Adyar 

Como eu estava dizendo ontem, o pensamento é ferido, invalidado quando está preso à crença, mas a maior parte de nossos pensamentos é uma reação baseada na crença, em uma crença específica ou ideal. Assim, nosso pensamento nunca é verdadeiro, fluido, criativo. É sempre controlado por uma determinada crença, tradição ou ideal. Pode-se realizar a verdade, essa compreensão duradoura, somente quando o pensamento está em contínuo movimento, livre de passado ou futuro. Isso é tão simples que muitas vezes não percebemos. Um grande cientista não tem objetivo em sua pesquisa, se ele estivesse apenas buscando um resultado, então deixaria de ser um grande cientista. Assim deve ser com o nosso pensamento. Mas nosso pensamento está ferido, limitado, cercado por crenças, dogmas, por ideais e, portanto, não há pensamento criativo.

Por favor, apliquem o que eu digo a vocês mesmos, então vocês poderão acompanhar facilmente o que quero dizer. Se vocês apenas ouvirem como um entretenimento, então o que eu digo será totalmente inútil e só haverá mais confusão.

Em que se baseiam as nossas crenças? Em que se fundamentam a maioria de nossos ideais? Se vocês prestarem atenção, descobrirão que a crença tem como motivo a ideia de ganho, de recompensa ou ela serve como um engodo, uma orientação, um padrão. Vocês dizem: “Eu procurarei a virtude, agirei desta ou daquela maneira para obter felicidade, descobrirei o que é a verdade para vencer a confusão, a miséria, servirei para ter as bênçãos dos céus”. Mas essa atitude em relação à ação como um meio de aquisição futura está constantemente ferindo seu pensamento.

Ou, mais uma vez, a crença é baseada no resultado do passado. Ou vocês têm princípios externos impostos ou desenvolveram ideais internos segundo os quais vivem. Os princípios externos são impostos pela sociedade, pela tradição, pela autoridade, todos eles são baseados no medo. Estes são os princípios que vocês estão constantemente usando como seu padrão: “O que meu próximo vai pensar? O que sustenta a opinião pública? O que dizem os livros sagrados ou os professores?” Ou vocês desenvolvem uma lei interior, que nada mais é do que uma reação ao exterior; ou seja, vocês desenvolvem uma crença interior, um princípio interior baseado na memória da experiência, na reação para se orientarem no movimento da vida.

Assim, a crença é do passado ou do futuro. Ou seja, quando há carência, o desejo cria o futuro. Mas quando vocês se orientam no presente de acordo com uma experiência que tiveram, esse padrão está no passado, já está morto. Assim, desenvolvemos resistência contra o presente, o que chamamos de vontade. Agora, para mim, a vontade só existe onde há falta de compreensão. Por que queremos ter vontade? Quando compreendo e vivo uma experiência, não preciso combatê-la, não tenho que resistir a ela. Quando compreendo completamente uma experiência, não há mais espírito de imitação, de ajuste ou de desejo de resistir a ela. Eu a compreendo completamente e, portanto, estou livre da sua carga. Vocês terão que pensar sobre o que estou dizendo, minhas palavras não são tão confusas quanto podem parecer.

A crença é baseada na ideia de aquisição e no desejo de obter resultados através da ação. Vocês estão buscando ganho, vocês estão sendo moldados por conjuntos de crenças baseadas na ideia de obtenção, na busca por recompensas. E sua ação é o resultado dessa busca. Se vocês estivessem no movimento do pensamento, sem buscar um fim, uma meta, uma recompensa, então haveria resultados, mas vocês não se preocupariam com eles. Como eu disse, um cientista que busca resultados não é um verdadeiro cientista. E um verdadeiro cientista que busca profundamente não se preocupa com os resultados que obtém, mesmo que esses resultados possam ser úteis ao mundo. Portanto, se preocupem com o movimento da ação em si; e nisso há o êxtase da verdade. Mas vocês devem se conscientizar de que o seu pensamento é limitado pela crença, que vocês estão meramente agindo de acordo com certos conjuntos de crenças, que sua ação é prejudicada pelas tradições. Nessa liberdade de consciência existe completude de ação.

Suponham, por exemplo, que eu seja professor em uma escola. Se eu tentar moldar a inteligência dos alunos para uma determinada ação, então não é mais inteligência. Como o aluno deve empregar sua inteligência é assunto dele. Se ele for inteligente, agirá verdadeiramente, porque não agirá por motivos de ganho, de recompensas, de engodos, de poder.

Para compreender esse movimento do pensamento, essa completude de ação que nunca poderá ser estática como um padrão, como um ideal, a mente deve estar livre de crenças; porque não existe completude e realização na ação que busca recompensa. No entanto, a maioria de suas ações é baseada na crença. Vocês acreditam na orientação de um Mestre, em ideais, em dogmas religiosos, acreditam nas tradições estabelecidas pela sociedade. Mas com esse pano de fundo da crença, vocês nunca compreenderão, nunca aprofundarão a experiência com a qual são confrontados, porque a crença os impede de viver a experiência totalmente, com todo o seu ser. Somente quando vocês não estiverem mais presos à crença, vocês conhecerão a completude de ação. Agora, vocês estão inconscientes dessa carga que corrompe a mente. Tornem-se completamente conscientes dessa carga na ação; e essa mesma consciência libertará a mente de todas as corrupções.

Agora, vou responder algumas das questões que me foram colocadas.

Interrogante: Pela ratificação das escrituras e pela concordância de muitos mestres, a dúvida tem sido considerada através dos tempos um impedimento a ser destruído antes que a verdade possa despontar na alma. O senhor, pelo contrário, parece olhar para a dúvida sob uma luz bastante diferente. Você chegou até mesmo a chamar a dúvida de um precioso unguento. Qual dessas duas opiniões contraditórias é a correta?

Krishnamurti: Vamos deixar as escrituras fora desta discussão; porque quando você começa a citar as escrituras em apoio às suas opiniões, tenha certeza de que o Diabo também pode encontrar textos nas escrituras para apoiar a opinião completamente contrária! Nos Upanishads, nos Vedas, tenho certeza de que pode ser encontrado exatamente o oposto do que você diz que as escrituras ensinam, tenho certeza de que podem ser encontrados textos dizendo que se deve duvidar. Portanto, não vamos citar as escrituras uns para os outros; isso é como arremessar tijolos na cabeça uns dos outros.

Como eu disse, suas ações são baseadas em crenças, em ideais que vocês herdaram ou adquiriram. Os ideais e as crenças não têm realidade. Nenhuma crença é uma realidade viva. Para o homem que vive, as crenças são desnecessárias.

Agora, como a mente está ferida por muitas crenças, por muitos princípios, pelas muitas tradições, falsos valores e ilusões, vocês devem começar a questioná-los, a duvidar deles. Vocês não são crianças. Vocês não podem aceitar o que quer que seja oferecido ou imposto a vocês. Vocês devem começar a questionar o próprio fundamento da autoridade, porque esse é o começo da verdadeira crítica. Vocês devem questionar para descobrir por si próprios o verdadeiro significado dos valores tradicionais. Essa dúvida, nascida de intenso conflito, por si só libertará a mente e lhes dará o êxtase da liberdade, um êxtase livre de ilusão.

Portanto, a primeira coisa é duvidar, não valorizar suas crenças. Mas a alegria dos exploradores é instigar vocês a não duvidar, a considerarem a dúvida como um impedimento. Por que vocês deveriam temer a dúvida? Se vocês estão satisfeitos com as coisas como elas estão, então continuem vivendo como estão. Digam que estão satisfeitos com suas cerimônias; vocês podem ter rejeitado as velhas cerimônias e aceitado as novas, mas ambas equivalem a mesma coisa no final. Se vocês estão satisfeitos com elas, o que eu digo não vai perturbá-los em sua tranquilidade estagnada. Mas não estamos aqui para ser presos, impedidos, estamos aqui para viver inteligentemente, e se vocês desejam viver assim, a primeira coisa que vocês devem fazer é questionar.

Agora, a nossa chamada “educação” destrói implacavelmente a inteligência criativa. A educação religiosa que autoritariamente mantém perante vocês a ideia de medo sob variadas formas, os impede de questionar, de duvidar. Vocês podem ter descartado a antiga religião de Mylapore, mas vocês aceitaram uma nova religião que tem muitos “Não façam” e “Façam”. A sociedade, através da força da opinião pública que é forte, vital, também os impede de duvidar. E vocês dizem que se vocês resistissem à opinião pública, ela os esmagaria. Assim, por todos os lados, a dúvida é desencorajada, destruída, posta de lado. No entanto, vocês só podem encontrar a verdade quando começarem a questionar, a duvidar dos valores pelos quais a sociedade e a religião, antigas e modernas, os cercaram.

Portanto, não comparem o que estou dizendo com o que é dito nas escrituras, dessa forma nunca iremos compreender. A comparação não leva à compreensão. Somente quando tomamos uma ideia em si e a examinamos profundamente, não comparativamente ou relativamente, mas com o objetivo de descobrir seu valor intrínseco, somente então compreendemos.

Tomemos um exemplo. Vocês sabem que é costume aqui casar-se muito jovem, e isso se tornou quase sagrado. Agora, vocês não devem questionar esse costume? Vocês devem questionar esse hábito tradicional se realmente amam seus filhos. Mas a opinião pública está tão fortemente a favor do casamento precoce que vocês não se atrevem a ir contra e, portanto, nunca investigam honestamente essa superstição.

Novamente, vocês descartaram certas cerimônias e aceitaram novas. Agora, por que vocês desistiram das antigas cerimônias? Vocês desistiram das antigas porque elas não os satisfaziam. E vocês aceitaram novas cerimônias porque elas são mais prometedoras, mais atraentes, oferecem mais esperança. Vocês nunca disseram: “Vou descobrir o valor intrínseco das cerimônias, sejam elas Hindus, Cristãs ou de qualquer outro credo”. Para descobrir o valor intrínseco das cerimônias, vocês devem deixar de lado as esperanças, os engodos que elas oferecem e examinar criticamente toda a questão. Não pode existir essa atitude de aceitação. Vocês só aceitam quando desejam ganhar, quando estão procurando conforto, refúgio, segurança. E nessa busca por segurança, conforto, vocês fazem da dúvida um impedimento, uma ilusão a ser banida e destruída.

Uma pessoa que quer viver verdadeiramente, compreender a vida completamente, deve conhecer a dúvida. Não digam: “Haverá um fim para a dúvida?” A dúvida existirá enquanto vocês sofrerem, enquanto vocês não descobrirem os verdadeiros valores. Para compreender os verdadeiros valores, vocês devem começar a duvidar, a serem críticos das tradições, da autoridade na qual sua mente foi treinada. Mas isso não significa que a atitude de vocês deva ser de oposição não inteligente. Para mim, a dúvida é um precioso unguento. Cura as feridas do sofredor. Tem uma influência benigna. A compreensão vem somente quando você duvida, não com o objetivo de aquisição ou substituição, mas para compreender. Onde existe o desejo de ganho, não há mais dúvida. Onde existe o desejo de ganho, existe a aceitação da autoridade – seja a autoridade de um, de cinco ou de um milhão de pessoas. Tal autoridade encoraja a aceitação e chama a dúvida de um impedimento. Porque vocês estão continuamente buscando conforto, segurança, vocês encontram exploradores que lhes asseguram que a dúvida é um impedimento, uma coisa a ser banida.

Interrogante: Você diz que não se pode trabalhar pelo nacionalismo e ao mesmo tempo pela fraternidade. Você quer sugerir que nós, que somos uma nação subjugada e acreditamos firmemente na fraternidade, devemos parar de nos esforçar para nos tornarmos independentes ou que enquanto estivermos tentando nos livrar do jugo estrangeiro, devemos deixar de trabalhar pela fraternidade?

Krishnamurti: Não olhemos para essa questão do ponto de vista de uma nação subjugada ou de uma nação exploradora. Quando nos chamamos de nação subjugada, estamos criando um explorador. Não vamos olhar para a questão dessa forma por enquanto. Para mim, a solução de um problema imediato não é o ponto, porque se compreendermos completamente o propósito final para o qual estamos trabalhando, então ao trabalharmos para esse propósito, resolveremos o problema imediato sem grande dificuldade.

Agora, por favor, acompanhem o que vou dizer, pode ser novo para vocês, mas não rejeitem por esse motivo. Eu sei que a maioria de vocês é nacionalista e que, ao mesmo tempo, devem ser a favor da fraternidade. Eu sei que vocês estão tentando manter o espírito de nacionalismo e o espírito de fraternidade ao mesmo tempo. Mas, por favor, deixem essa atitude nacionalista de lado por enquanto e olhem para a questão a partir de outro ponto de vista.

A solução definitiva para o problema do emprego e da fome é a unidade mundial ou humana. Vocês dizem que há milhões de pessoas famintas, sofrendo na Índia e que se vocês puderem se livrar dos ingleses, vocês encontrarão maneiras e meios de satisfazer as pessoas famintas. Mas eu digo, não procurem resolver o problema a partir desse ponto de vista. Não considerem os sofrimentos imediatos da Índia, mas considerem toda a questão dos milhões de famintos no mundo. Milhões de chineses estão morrendo por falta de comida. Por que vocês não pensam neles? Vocês dizem: “Não, não, meu primeiro dever é em casa”. Isso também é o que os chineses dizem. “Meu primeiro dever é em casa”. É o que proclamam os ingleses, os alemães, os italianos, é o que todo nacionalista afirma. Mas eu digo, não olhem para o problema a partir desse ponto de vista – não vou chamá-lo de um ponto de vista estreito ou amplo. Eu digo, considerem toda a causa da fome no mundo, não porque um determinado povo não tem comida suficiente.

O que causa a fome? Falta de planejamento organizado para toda a humanidade. Não é assim? Há comida suficiente. Existem alguns métodos excelentes que podem ser usados para a distribuição de alimentos, roupas e para a ocupação do homem. Há o suficiente para todas as coisas. Então, o que impede que façamos uso inteligente dessas coisas? Distinções de classes, distinções nacionais, distinções religiosas e sectárias – tudo isso impede a cooperação inteligente. No fundo, cada um de vocês está lutando para ganhar, cada um de vocês é governado pelo instinto de posse. É por isso que vocês acumulam implacavelmente, deixam suas posses para suas famílias, e isso se tornou uma ruína para o mundo.

Enquanto esse espírito existir, nenhum sistema inteligente funcionará satisfatoriamente, porque não há pessoas inteligentes suficientes para usá-lo com sabedoria. Quando vocês falam de nacionalismo, vocês querem dizer: “Primeiro eu, minha família, meu país”. Através do nacionalismo, vocês nunca poderão chegar à unidade humana, à unidade mundial. O absurdo e a crueldade do nacionalismo estão fora de dúvida, mas os exploradores usam o nacionalismo para seus próprios fins.

Aqueles de vocês que falam de fraternidade são geralmente nacionalistas intimamente. O que significa a fraternidade como uma ideia ou como uma realidade? Como vocês podem ter realmente o sentimento de amor fraterno em seus corações quando vocês mantêm um certo conjunto de crenças dogmáticas, quando vocês fazem distinções religiosas? E é isso que vocês estão fazendo em suas várias sociedades, em seus vários grupos. Vocês estão agindo de acordo com o espírito de fraternidade quando existem essas distinções? Como vocês podem conhecer esse espírito quando vocês têm uma mentalidade de classe? Como pode haver unidade ou fraternidade quando vocês pensam apenas em termos de sua família, sua nacionalidade, seu Deus?

Enquanto vocês estiverem tentando resolver apenas o problema imediato aqui, o problema da fome na Índia, vocês enfrentarão dificuldades intransponíveis. Não existe nenhum processo, nenhum sistema, nenhuma revolução que possa alterar essa condição de uma só vez. Se livrarem dos Ingleses imediatamente ou substituir uma burocracia obscura por uma burocracia transparente, não alimentará os milhões de famintos na Índia. A fome existirá enquanto houver exploração. E vocês, individualmente, estão envolvidos nessa exploração, através do seu desejo por poder, o que cria distinções, através do seu desejo por segurança individual, tanto espiritual quanto física. Eu afirmo que enquanto existir o espírito de exploração, sempre haverá fome.

Ou, o que pode acontecer é o seguinte: vocês podem ser implacavelmente conduzidos a aceitar outro conjunto de ideias, a adotar uma nova ordem social, gostando ou não. Atualmente é costume – e é reconhecido como legítimo – explorar, possuir, aumentar suas posses, manter, reunir, acumular, herdar. Quanto mais vocês têm, maior o seu poder de exploração. Em reconhecimento por suas posses, por seu poder, o governo os honra, lhes conferindo títulos e monopólios, vocês são chamados de “Senhor”, se tornam um K.C.S.I., Rao Bahadur. Isso é o que está acontecendo em sua existência material, e em sua chamada vida espiritual existe exatamente a mesma situação. Vocês estão adquirindo honras espirituais, títulos espirituais, vocês entram nas distinções espirituais dos discípulos, mestres, gurus. Existe a mesma luta pelo poder, o mesmo sentimento de posse, a mesma terrível crueldade de exploração através de sistemas religiosos e seus exploradores, os sacerdotes. E isso é pensado para ser espiritual, moral. Vocês são escravos desse atual sistema existente.

Agora, outro sistema está surgindo, chamado comunista. Esse sistema está inevitavelmente surgindo porque aqueles que possuem são tão desumanos, tão implacáveis em sua exploração que aqueles que sentem a crueldade e a feiura disso, têm que encontrar um meio de resistência. Então, eles estão começando a acordar, a se revoltar, e eles vão forçá-los para o seu sistema de pensamento, porque vocês são desumanos. (Risos da audiência)

Não, não riam. Vocês não percebem a terrível crueldade provocada por seus pequenos sistemas de posse. Um novo sistema está chegando, e quer vocês gostem ou não, vocês serão desapropriados, serão conduzidos como ovelhas em direção à não-posse, da mesma maneira que estão sendo conduzidos agora em direção à posse. Nesse sistema, a honra vai para aqueles que não têm posses. Vocês serão escravos desse novo sistema tal como são escravos do antigo. Um te força a possuir, o outro a não possuir. Talvez o novo sistema beneficie as multidões, as massas, mas se vocês forem forçados, individualmente, a aceitá-lo, então o pensamento criativo cessa. Por isso eu digo, ajam voluntariamente, com compreensão. Libertem-se do sentimento de posse, bem como do seu oposto, o sentimento de não-posse.

Mas vocês perderam todo o senso de sentimento verdadeiro. É por isso que vocês estão lutando pelo nacionalismo – mas vocês não estão preocupados com as muitas implicações do nacionalismo. Quando você está ocupado com distinções de classe, quando você está lutando para manter o que tem, você está sendo realmente explorado individual e coletivamente, e essa exploração inevitavelmente levará à guerra. Isso não é ostensivamente óbvio na Europa agora? Todas as nações continuam acumulando armamentos e, no entanto, falam de paz e participam de conferências sobre o desarmamento. (Risos da audiência)

Vocês estão fazendo exatamente a mesma coisa de outra maneira. Vocês falam sobre fraternidade e, no entanto, mantêm as distinções de castas. Os preconceitos religiosos dividem vocês. Os costumes sociais tornaram-se barreiras cruéis. Pelas suas crenças, ideais, preconceitos, a unidade do homem está constantemente sendo quebrada. Como vocês podem falar de fraternidade quando não a sentem em seus corações, quando suas ações se opõem à unidade do homem, quando vocês estão constantemente buscando sua própria auto expansão, sua própria auto glorificação? Se vocês não estivessem perseguindo os seus próprios fins egoístas, vocês querem dizer que pertenceriam a organizações que lhes prometem recompensas espirituais e temporais? Isso é o que suas religiões, seus grupos seletivos, seus governos estão fazendo, e vocês pertencem a eles para sua própria auto expansão, para sua própria auto glorificação.

Se vocês se tornarem inteligentes sobre toda essa questão do nacionalismo, se vocês realmente pensarem e, portanto, agirem verdadeiramente em relação a ela, vocês podem criar uma unidade mundial que será a única solução real para o problema imediato da fome. Mas é difícil para vocês pensarem nessa linha, porque vocês foram treinados durante anos para pensar de acordo com o ritmo nacionalista. Suas histórias, suas revistas, seus jornais, todos eles enfatizam o nacionalismo. Vocês são treinados pelos seus exploradores políticos para não ouvirem quem chama o nacionalismo de doença, para não ouvirem quem diz que o nacionalismo não é um meio para a unidade mundial. Mas vocês não devem separar os meios dos fins, o fim está diretamente ligado aos meios, não é distinto dele. O fim é a unidade mundial, um plano organizado para o todo, embora isso não signifique uniformização da individualidade. No entanto, uma uniformização mecânica e sem vida ocorrerá se vocês não agirem de forma voluntária e inteligente.

Eu me pergunto quantos de vocês sentem a urgência, a necessidade dessas coisas. O fim é a unidade humana, da qual vocês tanto falam. Mas vocês simplesmente falam sem ação voluntária e inteligente; vocês não sentem, e suas ações negam suas palavras. O fim é a unidade humana, um planejamento organizado para todos os homens, não o condicionamento do homem. O objetivo não é forçar o homem a pensar em uma direção específica, mas ajudá-lo a ser inteligente para que possa viver plenamente, criativamente. Mas deve haver um planejamento organizado para o bem-estar do homem, e isso só poderá ser realizado quando o nacionalismo e as distinções de classes, com sua exploração, não existirem mais.

Senhores, quantos de vocês sentem a grande necessidade de tal ação? Estou consciente de sua atitude. Vocês dizem: “Milhões estão morrendo de fome na Índia. Não é importante resolver esse problema imediatamente?” Mas o que vocês estão fazendo exatamente sobre isso? Vocês falam em fazer alguma coisa, mas o que vocês realmente fazem é argumentar e debater sobre como seus planos deverão ser organizados, qual sistema deverá ser adotado e quem deverá ser seu líder. Isso está em seus corações. Vocês não estão realmente preocupados com os milhões de famintos em todo o mundo. É por isso que vocês falam de nacionalismo. Se vocês procurassem resolver o problema como um todo, se realmente sentissem por toda a humanidade, então veriam a imensa necessidade de uma ação humana completa, que só poderá acontecer quando vocês pararem de falar em termos de nacionalidades, de classes, de religiões.

Interrogante: Você ainda está inclinado a negar categoricamente que você é um produto genuíno da cultura Teosófica?

Krishnamurti: O que você quer dizer com cultura Teosófica? Você vê como essa questão está conectada com a anterior sobre o nacionalismo. Você pergunta: “Não foi a nossa sociedade, a nossa religião, o nosso país que o criou?” E a próxima pergunta segue: “Por que você é ingrato conosco?”

A inteligência não é produto de nenhuma sociedade, embora eu saiba que sociedades e grupos gostam de explorá-la. Se eu concordasse que sou o “genuíno produto da cultura Teosófica”, seja o que for que isso possa significar, você diria: “Vejam que homem maravilhoso ele é! Fomos nós que o produzimos, portanto sigam nós e nossas ideias”. (Risos da audiência) Eu sei que estou colocando isso de forma superficial, mas é assim que muitos de vocês pensam. Não riam. Vocês riem com muita facilidade, superficialmente, mostrando que não sentem vitalmente. Eu quero que você considere o porquê você me fez essa pergunta, não se eu sou ou não o resultado da cultura Teosófica.

A cultura é universal. A verdadeira cultura é infinita; não pertence a nenhuma sociedade, nação, a nenhuma religião. Um verdadeiro artista não é Hindu nem Cristão, Americano nem Inglês, porque um artista que está condicionado pela tradição ou nacionalismo não é um verdadeiro artista. Portanto, não vamos discutir se sou o resultado da cultura Teosófica ou se não sou. Vamos considerar o porquê você fez essa pergunta. Isso é mais importante.

Porque vocês estão se apegando às suas crenças particulares, vocês dizem que o seu caminho é o único caminho, que é melhor do que todos os outros. Mas eu afirmo que não há caminho para a verdade. Somente quando vocês estiverem livres dessa ideia de caminhos, que são apenas ilusões temperamentais, vocês começarão a pensar de forma inteligente, criativa.

Agora, eu não estou atacando sua sociedade. Vocês tiveram a gentileza de me convidar para falar aqui, e não estou abusando dessa gentileza. A sua sociedade é como milhares de outras sociedades em todo o mundo, cada uma sustentando suas próprias crenças, cada uma pensando: “A nossa é o melhor caminho, nossa crença está certa e outras crenças estão erradas”. Antigamente, as pessoas cujas crenças diferiam da ortodoxia aceita eram queimadas ou torturadas. Hoje nos tornamos o que chamamos de tolerantes; isto é, nos tornamos intelectualizados. Isso é o que a tolerância significa.

Vocês me fazem essa pergunta porque querem se convencer de que sua cultura, sua crença é a melhor; e vocês querem trazer outros para essa crença, para essa cultura. Hoje a Alemanha afirma que será um país apenas de pessoas Nórdicas, que lá haverá apenas uma cultura. Vocês dizem exatamente a mesma coisa de uma maneira diferente. Vocês dizem: “Nossas crenças resolverão os problemas do mundo”. É isso que dizem os Budistas e os Maometanos, é isso que dizem os Católicos Romanos e os outros. “Nossas crenças são as melhores, nossa instituição é a mais preciosa.” Cada seita e cada grupo acredita em sua própria superioridade, e de tais crenças surgem cisões, discórdias e guerras religiosas sobre coisas que não importam nem um pouco.

Para um homem que vive plenamente, completamente, para um homem verdadeiramente culto, as crenças são desnecessárias. Ele é criativo. Ele é verdadeiramente criativo, e essa criatividade não é o resultado de uma reação a uma crença. O homem verdadeiramente culto é inteligente. Nele não há separação entre seu pensamento e sua emoção e, portanto, suas ações são completas, harmoniosas. A verdadeira cultura não é nacionalista nem de nenhum grupo. Quando vocês compreenderem isso, haverá o verdadeiro espírito de fraternidade; vocês não vão mais pensar em termos de Catolicismo Romano ou Protestantismo, em termos de Hinduísmo ou Teosofia. Mas vocês estão tão conscientes de suas posses e de sua luta por mais aquisições, que causa distinções, e daí surgem o explorador e o explorado.

Alguns de vocês, eu sei, fecharam suas mentes sobre o que estou dizendo e o que vou dizer. Isso é óbvio, é só olhar para seus rostos.

Comentário da audiência: Duvidamos de você, isso é tudo.

Krishnamurti: É perfeitamente correto que vocês duvidem de mim. Fico feliz se vocês duvidam. Mas vocês não estão duvidando. Se vocês estivessem realmente duvidando, como vocês poderiam me fazer uma pergunta como essa, se eu sou o resultado da cultura Teosófica ou não? O pensamento não deve ser condicionado, moldado, mas sei que isso está acontecendo; mas certamente vocês não podem aceitar as coisas como elas são. Vocês só aceitam quando estão satisfeitos, contentes. Vocês não aceitam quando estão sofrendo. Quando você sofre, você começa a questionar. Então, por que vocês não devem duvidar? Não os convidei desde o início a examinar, a desafiar tudo o que eu digo para que vocês se tornem inteligentes, afetuosos, humanos? Vocês chegaram a essa compreensão inteligente da vida? Peço que questionem, que duvidem não apenas do que estou dizendo, mas também dos seus valores passados e daqueles em que vocês estão presos agora.

A dúvida provoca uma compreensão duradoura; a dúvida não é um fim em si mesma. O que é verdadeiro só se revela através da dúvida, através do questionamento das muitas ilusões, dos valores tradicionais, dos ideais. Vocês estão fazendo isso? Se vocês souberem que estão fazendo isso com sinceridade, então vocês também conhecerão o significado duradouro da dúvida. A mente e o coração estão se libertando do sentimento de posse? Se vocês estão verdadeiramente despertos para a sabedoria da dúvida, o instinto de cobiça deve ser completamente destruído, porque esse instinto é a causa de muita miséria. Nele não há amor, mas apenas caos, conflito, sofrimento. Se vocês duvidarem verdadeiramente, vocês perceberão a falsidade do instinto de posse.

Se vocês são críticos, questionadores, por que se apegam às cerimônias? Agora, não comparem uma cerimônia com outra para decidirem qual é a melhor, mas descubram se as cerimônias valem a pena. Se vocês dizem: “As cerimonias que realizo são muito satisfatórias para mim”, então não tenho mais nada a dizer. A declaração de vocês apenas mostra que vocês não têm conhecimento da dúvida. Vocês só estão interessados em estarem satisfeitos. As cerimônias mantêm as pessoas separadas, e cada crente nelas diz: “As minhas são as melhores. Elas têm maior poder espiritual do que as outras.” Isso é o que os membros de todas as religiões, de todas as seitas ou sociedades religiosas afirmam, e sobre essas distinções artificiais tem havido desavenças durante gerações. Essas cerimônias e outras barreiras impensadas separaram o homem do homem.

Posso dizer outra coisa? Se vocês duvidam, isto é, se vocês desejam muito descobrir, vocês devem deixar de lado essas coisas que lhes são tão caras. Não pode haver verdadeira compreensão mantendo o que vocês têm. Vocês não podem dizer: “Vou manter este preconceito, esta crença, esta cerimônia e ao mesmo tempo vou examinar o que você diz”. Como vocês poderiam? Tal atitude não é de dúvida, não é uma crítica inteligente. Isso mostra que vocês estão apenas procurando um substituto.

Estou tentando ajudá-los a compreender verdadeiramente a completude da vida. Não estou pedindo para vocês me seguirem. Se vocês estão satisfeitos com a vida de vocês tal como ela é, então continuem. Mas se vocês não estão, então experimentem o que estou dizendo. Não aceitem, mas comecem a ser inteligentemente críticos. Para viver completamente, vocês devem estar livres das corrupções, das ilusões nas quais estão presos. Para descobrirem o significado duradouro das cerimônias, vocês devem examiná-las criticamente, objetivamente, e para fazer isso vocês não devem ser atraídos por elas, enredados por elas. Certamente que isso é óbvio. Examinem tanto a realização quanto a não realização de cerimônias. Duvidem, questionem, ponderem sobre isso profundamente. Quando vocês começarem a abandonar o passado, vocês criarão conflito em si mesmos, e desse conflito vem a ação nascida da compreensão. Agora, vocês estão com medo de abandoná-las, porque esse ato de renúncia trará turbulência; desse ato poderá vir a decisão de que as cerimônias são inúteis, o que iria contra sua família, seus amigos e suas afirmações passadas. Existe medo por trás de tudo isso, então vocês duvidam apenas intelectualmente. Vocês são como os homens que se apegam a todas as suas posses, às suas ideias, crenças, às suas famílias e ainda falam sobre não-posse. O seu pensamento não tem nada a ver com sua ação. Sua vida é hipócrita.

Por favor, não pensem que estou falando rudemente, não estou. Mas também não vou ser sentimental ou emocional para instigá-los à ação. Na verdade, não estou interessado em instigá-los à ação, vocês despertarão para a ação quando compreenderem. Estou interessado em mostrar-lhes o que está acontecendo no mundo. Quero despertá-los para a crueldade, para a terrível opressão, exploração que está acontecendo ao redor vocês. A religião, a política, a sociedade estão explorando vocês, e vocês estão sendo condicionados por elas. Vocês estão sendo forçados em uma direção particular. Vocês não são seres humanos, são meras engrenagens de uma máquina. Vocês sofrem pacientemente, submetendo-se às condições cruéis do ambiente, quando vocês, individualmente, têm a possibilidade de mudar essas condições.

Senhores, é hora de agir. Mas a ação não pode ocorrer através de meras argumentações e discussões. A ação só ocorre quando vocês sentem intensamente. A verdadeira ação só ocorre quando seus pensamentos e sentimentos estão harmoniosamente ligados. Mas vocês separaram seus sentimentos de seus pensamentos, porque a partir da harmonia deles, a ação cria um conflito que vocês não estão dispostos a enfrentar. Mas eu digo, libertem-se dos falsos valores da sociedade, das tradições, vivam completamente, individualmente. Dizendo isso não me refiro à viver individualisticamente. Quando falo de individualidade, quero dizer com isso à compreensão dos verdadeiros valores, que os libertam da máquina social, religiosa que estão destruindo-os. Para ser verdadeiramente individual, a ação deve nascer da inteligência criativa, sem medo, não presa pela ilusão.

Vocês podem fazer isso. Vocês podem viver completamente – não só vocês, mas todas as pessoas que os rodeiam – quando se tornarem criativamente inteligentes. Mas agora vocês querem sempre obter, estão sempre em busca de poder. Vocês são movidos por engodos, crenças, por substitutos. Nisso não há felicidade, inteligência criadora, verdade.

30/12/1933.