palestra no coliseu

Oslo, Noruega

Amigos, vocês sabem, nós vamos de crença em crença, de experiência em experiência, esperando e procurando alguma compreensão permanente que nos dê iluminação, sabedoria; e assim esperamos também descobrir por nós mesmos o que é a verdade. Portanto, começamos a procurar a verdade, Deus ou a vida. Agora, para mim, essa mesma busca pela verdade é uma negação dela, pois essa vida eterna, essa verdade, só pode ser compreendida quando a mente e o coração estão livres de todas as ideias, de todas as doutrinas, de todas as crenças, e quando compreendemos a verdadeira função da individualidade.

Eu afirmo que existe uma vida eterna da qual conheço e da qual falo, mas não se pode compreendê-la procurando-a. O que é a nossa busca agora? É apenas uma fuga de nossos sofrimentos, confusões, conflitos diários; uma fuga de nossa confusão do amor em que há uma batalha constante de posse, de ciúme; uma fuga da luta constante pela existência. Portanto, dizemos para nós mesmos: “Se eu puder compreender o que é a verdade, se eu puder descobrir o que é Deus, então compreenderei e vencerei a confusão, a luta, a dor, as inúmeras batalhas de escolha. Deixe-me, portanto, descobrir o que é e compreendendo isso, compreenderei a vida diária em que há tanto sofrimento.” Para mim, a compreensão da verdade não está na busca por ela. Reside na compreensão do significado correto de todas as coisas; todo o significado da verdade está no transitório, e não separado dele.

Portanto, nossa busca pela verdade é apenas uma fuga. Nossa busca e investigação, nosso estudo de filosofias, nossa imitação de sistemas éticos e nossa contínua procura por essa realidade que digo existir são apenas meios de fuga. Compreender essa realidade é compreender a causa de nossos variados conflitos, lutas, sofrimentos; mas através do desejo de fugir desses conflitos, construímos muitas maneiras sutis de evitar conflitos e nelas nos abrigamos. Assim, a verdade torna-se apenas outro abrigo, no qual a mente e o coração podem obter conforto.

Agora, essa própria ideia de conforto é um obstáculo, essa mesma concepção, da qual retiramos consolo, é apenas uma fuga do conflito da vida diária. Durante séculos, construímos vias de fuga, como a autoridade; pode ser a autoridade dos padrões sociais, da opinião pública ou das doutrinas religiosas; pode ser um padrão externo, como esses que as pessoas mais bem educadas estão descartando ou um padrão interno, como esses que se cria depois de abandonar o externo. Mas uma mente que estima a autoridade, isto é, uma mente que aceita sem questionar, uma mente que imita, não pode compreender a liberdade da vida. Portanto, embora tenhamos construído ao longo dos séculos essa autoridade que nos dá uma pacificação momentânea, um consolo momentâneo, um conforto transitório, essa autoridade se tornou apenas nossa fuga. Do mesmo modo, a imitação – a imitação de padrões, a imitação de um sistema – ou um método de vida; para mim, isso também é um obstáculo. E nossa busca pela certeza é apenas uma forma de fuga; queremos ter certezas, nossas mentes desejam agarrar-se às certezas para que, a partir desse pano de fundo, possamos olhar para a vida, para que, a partir desse abrigo, possamos seguir em frente.

Agora, para mim, tudo isso são obstáculos que impedem essa ação natural, espontânea, que liberta a mente e o coração para que o homem possa viver harmoniosamente, para que o homem possa compreender a verdadeira função da individualidade.

Quando sofremos procuramos certezas, queremos recorrer a valores que nos dêem conforto – e esse conforto é apenas memória. Depois novamente entramos em contato com a vida e novamente experimentamos sofrimento. Então pensamos que aprendemos com o sofrimento, que obtemos compreensão com o sofrimento. Uma crença, uma ideia ou uma teoria nos dá uma satisfação momentânea quando sofremos, e a partir dessa satisfação pensamos que compreendemos ou que adquirimos entendimento a partir dessa experiência. Assim, passamos de sofrimento em sofrimento, aprendendo a nos ajustar às condições externas. Isto é, não compreendemos o movimento real do sofrimento; simplesmente nos tornamos cada vez mais astutos e sutis em nossas relações com o sofrimento. Esta é a superficialidade da civilização e da cultura moderna: propõem-se muitas teorias, muitas explicações de nosso sofrimento e nessas explicações e teorias nos abrigamos, indo de experiência em experiência, sofrendo, aprendendo e esperando encontrar sabedoria através de tudo isso.

Eu afirmo que a sabedoria não se compra. A sabedoria não reside no processo de acumulação, não é o resultado de inumeráveis experiências, não é adquirida através da aprendizagem. A sabedoria, a própria vida, só pode ser compreendida quando a mente está livre desse sentido de busca, dessa busca por conforto, dessa imitação, porque essas são apenas as maneiras de fuga que cultivamos há séculos. Se vocês examinarem nossa estrutura de pensamento, de emoção, toda a nossa civilização, vocês verão que é apenas um processo de fuga, um processo de conformidade. Quando sofremos, nossa reação imediata é um desejo de alívio, de consolo e aceitamos as teorias oferecidas sem descobrir a causa de nosso sofrimento; isto é, estamos momentaneamente satisfeitos, vivemos superficialmente e, portanto, não descobrimos profundamente, por nós mesmos, qual é a causa de nosso sofrimento.

Deixem-me colocar isso de outra forma, embora tenhamos experiências, essas experiências não nos mantêm despertos, mas nos fazem dormir, porque nossas mentes e corações foram treinados por gerações apenas para imitar, para se conformar. Afinal, quando há algum tipo de sofrimento, não devemos contar com esse sofrimento para nos ensinar, mas sim para nos manter totalmente despertos para que possamos enfrentar a vida com plena consciência – não nesse estado semiconsciente em que quase todos os seres humanos enfrentam a vida.

Vou explicar isso novamente para me tornar claro, porque se vocês compreenderem isso, naturalmente compreenderão o que vou dizer.

Eu afirmo que a vida não é um processo de aprendizagem, de acumulação. A vida não é uma escola em que vocês passam nas provas sobre o que aprenderam, o que vocês aprenderam com as experiências, com as ações, com o sofrimento. A vida é feita para ser vivida, não para ser aprendida. Se vocês considerarem a vida como algo com o qual vocês têm que aprender, vocês agem apenas superficialmente. Isto é, se a ação, se a vida diária, é apenas um meio para uma recompensa, para uma finalidade, então a ação em si não tem valor. Agora, quando vocês têm experiências, vocês dizem que devem aprender com elas, compreendê-las. Portanto, a experiência em si não tem valor para vocês, porque vocês estão procurando um ganho através do sofrimento, da ação, através da experiência. Mas para compreender completamente a ação, que para mim é o êxtase da vida, o êxtase que é a imortalidade, a mente deve estar livre da ideia de aquisição, da ideia de aprender através da experiência, através da ação. Agora, tanto a mente quanto o coração estão presos nessa ideia de aquisição, nessa ideia de que a vida é um meio para outra coisa. Mas quando vocês virem a falsidade dessa concepção, vocês não vão mais tratar o sofrimento como um meio para uma finalidade. Então, vocês não se confortarão com ideias, com crenças, vocês não se abrigarão mais em padrões de pensamento ou sentimento; vocês começarão então a estar totalmente despertos, não com o objetivo de ver o que vocês podem ganhar com isso, mas para inteligentemente libertar a ação da imitação e da busca por uma recompensa. Isto é, vocês veem o significado da ação e não apenas qual o lucro que ela lhes trará. Agora, a maioria das mentes está presa na ideia de aquisição, na busca por uma recompensa. O sofrimento vem para despertá-los para essa ilusão, para despertá-los de seu estado de semiconsciência, mas não para lhes ensinar uma lição. Quando a mente e o coração agem com um sentido de dualidade, criando assim opostos, deve haver conflito e sofrimento. O que acontece quando vocês sofrem? Vocês buscam alívio imediato, seja na bebida, na diversão ou na ideia de Deus. Para mim, tudo isso é a mesma coisa, porque são apenas vias de fuga que a mente sutil concebeu, fazendo do sofrimento uma coisa superficial. Por isso, eu digo, tornem-se completamente conscientes de suas ações, sejam elas quais forem, então vocês perceberão como sua mente está continuamente encontrando uma fuga; vocês verão que não estão enfrentando as experiências completamente, com todo o seu ser, mas apenas parcialmente, semiconscientemente.

Nós construímos muitos obstáculos que se tornaram abrigos, nos quais nos refugiamos no momento de dor. Esses abrigos são apenas fugas e, portanto, sem qualquer valor inerente em si próprios. Mas para descobrir esses abrigos, esses falsos valores que criamos sobre nós, que nos dominam e nos aprisionam, não devemos tentar analisar as ações que brotam deles. Para mim, a análise é a própria negação da ação completa. Não se pode compreender um obstáculo analisando-o. Não há compreensão na análise de uma experiência passada, porque ela está morta. Só há compreensão na ação viva do presente. Por isso, a autoanálise é destrutiva. Mas descobrir as inumeráveis barreiras que os rodeiam é tornarem-se totalmente conscientes, tornarem-se completamente conscientes de qualquer ação que esteja acontecendo ao seu redor ou de qualquer coisa que estejam fazendo. Então, todos os obstáculos passados, como tradição, imitação, medo, reações defensivas, o desejo de segurança, de certeza – tudo isso entra em atividade e somente naquilo que é ativo há compreensão. Nessa chama de consciência, a mente e o coração se libertam de todos os obstáculos, de todos os falsos valores, então há libertação na ação e essa libertação é a liberdade da vida, que é imortalidade.

Interrogante: É somente a partir da dor e do sofrimento que se desperta para a realidade da vida?

Krishnamurti: O sofrimento é a coisa com a qual estamos mais familiarizados, com a qual estamos constantemente vivendo. Conhecemos o amor e sua alegria, mas em seu rastro vem muitos conflitos. Seja o que for que nos dê o maior choque que chamamos de sofrimento, isso nos manterá despertos para enfrentar a vida completamente, nos ajudará a descartar as muitas ilusões que criamos ao nosso redor. Não é apenas o sofrimento ou o conflito que nos mantém despertos, mas qualquer coisa que nos dê um choque, que nos faça questionar todos os falsos padrões e valores que criamos ao nosso redor em nossa busca por segurança. Quando vocês sofrem muito, vocês se tornam totalmente conscientes e nessa intensidade de consciência, vocês descobrem os verdadeiros valores. Isso liberta a mente de criar mais ilusões.

Interrogante: Por que tenho medo da morte? E o que está além da morte?

Krishnamurti: Eu penso que uma pessoa tem medo da morte porque sente que não viveu. Se você é um artista, você pode ter medo de que a morte o leve embora antes de terminar seu trabalho. Você está com medo porque não se realizou. Ou se você for um homem de vida comum, sem capacidades especiais, tem medo porque também não se realizou. Você diz: “Se me cortarem da minha conquista, o que há? Como eu não entendo esta confusão, esta labuta, esta escolha e conflitos incessantes, existirá mais oportunidades para mim?” Você tem medo da morte quando não se realiza na ação; isto é, você tem medo da morte quando não enfrenta a vida integralmente, completamente, com plenitude de mente e coração. Portanto, a questão não é porque você tem medo da morte, mas sim, o que o impede de enfrentar a vida completamente. Tudo tem que morrer, tudo tem que se desgastar. Mas se você tem a compreensão que lhe permite enfrentar a vida completamente, então nisso há vida eterna, imortalidade, nem começo nem fim e não há medo da morte. Novamente, a questão não é como libertar a mente do medo da morte, mas como enfrentar a vida integralmente, como enfrentar a vida para que haja realização.

Para enfrentar a vida integralmente, é preciso estar livre de todos os valores defensivos. Mas nossas mentes e corações estão sufocados com tais valores, que tornam nossa ação incompleta e, portanto, há medo da morte. Para encontrar o valor verdadeiro, para se livrarem desse medo contínuo da morte e do problema da vida após a morte, vocês devem conhecer a verdadeira função do indivíduo, tanto no criativo quanto no coletivo.

Agora, quanto à segunda pergunta: “O que está além da morte? Existe uma vida após a morte?” Vocês sabem por que uma pessoa costuma fazer essas perguntas, por que ela quer saber o que está do outro lado? Ela pergunta porque não sabe como viver o presente; ela está mais morta do que viva. Ela diz: “Deixe-me descobrir o que vem depois da morte”, porque ela não tem a capacidade de compreender este eterno presente. Para mim, o presente é a eternidade, a eternidade está no presente, não no futuro. Mas para tal questionador, a vida tem sido toda uma série de experiências sem realização, sem compreensão, sem sabedoria. Portanto, para ele, a vida após a morte é mais atraente do que o presente, e daí as inumeráveis questões sobre o que está além. O homem que se pergunta sobre a vida após a morte já está morto. Se vocês viverem no eterno presente, a vida após a morte não existe; então a vida não é dividida em passado, presente e futuro. Então há apenas plenitude, e nisso há o êxtase da vida.

Interrogante: Você acha que a comunicação com os espíritos dos mortos é uma ajuda para a compreensão da vida em sua totalidade?

Krishnamurti: Por que você deveria pensar que os mortos são mais úteis do que os vivos? Porque os mortos não podem contradizê-lo, não podem se opor a você, enquanto os vivos podem. Na comunicação com os mortos, você pode ser fantasioso; portanto, você conta com os mortos e não com os vivos para ajudá-lo. Para mim, a questão não é se existe uma vida além do que chamamos de morte; não é se podemos ou não nos comunicar com os espíritos dos mortos; para mim, tudo isso é irrelevante. Algumas pessoas dizem que se pode comunicar com os espíritos dos mortos, outras dizem que não se pode. Para mim, a discussão parece de muito pouco valor, porque para compreender a vida com suas andanças rápidas, com sua sabedoria, você não pode contar com outro para libertá-lo das ilusões que você criou. Nem os mortos nem os vivos podem libertá-lo de suas ilusões. Somente no interesse despertado pela vida, na constante vigilância de mente e coração, existe uma vida harmoniosa, existe realização, a riqueza da vida.

Interrogante: Qual é a sua opinião sobre o problema do sexo e do ascetismo à luz da atual crise social?

Krishnamurti: Não vamos olhar para esse problema, se posso sugerir, do ponto de vista da situação atual, porque as situações estão mudando constantemente. Vamos antes considerar o problema em si, porque se vocês compreenderem o problema, então a crise atual também poderá ser compreendida.

O problema do sexo, que parece incomodar tantas pessoas, surgiu porque perdemos a chama da criatividade, esse viver harmonioso. Nós apenas nos tornamos máquinas imitativas, fechamos as portas ao pensamento criativo e à emoção; estamos constantemente em conformidade, estamos presos pela autoridade, pela opinião pública, pelo medo e, portanto, somos confrontados com esse problema do sexo. Mas se a mente e o coração se libertam do sentido de imitação, dos falsos valores, do exagero do intelecto e assim liberam sua própria função criadora, então o problema não existe. Isso se tornou grande porque gostamos de nos sentir seguros, porque pensamos que a felicidade está no sentimento de posse. Mas se compreendermos o verdadeiro significado da posse e sua natureza ilusória, então a mente e o coração estarão livres tanto da posse quanto da não-posse.

Assim também é em relação à segunda parte da questão, que diz respeito ao ascetismo. Vocês sabem, nós pensamos que quando somos confrontados com um problema – nesse caso, o problema da posse – podemos resolvê-lo e compreendê-lo indo ao seu oposto. Eu venho de um país onde o ascetismo está no sangue. O clima incentiva o costume. A Índia é quente e lá é muito melhor ter poucas coisas, sentar-se à sombra de uma árvore e discutir filosofia ou retirar-se inteiramente da vida angustiante, conflitante e ir para a floresta meditar. A questão do ascetismo também surge quando se é escravo da posse.

O ascetismo não tem valor inerente. Quando você o pratica, você está apenas fugindo da posse para o seu oposto, que é o ascetismo. É como um homem que procura o desapego porque sente dor com o apego. “Deixe-me ser desapegado”, diz ele. Da mesma maneira, vocês dizem: “Eu me tornarei um asceta”, porque a posse cria sofrimento. O que vocês estão realmente fazendo é simplesmente passar da posse para a não-posse, que é outra forma de posse. Mas nesse movimento também há conflito, porque vocês não compreendem o significado total da posse. Isto é, vocês contam com a posse para ter conforto; vocês pensam que a felicidade, a segurança, a bajulação da opinião pública, está em ter muitas coisas, sejam ideias, virtudes, terras ou títulos. Porque pensamos que a segurança, a felicidade e o poder estão na posse, acumulamos, nos esforçamos para possuir, lutamos e competimos uns com os outros, sufocamos e exploramos uns aos outros. Isso é o que está acontecendo em todo o mundo, e uma mente astuta diz: “Vamos nos tornar ascetas, não possuamos, tornemo-nos escravos do ascetismo, façamos leis para que o homem não possua”. Em outras palavras, vocês estão apenas trocando uma prisão por outra, apenas chamando a nova prisão por um nome diferente. Mas se vocês realmente compreenderem o valor transitório da posse, então vocês não se tornam um asceta nem uma pessoa sobrecarregada pelo desejo de posse; então vocês são verdadeiramente seres humanos.

Interrogante: Tive a impressão de que você tem um certo desdém pela aquisição de conhecimento. Você quer dizer que a educação ou o estudo dos livros – por exemplo, o estudo da história ou da ciência – não tem valor? Você quer dizer que o senhor mesmo não aprendeu nada com seus professores?

Krishnamurti: Eu estou falando de viver uma vida completa, uma vida humana e nenhuma explicação, seja da ciência ou da história, libertará a mente e o coração do sofrimento. Você pode estudar, pode aprender a enciclopédia de cor, mas você é um ser humano, ativo, suas ações são voluntárias, sua mente é flexível e você não pode sufocá-la com conhecimento. O conhecimento é necessário, a ciência é necessária. Mas se sua mente for aprisionada por explicações e a causa do sofrimento é explicada intelectualmente, então você leva uma vida superficial, uma vida sem profundidade. E é isso que está acontecendo conosco. Nossa educação está nos tornando cada vez mais superficiais, não está nos ensinando profundidade de sentimento nem liberdade de pensamento, e nossas vidas são desarmoniosas.

O interlocutor quer saber se eu não aprendi com os professores. Receio que não, porque não há nada para aprender. Alguém pode ensiná-lo a tocar piano, a resolver problemas de matemática, você pode aprender os princípios da engenharia ou a técnica da pintura, mas ninguém pode lhe ensinar a realização criativa, que é a própria vida. E, no entanto, vocês estão constantemente pedindo para ser ensinados. Vocês dizem: “Ensine-me a técnica de viver e saberei o que é a vida”. Eu afirmo que esse mesmo desejo por um método, essa mesma ideia destrói sua liberdade de ação, que é a própria liberdade da vida em si.

Interrogante: Você diz que ninguém nos pode ajudar, a não ser nós mesmos. Você não acredita que a vida de Cristo foi uma expiação pelos nossos pecados? Você não acredita na graça de Deus?

Krishnamurti: Essas são palavras que eu temo não compreender. Se você quer dizer que outro pode salvá-lo, então eu digo que ninguém pode salvá-lo. Esta ideia de que outro pode salvá-lo é uma confortável ilusão. A grandeza do homem é que ninguém pode ajudá-lo ou salvá-lo, a não ser ele mesmo. Vocês têm a ideia de que um Deus externo pode nos mostrar o caminho através deste labirinto conflitante da vida; que um professor, um salvador do homem, pode nos mostrar o caminho, pode nos tirar, pode nos conduzir para longe das prisões que criamos para nós mesmos. Se alguém lhes der liberdade, tomem cuidado com essa pessoa, porque vocês apenas criarão outras prisões através da sua própria falta de compreensão. Mas se vocês questionarem, se estiverem despertos, alertas, constantemente conscientes de sua ação, então sua vida é harmoniosa; então sua ação é completa, porque nasce da harmonia criativa e essa é a verdadeira realização.

Interrogante: Qualquer que seja a atividade que uma pessoa se dedique, como ela pode fazer algo mais que não seja remendar, enquanto ela não tiver alcançado completamente a compreensão da verdade?

Krishnamurti: Você acha que o trabalho e a assistência podem ajudar quem está sofrendo. Para mim, tal tentativa de fazer o bem social para o bem-estar do homem é remendar. Não estou dizendo que é errado, isso é indubitavelmente necessário, porque a sociedade está em um estado que requer que haja aqueles que trabalhem pela mudança social, aqueles que trabalhem por melhores condições sociais. Mas também deve haver trabalhadores de outro tipo, aqueles que trabalham para evitar que as novas estruturas da sociedade se baseiem em ideias falsas.

Em outras palavras, suponham que alguns de vocês estejam interessados em educação, vocês ouviram o que eu tenho dito, e suponham que vocês comecem uma escola ou lecionem numa escola. Em primeiro lugar, descubram se vocês estão interessados apenas em melhorar as condições da educação ou se estão interessados em lançar a semente da verdadeira compreensão, em despertar as pessoas para uma vida criativa. Descubram se vocês estão interessados apenas em mostrar-lhes um caminho onde não há problemas, em dar-lhes consolo, panaceias ou se vocês estão realmente ansiosos para despertá-los para a compreensão de suas próprias limitações, para que possam destruir as barreiras que agora os detêm.

Interrogante: Por favor, explique o que você quer dizer com imortalidade. A imortalidade é tão real para você quanto o chão em que você está ou é apenas uma ideia sublime?

Krishnamurti: O que lhes vou dizer sobre a imortalidade será difícil de compreender, porque para mim a imortalidade não é uma crença, é algo real. Isso é uma coisa muito diferente. Existe imortalidade – e não que eu saiba ou acredite nela. Espero que vejam a diferença. No momento em que digo “eu sei”, a imortalidade se torna uma coisa objetiva, estática. Mas quando não há “eu”, há imortalidade. Tenham cuidado com a pessoa que diz: “Eu conheço a imortalidade”, porque para ela a imortalidade é uma coisa estática, o que significa que existe dualidade: existe o “eu” e existe o que é imortal, duas coisas diferentes. Eu afirmo que existe imortalidade, e isso existe porque não há consciência do “eu”.

Agora, por favor, não digam que não acredito na imortalidade. Para mim, a crença não tem nada a ver com ela. A imortalidade não é externa. Mas onde há uma crença numa coisa, tem que haver um objeto e um sujeito. Por exemplo, vocês não acreditam na luz do sol, ela existe. Somente um cego que nunca viu o que é a luz do sol tem que acreditar nela.

Para mim existe uma vida eterna, uma vida de eterno devir; está sempre a devir, não sempre crescendo, pois aquilo que cresce é transitório. Agora, para compreender essa imortalidade que digo existir, a mente deve estar livre desta ideia de continuidade e não-continuidade. Quando uma pessoa pergunta: “A imortalidade existe?” Ela quer saber se ela, como indivíduo, continuará ou se ela, como indivíduo, será destruída. Isto é, ela pensa apenas em termos de opostos, em termos de dualidade: você existe ou não existe. Se vocês tentarem compreender minha resposta do ponto de vista da dualidade, vocês falharão completamente. Eu afirmo que a imortalidade existe. Mas para realizar essa imortalidade, que é o êxtase da vida, a mente e o coração devem estar livres de identificação com o conflito, do qual surge a consciência do “eu”. E livres também da ideia de aniquilação da consciência do ego.

Deixem-me colocar de uma maneira diferente. Vocês conhecem apenas opostos – coragem e medo, posse e não-posse, desapego e apego. Toda sua vida está dividida em opostos – virtude e não-virtude, certo e errado – porque vocês nunca enfrentam a vida completamente, mas sempre com essa reação, sempre com esse pano de fundo da divisão. Vocês criaram esse pano de fundo; vocês feriram sua mente com essas ideias e depois perguntam: “A imortalidade existe?” Eu afirmo que existe, mas para compreendê-la, a mente deve estar livre dessa divisão. Isto é, se vocês têm medo, não procurem coragem, mas deixem que a mente se liberte do medo; vejam a inutilidade do que vocês chamam de coragem, compreendam que é apenas uma fuga do medo e que o medo existirá enquanto houver a ideia de ganho e perda. Em vez de sempre buscarem o oposto, em vez de lutarem para desenvolver a qualidade oposta, deixem que a mente e o coração se libertem daquilo em que estão presos. Não tentem desenvolver o seu oposto. Então, vocês saberão por si mesmos, sem que ninguém lhes diga ou conduza, o que é a imortalidade; imortalidade que não é o “eu” nem o “você”, mas que é a vida.

10/09/1933