Trecho da palestra em 03 de janeiro de 1934 

Tratei da questão da reencarnação tantas vezes que agora falarei dela apenas brevemente. Podem não considerar de nenhum modo o que digo; ou podem examiná-lo, conforme quiserem. Receio que o não considerem – embora isso não importe – porque estão comprometidos com determinadas ideias, com determinadas organizações, limitados pela autoridade, pelas tradições. 

Para mim, o ego, essa consciência limitada, é o resultado do conflito. Inerentemente não tem valor; é uma ilusão. Nasce através da falta de compreensão que por sua vez cria conflito, e deste conflito cresce a autoconsciência ou a consciência limitada. Não podem aperfeiçoar essa autoconsciência através do tempo; o tempo não liberta a mente dessa consciência, Por favor não se enganem; o tempo não os libertará desta autoconsciência, porque o tempo é apenas a protelação da compreensão. Quanto mais protelarem uma ação, menos a compreenderão. Só estão conscientes quando há conflito; e no êxtase, na verdadeira percepção, há ação espontânea em que não há conflito. Não estão então conscientes de vocês próprios como uma entidade, como o “eu”. Contudo desejam proteger essa acumulação de ignorância a que chamam o “eu”, essa acumulação da qual brota a ideia de mais e mais, esse centro de desenvolvimento que não é a vida, que é apenas uma ilusão. Portanto enquanto contam com o tempo para originar perfeição, a autoconsciência apenas cresce. O tempo nunca os libertará dessa autoconsciência, dessa consciência limitada. O que libertará a mente é a plenitude de compreensão na ação; isto é, quando a vossa mente e coração estiverem a atuar harmoniosamente, quando já não forem preconceituosos, acorrentados a uma crença, limitados por um dogma, pelo medo, pelos falsos valores, então haverá liberdade. E essa liberdade é o êxtase da percepção. 

Sabem, seria realmente de grande interesse se um de vocês que acredita tão fundamentalmente na reencarnação discutisse o assunto comigo. Discuti-o com muitas pessoas, mas tudo o que elas são capazes de dizer é, “Nós acreditamos na reencarnação, ela explica tantas coisas”; e isso resolve a questão. Não se pode discutir com pessoas que estão convencidas das suas crenças, que têm a certeza do seu conhecimento. Quando um homem diz que sabe, o assunto terminou; e vocês adoram o homem que diz, “Eu sei”, porque a sua declaração positiva, a sua certeza, lhes dá conforto, refúgio. 

Se acreditam na reencarnação ou não me parece um assunto muito trivial; essa crença é como um brinquedo, é agradável; não resolve coisa nenhuma, porque é apenas uma protelação. É apenas uma explicação, e as explicações são como a poeira para o homem que está à procura. Mas infelizmente estão sufocados com a poeira, têm explicações para tudo. Para cada sofrimento têm uma explicação lógica, conveniente. Se um homem é cego, tornam compreensível o seu duro fado nesta vida pela reencarnação. As desigualdades na vida explicam-nas satisfatoriamente pela reencarnação, pela ideia de evolução. Portanto, com as explicações, vocês resolveram as muitas questões respeitantes ao homem, e deixaram de viver. A plenitude da vida impede todas as explicações. Para o homem que está realmente a sofrer, as explicações são o mesmo que pó e cinzas. Mas para o homem que procura conforto, as explicações são necessárias e excelentes. Não existe tal coisa como o conforto. Existe só compreensão, e a compreensão não está limitada por crenças ou por certezas. 

Vocês dizem, “Eu sei que a reencarnação é verdade.” Bem, e depois? A reencarnação, isto é, o processo de acumulação, de crescimento, de obtenção, é apenas o fardo do esforço, a continuação do esforço; e eu afirmo que há uma maneira de viver espontaneamente, sem esta luta constante, e essa é pela compreensão, que não é o resultado da acumulação do desenvolvimento. Esta compreensão, esta percepção, vem àquele que não está limitado pelo medo, pela autoconsciência. 

Trecho da palestra em 01 de fevereiro de 1948. 

Agora, o que é continuidade? Vocês estão interessados nisso tudo, senhores, ou estão apenas escutando? Por ora, esqueçam que estão apenas escutando, e experimentem comigo enquanto sigo, estou pensando alto com vocês sobre este problema. É problema de vocês bem como meu – só estou dando expressão a ele. É problema de vocês, então acompanhem, experimentem passo a passo. 

Agora, o que nós chamamos de continuidade? O que é isso que continua? Uma ou duas coisas. Ou é uma entidade espiritual e, portanto, está fora do tempo, ou é apenas memória, se concedendo continuidade através do resíduo da experiência. Entendem? Estou sendo claro? Ou seja, se sou uma entidade espiritual, então sou eterna; assim, não há continuidade. Pois isso que é espiritualidade, verdade, religiosidade, está fora do tempo; portanto não é a continuidade que conhecemos como amanhã e o futuro. Entendem? Se o que sou é uma entidade espiritual, deve ser sem continuidade, não pode progredir, não pode crescer, não pode se tornar; mas de fato, o que eu sou pensa que deve se tornar, isto é, estou pensando em termos de se tornar. Então não sou uma entidade espiritual. Porque se sou uma entidade espiritual, não vou me tornar; então morte e vida são uma coisa única, existe atemporalidade, existe eternidade. Mas você está pensando em termos de se tornar, então está preso no tempo. Não vão dormir com isso – estamos experimentando juntos. 

Então, se você for uma entidade espiritual, não precisa se preocupar com isso, e você não precisa descobrir se existe continuidade ou não. Está acabado – há imortalidade. Mas você não é assim; você está amedrontado, e por isso quer saber se existe continuidade. Então, você está com uma coisa só, que é memória. Entendem, senhores? Vocês não podem fazer esse jogo de palavras com as duas. Se você é uma entidade espiritual, então não está preocupado com morte, continuidade, tempo; pois aquilo que é espiritual, é eterno, imortal. Mas você não está nesse estado de ser. Você está no estado de se tornar, no estado da continuidade, querendo saber se existe continuidade ou não. Essa própria pergunta indica que você não está no outro estado de ser – então podemos deixar isso de lado. Assim, o que é isso que continua? O que continua na sua vida diária? Obviamente, não a entidade espiritual. É sua memória identificada com propriedade, nome, relações e ideias, não? Se você não tivesse memória, a propriedade não teria significado. Se você não tivesse memória do ontem, a propriedade não teria qualquer valor, nem a relação teria, nem as ideias teriam. Você está em busca de continuidade e a estabelece pela propriedade, pela família, pela ideia, que é o ‘Eu’, e quer saber se o ‘Eu’ continua. Agora, quando fala do ‘Eu’, o que ele é? É nome, qualidades, ideias, sua conta no banco, sua posição, caráter, concepção – que é tudo memória, não? Senhor, não estou lhe forçando a aceitar nada. Estou afirmando o que de fato é, não tratando de teorias ou especulações.  Estamos experimentando para ver se podemos descobrir a verdade da questão e ficamos livres do problema da continuidade.