3ª palestra

Frognerseteren, Noruega 

Esta manhã vou apenas responder a perguntas.

Interrogante: Você acredita na eficácia da oração e no valor da oração que é dirigida por uma sincera simpatia pelo infortúnio e sofrimento dos outros? A oração, no sentido correto, não pode trazer a liberdade de que você fala?

Krishnamurti: Quando usamos a palavra “oração”, acho que a usamos com um significado muito definido. Como é geralmente entendida, significa orar a alguém de fora para nos dar força, compreensão e assim por diante. Isto é, estamos procurando ajuda de uma fonte externa. Quando vocês estão sofrendo e contam com outro para aliviá-los desse sofrimento, vocês estão apenas criando na sua mente e, por isso, incompletude, dualidade na sua ação. Portanto, do meu ponto de vista, a oração, como é comumente compreendida, não tem valor. Vocês podem esquecer o seu sofrimento na sua oração, mas vocês não compreenderam a causa do sofrimento. Vocês simplesmente se perderam na oração; vocês sugeriram a si próprios certas maneiras de viver. Portanto, a oração no sentido comum da palavra, isto é, contar com outro para alívio do sofrimento, não tem valor para mim.

Mas, se me permitem usar essa palavra com um significado diferente, eu penso que existe uma oração que não é contar com alguém para ajuda; é um estado de alerta contínuo da mente, um estado desperto no qual você compreende por si mesmo. Nesse estado de oração, você conhece a causa do sofrimento, a causa da confusão, a causa de um problema. A maioria de nós, quando tem um problema, procura imediatamente uma solução. Quando encontramos uma solução, pensamos que resolvemos o problema, mas na verdade não o resolvemos. Nós apenas fugimos dele. A oração, no sentido convencional da palavra, é uma fuga. Mas a verdadeira oração, eu sinto, é ação com interesse despertado na vida.

Comentário da audiência: Você acha que a oração de uma mãe por seus filhos pode ser boa para eles?

Krishnamurti: O que você acha?

Comentário: Espero que seja boa para eles.

Krishnamurti: O que você quer dizer com “ser boa para eles”? Não há outra coisa que se possa fazer para ajudar? O que uma pessoa pode fazer por outra quando essa pessoa está sofrendo? Pode-se dar simpatia e afeto. Suponham que estou sofrendo porque amo alguém que não me ama de volta, e que por acaso sou seu filho. A sua oração não aliviará meu sofrimento. O que acontece? Vocês discutem o assunto comigo, mas a dor ainda permanece porque eu quero esse amor. O que você quer fazer quando vê sofrer alguém que você ama? Vocês querem ajudar; vocês querem tirar o sofrimento dessa pessoa. Mas vocês não podem, porque esse sofrimento é sua prisão. É a prisão que essa própria pessoa criou, uma prisão que vocês não podem retirar – mas isso não significa que sua atitude deva ser de indiferença.

Agora, quando alguém que vocês amam está sofrendo e vocês não podem fazer nada por essa pessoa, vocês se voltam para a oração, esperando que algum milagre aconteça para aliviar seu sofrimento; mas se vocês compreenderem, uma vez, que o sofrimento é causado pela ignorância criada por essa própria pessoa, então vocês perceberão que podem lhe dar simpatia e afeto, mas não podem remover seu sofrimento.

Comentário: Mas queremos aliviar nosso próprio sofrimento.

Krishnamurti: Isso é diferente.

Interrogante: O senhor diz: “Encontrem todas as experiências à medida que elas surgem”. E quanto a infortúnios tão terríveis como ser condenado à prisão perpétua ou ser queimado vivo por manter certas opiniões políticas ou religiosas– infortúnios que realmente têm sido o destino dos seres humanos? Você pediria a essas pessoas que se submetessem aos seus infortúnios e não tentassem vencê-los?

Krishnamurti: Suponham que eu cometa um assassinato, então a sociedade me coloca na prisão porque eu fiz algo que é inerentemente errado. Ou suponham que alguma força externa me impele a fazer algo que vocês desaprovam e vocês, em troca, me fazem mal. O que eu devo fazer? Suponham que daqui a alguns anos vocês, neste país, decidem que não me querem aqui por causa do que eu digo. O que eu posso fazer? Eu não posso vir aqui. Agora, afinal, não é a mente que dá valor a esses termos “fortuna” e “infortúnio”?

Se eu tenho uma certa crença e estou preso por tê-la, não considero essa prisão como sofrimento, porque a crença é realmente minha. Suponham que eu acredite em algo – algo não externo, algo que é real para mim, se eu for castigado por manter essa crença, não considerarei esse castigo como sofrimento, porque a crença pela qual estou sendo punido é para mim não apenas uma crença, mas uma realidade.

Interrogante: Você falou contra o espírito de aquisição, tanto espiritual quanto material. A contemplação não nos ajuda a compreender e a encontrar a vida completamente?

Krishnamurti: A contemplação não é a própria essência da ação? Na Índia, há pessoas que se retiram da vida, do contato diário com os outros, e se retiram para a floresta para contemplar, para encontrar Deus. Vocês chamam isso de contemplação? Eu não chamaria de contemplação, é apenas uma fuga da vida. Do fato de encontrar a vida completamente vem a contemplação. A contemplação é ação.

O pensamento, quando é completo, é ação. O homem que, para pensar, se retira do contato diário com a vida, torna sua vida antinatural; para ele a vida é confusão. Nossa própria busca por Deus ou pela verdade é uma fuga. Procuramos porque achamos que a vida que vivemos é feia, monstruosa. Vocês dizem: “Se eu puder compreender quem criou essa coisa, compreenderei a criação; vou me retirar disso e ir para aquilo”. Mas se, em vez de vocês se retirarem, vocês tentassem compreender a causa da confusão na própria confusão, então sua descoberta destruiria a coisa que é falsa.

A menos que vocês tenham experimentado a verdade, vocês não podem saber o que ela é. Nem páginas de descrição nem a esperteza do homem podem lhes dizer o que é. Vocês só podem conhecer a verdade por si próprios, e só podem conhecê-la quando tiverem libertado sua mente da ilusão. Se a mente não é livre, vocês apenas criam opostos, e esses opostos se tornam os seus ideais, como Deus ou a verdade. Se estou preso no sofrimento, na dor, crio a ideia de paz, a ideia de tranquilidade. Eu crio a ideia da verdade de acordo com meu gosto e desgosto e, por isso, essa ideia não pode ser verdadeira. No entanto, é isso que estamos constantemente fazendo. Quando contemplamos como geralmente fazemos, estamos apenas tentando fugir da confusão. Vocês dizem: “Mas, quando estou preso pela confusão não consigo compreender, tenho que fugir dela para compreender”. Isto é, vocês estão tentando aprender com o sofrimento.

Mas, a meu ver, vocês não podem aprender nada com o sofrimento, embora não devam se afastar dele. A função do sofrimento é causar-lhe um tremendo choque; o despertar causado por esse choque lhe causa dor, e então você diz: “Deixe-me descobrir o que posso aprender com isso”. Agora se, em vez de vocês dizerem isso, vocês se mantiverem despertos durante o choque do sofrimento, então essa experiência produzirá compreensão. A compreensão está no próprio sofrimento, não longe dele. O próprio sofrimento liberta do sofrimento.

Comentário: Você disse outro dia que a autoanálise é destrutiva, mas acho que analisar a causa do sofrimento dá sabedoria.

Krishnamurti: A sabedoria não está na análise. Vocês sofrem e, por meio da análise, tentam encontrar a causa. Isto é, vocês estão analisando um evento morto, a causa que já está no passado. O que vocês devem fazer é encontrar a causa do sofrimento no próprio momento do sofrimento. Ao analisar o sofrimento, vocês não encontram a causa; vocês apenas analisam a causa de um ato em particular. Então, vocês dizem: “Eu compreendi a causa desse sofrimento”. Mas, na realidade, vocês apenas aprenderam a evitar o sofrimento; vocês não libertaram sua mente dele. Esse processo de acumulação, de aprendizagem através da análise de um ato particular, não dá sabedoria. A sabedoria só surge quando a consciência do “eu”, que é o criador, a causa do sofrimento, é dissolvida. Estou dificultando isso? O que acontece quando sofremos? Queremos alívio imediato e, portanto, aceitamos qualquer coisa que nos seja oferecida. Examinamos superficialmente no momento e dizemos que aprendemos. Quando essa droga se mostra insuficiente para proporcionar alívio, tomamos outra, mas o sofrimento continua. Não é assim? Mas quando vocês sofrem completamente, integralmente, não superficialmente, então algo acontece; quando todas as vias de fuga que a mente inventou tiverem sido compreendidas e bloqueadas, restará apenas sofrimento, e então vocês o compreenderão. Não há cessação através de uma droga intelectual. Como disse outro dia, a vida para mim não é um processo de aprendizado; no entanto, tratamos a vida como se ela fosse apenas uma escola para aprender coisas, apenas um sofrimento para aprender; como se tudo servisse apenas como meio para outra coisa. Vocês dizem que, se puderem aprender a contemplar, encontrarão a vida completamente, enquanto eu digo que se sua ação for completa, isto é, se sua mente e coração estiverem em completa harmonia, então essa mesma ação é contemplação, é sem esforço.

Interrogante: Pode um pastor que se libertou das doutrinas ainda ser pastor na Igreja Luterana?

Krishnamurti: Eu acho que ele não vai permanecer no ministério. O que vocês querem dizer com pastor? Aquele que lhes dá o que vocês querem espiritualmente, isto é, conforto? Certamente a pergunta já foi respondida. Vocês estão procurando mediadores para ajudá-los. Vocês estão me tornando também um pastor – um pastor sem doutrinas, mas ainda pensam em mim como um pastor. Mas receio que não o seja. Eu não lhes posso dar nada. Uma das doutrinas convencionalmente aceitas é que os outros podem levá-los à verdade, que através do sofrimento do outro vocês podem compreendê-la; mas eu afirmo que ninguém os pode levar à verdade.

Interrogante: Suponha que o pastor seja casado e dependa de sua posição para sua subsistência?

Krishnamurti: Você diz que se o pastor desistir de seu trabalho, sua esposa e filhos sofreriam, o que seria um sofrimento real para ele, assim como para sua esposa e filhos. Ele deveria desistir? Suponham que eu seja um pastor; que não acredito mais em igrejas e sinto a necessidade de me libertar delas. Considero minha esposa e filhos? Não. Essa decisão precisa de grande compreensão.

Interrogante: Você disse que a memória representa uma experiência que não foi compreendida. Isso significa que nossas experiências não têm valor para nós? E por que uma experiência totalmente compreendida não deixa memória?

Krishnamurti: Receio bem que a maioria das experiências que se tem não tenham qualquer utilidade. Vocês repetem a mesma coisa muitas vezes, enquanto para mim uma experiência realmente compreendida liberta a mente de toda busca por experiência. Vocês enfrentam um incidente no qual esperam aprender, no qual esperam lucrar e multiplicam as experiências, uma após a outra. Com essa ideia de sensação, de aprendizado, de lucro, vocês encontram várias experiências; vocês as encontram com uma mente preconceituosa. Assim, vocês estão usando as experiências que os confrontam apenas como um meio de obter outra coisa– ficarem ricos emocionalmente ou mentalmente, desfrutar. Vocês acham que essas experiências não têm valor inerente; vocês contam com elas apenas para obter outra coisa.

Onde há carência tem que haver memória, que cria o tempo. E a maioria das mentes, estando presas pelo tempo, encontram a vida com essa limitação. Isto é, presas por essa limitação, elas tentam compreender algo que não tem limite. Por isso, há conflito. Em outras palavras, as experiências nas quais tentamos aprender nascem da reação. Não existe tal coisa como aprender com a experiência ou através da experiência.

O interlocutor quer saber porque uma experiência totalmente compreendida não deixa memória. Estamos solitários, vazios; tendo consciência desse vazio, dessa solidão, recorremos à experiência para preenchê-lo. Nós dizemos: “Aprenderei com a experiência, deixe-me encher minha mente com a experiência que destrói a solidão”. A experiência realmente destrói a solidão, mas nos torna muito superficiais. Isso é o que estamos sempre fazendo, mas se compreendermos que essa mesma carência cria a solidão, então a solidão desaparecerá.

Interrogante: Eu sinto o emaranhamento e a confusão do apego no pensamento e no sentimento que caracterizam a riqueza e a variedade de minha vida. Como posso aprender a me desapegar da experiência na qual pareço ser incapaz de escapar?

Krishnamurti: Por que você quer ser desapegado? Porque o apego lhe confere dor. A posse é um conflito em que há ciúme, vigilância contínua, luta sem fim. O apego lhe confere dor, por isso, você diz: “Deixe-me ser desapegado”. Isto é, seu desapego é apenas uma fuga da dor. Você diz: “Deixe-me encontrar uma maneira, um meio pelo qual eu não sofra”. No apego, há conflito que o desperta, que o agita e, para não ser despertado, você anseia pelo desapego. Você passa pela vida desejando exatamente o oposto daquilo que lhe causa dor, e esse desejo é apenas uma fuga da coisa em que você está preso.

Não se trata de aprender o desapego, mas de se manter desperto. O apego lhes confere dor. Mas se, em vez de vocês tentarem escapar, vocês tentarem manterem-se despertos, vocês encontrarão abertamente cada experiência e a compreenderão. Se vocês estiverem apegados e satisfeitos com o seu estado, não sentiriam nenhuma perturbação. Somente em tempos de dor e sofrimento, vocês desejam o oposto, porque acham que o oposto lhes dará alívio. Se vocês estiverem apegados a uma pessoa e houver paz e sossego, tudo se move suavemente por algum tempo; depois acontece algo que lhes confere dor. Tomemos, por exemplo, marido e mulher, em sua posse, em seu amor, há cegueira completa, felicidade. A vida corre suavemente até que algo aconteça – ele pode deixá-la ou ela pode se apaixonar por outro. Então há dor. Em tal situação, vocês dizem para si próprios: “Preciso aprender o desapego”. Mas se vocês voltarem a amar, vocês repetem a mesma coisa. Novamente, quando vocês experimentam dor no apego, vocês desejam o oposto. Essa é a natureza humana, é isso que todo ser humano quer.

Portanto, não é uma questão de adquirir desapego. É uma questão de ver a estupidez do apego quando vocês sofrem por estar apegados, então vocês não vão para o oposto. Agora, o que acontece? Vocês querem se apegar e ao mesmo tempo querem se desapegar, e nesse conflito há dor. Se na dor em si vocês compreenderem a finalidade da dor, se vocês não tentarem fugir para o oposto, então essa mesma dor os libertará de ambos, tanto do apego quanto do desapego.

09/09/1933.