A mudança na sociedade

Do livro “Palestras com estudantes americanos”

Há apenas um problema, politicamente, que é a unidade da humanidade. A unidade da humanidade não é realizada por políticos, eles querem manter as coisas como estão – separadas – para alcançar suas próprias pequenas ambições desprezíveis. A unidade da humanidade acontecerá, provavelmente, com uma mudança no coração de cada ser humano – o governo do mundo será então conduzido pelos computadores. Não ria, essa é a única saída. 

A mudança na sociedade só pode ser provocada pela mudança interna — a mera reforma externa, por mais revolucionária que seja, é sempre superada pelas atitudes, pensamentos e sentimentos internos; você viu isso na Rússia e em outras revoluções. 

1ª Palestra em Bombay – 18/01/1948 

Geralmente o que é chamado revolução é, simplesmente, a modificação ou a continuação da direita segundo as ideias da esquerda. A esquerda, afinal, é a continuação da direita de forma modificada. Se a direita se baseia em valores sensoriais, a esquerda não é mais do que a continuação dos mesmos valores sensoriais, diferente apenas em grau e expressão. Assim, a verdadeira revolução só pode acontecer quando você, o indivíduo, se tornar consciente em sua relação com o outro. Certamente, o que você é em sua relação com o outro, com sua esposa, seu filho, seu chefe, seu vizinho, a sociedade é. A sociedade por si só não existe. A sociedade é o que você e eu, em nossa relação, criamos; ela é a projeção exterior de nossos próprios estados psicológicos interiores. Assim, se você e eu não compreendemos a nós mesmos, simplesmente transformar o exterior, que é a projeção do interior, não tem qualquer significação; ou seja, não pode haver alteração ou modificação significativa na sociedade enquanto eu não compreender a mim mesmo na relação com você. Estando confuso em minha relação, eu crio uma sociedade que é a réplica, a expressão exterior do que eu sou. 

2ª palestra em Bombay – 25/01/1948 

Então, nosso problema é se pode haver uma sociedade que é estática, e ao mesmo tempo, um indivíduo em quem está constante revolução psicológica está acontecendo. Ou seja, a revolução na sociedade deve começar com a transformação interior, psicológica do indivíduo. A maior parte de nós quer ver uma transformação radical na estrutura social. Essa é toda a batalha que vem acontecendo no mundo – provocar uma revolução social pelo comunismo ou por qualquer outro meio. Agora, se houver uma revolução social, isto é, uma ação em relação à estrutura exterior do homem, por mais radical que essa revolução possa ser, sua própria natureza será estática, se não houver revolução interior, uma transformação psicológica do indivíduo. Assim, para produzir uma sociedade que não seja repetitiva, estática, desintegradora, que esteja constantemente viva, é imperativo que haja uma revolução na estrutura psicológica do indivíduo; pois sem essa revolução interior, psicológica, a simples transformação do exterior tem pouca significação. Isto é, a sociedade está sempre se tornando cristalizada, estática e, consequentemente, sempre se desintegrando. Por mais sabiamente que seja a legislação promulgada, a sociedade está sempre em processo de decadência, porque a revolução tem que acontecer dentro, não simplesmente exteriormente. 

Considero que é importante compreender isso, e não passar por cima. A ação externa, quando efetuada, está encerrada, está estática; e se a relação entre indivíduos, que é a sociedade, não for resultado da revolução interior, então a estrutura social, sendo estática, absorve o indivíduo, e o torna igualmente estático, repetitivo. Percebendo isso, percebendo a extraordinária significação do que eu disse, que é um fato, não pode haver a questão de concordar ou discordar. É um fato que a sociedade está sempre se cristalizando e absorvendo o indivíduo; e esta revolução constante, criativa só pode acontecer no indivíduo, não na sociedade, não no exterior. Ou seja, a revolução criativa só pode ocorrer na relação individual, que é a sociedade. Vemos como a estrutura da presente sociedade na Índia, na Europa, na América, em toda parte do mundo, está se desintegrando rapidamente; e sabemos disso em nossas próprias vidas. Podemos observar isso quando andamos nas ruas. Não precisamos de grandes historiadores para nos falarem sobre o fato que nossa sociedade está desmoronando; e deve haver novos arquitetos, novos construtores, para criar uma nova sociedade. A estrutura deve ser construída sobre uma nova fundação, sobre fatos e valores novamente descobertos. Esses arquitetos ainda não existem. Não há construtores, ninguém que observando, se tornando consciente do fato que a estrutura está em colapso, esteja se transformando em arquiteto. Então, esse é nosso problema. Vemos a sociedade desmoronando, se desintegrando; e somos nós, você e eu, que temos que ser os arquitetos. Você e eu temos que redescobrir os valores e construir sobre uma fundação mais fundamental, duradoura; porque se procurarmos os arquitetos profissionais, os construtores políticos e religiosos, estaremos exatamente na mesma posição que antes. 

 

3ª palestra em Bombay 01/02/1948 

Uma senhora americana veio me ver alguns anos atrás, durante a guerra. Ela disse que havia perdido seu filho na Itália, e que tinha outro filho que queria salvar; então discutimos e falamos sobre isso. Sugeri a ela que, para salvar seu filho, ela tinha que deixar de ser americana; tinha que deixar de ser gananciosa, deixar de acumular riqueza, buscar poder, dominação, e ser moralmente simples – não meramente simples nas roupas, nas coisas exteriores, mas simples em seus pensamentos e sentimentos, em suas relações. Ela disse” Isso é demais. Você está pedindo muito: não posso fazer isso, pois, as circunstâncias são muito poderosas para eu alterá-las”. Portanto, ela era responsável pela destruição de seu filho. As circunstâncias podem ser controladas por nós, porque criamos as circunstâncias. A sociedade é o produto da relação, da sua e da minha juntas. Se mudarmos em nossa relação, a sociedade muda; mas simplesmente confiar na legislação, na compulsão, para a transformação da sociedade exterior enquanto permanecemos interiormente corruptos, enquanto continuamos internamente buscando poder, posição, dominação, é destruir o exterior, por mais cuidadoso e cientificamente construído. Aquilo que está dentro sempre domina o exterior.