Adyar 

Se pudermos encontrar uma garantia absoluta de segurança, então não teremos medo de nada. Se pudermos ter certeza de tudo, então o medo cessa totalmente, seja o medo do presente ou do futuro. Portanto, estamos sempre buscando segurança, consciente ou inconscientemente, segurança essa que se torne eventualmente nossa posse exclusiva. Agora, existe segurança física que, no estado atual da civilização, um homem pode acumular através do seu pensamento astuto, da sua esperteza, através da exploração. Fisicamente, a partir disso, ele poderá tornar-se seguro, enquanto emocionalmente ele busca segurança no chamado “amor”, que é na sua maioria um sentimento de posse; ele se volta para as distinções emocionais egoístas de família, amigos e nacionalidade. Depois, existe a busca constante de segurança mental nas ideias, nas crenças, na busca das virtudes, nos sistemas, nas certezas e no chamado conhecimento.

Assim, nos entrincheiramos continuamente; através do sentimento de posse, construímos à nossa volta seguranças, confortos e tentamos nos sentir seguros, protegidos, certos. É isso que estamos fazendo constantemente. Mas, embora nos entrincheiremos atrás das seguranças do conhecimento, das virtudes, do amor, das posses, embora construamos muitas certezas, estamos construindo apenas na areia, porque as ondas da vida estão constantemente batendo contra seus alicerces, expondo as estruturas que construímos de forma muito cuidadosa e diligente. As experiências vêm, uma após a outra, destruindo todos os conhecimentos anteriores, todas as certezas anteriores, e todas as nossas seguranças são varridas, espalhadas como palha ao vento. Assim, embora possamos pensar que estamos seguros, vivemos com medo contínuo da morte, com medo da mudança e da perda, com medo da revolução, da incerteza torturante. Estamos constantemente conscientes da transitoriedade do pensamento. Construímos inúmeros muros atrás dos quais buscamos segurança e conforto, mas o medo ainda tortura nossos corações e mentes. Assim, procuramos continuamente a substituição, e essa substituição se torna nossa meta, nosso objetivo. Dizemos: “Essa crença provou não ter valor, então deixe-me voltar para outro conjunto de crenças, outro conjunto de ideias, outra filosofia”. Nossa dúvida termina meramente na substituição, não no questionamento da crença em si. Não é a dúvida que questiona, mas o desejo por seguranças. Portanto, sua chamada busca pela verdade torna-se apenas uma busca por seguranças mais permanentes, e vocês aceitam como seu professor, seu guia, qualquer um que se ofereça para lhes dar absoluta segurança, certeza, conforto.

É assim com a maioria das pessoas. Queremos e procuramos. Tentamos analisar os substitutos que outros sugerem para substituir as seguranças que conhecemos e que estão sendo constantemente desgastadas, corroídas pelas experiências da vida. Mas o medo não pode ser eliminado por substituição, removendo um conjunto de crenças e substituindo-o por outro. Somente quando descobrimos o verdadeiro valor das crenças que mantemos, do nosso conhecimento, das seguranças que construímos, o significado duradouro de nossos instintos de posse, somente nessa compreensão podemos acabar com o medo. A compreensão não vem da busca por substitutos, mas vem pelo questionamento, de realmente entrar em conflito com as tradições, de duvidar das ideias estabelecidas pela sociedade, religião, política. Afinal, a causa do medo é o ego e a consciência desse ego, que é criado pela falta de compreensão. Por causa dessa falta de compreensão, buscamos seguranças e, portanto, fortalecemos essa autoconsciência limitada.

Agora, enquanto o ego existir, enquanto houver a consciência do “meu”, deve haver medo; e esse ego existirá enquanto desejarmos substitutos, enquanto não compreendermos as coisas à nossa volta, as coisas que estabelecemos, os próprios monumentos da tradição, os hábitos, as ideias, as crenças em que nos abrigamos. E só podemos compreender essas tradições e crenças, descobrir seu verdadeiro significado, quando entrarmos em conflito com elas. Não podemos compreendê-las teoricamente, intelectualmente, mas apenas através da plenitude de pensamento e emoção, que é ação.

Para mim, o ego representa a falta de percepção, o que cria o tempo. Quando vocês compreendem um fato completamente, quando vocês compreendem as experiências da vida integralmente, abertamente, o tempo cessa. Mas vocês não podem compreender completamente a experiência se estiverem constantemente buscando certeza, conforto, se sua mente estiver entrincheirada em segurança. Para compreender uma experiência em todo o seu significado, você deve questionar, duvidar das seguranças, das tradições, dos hábitos que você construiu, porque eles impedem a completude da compreensão. A partir desse questionamento, desse conflito, se esse conflito for real, nasce a compreensão; e nessa compreensão, a autoconsciência, a consciência limitada desaparece.

Vocês devem descobrir o que estão procurando, segurança ou compreensão. Se vocês estão procurando segurança, vocês a encontrarão na filosofia, nas religiões, tradições, na autoridade; mas se vocês desejam compreender a vida, na qual não há segurança, conforto, então há liberdade duradoura. E vocês só podem descobrir o que estão procurando estando conscientes na ação; vocês não podem descobrir apenas questionando a ação. Quando vocês questionam e analisam a ação, vocês põem fim à ação. Mas se vocês estiverem conscientes, se forem intensos em sua ação, se vocês dão a ela toda a sua mente e coração, então essa ação revelará se vocês estão buscando conforto, segurança ou aquela compreensão infinita, que é o movimento eterno da vida.

Interrogante: Em sua Autobiografia, a Dra. Besant disse que ela passou da tempestade à paz, pela primeira vez em sua vida, quando conheceu seu grande Mestre. Sua vida magnífica, a partir daí, teve sua força motriz em sua devoção irrestrita e incessante ao seu Mestre, expressa através da alegria em servi-lo. O senhor mesmo, em suas poéticas palavras, declarou sua alegria inexprimível na união com o Amado (Beloved) e em ver seu rosto onde quer que você se voltasse. A influência de um Mestre, como foi evidente na grande vida da Dra. Besant e na sua, não poderia ser igualmente significativa em outras vidas?

Krishnamurti: Você está me perguntando, em outras palavras, se os Mestres são necessários, se eu acredito em Mestres, se sua influência é benéfica e se eles existem. Essa é toda a questão, não é? Muito bem, senhores. Agora, quer vocês acreditem ou não em Mestres – e alguns de vocês acreditam neles – por favor, não fechem suas mentes contra o que vou dizer. Sejam abertos, críticos. Vamos examinar a questão de forma abrangente, em vez de discutirmos se vocês ou eu acreditamos em Mestres.

Em primeiro lugar, para compreender a verdade, vocês devem estar sozinhos, inteiramente e totalmente sozinhos. Nenhum Mestre, professor, guru, sistema, nenhuma autodisciplina jamais levantará para vocês o véu que oculta a sabedoria. A sabedoria é a compreensão de valores duradouros e a vivência desses valores. Ninguém pode levá-los à sabedoria. Isso é óbvio, não é? Não precisamos nem discutir isso. Ninguém pode forçá-los, nenhum sistema pode impeli-los a se libertarem do instinto de posse, até que vocês mesmos compreendam voluntariamente, e nessa compreensão há sabedoria. Nenhum Mestre, guru, professor, nenhum sistema podem forçá-los a essa compreensão. Somente o sofrimento que vocês mesmos experimentam pode fazê-los ver o absurdo do sentimento de posse, do qual surge o conflito; e desse sofrimento vem a compreensão. Mas quando vocês procuram escapar desse sofrimento, quando procuram abrigo, conforto, então vocês devem ter Mestres, devem ter filosofias e crenças; então vocês se voltam para abrigos que lhes dá segurança, como a religião.

Então, com essa compreensão, vou responder sua pergunta. Vamos esquecer por um momento o que a Dra. Besant disse e fez ou o que eu disse e fiz. Deixemos isso de lado. Não tragam a Dra. Besant para a discussão; se fizerem isso, reagirão emocionalmente, tanto os que simpatizam com as ideias dela quanto os que não. Vocês dirão que ela me criou, que sou desleal e utilizarão palavras semelhantes para mostrar sua desaprovação. Deixemos tudo isso de lado por enquanto e vejamos a questão de maneira bastante clara e simples.

Em primeiro lugar, vocês querem saber se existem Mestres. Eu digo que se eles existem ou não é de muita pouca importância. Agora, por favor, não pensem que estou atacando suas crenças. Compreendo que estou falando com membros da Sociedade Teosófica e que sou o convidado de vocês aqui. Mas vocês me fizeram uma pergunta, e eu estou simplesmente respondendo. Assim, vamos considerar o motivo de vocês quererem saber se os Mestres existem ou não. Vocês dizem a si próprios: “Porque os Mestres podem nos guiar através da confusão tal como um sinal luminoso do farol guia o marinheiro”. Mas o fato de vocês dizerem isso mostra que estão apenas à procura de um porto seguro, que estão com medo do mar aberto da vida.

Ou, novamente, vocês podem fazer essa pergunta porque querem fortalecer suas crenças; vocês querem comprovação, corroboração de suas crenças. Senhores, uma coisa que é um brinquedo, embora embelezada pela corroboração de milhares de pessoas, continua sendo um brinquedo. Vocês me dizem: “Nossos professores nos deram fé, mas agora você vem lançar dúvidas sobre essa fé. Portanto, queremos saber se os Mestres existem ou não. Por favor, fortaleça-nos em nossa crença de que eles existem, diga-nos se você mesmo foi ou não guiado por eles.”

Se vocês simplesmente desejam ser fortalecidos em sua fé, então não posso responder sua pergunta, porque eu não tenho fé. A fé é mera autoridade, cegueira, esperança, anseio; é um meio de exploração, seja aqui, na Igreja Católica Romana ou em qualquer outra religião. É um meio de forçar o homem à ação, à ação correta ou incorreta. O fortalecimento da fé não produz compreensão; em vez disso, a própria dúvida dessa fé e a descoberta de seu significado trazem compreensão. Que diferença faria se vocês vissem os Mestres fisicamente todos os dias? Vocês ainda manteriam seus preconceitos, suas tradições, seus hábitos; vocês ainda seriam escravos de suas crueldades, de suas crenças fanáticas e estreitas, de sua falta de amor, de seu orgulho por nacionalidade, mas isso vocês manteriam em segredo a sete chaves.

Então, da primeira pergunta surge uma segunda: “Você duvida dos mensageiros dos Mestres?” Eu duvido de tudo, porque é somente através da dúvida que se pode descobrir, não através de colocarmos nossa fé em algo. Mas vocês evitaram cuidadosamente e diligentemente a dúvida; vocês a descartaram e fizeram dela um impedimento.

Então, novamente, vocês dirão: “Se eu entrar em contato com os Mestres posso descobrir o plano deles para a humanidade”. Vocês se referem à um plano social, um plano para o bem-estar físico do homem? Ou vocês se referem à um plano para o bem-estar espiritual do homem? Se vocês responderem: “Ambos”, então eu digo que o homem não pode alcançar o bem-estar espiritual através de outra pessoa. Isso está inteiramente em suas próprias mãos. Ninguém pode planejar isso para outro. Cada homem deve descobrir por si mesmo, deve compreender; há completude na realização, não no progresso. Mas se vocês dizem: “Nós buscamos um plano para o bem-estar físico do homem”, então vocês devem estudar economia e sociologia. Então por que não fazer de Harold Laski seu Mestre, Keynes, Marx ou Lenin? Cada um deles oferece um plano para o bem-estar do homem. Mas vocês não querem isso. O que vocês querem, quando procuram Mestres, é abrigo, um refúgio de segurança; vocês querem se proteger do sofrimento, esconder-se da confusão e do conflito.

Eu afirmo que não existe tal coisa como abrigo, como conforto. Vocês podem fazer apenas um abrigo artificial, criado intelectualmente. Por terem feito isso durante gerações, vocês perderam sua inteligência criativa. Vocês se tornaram limitados pela autoridade, feridos com crenças, com falsas tradições e hábitos. Seus corações estão secos, duros. É por isso que vocês apoiam todos os tipos de sistemas de pensamentos cruéis, que levam à exploração. É por isso que vocês encorajam o nacionalismo, porque lhes falta fraternidade. Vocês falam sobre fraternidade, mas suas palavras não têm sentido enquanto seus corações estiverem limitados por distinções de classe. Vocês que acreditam tão profundamente em todas essas ideias, o que vocês têm, o que vocês são? Conchas vazias ressoando palavras, palavras, palavras. Vocês perderam todo o sentido de sentimento pela beleza, pelo amor; vocês apoiam instituições falsas, ideias falsas. Aqueles de vocês que acreditam em Mestres e seguem o sistema desses Mestres, seus planos, seus mensageiros, o que são vocês? Em sua exploração, em seu nacionalismo, em seus maus-tratos a mulheres e crianças, em sua ganância, vocês são tão cruéis quanto o homem que não acredita em Mestres, em seus planos, em seus mensageiros. Vocês apenas instituíram novas tradições para as antigas, novas crenças para as antigas; seu nacionalismo é tão cruel quanto o antigo, só que vocês têm argumentos mais sutis para suas crueldades e exploração.

Enquanto a mente estiver presa na crença, não há compreensão, não há liberdade. Assim, para mim, a existência ou não de Mestres é bastante irrelevante para a ação, para a realização, com a qual devemos nos preocupar. Mesmo que sua existência seja um fato, isso não tem importância, porque para compreender, vocês devem ser independentes, devem ficar sozinhos, completamente nus, despidos de toda segurança. Foi isso o que eu disse na minha palestra introdutória. Vocês devem descobrir se estão buscando segurança, conforto ou se estão buscando compreensão. Se vocês realmente examinarem seus próprios corações, a maioria de vocês descobrirá que está buscando segurança, conforto, lugares protegidos; e nessa busca, vocês se fortificam com filosofias, gurus, sistemas de autodisciplina; assim, vocês estão impedindo, restringindo continuamente o pensamento. Em seus esforços para fugir do medo, vocês estão se entrincheirando em crenças e, portanto, aumentando sua própria autoconsciência, seu próprio egoísmo; vocês apenas se tornaram mais sutis, mais astutos.

Eu sei que eu disse todas essas coisas anteriormente de uma maneira diferente, mas aparentemente minhas palavras não surtiram efeito. Ou vocês querem compreender o que eu digo ou estão satisfeitos com suas próprias crenças e misérias. Se vocês estão satisfeitos com elas, por que me convidaram para falar aqui? Por que vocês me ouvem? Não, vocês não estão satisfeitos fundamentalmente. Vocês podem professar que estão satisfeitos, podem ingressar em instituições, realizar novas cerimônias, mas interiormente sentem uma incerteza, uma dor interminável que nunca ousam enfrentar. Em vez disso, vocês procuram substitutos; vocês querem saber se eu posso lhes dar novos abrigos, e é por isso que vocês me fizeram essa pergunta. Vocês querem que eu os apoie nessas crenças das quais vocês não têm certeza. Vocês querem estabilidade interior, mas eu lhes digo que não existe tal estabilidade. Vocês querem que eu lhes dê certezas, garantias. Eu digo que vocês têm tais certezas, tais garantias às centenas em seus livros, em suas filosofias, mas elas são inúteis para vocês; são pó e cinzas porque em vocês mesmos não há compreensão. Vocês podem ter compreensão, eu lhes asseguro, apenas quando vocês começarem a duvidar, quando começarem a questionar os próprios abrigos nos quais vocês estão se confortando, nos quais vocês estão se refugiando.

Mas isso significa que vocês devem entrar em conflito com as tradições e hábitos que vocês estabeleceram. Talvez vocês tenham descartado velhas tradições, velhos gurus, velhas cerimônias e tenham assumido novas. Qual é a diferença? As novas tradições, gurus, as novas cerimonias são exatamente as mesmas que as antigas, exceto que são mais exclusivas. Ao questionar constantemente, vocês descobrirão o real, o valor inerente das tradições, gurus, das cerimônias. Não estou pedindo para vocês abandonarem as cerimônias, para vocês deixarem de seguir os Mestres. Esse é um assunto muito menor e pouco inteligente; não é importante se vocês realizam cerimônias ou se procuram orientação de Mestres. Mas enquanto houver falta de compreensão, haverá medo, haverá sofrimento, e a mera tentativa de encobrir esse medo, esse sofrimento através da realização de cerimônias, através da orientação de Mestres. Isso não os libertará.

Vocês já me fizeram essa pergunta antes, vocês me fizeram a mesma pergunta no ano passado. E cada vez que vocês a fazem, vocês fazem porque querem se abrigar atrás da minha resposta; vocês querem se sentir seguros, pôr um fim à dúvida. Agora, eu posso contradizer sua crença, posso dizer que não existem Mestres. Depois outro vem lhes dizer que os Mestres existem. Eu digo, duvidem de ambas as respostas, questionem ambas, não as aceitem apenas. Vocês não são crianças, macacos imitando a ação de alguém; vocês são seres humanos, não devem ser condicionados pelo medo. Vocês devem ser criativamente inteligentes, mas como podem ser criativamente inteligentes se seguem um professor, uma filosofia, uma prática, um sistema de autodisciplina? A vida é rica somente para o homem que está em constante movimento de pensamento, para o homem cujas ações são harmoniosas. Nele há afeto, há consideração. Aquele cujas ações são harmoniosas utilizará um sistema inteligente para curar as feridas ardentes do mundo.

Sei que o que estou dizendo hoje já o disse inúmeras vezes, eu disse isso muitas vezes. Mas vocês não sentem essas coisas porque lhes deram explicações satisfatórias sobre elas; e nessas explicações, nessas crenças, vocês estão se abrigando, confortando. Vocês estão preocupados apenas com si próprios, com sua própria segurança, conforto, como os homens que lutam por títulos governamentais. Vocês fazem a mesma coisa de maneiras diferentes; e suas palavras de fraternidade, de verdade, não significam nada; são apenas conversa vazia.

Interrogante: Diz-se que a única tristeza da Dra. Besant foi o fato de você não ter correspondido às expectativas dela sobre você como o Instrutor do Mundo. Alguns de nós compartilhamos francamente dessa tristeza e desse sentimento de desapontamento, e sentimos que isso não é totalmente sem alguma justificativa. Você tem algo a dizer?

Krishnamurti: Nada, senhores. (Risos da audiência) Quando digo “nada”, quero dizer que não tenho nada a dizer para aliviar seu desapontamento ou o desapontamento da Dra. Besant – se é que ela realmente ficou desapontada, porque muitas vezes ela me disse o contrário. Não estou aqui para me justificar; não estou interessado em me justificar. A questão é: por que vocês estão desapontados, se é que estão? Vocês pensaram em me colocar em uma determinada gaiola, e como eu não me encaixava naquela gaiola, naturalmente vocês ficaram desapontados. Vocês tinham uma ideia preconcebida do que eu deveria fazer, o que eu deveria dizer, o que eu deveria pensar.

Eu afirmo que há imortalidade, um eterno devir. A questão não é que eu saiba, mas isso existe. Tenham cuidado com o homem que diz: “Eu sei”. A vida do eterno devir existe, mas para compreenderem isso, sua mente deve estar livre de todas as ideias preconcebidas do que ela é. Vocês têm ideias preconcebidas de Deus, da imortalidade, da vida. Vocês dizem: “Isso está escrito em livros”. Ou: “Alguém me disse isso”. Assim, vocês constroem uma imagem da verdade, vocês imaginam Deus e a imortalidade. Vocês querem se apegar a essa imagem, a esse retrato e ficam desapontados com qualquer pessoa cuja ideia seja diferente da sua, qualquer pessoa cujas ideias não estejam de acordo com as suas. Em outras palavras, se essa pessoa não se tornar sua ferramenta, vocês ficam desapontados com ela. Se essa pessoa não os explorar – e vocês criam o explorador em seu desejo por segurança – então vocês ficam desapontados com ela. O seu desapontamento não se baseia no pensamento, na inteligência, não se baseia na afeição profunda, mas em alguma imagem que vocês mesmos fizeram, por mais falsa que seja.

Vocês encontrarão pessoas que lhes dirão que eu as desapontei, e elas criarão um corpo de opinião sustentando que eu falhei. Mas daqui a cem anos, acho que não vai importar muito se vocês estão desapontados ou não. A verdade, da qual falo, permanecerá – não suas fantasias ou seus desapontamentos.

Interrogante: Você considera um pecado para um homem ou uma mulher desfrutar de relações sexuais ilegítimas? Um jovem quer se livrar dessa felicidade ilegítima que ele considera errada. Ele tenta continuamente controlar sua mente, mas não consegue. Você pode mostrar a ele alguma maneira prática para ser feliz?

Krishnamurti: Em tais coisas não há “maneira prática”. Mas vamos considerar a questão, tentemos compreendê-la, embora não do ponto de vista de se um determinado ato é pecado ou não. Para mim, não existe tal coisa como pecado.

Por que o sexo se tornou um problema em nossa vida? Por que há tantas distorções, perversões, inibições, supressões? Não é porque estamos morrendo de fome mental e emocionalmente, estamos incompletos em nós mesmos, nos tornamos apenas máquinas imitativas, a única expressão criativa que nos resta, a única coisa na qual podemos encontrar felicidade é no que chamamos de sexo? Deixamos de ser indivíduos mental e emocionalmente. Somos meras máquinas na sociedade, na política, na religião. Nós, como indivíduos, fomos absolutamente, implacavelmente destruídos pelo medo, pela imitação, pela autoridade. Não liberamos nossa inteligência criativa através de canais sociais, políticos e religiosos. Portanto, a única expressão criativa que nos resta como indivíduos é o sexo, e a isso atribuímos naturalmente uma tremenda importância, a isso damos enorme ênfase. É por isso que o sexo se tornou um problema, não é?

Se vocês puderem liberar o pensamento criativo, a emoção criativa, então o sexo não será mais um problema. Para liberar essa inteligência criativa completamente, integralmente, vocês devem questionar o próprio hábito do pensamento, vocês devem questionar a própria tradição em que estão vivendo, essas mesmas crenças que se tornaram automáticas, espontâneas, instintivas. Através do questionamento, vocês entram em conflito, e esse conflito e a compreensão dele despertarão a inteligência criativa; nesse questionamento, vocês gradualmente libertarão o pensamento criativo da imitação, da autoridade, do medo.

Esse é um lado da questão. Há também um outro lado dessa questão, que diz respeito à alimentação, ao exercício e ao amor pelo trabalho que você faz. Vocês perderam o amor pelo seu trabalho. Vocês se tornaram funcionários, escravos de um sistema trabalhando por quinze rúpias ou dez mil rúpias, não por amor ao que estão fazendo.

Em relação às relações sexuais ilegítimas, consideremos primeiro o que vocês entendem por casamento. Na maioria dos casos, o casamento é apenas a santificação da posse, pela religião e pela lei. Suponham que vocês amam uma mulher, vocês querem viver com ela, possuí-la. Neste momento, a sociedade tem inúmeras leis que os ajudam a possuir e várias cerimônias que santificam esse sentimento de posse. Um ato que vocês considerariam pecaminoso antes do casamento, vocês consideram lícito depois dessa cerimônia. Isto é, antes que a lei legalize e a religião santifique seu sentimento de posse, vocês consideram o ato sexual ilegal, pecaminoso. Onde há amor, amor verdadeiro, não há questão de pecado, de legalidade ou ilegalidade. Mas, a menos que vocês realmente pensem profundamente sobre isso, a menos que vocês se apliquem realmente para não compreenderem mal o que eu disse, isso irá levá-los a todos os tipos de confusão. Temos medo de muitas coisas. Para mim, a cessação dos problemas sexuais não está na mera legislação, mas na liberação dessa inteligência criativa, em ser completo na ação, em não separar mente e coração. O problema apenas desaparece vivendo completamente, integralmente.

Como venho tentando deixar claro, não se pode cultivar o nacionalismo e ao mesmo tempo falar de fraternidade. Acho que foi Hitler quem baniu a ideia de fraternidade da Alemanha, porque ele disse que a fraternidade era antagônica ao nacionalismo. Mas aqui vocês estão tentando cultivar ambos. No íntimo, vocês são nacionalistas, possessivos; vocês têm distinções de classe e, no entanto, falam sobre fraternidade universal, sobre paz mundial, sobre a unidade e a unicidade da vida. Enquanto sua ação estiver dividida, enquanto não houver uma conexão íntima entre seu pensamento, sentimento, ação e a total consciência dessa conexão íntima, haverá inúmeros problemas que assumirão tal predominância em suas vidas que se tornarão uma constante fonte de decadência.

Interrogante: O que você diz sobre a necessidade de liberdade de toda conformidade, de toda liderança e autoridade é um ensinamento útil para alguns de nós. Mas a sociedade e talvez até a religião, juntamente com suas instituições e um governo sábio, são essenciais para a grande maioria da humanidade e, portanto, úteis para ela. Falo por anos de experiência. Você discorda dessa visão?

Krishnamurti: O que é veneno para si mesmo é veneno para os outros. Se a crença religiosa, se a autoridade é falsa para si mesmo, ela é falsa para todos os outros. Quando vocês consideram a humanidade, como o interrogante considera, então vocês retêm e cultivam nela uma mentalidade servil. Isso é o que eu chamo de exploração. Esta é a atitude aquisitiva ou capitalista: “O que é benéfico e útil para mim é perigoso para vocês”. Então você mantém como escravos aqueles que estão presos à autoridade, às crenças religiosas. Você não cria organizações, instituições para ajudar esses escravos a se libertarem e não se tornarem escravos novamente das novas organizações e instituições.

Agora, eu não me oponho a organizações, mas afirmo que nenhuma organização pode conduzir o homem à verdade. No entanto, todas as sociedades, seitas e grupos religiosos são baseados na ideia de que o homem pode ser guiado para a verdade. As organizações devem existir para o bem-estar do homem, organizações não divididas por nacionalidades, por distinções de classe. Essa é a coisa fundamental que resolverá o problema imediato que cada pessoa enfrenta, o problema da exploração, o problema da fome.

Vocês podem insistir que, da forma que as pessoas são, elas devem ser submetidas à autoridade. Mas se vocês perceberem que a autoridade é perversa, incapacitante, então vocês combaterão a autoridade; vocês descobrirão novas formas de educação que ajudarão o homem a se libertar, sem esse desastre da distinção. Mas quando vocês olham para a vida de um ponto de vista estreito, egoísta, fanático, vocês inevitavelmente farão uma pergunta como essa; vocês a fazem porque têm medo de que aqueles sobre os quais vocês têm autoridade não lhes obedeçam. Essa consideração pelas massas, pela multidão, é muito superficial, falsa; surge do medo e deve inevitavelmente conduzir à exploração. Mas se vocês verdadeiramente percebessem o significado da autoridade, de se conformarem à tradição, de se moldarem segundo um padrão, de condicionarem sua mente e seu coração por um princípio ou ideal, então vocês inteligentemente ajudariam o homem a se libertar disso. Então vocês veriam sua superficialidade e seu efeito degenerativo, não apenas sobre vocês ou sobre alguns homens, mas sobre toda a humanidade. Assim, vocês ajudariam a liberar o poder criativo no homem, seja em vocês mesmos ou em outra pessoa; vocês deixariam de manter essa distinção artificial entre homem e homem, tal como superior e inferior, evoluído e não-evoluído. Mas isso não significa que haja ou que venha haver uniformização; não existe tal coisa. Existe apenas o homem em realização. Mas a mente que cria distinção, porque pensa em si mesma como separada é uma mente exploradora, é uma mente cruel, e contra tal mente a inteligência deve estar sempre em revolta.

31/12/1933.