1ª palestra

Adyar  

O Sr. Warrington, Presidente Interino da Sociedade Teosófica, gentilmente me convidou para vir a Adyar e realizar algumas conversas aqui. Estou muito contente por ter aceitado o seu convite e aprecio a sua amizade, que espero que continue, embora possamos divergir completamente em nossas ideias e opiniões.

Espero que todos ouçam minhas palestras sem preconceitos e não pensem que estou tentando atacar sua sociedade. Eu quero fazer outra coisa. Eu quero despertar o desejo de uma busca verdadeira. E isso, eu penso, é tudo o que um professor pode fazer. Isso é tudo que eu quero fazer. Se eu puder despertar esse desejo em vocês, terei cumprido minha tarefa, porque desse desejo vem a inteligência, essa inteligência que está livre de qualquer sistema e crença organizada. Essa inteligência está além de todo pensamento de compromisso e falso ajustamento. Portanto, durante estas conversas, aqueles de vocês que pertencem a várias sociedades ou grupos, por favor, tenham em mente que estou muito grato à Sociedade Teosófica e seu Presidente Interino por terem me convidado para vir aqui falar, e que não estou atacando a Sociedade Teosófica. Não estou interessado em atacar. Mas eu afirmo que, embora as organizações para o bem-estar social do homem sejam necessárias, as sociedades baseadas em esperanças e crenças religiosas são perniciosas. Portanto, embora eu pareça falar de modo áspero, por favor, lembrem-se de que não estou atacando nenhuma sociedade em particular, mas que sou contra todas estas falsas organizações que, embora professem ajudar o homem, são na realidade um grande obstáculo e um meio de exploração constante.

Quando a mente está cheia de crenças, ideias e conclusões definitivas que ela chama de conhecimento, e que se tornam sagradas, então o movimento infinito do pensamento cessa. Isso é o que está acontecendo com a maioria das mentes. O que chamamos de conhecimento é meramente acumulação, impede o livre movimento do pensamento, mas nos apegamos e adoramos esse chamado “conhecimento”. Então a mente fica enredada, emaranhada nele. É somente quando a mente está livre de toda essa acumulação, de crenças, ideais, princípios, memórias, que existe pensamento criativo. Vocês não podem descartar cegamente a acumulação, vocês só podem ficar livres dela quando a compreenderem. Então, a partir disso, existe pensamento criativo, então há um movimento eterno. A mente não está mais separada da ação.

Agora, as crenças, ideais, virtudes e ideias santificadas que vocês estão perseguindo e que vocês chamam de conhecimento, impedem o pensamento criativo e, portanto, põem fim ao contínuo amadurecimento do pensamento. Porque pensamento não significa seguir um canal específico de ideias, hábitos, tradições estabelecidas. O pensamento é crítico, é uma coisa à parte do conhecimento herdado ou adquirido. Quando vocês apenas aceitam ideias, tradições, vocês não estão pensando e há uma lenta estagnação. Vocês me dizem: “Temos crenças, tradições, princípios, eles não estão certos? Devemos nos livrar deles?” Eu não vou dizer que vocês devem se livrar deles ou que não devem. De fato, sua própria prontidão para aceitarem a ideia de que vocês devem ou não se livrar dessas crenças e tradições os impede de pensar. Vocês já estão em um estado de aceitação e, portanto, não têm a capacidade de serem críticos.

Estou falando com indivíduos, não com organizações ou com grupos de indivíduos. Estou falando com vocês como indivíduos, não como um grupo de pessoas com certas crenças. Se minha palestra tiver algum valor para vocês, tentem pensar por si mesmos, não com a consciência de grupo. Não pensem com os princípios com os quais vocês já se comprometeram, porque eles são apenas formas sutis de conforto. Vocês dizem: “Pertenço a uma determinada sociedade, a um determinado grupo. Fiz certas promessas a esse grupo e aceitei dele certos benefícios. Como posso pensar separadamente dessas condições e promessas? O que devo fazer?” Eu afirmo, não pensem em termos de compromissos, porque eles os impedem de pensar criativamente. Onde existe mera aceitação, não pode haver pensamento livre, fluente e criativo, que por si só é inteligência suprema, que por si só é felicidade. O chamado conhecimento que adoramos, que nos esforçamos para obter lendo livros, impede o pensamento criativo.

Mas porque digo que tal conhecimento e leitura impedem o pensamento criativo, não se voltem imediatamente para o oposto. Não digam: “Não devemos ler?” Estou falando dessas coisas porque quero mostrar a vocês seu significado inerente, não quero impulsioná-los para o oposto.

Agora, se sua atitude é de aceitação, vocês vivem com medo da crítica e quando surge a dúvida, como deve surgir, vocês a destrói cuidadosamente e diligentemente. No entanto, é somente através da dúvida, através da crítica, que vocês podem realizar. E o propósito da vida é realizar, não acumular, não alcançar, como explicarei em seguida. A vida é um processo de busca, não a busca por um fim específico, mas a busca para liberar a energia criativa, a inteligência criativa no homem. É um processo de movimento eterno, livre de crenças, de conjuntos de ideias, de dogmas ou do chamado conhecimento.

Portanto, quando eu falo de crítica, por favor, não sejam partidários. Eu não pertenço às suas sociedades, não tenho suas opiniões e ideais. Estamos aqui para examinar, não para tomar partido. Portanto, por favor, acompanhem o que vou dizer com a mente aberta e tomem partido – se tiverem que tomar partido – após a conclusão destas conversas. Por que vocês tomam partido? Pertencer a um determinado grupo lhes dá uma sensação de conforto, de segurança. Vocês pensam que porque muitos de vocês detêm certas ideias ou princípios, vocês progredirão por causa disso. Mas, por enquanto, tentem não tomar partido. Tentem não ser influenciados pelo grupo específico ao qual vocês pertencem agora e tentem não ficar do meu lado. Tudo o que vocês têm que fazer durante estas conversas é examinar, ser críticos, duvidar, descobrir, procurar, aprofundar os problemas diante de vocês.

Vocês estão habituados à oposição, não à crítica. (Quando digo “vocês”, por favor, não pensem que estou falando com uma atitude de superioridade.) Eu digo que vocês não estão habituados à crítica e, através dessa falta de crítica, vocês esperam desenvolver-se espiritualmente. Vocês pensam que através desta destruição da dúvida, livrando-se da dúvida, vocês avançarão, porque ela foi colocada diante de vocês como uma das qualidades necessárias para o progresso espiritual; e vocês são explorados desse modo. Mas em sua cuidadosa destruição da dúvida, em seu afastamento da crítica, vocês apenas desenvolveram oposição. Vocês dizem: “As escrituras são minha autoridade para isto”. Ou: “Os professores disseram isso”. Ou: “Eu li isso”. Em outras palavras, vocês mantêm certas crenças, certos dogmas, certos princípios com os quais se opõem a qualquer situação nova e contraditória. E vocês imaginam que estão pensando, que são críticos, criativos. Sua posição é como a de um partido político que atua apenas na oposição. Se vocês forem verdadeiramente críticos, criativos, vocês nunca se oporão simplesmente, vocês estarão preocupados com as realidades. Mas se sua atitude for meramente de oposição, então sua mente não encontrará a minha; então vocês não compreenderão o que estou tentando transmitir.

Portanto, quando a mente está habituada à oposição, quando foi cuidadosamente treinada pela chamada educação, pela tradição, crenças, pelos sistemas religiosos e filosóficos para adquirir essa atitude de oposição, ela naturalmente não tem a capacidade de criticar e duvidar verdadeiramente. Mas, se vocês quiserem me compreender, essa é a primeira coisa que vocês devem ter. Por favor, não fechem suas mentes para o que estou dizendo. A verdadeira crítica é o desejo de descobrir. A faculdade de criticar só existe quando vocês querem descobrir o valor inerente de uma coisa. Mas vocês não estão habituados a isso. Suas mentes estão habilmente treinadas para atribuir valores, mas por esse processo, vocês nunca compreenderão o significado inerente de uma coisa, de uma experiência ou ideia.

Para mim, portanto, a verdadeira crítica consiste em tentar descobrir o valor intrínseco da coisa em si, e não em atribuir uma qualidade a essa coisa. Vocês atribuem uma qualidade a um ambiente, a uma experiência, somente quando desejam obter algo, quando desejam ganhar, ter poder ou felicidade. Agora, isso destrói a verdadeira crítica. O desejo de vocês é corrompido pela atribuição de valores e, portanto, vocês não podem ver claramente. Em vez de tentarem ver a flor em sua beleza original e completa, vocês a olham através de óculos coloridos e, por isso, nunca poderão vê-la como ela é.

Se vocês querem viver, desfrutar, apreciar a imensidão da vida, se vocês realmente querem compreendê-la, não apenas repetir, como um papagaio o que lhes foi ensinado, o que lhes foi repetido inúmeras vezes, então sua primeira tarefa é retirar as corrupções que os enredam. E lhes asseguro que essa é uma das tarefas mais difíceis, porque essas corrupções fazem parte do treinamento de vocês, fazem parte de sua educação e é muito difícil se desapegar delas.

A atitude crítica exige liberdade da ideia de oposição. Por exemplo, vocês me dizem: “Nós acreditamos em mestres, você não. O que você tem a dizer sobre isso?” Agora, essa não é uma atitude crítica, mas por favor, não pensem que estou falando rudemente, com uma atitude infantil. Estamos discutindo se certas ideias são fundamentalmente verdadeiras em si mesmas, não se vocês ganharam algo com essas ideias, porque o que vocês ganharam podem ser meramente corrupções, preconceitos.

Meu propósito durante esta série de conversas é despertar sua verdadeira capacidade crítica, para que os professores se tornem desnecessários para vocês, para que vocês não sintam a necessidade de palestras, de sermões, para que vocês compreendam por si próprios o que é verdadeiro e vivam completamente. O mundo será um lugar mais feliz quando não houver mais professores, quando um homem não sentir mais que deve pregar ao próximo. Mas esse estado só pode acontecer quando vocês, como indivíduos, estiverem realmente despertos, quando duvidarem muito, quando realmente começarem a questionar em meio ao sofrimento. Então, vocês deixam de sofrer. Vocês sufocaram suas mentes com explicações, com conhecimento. Vocês endureceram seus corações. Vocês não estão interessados com o sentimento, mas estão interessados com crenças, ideias, com a santidade do chamado conhecimento e, portanto, vocês estão famintos. Vocês já não são seres humanos, mas meras máquinas.

Eu vejo vocês balançarem as cabeças. Se vocês não concordam comigo, façam-me perguntas amanhã. Escrevam suas perguntas e me as entreguem, e eu as responderei. Mas esta manhã vou falar e espero que vocês acompanhem o que tenho para dizer.

Não há lugar de descanso na vida. O pensamento não pode ter lugar de descanso. Mas vocês estão procurando um lugar de descanso. Em suas várias crenças, religiões, vocês procuraram um lugar de descanso, e nessa busca vocês deixaram de ser críticos, de fluir com a vida, de desfrutar, de viver amplamente.

Como eu disse, a verdadeira busca – que é diferente da busca por um objetivo, da busca por ajuda ou da busca por ganho – a verdadeira busca é a busca pela compreensão do valor intrínseco da experiência. A verdadeira busca é como um rio veloz, e nesse movimento há compreensão, um eterno devir. Mas a busca por orientação resulta apenas em alívio temporário, o que significa uma multiplicação de problemas e um aumento de suas soluções. Agora, o que vocês estão buscando? Qual desses vocês desejam? Vocês desejam buscar, descobrir ou desejam encontrar ajuda, orientação? A maioria de vocês deseja ajuda, alívio temporário do sofrimento. Vocês desejam curar os sintomas em vez de encontrar a causa do sofrimento. Vocês dizem: “Estou sofrendo, dê-me um método que me liberte do sofrimento”. Ou dizem: “O mundo está em uma situação caótica. Nos dê um sistema que resolva seus problemas, que traga ordem.”

Assim, a maioria de vocês está buscando alívio temporário, refúgio temporário, e ainda assim vocês chamam isso de busca pela verdade. Quando vocês falam de serviço, de compreensão, de sabedoria, vocês estão pensando apenas em termos de conforto. Enquanto vocês desejarem apenas aliviar o conflito, a luta, os desentendimentos, o caos, o sofrimento, vocês serão como um médico que lida apenas com os sintomas de uma doença. Enquanto vocês estiverem apenas interessados em encontrar conforto, vocês não estão realmente buscando.

Agora, vamos ser bastante francos. Nós podemos ir longe se formos realmente francos. Admitamos que tudo o que vocês estão buscando é segurança, alívio. Vocês estão buscando segurança contra a mudança constante, alívio da dor. Porque vocês estão insuficientes, vocês dizem: “Por favor, me dê suficiência”. Portanto, o que vocês chamam de busca pela verdade é realmente uma tentativa de encontrar alívio da dor, o que não tem nada a ver com a realidade. Em tais coisas somos como crianças. Em tempo de perigo corremos para nossa mãe, sendo essa mãe a crença, o guru, a religião, a tradição, o hábito. Aqui nos refugiamos e, portanto, nossas vidas são vidas de imitação constante, sem nunca um momento de rica compreensão.

Agora, vocês podem concordar com minhas palavras, dizendo: “Você tem toda razão, não estamos buscando a verdade, mas alívio, e esse alívio é satisfatório no momento”. Se vocês estão satisfeitos com isso, não há mais nada a dizer. Se vocês mantêm essa atitude, não posso dizer mais nada. Mas, graças a Deus! Nem todos os seres humanos têm essa atitude. Nem todos alcançaram o estado de satisfação com suas próprias pequenas experiências, que vocês chamam de conhecimento e que é estagnação.

Agora, quando vocês dizem: “Estou procurando”, vocês dão a entender que estão procurando o desconhecido. Vocês desejam o desconhecido, e esse é o objeto de sua busca. Porque, o conhecido para vocês é terrível, insatisfatório, inútil, carregado de tristeza, vocês querem descobrir o desconhecido e, portanto, a pergunta: “O que é a verdade? O que é Deus?” Disso surge a pergunta: “Quem me ajudará a alcançar a verdade?” Nessa mesma tentativa de encontrar a verdade ou Deus, vocês criam gurus, professores, que se tornam seus exploradores.

Por favor, não se ofendam com minhas palavras, não tenham preconceito contra o que estou dizendo e não pensem que estou praticando meu hobby favorito. Estou apenas mostrando a causa de vocês serem explorados, que é sua busca por um objetivo, por um fim. E quando vocês compreenderem a falsidade da causa, essa compreensão os libertará. Não estou pedindo que sigam meus ensinamentos, porque se vocês desejam compreender a verdade, vocês não podem seguir ninguém. Se vocês desejam compreender a verdade, vocês devem ficar completamente sozinhos.

Qual é uma das coisas mais importantes em que vocês estão interessados em sua busca pelo desconhecido? Vocês dizem: “Diga-me o que tem do outro lado, diga-me o que acontece com uma pessoa após a morte”. A resposta para essas perguntas, vocês chamam de conhecimento. Portanto, quando vocês investigam o desconhecido, vocês encontram uma pessoa que lhes oferece uma explicação satisfatória sobre isso e vocês se refugiam nessa pessoa ou na ideia que ela lhes dá. Por esse motivo, essa pessoa ou essa ideia se torna seu explorador e vocês próprios são responsáveis por essa exploração, não o homem ou a ideia que explora vocês. De tal indagação sobre o desconhecido, nasce a ideia de um guru que os conduzirá à verdade. De tal investigação vem a confusão sobre o que é a verdade, porque em sua busca pelo desconhecido, cada professor, cada guia lhes oferece uma explicação sobre o que é a verdade e essa explicação depende naturalmente de seus próprios preconceitos e ideias. Mas, através desse ensinamento, vocês esperam aprender o que é a verdade. Sua busca pelo desconhecido é apenas uma fuga. Quando vocês conhecerem a causa real, quando vocês compreenderem o conhecido, então não investigarão o desconhecido.

A busca da variedade e a diversidade de ideias sobre a verdade não produzirá compreensão. Vocês dizem para si próprios: “Vou ouvir este professor, depois ouvirei outra pessoa, depois outra e aprenderei de cada um deles os vários aspectos da verdade”. Mas por esse processo, vocês nunca compreenderão. Tudo o que vocês fazem é fugir, vocês tentam encontrar aquilo que lhes dê maior satisfação. E aquele que lhes der mais, vocês o considerarão como seu guru, seu ideal, sua meta. Portanto, sua busca pela verdade cessou.

Agora, não pensem que o fato de eu lhes mostrar a inutilidade dessa busca é mera esperteza de minha parte, estou explicando a razão da exploração que está ocorrendo em todo o mundo, em nome da religião, do governo, em nome da verdade.

O desconhecido não é sua preocupação. Tenham cuidado com o homem que lhes descreve o desconhecido, a verdade ou Deus. Tal descrição do desconhecido lhes oferece um meio de fuga – e, além disso, a verdade desafia qualquer descrição. Nessa fuga não há compreensão, não há realização. Na fuga existe apenas rotina e decadência. A verdade não pode ser explicada ou descrita. Ela é. Eu afirmo que existe uma beleza que não pode ser colocada em palavras, se fosse colocada em palavras seria destruída, então não seria mais a verdade. Mas vocês não podem conhecer essa beleza, essa verdade perguntando sobre ela, vocês só podem conhecê-la quando tiverem compreendido o conhecido, quando tiverem compreendido o significado completo daquilo que está diante de vocês.

Portanto, vocês estão constantemente procurando fugas. E essas tentativas de fugas, vocês as dignificam com vários nomes espirituais, com palavras grandiosas. Essas fugas os satisfazem temporariamente, isto é, até que a próxima tempestade de sofrimento venha e destrua seu abrigo.

Agora, deixemos de lado esse desconhecido e nos preocupemos com o conhecido. Deixem de lado por um momento suas crenças, sua escravidão às tradições, sua dependência de seu Bhagavad Gita, suas escrituras, seus Mestres. Não estou atacando suas crenças favoritas, suas sociedades favoritas, estou lhes dizendo que, se vocês quiserem compreender a verdade do que eu digo, vocês devem tentar ouvir sem preconceitos.

Através de nossos vários sistemas de educação – que podem ser o treinamento universitário, o seguimento de um guru ou a dependência do passado na forma de tradição e hábito, que cria a incompletude do presente – através desses sistemas de educação fomos encorajados a adquirir, a adorar o sucesso. Todo o nosso sistema de pensamento, assim como toda a nossa estrutura social baseia-se na ideia de ganho. Olhamos para o passado porque não podemos compreender o presente. Para compreender o presente, que é experiência, a mente deve estar livre das tradições e hábitos passados. Enquanto o peso do passado nos dominar não podemos compreender, não podemos colher plenamente o perfume de uma experiência. Portanto, deve haver incompletude enquanto houver a busca por ganho. Que todo o nosso sistema de pensamento está baseado no ganho não é uma mera suposição hipotética de minha parte é um fato. E a ideia central de nossa estrutura social também é de ganho, de obtenção, de sucesso.

Mas porque eu disse que sua busca por essa ideia de ganho não resultará em uma vida completa, não pensem em termos de opostos. Não digam: “Não devemos buscar? Não devemos ganhar? Não devemos ter sucesso?” Isso demonstra um pensamento muito limitado. O que eu quero que vocês façam é questionar a própria ideia de ganho. Como eu disse, toda a estrutura social, econômica e a chamada espiritual de nosso mundo está baseada nessa ideia central de lucro – lucro com a experiência, lucro com a vida, lucro com os professores. E a partir dessa ideia de ganho, vocês gradualmente cultivam em si próprios a ideia de medo, porque em sua busca por ganho, vocês estão sempre com medo da perda. Portanto, tendo esse medo de perder, esse medo de perder uma oportunidade, vocês criam o explorador, seja ele o homem que os orienta moralmente, espiritualmente ou uma ideia à qual vocês se apegam. Vocês têm medo e querem ter coragem. Portanto, a coragem se torna seu explorador. Uma ideia se torna seu explorador.

Sua tentativa de obtenção, de ganho, é apenas uma fuga, uma fuga da insegurança. Quando vocês falam em ganho, vocês estão pensando em segurança. E depois de estabelecerem a ideia de segurança, vocês querem encontrar um método para obter e manter essa segurança. Não é assim? Se vocês considerarem suas vidas, se as examinarem criticamente, vocês descobrirão que ela se baseia no medo. Vocês estão sempre procurando ganhar, e depois de procurarem suas seguranças, depois de estabelecê-las como seus ideais, vocês se voltam para alguém que lhes oferece um método, um plano para alcançar e proteger seus ideais. Portanto, vocês dizem: “Para alcançar essa segurança devo me comportar de uma certa maneira, devo buscar a virtude, devo servir e obedecer, devo seguir gurus, professores e sistemas, devo estudar e praticar para obter o que eu quero”. Em outras palavras, como seu desejo é por segurança, vocês encontrarão exploradores que os ajudarão a obter o que desejam. Assim, vocês, como indivíduos, estabelecem religiões para servirem como seguranças, para servirem como padrões de conduta convencional. Por causa do medo da perda, por causa do medo de perder o que querem, vocês aceitam guias ou ideais, como os que as religiões oferecem.

Agora, tendo estabelecido seus ideais religiosos, que são realmente suas seguranças, vocês devem ter formas particulares de conduta, práticas, cerimoniais e crenças para alcançar esses ideais. Ao tentar alcançá-los, surge a divisão no pensamento religioso, resultando em cisões, seitas, credos. Vocês têm suas crenças e os outros têm as deles. Vocês se apegam à sua forma particular de religião e os outros se apegam as deles. Vocês são Cristãos, outros são Muçulmanos e outros Hindus. Vocês têm essas divergências e distinções religiosas, mas ainda falam de amor fraternal, tolerância e unidade – não que deva haver uniformidade de pensamento e ideias. A tolerância de que vocês falam é apenas uma invenção esperta da mente, essa tolerância indica apenas o desejo de se apegarem às suas próprias peculiaridades, às suas próprias ideias, aos seus preconceitos limitados e permitir que os outros sigam as deles. Nessa tolerância não há diversidade inteligente, mas apenas uma espécie de indiferença superior. Existe absoluta falsidade nessa tolerância. Vocês dizem: “Vocês continuem em seu próprio caminho e eu continuarei no meu. Mas sejamos tolerantes, fraternais.” Quando houver verdadeira fraternidade, amizade, quando houver amor em seu coração, então vocês não falarão de tolerância. Somente quando vocês se sentem superiores em sua certeza, em sua posição, em seu conhecimento, somente então vocês falam de tolerância. Vocês são tolerantes apenas quando há distinção. Com a cessação da distinção, não se falará em tolerância. Então, vocês não falarão de fraternidade, porque em seus corações vocês são irmãos.

Então vocês, como indivíduos, estabelecem várias religiões que atuam como sua segurança. Nenhum professor estabeleceu essas religiões organizadas, exploradoras. Vocês próprios, a partir da sua insegurança, da sua confusão, a partir da sua falta de compreensão, criaram as religiões como seus guias. Então, depois de terem estabelecido as religiões, vocês procuram gurus, professores, procuram Mestres para ajudá-los.

Não pensem que estou tentando atacar sua crença favorita. Estou simplesmente declarando fatos, não para vocês aceitá-los, mas para vocês examinarem, criticarem e verificarem.

Vocês têm seu Mestre e outros têm seu guia particular. Vocês têm seu salvador e o outros os deles. De tal divisão de pensamento e crença, cresce a contradição e o conflito dos méritos de vários sistemas. Essas disputas colocam o homem contra o homem, mas como intelectualizamos a vida, não lutamos mais abertamente, tentamos ser tolerantes. Por favor, pensem no que estou dizendo. Não meramente aceitem ou rejeitem minhas palavras. Para examinar imparcialmente, criticamente, vocês devem deixar de lado seus preconceitos, peculiaridades e abordar a questão abertamente.

Em todo o mundo, as religiões mantiveram os homens separados. Individualmente, cada um está buscando sua própria pequena segurança e se preocupa com seu próprio progresso. Individualmente, cada um deseja crescer, expandir-se, ser bem-sucedido, alcançar e, portanto, aceita qualquer professor que se ofereça para ajudá-lo a progredir e crescer. Como resultado dessa atitude de aceitação, a crítica e o verdadeiro questionamento cessaram. A estagnação se instalou. Embora vocês se movam ao longo de um estreito sulco de pensamento e vida, não há mais pensamento verdadeiro, não há mais vida plena, mas somente uma reação defensiva. Enquanto a religião mantiver os homens separados não pode haver fraternidade, assim como não pode haver fraternidade enquanto houver nacionalidade, que deve sempre causar conflito entre os homens.

A religião com suas crenças, suas disciplinas, seus engodos, suas esperanças, seus castigos, força vocês em direção a um comportamento correto, à fraternidade, ao amor. E como vocês são forçados, vocês obedecem à autoridade externa que ela estabelece ou – o que dá no mesmo – começam a desenvolver sua própria autoridade interna, como uma reação contra a externa e a seguem. Onde existe crença, onde existe o seguimento de um ideal não pode haver vida completa. A crença indica a incapacidade de compreender o presente.

Agora, não se voltem para o oposto e digam: “Não devemos ter crenças? Não devemos ter ideais?” Estou simplesmente lhes mostrando a causa e a natureza da crença. Porque vocês não podem compreender o movimento rápido da vida, porque vocês não podem compreender o significado de seu fluxo rápido, vocês pensam que a crença é necessária. Em sua dependência da tradição, dos ideais, das crenças ou dos Mestres, vocês não estão vivendo no presente, que é o eterno.

Muitos de vocês podem pensar que o que estou dizendo é muito negativo. Não é, porque quando vocês realmente virem o falso, então vocês compreenderão o verdadeiro. Tudo o que estou tentando fazer é lhes mostrar o falso, para que vocês possam encontrar o verdadeiro. Isso não é negativo. Pelo contrário, esse despertar da inteligência criativa é a única ajuda positiva que posso lhes dar. Mas, vocês podem pensar que isso não é positivo, vocês provavelmente só achariam positivo se eu lhes desse uma disciplina, um curso de ação, um novo sistema de pensamento. Mas não podemos ir mais longe nisso hoje. Se vocês fizerem perguntas sobre isso amanhã ou nos próximos dias, tentarei respondê-las. Os indivíduos criaram a sociedade se agrupando com fins de ganho, mas isso não traz uma unidade real. Esta sociedade se torna sua prisão, seu molde, mas cada indivíduo que ser livre para crescer, para ter sucesso. Assim, cada um se torna um explorador da sociedade e é, por sua vez, explorado pela sociedade. A sociedade se torna o ápice dos seus desejos e o governo o instrumento para realizar esses desejos, conferindo honras aos que têm o maior poder de possuir, de ganhar. A mesma atitude estúpida existe na religião: a autoridade religiosa considera o homem que se conformou inteiramente com seus dogmas e crenças uma pessoa verdadeiramente espiritual. Confere honra ao homem que possui virtude. Assim, em nosso desejo de possuir – e novamente não estou falando em termos de opostos, mas estou examinando a própria coisa que causa o desejo de posse – em nossa busca por posse, criamos uma sociedade da qual inconscientemente nos tornamos escravos. Nos tornamos peças de engrenagem dessa máquina social, aceitando todos os seus valores, suas tradições, suas esperanças, anseios e suas ideias estabelecidas, porque nós criamos a sociedade e ela nos ajuda a obter o que queremos. Assim, a ordem estabelecida, seja do governo ou da religião, põe fim à investigação, à busca, à dúvida. Portanto, quanto mais nos unirmos em nossas várias posses, mais tendência nós temos para nos tornar nacionalistas.

Afinal, o que é uma nação? É um grupo de indivíduos que vivem juntos para fins de conveniência econômica e autoproteção, explorando unidades semelhantes. Não sou economista, mas isso é um fato óbvio. Deste espírito de cobiça surge a ideia de “minha família”, “minha casa”, “meu país”. Enquanto esse sentimento de posse existir, não pode haver verdadeira fraternidade ou verdadeiro internacionalismo. Suas fronteiras, seus costumes, seus muros tarifários, suas tradições, suas crenças, suas religiões estão separando o homem do homem. O que foi criado por essa mentalidade de ganho, de separatividade, de proteção, de segurança? Nacionalidades. E onde existe nacionalismo deve haver guerra. É função das nações se prepararem para as guerras, caso contrário não podem ser nações verdadeiras.

Isso é o que está acontecendo em todo o mundo e estamos à beira de outra guerra. Todo jornal defende o nacionalismo e o espírito de separatividade. O que está sendo dito em quase todos os países, na América, na Inglaterra, Alemanha, Itália? “Primeiro nós mesmos e nossa segurança individual, e depois consideraremos o mundo.” Parece que não compreendemos que estamos todos no mesmo barco. As pessoas não podem mais ser separadas, como alguns séculos atrás. Não devemos pensar em termos de separação, mas insistimos em pensar nacionalisticamente ou com consciência de classe, porque ainda nos apegamos às nossas posses, às nossas crenças. O nacionalismo é uma doença, não pode trazer a unidade mundial ou a unidade humana. Não podemos alcançar a saúde através da doença, devemos primeiro nos libertar da doença. A educação, a sociedade, a religião ajudam a manter as nações separadas, porque individualmente cada uma procura crescer, ganhar, explorar.

Agora, a partir desse desejo de crescer, de lucrar, de explorar, criamos inúmeras crenças – crenças relativas à vida após a morte, à reencarnação, à imortalidade – e encontramos pessoas para nos explorar através de nossas crenças. Por favor, entenda que ao dizer isso não estou me referindo a nenhum líder ou professor em particular. Não estou atacando nenhum de seus líderes. Atacar alguém é pura perda de tempo. Não estou interessado em atacar nenhum líder específico, tenho algo mais importante para fazer na vida. Quero agir como um espelho, deixar claro para vocês as corrupções e ilusões que existem na sociedade, na religião.

Toda a nossa estrutura social e intelectual está baseada na ideia de lucro, de obtenção e quando a mente e o coração são dominados pela ideia de ganho, não pode haver vida verdadeira, não pode haver o livre fluxo da vida. Não é assim? Se vocês estão constantemente contando com o futuro, com uma obtenção, com um ganho, com uma esperança, como vocês podem viver completamente no presente? Como vocês podem agir inteligentemente, como um ser humano? Como vocês podem pensar ou sentir na plenitude do presente, quando estão sempre de olho no futuro distante? Através da nossa religião, educação, somos convertidos em nada e, tendo consciência desse nada, queremos ganhar, ser bem-sucedidos. Portanto, buscamos constantemente professores, gurus, sistemas.

Se vocês realmente compreenderem isto, vocês agirão, vocês não irão apenas discutir intelectualmente.

Ao buscarem o ganho, vocês perdem de vista o presente. Em suas buscas por lucros, em suas confianças no passado, vocês não compreendem totalmente a experiência imediata. Essa experiência deixa uma cicatriz, uma memória que é a incompletude dessa experiência. E dessa incompletude crescente se desenvolve a consciência do “eu”, o ego. Suas divisões do ego são apenas o refinamento superficial do egoísmo em sua busca por ganhos. Intrinsecamente, nessa incompletude da experiência, nessa memória, o ego tem suas raízes. Por mais que cresça, se expanda, sempre preservará o centro do egoísmo. Assim, quando vocês buscam o lucro, o sucesso, cada experiência aumenta a autoconsciência. Mas discutiremos isso em outro momento. Nesta palestra, quero apresentar o máximo possível do meu pensamento, para que durante as próximas palestras eu tenha tempo para responder às questões que vocês possam fazer.

Quando a mente está presa no passado ou no futuro, ela não pode compreender o significado da experiência presente. Isso é óbvio. Quando vocês estão buscando ganhar, vocês não podem compreender o presente. E como vocês não compreendem o presente, que é experiência, ele deixa sua cicatriz, sua incompletude na mente. Vocês não estão livres dessa experiência. Essa falta de liberdade, de completude, cria memória. E o aumento dessa memória é apenas autoconsciência, o ego. Assim, quando vocês dizem: “Deixe-me olhar a experiência para que eu tenha liberdade”, o que vocês estão realmente fazendo é aumentar, intensificar, expandir essa autoconsciência, esse ego, porque vocês estão contando com o ganho, com a acumulação, como meio de obter felicidade, como meio de realizar a verdade.

Depois de estabelecerem em sua mente a consciência do “eu”, sua mente alimenta essa consciência, e daí surge a questão se vocês vão ou não viver após a morte, se vocês poderão ter esperança na reencarnação. Vocês querem saber categoricamente se a reencarnação é um fato. Em outras palavras, vocês utilizam a ideia de reencarnação como meio de adiamento, encontrando conforto nisso. Vocês dizem: “Através do progresso obterei compreensão, o que não compreendi hoje, compreenderei amanhã. Portanto, deixe-me ter a certeza de que a reencarnação é verdade.”

Então, vocês se apegam a essa ideia de progresso, a essa ideia de obter cada vez mais até chegarem à perfeição. Isso é o que vocês chamam de progresso, adquirir cada vez mais, acumular cada vez mais. Mas, para mim, perfeição é realização, não esse acúmulo progressivo. Vocês usam a palavra progresso para significar acumulação, obtenção, sucesso. Essa é a sua ideia fundamental de progresso. Mas a perfeição não reside no progresso, ela é realização. A perfeição não se realiza através da multiplicação de experiências, mas ela é realização na experiência, realização na própria ação. O progresso separado da realização, conduz à total superficialidade.

Tal sistema de fuga é dominante no mundo de hoje. Sua teoria da reencarnação torna o homem cada vez mais superficial, na medida em que ele diz: “Como não posso me realizar hoje, farei no futuro”. Se vocês não podem realizar-se nesta vida, vocês se confortam com a ideia de que sempre existe uma vida futura. Daí vem a indagação sobre a vida após a morte e a ideia de que o homem que adquiriu mais conhecimento, que não é sabedoria, alcançará a perfeição. Mas a sabedoria não é o resultado da acumulação, sabedoria não é posse: a sabedoria é espontânea, imediata.

Enquanto a mente está escapando do vazio através da obtenção, esse vazio aumenta e vocês não têm um dia, nem um momento em que possam dizer: “Eu vivi”. Suas ações estão sempre incompletas, não realizadas e, portanto, o motivo de sua busca por continuação. Com esse desejo, o que aconteceu? Vocês se tornaram cada vez mais vazios, cada vez mais superficiais, irrefletidos, sem sentido crítico. Vocês aceitam o homem que lhes oferece conforto, certeza e vocês, como indivíduos, o criou como seu explorador. Vocês se tornaram seu escravo, o escravo de seu sistema, de seus ideais. Dessa atitude de aceitação não há realização, mas adiamento. Daí a necessidade da ideia sobre a sua continuidade, a crença na reencarnação, e daí surge a ideia de progresso, acumulação. Em tudo o que vocês fazem, não há harmonia, não há significado, porque vocês estão constantemente pensando em termos de ganho. Vocês pensam na perfeição como uma finalidade, não como realização.

Agora, como eu disse, a perfeição está na compreensão, na compreensão completa do significado de uma experiência. E essa compreensão é realização, que é imortalidade. Então, vocês têm que se tornar completamente conscientes de sua ação no presente. O aumento da autoconsciência vem pela superficialidade da ação e pela exploração incessante, começando pelas famílias, maridos, esposas, filhos e estendendo-se à sociedade, aos ideais, à religião, porque todos eles se baseiam nessa ideia de ganho. O que vocês estão realmente buscando é a ganância, mesmo que vocês estejam inconscientes disso e de sua exploração. Quero deixar claro que suas religiões, suas crenças, suas tradições, sua autodisciplina estão baseadas na ideia de ganho. Isso está sendo apenas atrativos para um comportamento correto, e a partir deles surgem o explorador e o explorado. Se vocês estão perseguindo a ambição, busque-a conscientemente – não hipocritamente. Não digam que vocês estão buscando a verdade, porque a verdade não é alcançada dessa maneira.

Agora, essa ideia de se desenvolver cada vez mais para mim é falsa, porque aquilo que desenvolve não é eterno. Já foi demonstrado que quanto mais vocês têm, mais vocês compreenderão? Em teoria poderá ser assim, mas na realidade não é assim. Um homem aumenta sua propriedade e a cerca, outro homem aumenta seu conhecimento e é limitado por ele. Qual é a diferença? Esse processo de crescimento acumulativo é estúpido, falso desde o princípio, porque aquilo que é capaz de se desenvolver não é eterno. É uma ilusão, uma falsidade que não têm nada a ver com a realidade. Mas se vocês estão buscando essa ideia de crescimento acumulativo, busque-a com toda a sua mente e coração. Então, vocês descobrirão como isso é superficial, vazio, artificial. E quando vocês perceberem que isso é falso, então vocês conhecerão a verdade. Nada precisa substitui-la. Então, vocês não buscarão a verdade para substituir o falso, porque em sua percepção direta não existe mais o falso. E nessa compreensão existe o eterno. Então há felicidade, inteligência criativa. Então vocês viverão naturalmente, completamente, como a flor; e nisso há imortalidade.

29/12/1933.