança; e nessa busca, vocês estão explorando os outros e explorando vocês mesmos. Nisso não há felicidade, riqueza nem plenitude. Porque vocês seguem esse modo de vida, vocês têm que escolher. Quando vocês baseiam sua vida na autoridade do passado ou na esperança do futuro, quando vocês guiam suas ações pela grandeza passada ou pelas ideias passadas de um líder, vocês não estão vivendo; vocês estão meramente imitando, agindo como uma engrenagem em uma máquina. E ai de tal pessoa! Para ela, a vida não traz felicidade, riqueza, mas apenas superficialidade, vazio. Isso me parece tão claro que me surpreende que a questão surja tantas vezes.

Interrogante: O senhor falou em termos claros sobre o assunto da existência de Mestres e o valor das cerimônias. Posso lhe fazer uma pergunta franca e direta? Você está nos revelando seu ponto de vista genuíno sem nenhuma limitação mental? Ou a maneira implacável da apresentação da sua opinião é apenas um teste à nossa devoção aos Mestres e à nossa lealdade à Sociedade Teosófica à qual pertencemos? Por favor, dê sua resposta com franqueza, mesmo que ela possa ser prejudicial para alguns de nós.

Krishnamurti: O que vocês pensam que eu sou? Eu não lhes dei uma reação momentânea, eu lhes disse o que realmente penso. Se vocês desejam usar isso como um teste para se fortalecerem, para se entrincheirarem em suas velhas crenças, eu não posso evitar. Eu lhes disse o que penso, de forma franca, direta, sem dissimulação. Não estou tentando fazer vocês agirem de uma maneira ou de outra, não estou tentando seduzi-los para qualquer sociedade ou para uma forma específica de pensamento, não estou apresentando uma recompensa na sua frente. Eu lhes disse francamente que os Mestres não são essenciais, que a ideia de Mestres nada mais é do que um brinquedo para o homem que realmente busca a verdade. Não estou tentando atacar suas crenças, percebo que sou um convidado aqui; essa é apenas a minha opinião franca, como já a declarei várias vezes.

Afirmo que onde há iniquidade há cerimônias, seja em Mylapore, em Roma ou aqui. Mas por que discutir esse assunto por mais tempo? Vocês conhecem meu ponto de vista, como já o declarei repetidamente. Eu lhes dei minhas razões para minha opinião sobre Mestres e cerimônias. Mas porque vocês querem Mestres, porque gostam de realizar cerimônias, porque tal realização lhes dá uma certa sensação de autoridade, de segurança, de exclusividade, vocês continuam em suas práticas. Vocês as continuam com fé cega, aceitação cega, sem razão, sem pensamento ou emoção real por trás de seus atos. Mas dessa maneira, vocês nunca compreenderão a verdade; nunca conhecerão a cessação do sofrimento. Vocês poderão encontrar esquecimento, deslembrança, mas nunca descobrirão a raiz, a causa do sofrimento, e nunca se libertarão dele.

Interrogante: O senhor corretamente condena uma atitude mental hipócrita e os sentimentos e ações que nascem dela. Mas, você diz que não nos julga, mas de alguma forma você parece considerar a atitude de alguns de nós como hipócrita, você pode dizer o que lhe dá tal impressão?

Krishnamurti: Muito simples. Vocês falam sobre fraternidade, mas são nacionalistas. Eu chamo isso de hipocrisia, porque nacionalismo e fraternidade não podem coexistir. Novamente, vocês falam sobre a unidade do homem, falam sobre ela teoricamente, mas ainda mantêm suas religiões particulares, seus preconceitos particulares, suas distinções de classe. Eu chamo isso de hipocrisia. Ou, novamente, vocês se voltam para a autoglorificação, para a autoglorificação sútil, em vez do que vocês chamam de autoglorificação grosseira, das pessoas mundanas que buscam distinções, concessões, honras governamentais. Vocês também são pessoas mundanas, e sua autoglorificação é exatamente a mesma, apenas um pouco mais sútil. Vocês, com suas distinções, com suas reuniões secretas, com sua exclusividade, também estão tentando se tornar nobres, obter honras e graus, mas em um mundo diferente. Isso eu chamo de hipocrisia. É hipocrisia porque vocês aparentam ser abertos, falam de fraternidade e unidade do homem, mas ao mesmo tempo seus atos são exatamente o oposto de suas palavras.

Se vocês fazem isso conscientemente ou inconscientemente não têm importância. O fato é que vocês fazem isso. Se vocês fizerem isso conscientemente, com interesse totalmente desperto, pelo menos farão isso sem hipocrisia. Então, vocês saberão o que estão fazendo. Se vocês disserem: “Eu quero me glorificar, mas como não posso obter distinções e honras neste mundo, tentarei adquiri-las em outro; me tornarei discípulo, serei chamado disso ou daquilo, serei honrado como um homem de qualidades, um homem de virtude”, então pelo menos vocês serão perfeitamente honestos. Então há alguma possibilidade de que vocês descubram que esse processo não leva a lugar nenhum.

Mas agora vocês estão tentando fazer duas coisas incompatíveis ao mesmo tempo. Vocês são possessivos e ao mesmo tempo falam sobre ausência de posse. Vocês falam sobre tolerância e, no entanto, estão se tornando cada vez mais exclusivos para “ajudar o mundo”. Palavras, palavras sem profundidade. Isso é o que eu chamo de hipocrisia. Em um momento vocês falam de amor por um Mestre, de reverência por um ideal, por uma crença, por um Deus, mas no momento seguinte vocês agem com uma crueldade terrível. Seus atos são atos de exploração, de posse, nacionalismo, de maus-tratos a mulheres e crianças, de crueldade com os animais. A tudo isso vocês são insensíveis e, no entanto, falam de afeto. Isso não é hipocrisia? Vocês dizem: “Nós não notamos essas situações”. Sim, é exatamente por isso que elas existem. Então por que falar de amor?

Portanto, para mim, suas sociedades, suas reuniões nas quais vocês falam sobre suas crenças, seus ideais, são reuniões de hipocrisia. Não é assim? Não estou falando duramente, pelo contrário, vocês sabem o que eu sinto sobre o estado do mundo. No entanto, vocês que podem ajudar, que dizem que querem ajudar, vocês que estão tentando ajudar, estão se tornando cada vez mais estreitos, mais fanáticos, cada vez mais sectários. Vocês deixaram de chorar, de lamentar, de sorrir. A emoção não significa nada para vocês. Vocês estão preocupados apenas com o ganho incessante, com a obtenção de conhecimento, que é sufocante, que é meramente teórico, que é um vazio cego. Conhecimento não tem nada a ver com sabedoria. A sabedoria não pode ser comprada, ela é natural, espontânea, livre. Não é uma mercadoria que vocês possam comprar de seu guru, professor, ao preço da disciplina. Sabedoria, eu digo, não tem nada a ver com conhecimento. No entanto, vocês buscam o conhecimento, e nessa busca pelo conhecimento, pelo ganho, vocês estão perdendo o amor, todo o sentido de sentimento pela beleza, toda a sensibilidade à crueldade. Vocês estão se tornando cada vez menos sensíveis.

Isso nos leva a outra questão que talvez discutamos mais tarde, a questão das impressões e reações. Vocês estão enfatizando a consciência do ego, a limitação. Quando vocês dizem: “Estou fazendo isso porque gosto, porque me dá satisfação, prazer”, estou inteiramente com vocês, porque então vocês compreenderão. Mas se vocês disserem: “Estou procurando a verdade; estou tentando ajudar a humanidade”, e ao mesmo tempo vocês aumentam sua autoconsciência, sua glória, então eu chamo sua atitude e sua vida de hipocrisia, porque vocês estão buscando poder através da exploração de outros.

Interrogante: A verdadeira crítica, de acordo com o senhor, exclui a mera oposição, o que equivale a dizer que ela exclui toda queixa, tendência para criticar ou crítica destrutiva. A crítica, no seu sentido, não é o mesmo que pensamento puro dirigido ao que está sendo considerado? Em caso afirmativo, como pode ser despertada ou desenvolvida a capacidade de crítica verdadeira ou pensamento puro?

Krishnamurti: Para despertar a verdadeira crítica sem oposição, vocês devem primeiro saber que não são verdadeiramente críticos, que não estão pensando com clareza. Essa é a primeira consideração. Para despertar o pensamento claro, devo primeiro saber que não estou pensando abertamente. Em outras palavras, devo tomar consciência do que estou pensando e sentindo. Só então posso saber se estou pensando verdadeiramente ou falsamente. Não é assim? Quando vocês dizem que são críticos, estão apenas se opondo através de preconceitos, gostos, antipatias pessoais, através de reações emocionais. Nesse estado, vocês dizem que estão pensando com clareza, que são críticos. Mas eu afirmo que para serem inteligentemente críticos, vocês devem estar livres desse viés pessoal, dessas oposições pessoais. E para serem inteligentemente críticos, vocês devem primeiro compreender que seu pensamento é influenciado, estreito, preconceituoso, pessoal, mesmo que vocês não tenham consciência dessa escravidão. Então vocês devem primeiramente se conscientizar disso.

Vocês veem como a tensão desta audiência diminuiu. Ou vocês estão cansados ou não estão tão interessados neste assunto como estavam interessados no assunto das cerimônias e dos Mestres. Vocês não veem a importância da crítica, porque sua capacidade de duvidar, de questionar, foi destruída pela educação, pela religião, pelas condições sociais. Vocês têm medo de que a dúvida e a crítica destruam a estrutura de crença que vocês construíram com tanto cuidado. Vocês sabem que as ondas da dúvida debilitarão o alicerce da casa que vocês construíram sobre as areias da fé. Vocês têm medo da dúvida e do questionamento. É por isso que seu interesse, sua tensão diminuiu. Mas a tensão é necessária para a ação; sem essa tensão, vocês não farão nada, seja no mundo físico ou no mundo do pensamento e do sentimento, que são todos um.

Então, antes de tudo, vocês devem se conscientizar de que estão pensando muito pessoalmente, de que seu pensamento é dominado por gostos e antipatias, por reações de prazer e dor. Agora, vocês dizem para si próprios: “Gosto da sua aparência, portanto seguirei o que você ensina”. Ou, outra: “Não gosto de suas crenças, portanto não vou ouvi-lo. Não vou nem mesmo tentar descobrir se o que ele diz tem algum valor intrínseco, vou simplesmente me opor a ele.” Ou, ainda: “Ele é um professor de autoridade, portanto devo obedecê-lo.” Através de tais pensamentos, com tais atitudes, vocês estão gradualmente, mas certamente destruindo todo o senso de verdadeira inteligência, todo pensamento criativo. Vocês estão se tornando máquinas cuja única atividade é a rotina, cuja única finalidade é o tédio e a decadência. No entanto, vocês questionam porquê sofrem, e buscam uma disciplina pela qual possam fugir desse sofrimento.

Interrogante: Quais são as regras e princípios da sua vida? Uma vez que, presumivelmente, eles estão baseados em sua própria concepção de amor, beleza, verdade e Deus, qual é essa concepção?

Krishnamurti: Quais são minhas regras e princípios de vida? Não tenho nenhum. Por favor, acompanhem o que eu digo, de forma crítica e inteligente. Não se oponham: “Não devemos ter regras? Caso contrário, nossas vidas seriam um caos.” Não pensem em termos de opostos. Pensem intrinsecamente em relação ao que estou dizendo. Por que vocês querem ter regras e princípios? Vocês que têm tantos princípios pelos quais moldam, controlam, dirigem suas vidas, por que vocês os querem? Por que vocês querem ter regras? Vocês respondem: “Porque não podemos viver sem elas. Sem regras e princípios faríamos exatamente as coisas que queremos fazer, podemos comer demais, abusar do sexo ou possuir mais do que deveríamos. Devemos ter princípios e regras para guiar nossas vidas.” Em outras palavras, para se conterem sem compreensão, vocês devem ter esses princípios e regras. Esta é toda a estrutura artificial de suas vidas – contenção, controle, supressão – porque por trás dessa estrutura está a ideia de ganho, segurança, conforto, o que causa medo.

Mas o homem que não está perseguindo a ganância, o homem que não está preso na promessa de recompensa ou na ameaça de punição, não precisa de regras; o homem que tenta viver e compreender cada experiência completamente não precisa de princípios e regras, porque são apenas as crenças condicionantes que exigem conformidade. Quando o pensamento estiver livre, incondicionado, então conhecerá a si mesmo como eterno. Vocês tentam controlar o pensamento, moldá-lo e direcioná-lo, porque vocês estabeleceram um objetivo, uma conclusão para a qual desejam ir, e essa finalidade é sempre o que vocês desejam que seja, embora vocês possam chamá-la de Deus, perfeição, realidade.

Vocês me perguntam sobre minha concepção de Deus, da verdade, da beleza, do amor. Mas eu digo, se alguém descrever a verdade, se alguém lhes disser a natureza da verdade, tenham cuidado com essa pessoa. Porque a verdade não pode ser descrita; a verdade não pode ser medida por palavras. Vocês acenam com as cabeças em concordância, mas amanhã estarão novamente tentando medir a verdade, tentando encontrar uma descrição dela. Sua atitude em relação à vida é baseada no princípio de criar um molde, e depois se encaixar nesse molde. O Cristianismo oferece um molde, o Hinduísmo oferece outro, o Maometismo, o Budismo, a Teosofia ainda outros. Mas por que vocês querem um molde? Por que vocês valorizam ideias preconcebidas? Tudo o que vocês podem conhecer é a dor, sofrimento e alegrias transitórias. Mas vocês querem fugir disso; vocês não tentam compreender a causa da dor, a profundidade do sofrimento. Em vez disso, vocês se voltam para o oposto para se consolarem. Em seu sofrimento, vocês dizem que Deus é amor, que Deus é justo, misericordioso. Mentalmente e emocionalmente, vocês se voltam para esse ideal de amor, de justiça, e se moldam de acordo com esse padrão. Mas vocês só podem compreender o amor quando deixarem de ser possessivos; do sentimento de posse surge todo o sofrimento. No entanto, seu sistema de pensamento e emoção está baseado no sentimento de posse; então como vocês podem saber do amor?

Assim, sua primeira preocupação é libertar a mente e o coração do sentimento de posse, e vocês só podem fazer isso quando esse sentimento de posse se tornar um veneno para vocês, quando vocês sentirem o sofrimento, a agonia que esse veneno causa. Agora, vocês estão tentando escapar desse sofrimento. Vocês querem que eu lhes diga qual é meu ideal de amor, de beleza, para que vocês possam fazer dele outro modelo, outro padrão ou comparar meu ideal com o seu, esperando assim compreender. A compreensão não vem através da comparação. Eu não tenho ideal, nem padrão. A beleza não está separada da ação. A verdadeira ação é a própria harmonia de todo o seu ser. O que isso significa para vocês? Não significa nada além de palavras vazias, porque suas ações são desarmônicas, porque vocês pensam uma coisa e fazem outra.

Vocês podem encontrar liberdade duradoura, verdade, beleza, amor, que são a mesma coisa, somente quando vocês não os procuram mais. Por favor, tentem compreender o que estou dizendo. O que quero dizer é sútil apenas no sentido de que isso pode ser realizado infinitamente. Eu digo que sua própria busca está destruindo seu amor, destruindo seu senso de beleza, de verdade, porque sua busca é apenas um escape, uma fuga do conflito. E a beleza, amor, verdade, essa divindade da compreensão, não são encontrados fugindo do conflito; residem no próprio conflito.

01/01/1934.