Willian Quinn

COFUNDADOR, INSTITUTO ESALEN, BIG SUR, CALIFÓRNIA

 

WQ: Conheci Krishnaji em novembro de 1944. Eu tinha vinte e um anos. Cheguei em Arya Vihara com dois outros jovens e aguardamos por ele em um pequeno cômodo. Ele chegou ofegante, havendo corrido de sua casa, e quando abriu a porta e entrou, radiante e jovial com um sorriso brilhante, seus olhos vivos nos assimilando, tive uma resposta instantânea e ingênua. Fui fisicamente varrido por uma música de violino de Prokovief, intensamente lírica e alegre.

Questionei-o quanto ao significado de consciência, e ele disse: “Se olharem dentro de suas mentes, verão que é como milhares de borboletas rodopiando! Dificilmente é possível rastrear uma única ideia nessa complexidade. Um modo de trazer clareza à mente é escrevendo seus pensamentos e sentimentos imediatos em resposta aos eventos do dia e então ponderá-los. Se enfatizar um problema em particular nessas anotações, gradualmente chegará a todos os outros.” Krishnamurti sentia que grande parte de nossa confusão se deveria a pensamentos repetitivos, e que eles seriam repetitivos por não serem completos. Ao pensar neles até o fim, eles não clamariam mais em nosso interior, e a mente seria mais livre e espaçosa, mais “consciente”. Krishnamurti trabalhou muito por muitos anos para esclarecer sua própria mente, e esse trabalho foi parte do plano de fundo que tornou possível que ele se tornasse professor. No final da década de 1920 e início da de 1930, Krishnamurti tinha imensa consciência do movimento em direção a outra guerra. Este se tornou um tema central em suas palestras públicas em todo o mundo.

EB: Você me contou que o impacto da Segunda Guerra Mundial sobre você foi substancial. Você era um objetor consciente?

WQ: A guerra começou em 1939, quando eu tinha dezesseis anos. Antes dessa época, eu estava me preparando para uma vida em torno das ciências físicas. Mas a partir do momento em que a guerra começou, vi com incredulidade como os cientistas estavam se prestando inconscientemente à conflagração geral da guerra.

Talvez fosse simplista, mas concluí que se eu me tornasse cientista meus talentos seriam usados na guerra, o que eu achava inaceitável. Portanto, senti que deveria desistir da ciência. Também concluí que não eu poderia ser um soldado, e esperava ser mandado para a prisão, uma vez que eu não tina motivo religioso para tomar esse posicionamento, conforme era requerido de um objetor consciente de acordo com as definições do governo.

EB: Foi o idealismo juvenil que fez você sentir que a ciência poderia curar os problemas do mundo?

WQ: Sem dúvidas. Mas também havia vários cientistas de renome mundial nas décadas de 1920 e 1930 que eram imensamente idealistas quanto à melhoria da vida através da ciência e, quando menino, fui muito afetado pela visão nobre que tinham.

EB: Embora você estivesse disposto a ir para a prisão, isso não aconteceu?

WQ: Não. Eu tive sorte, e fiquei livre, como poucos jovens homens foram na época. Mas as perguntas surgiram do fato de a guerra e minha relação com ela terem se tornado preocupação total, e formaram o centro de minha consciência. O que eu farei da minha vida? Como a ciência poderia ser tão cúmplice desse mal? Isso me levou a questionar a natureza do próprio conhecimento.

EB: Você foi a Krishnamurti nesse estado de espírito? Você havia lido seus trabalhos e então quis falar com ele pessoalmente.

WQ: Através de uma amizade com um físico eminente, vim a ver com clareza, aos meus vinte anos, o caráter experimental e provisório da formulação e teoria científica. Foi um enorme alívio para mim, mas minha consciência da guerra continuou a queimar, assim como queimava em outras centenas de milhares pessoas.

No verão de 1944, trabalhei como vigilante de incêndio em uma torre nas Montanhas Bitterroot no norte de Idaho. Era uma selva na época, com vastas extensões de floresta virgem. Imediatamente experimentei a meditação e, na primeira vez que a pratiquei, algo notável aconteceu. Sem sequer ter considerado tal possibilidade, minha mente parou espontaneamente e fui despertado para a glória da vida.

Instantaneamente vi que esta nova dimensão de percepção era a “resposta” para a guerra, então chegando a seu clímax de modo feroz, e a resposta para “O que eu farei da minha vida?” Esse estado extraordinário perdurou por meses.

Quando a temporada de incêndios terminou, fui de carona para Los Angeles. No caminho, senti como se estivesse sendo carregado por alguma corrente do destino, em direção a algo desconhecido. No dia de minha chegada, conheci por acaso outro jovem homem de minha idade que, em menos de uma hora, me falou de Krishnamurti. Eu imediatamente disse a mim mesmo, “Vou viver com esse homem!” Falei com meu novo amigo sobre Krishnamurti por alguns dias e li algumas das palestras que ele havia dado na década de 1930.  Então tudo pareceu se unir, um vislumbre da natureza unitária do medo e do desejo. Percorri a cidade em estado de reverência por uma semana, atônito e sem compreender. Logo depois, junto a um terceiro rapaz, visitamos Krishnamurti. Em nossas conversas, não enfatizei a guerra pois parecíamos pensar sobre o assunto em linhas paralelas.

EB: O que teria acontecido se Hitler tivesse ganho a guerra? Se alguém se depara com um mal implacável, qual é a resposta correta?

WQ: Tenho certeza de que Krishnamurti estava ciente do quão monstruoso Hitler era, talvez de modo mais acentuado que o resto de nós. A opinião dele era que, se você resiste ao mal, você se torna mal. Então o mal se agrava em um conflito cego sem fim, nada além de ruína e exaustão. Antes da guerra, ele disse publicamente que ele mesmo era um pacifista, incondicionalmente. Mais tarde, ele apresentou desconfiança perante esse termo e a “não-violência” como ideologia porque pensava que se a posição de alguém fosse meramente ideológica, e não do coração, ela pouco significaria.

Em suas palestras em Ojai, em 1944 e 1945, enquanto a Segunda Guerra Mundial ainda acontecia, o significado de Guerra era apresentado como tema central. Durante as palestras de 1945, alguém perguntou, “É possível encontrar Deus em uma trincheira?” Krishnamurti respondeu, “Um homem a procura de Deus não estará em uma trincheira… Vocês e o soldado criaram uma cultura que os força a assassinar e ser assassinado, e em meio a essa crueldade vocês desejam encontrar amor.”

A propósito, a sinceridade com que Krishnamurti falava contra a guerra na década de 1940 era quase única neste país então. A posição dos objetores conscientes jovens era muito difícil, pois não éramos apoiados por praticamente ninguém da geração de nossos pais, e a pressão social era enorme.

EB: Ele sugeriu alguma solução para os conflitos que encontraram expressão na guerra?

WQ: Bem, em 1945 as pessoas já estavam preocupadas com uma Terceira Guerra Mundial. Ele dizia na época que cada um de nós, individualmente, era responsável pelo massacre em massa da guerra vigente, que estávamos todos nela, como se uma família, todos parte de uma corrente, nossas individualidades como pequenos redemoinhos. A única “resposta” era que cada um de nós reconhecesse sua própria responsabilidade e permitisse que sua própria vida fosse transformada.

Penso que ele tinha uma compreensão sofisticada das estruturas políticas do mundo. No início, ele e seu irmão Nityananda conversaram intensamente sobre essas coisas. As circunstâncias de Krishnamurti o colocaram em estreito contato com socialistas importantes, assim como com a aristocracia e as pessoas nos círculos internos do poder em todo o mundo.

Na década de 1920, K e muitas outras pessoas criativas sentiam que ainda havia esperança para a humanidade, e que talvez nós houvéssemos aprendido algo com a Primeira Guerra Mundial. Escrevendo e palestrando naqueles anos, K tinha um tipo de otimismo lírico que parece ingênuo hoje em dia aos olhos dos desiludidos.

EB: Suas conversas pessoais com Krishnamurti na década de 1940 abordavam problemas individuais ao invés da cena social ou da guerra?

WQ: Acho que eu estava tentando chegar ao cerne de seu pensamento, especialmente a natureza da consciência. Essa era sua palavra-chave naquela época. Ele falava muito pouco sobre meditação em público então, porém, ao invés, falava de consciência sem escolha, consciência em ação e consciência meditativa como um estado constante de ser.

EB: Ele aparentemente abandonou a palavra “consciência” mais tarde porque sentiu que estava sendo usada em excesso.

WQ: Ele usava a palavra constantemente e todos que se interessavam por seus ensinamentos a usavam tão incessantemente que a queimaram completamente. Então ele abandonou a palavra e tentou chegar à sua substância de outras maneiras.

Mas eu gosto da palavra hoje em dia. É sinônima de “acordado” e sugere uma capacidade primordial e inerente, como a visão, mas compreendendo todos os sentidos e emanando de algo além dos sentidos.

No entanto, ele “meditava” pessoalmente. Isto é, ele reservava tempo e lugar e, conforme o meu entendimento, então sentava-se receptivo e disponível caso algo acontecesse, mas não em um estado de expectativa.

EB: Como você sabe, em seus últimos anos ele zombou da ideia de meditar em horários pré-estipulados, e disse que era possível meditar em um ônibus.

WQ: Eu o questionei atentamente sobre o que ele queria dizer com meditação. Tinha a mesma intensidade sempre? Ele disse, “Ah, não! Para mim é como um riacho, no qual existem poços profundos. Agora, nos últimos três dias, não consegui meditar devido a um forte resfriado, mas essa manhã eu me senti melhor, e a meditação se tornou extremamente intensa.” Ele transmitiu isso por gestos sugerindo uma imensa expansão. “Mas,” ele disse, “Deixei-a ir só até certo ponto com receio de que queimasse o organismo.” Ele continuou dizendo que a meditação chegaria a ele inesperadamente em momentos estranhos, durante uma caminhada, por exemplo, e que esse era o melhor tipo de meditação.

EB: Quando Krihsnamurti disse que deixou a meditação ir apenas até certo ponto, ele quis dizer que seria muito intenso para o organismo?

WQ: Talvez, fazendo uma analogia, possamos dizer que seja como sair do sol. Não controlamos o calor e a luz solar, mas podemos controlar o quanto nos expomos a eles.

EB: Ele falou o que era necessário para esse tipo de meditação? Era necessária uma limpeza ou purificação? Ou era um dom?

WQ: Ele sentia que a “pureza” era muito importante e tocou nesse ponto muitas vezes ao longo dos anos que o conheci. Ele também sentia que a anotação sugerida por ele tornaria a meditação possível.

EB: O que ele queria dizer por “pureza”?

WQ: Ele me disse uma vez, “Você deve ser simples, como um pingo de chuva.” Penso que pureza queria dizer percepção absolutamente clara, não contaminada por imagens e projeções.

EB: Você diria que Krishnamurti era um místico?

WQ: Acredito que sim, apesar de ele ter evitado essa palavra. A palavra em grego implica o “oculto” e na tradição cristã antiga significava especificamente oculto da imagem e do conceito à mente. Em outras palavras, percepção direta. São João da Cruz tinha uma metáfora maravilhosa para isso: “Se estou com a mão na frente dos olhos, não posso ver o sol. Se tenho uma imagem de Deus, eu não posso ver Deus.”

EB: Você pode falar sobre como era estar na presença de Krishnamurti?

WQ: Em nossas conversas e ao trabalharmos juntos, seja no jardim ou cuidando das abelhas, nunca senti nem um pouco de manipulação ou pressão para que eu fosse outro além de mim mesmo. Eu teria sido sensível a qualquer motivo oculto, mas ele era extremamente claro. Isso permitia intimidade e conversa profunda e delicada, como a música de um violoncelo.

Ele nunca “falou de negócios”, a não ser em momentos separados para discussão cuidadosa. Na vida cotidiana, ele nunca foi o homem que presidia as palestras. A persona pública estava totalmente ausente. Era claramente como se a mente que conhecemos através de seus escritos fosse colocada de lado completamente, como uma ferramenta quando não é necessária.

Em nossa vida cotidiana comum, ele falava em termos simples, como se a abstração e a análise fossem desconhecidas para ele. Na maioria das vezes ele me fazia pensar em uma criança extremamente alerta e cortês, geralmente silenciosa, mas totalmente presente. Ele era completamente modesto e abnegado. Como ele nunca enfatizava a si mesmo, podíamos nos relacionar com ele da maneira mais simples, completamente inconscientes.

EB: Você diria que Krishnamurti era inocente?

WQ: Acho que sim! Também ingênuo e inocente, de muitas maneiras, e suscetível a manipulação por seus amigos. Ele tinha uma característica muito pueril. Mas havia limites, e ele era irredutível em questões fundamentais. O que eu acho que era central era que ele questionava e rejeitava seu papel de professor do mundo. No fim da década de 1920 ele negou radicalmente a necessidade de uma autoridade espiritual e disse ser a verdade uma terra sem caminho.

Poderíamos dizer que a ideia de que ele deveria ser o professor do mundo era uma manipulação extraordinária. Em sua juventude, ele foi alimentado a força com doutrina teosófica, como são criados os gansos que geram patê de foie gras. O milagre é que ele se libertou disso e paradoxalmente se tornou o professor do mundo.

EB: Krishnamurti deu indícios de que questões sobre amor pessoal eram preocupantes para ele?

WQ: Ele me contou que havia descoberto três grandes problemas quando jovem, ponderando sobre eles por muitos anos. Um deles era a questão do sexo. O ascetismo era o caminho correto? Ou deveríamos usar o sexo, uma vez que era aparentemente natural e dado a nós?

EB: Se alguém pensar que pureza significa castidade, será difícil para essa pessoa ter uma relação natural com o sexo oposto.

WQ: Perguntei a ele especificamente sobre isso, e ele disse que não havia uma resposta de caráter geral para essa pergunta. Ele falou sobre isso com ternura. Disse que era uma questão que todos deveriam resolver por si mesmos, e que não deveríamos dizer que devemos ser castos ou que o amor e a sexualidade pessoais seriam hostis à vida espiritual.

Quanto à amizade, acho que ele sentia que a experiência de um amor pessoal comum era a própria chama, e talvez a única chama, que poderia nos despertar, embora a envolvamos com possessividade e assim por diante. Afinal, certamente foi a morte de seu irmão que o despertou. Depois desse acontecimento, todos perceberam o novo homem.

Ao longo de sua vida, ele teve um considerável número de amizades intimas e de longa duração, entre elas muitas mulheres.

EB: Ele sentia que o amor pessoal podia levar alguém para além de si mesmo. Isso era uma forma de libertação?

WQ: Bem, sim, com qualificações. Ele enfatizava extremamente a importância da vida comum, que, é claro, inclui nossas afeições particulares. Podemos obviamente nos prender no amor pessoal. Porém, se compreendermos o egoísmo do amor, acho que ele deixou implícito que podemos ir além, e ainda assim o amor permanecer. Mas esse amor não está ancorado em seu objeto, nem depende dele, mas sim liberta o objeto assim como a si mesmo. E isso não quer dizer que o objeto é descartado. Pelo contrário, é aprimorado.

EB: Havia um sentimento de que ele poderia ser afastado de sua missão espiritual uma vez que tinha amizades e afeições? É parte da visão tradicional da abstinência e da castidade sexual.

WQ: Ele disse uma vez, “a libertação não está fora da manifestação, mas sim na manifestação.” O que ele quis dizer, eu acho, é que não é através da privação na vida que poderemos encontrar o que ele chamou de libertação. Desapego não significa dissociação! É o fim da separação entre o eu e o você.

EB: Como você acha que ele definiu o termo “libertação”?

WQ: Como liberdade da sujeição a um condicionamento estreito e dos conflitos que mutilam a maioria de nós. Essencialmente, significa liberdade de nós mesmos, não uma liberdade licenciosa de restrições sociais.

EB: Durante aqueles anos de guerra, como era a vida cotidiana em Arya Vihara? Deve ter sido bem simples.

WQ: Éramos apenas nós quatro: Krishnaji, Rosalind, sua filha Radha e eu em contato diário. O Sr. Rajagopal raramente aparecia. Devido aos racionamentos da guerra, vivíamos quase completamente do que criávamos. Tínhamos pomares, hortas, oitenta galinhas, uma vaca e abelhas. Krishnaji cuidava das galinhas e eu tirava leite da vaca. Nós dois trabalhávamos no jardim e cuidávamos das abelhas. Rosalind, sempre alegre e diligente, produzia queijo cottage e manteiga e assava um maravilhoso pão integral. Ela cozinhava nossas refeições. Krishnaji e eu lavávamos a louça e eu frequentemente sentia uma felicidade surpreendente com essas atividades humildes.

Na época, Ojai era uma vila e parecia remota do mundo. Recebíamos poucos visitantes devido ao racionamento de combustíveis, e o transporte público foi assumido pelos militares. Era extremamente difícil chegar a Ojai, mesmo saindo de Los Angeles.

EB: Você acha que K se sentia preso em Ojai durante os anos de guerra e sua doença? Isso criou uma tensão nele?

WQ: Não sei quanto a isso, mas penso que aqueles anos possam ter sido de profunda vulnerabilidade para ele. Antes da guerra, ele era extremamente ativo, palestrando por todo o mundo e envolvido com muitas pessoas. Então, na década de 1940, por muitos anos, houve um silêncio e uma solidão forçados, e ele vivia em um lugar muito agradável, associado a pessoas muito criativas. Foi lá, debaixo da árvore de pimenta, que ele começou a se encontrar no início dos anos 1920. Aquele evento também havia sido possível porque pela primeira vez desde sua juventude ele estava sozinho e fora da turbulência da vida pública. Acho que esta época, nos anos 1940, foi uma de meditação quase contínua e de “recolhimento”, uma palavra que ele gostava, e que dela emergiu a maravilhosa clareza de suas manifestações públicas nos anos subsequentes.

EB: Você acha que a ida de Krishnamurti para a Índia foi um passo para sua libertação, de certo modo?

WQ: Na verdade não, porque acho que o acontecimento fundamental se deu no fim da década de 1920, após a morte de seu irmão. Mas o que ele chamou de “o processo” aparentemente continuou ao longo de sua vida. E sem dúvida foi intensificado em resposta ao extraordinário desafio que era a Índia.

Penso que o processo é aquela corrente de consciência meditativa da qual ele me falou, na qual havia poços profundos. E acho que essa corrente era sua vida, ou melhor, a vida que fluía através de seu organismo, contraindo-se e expandindo-se em seu próprio ritmo extraordinário. Ele não pensou como “sua” vida, mas sim como vida.

O mundo havia mudado nos anos em que ele esteve afastado. A Europa estava em ruínas e as conexões centradas em Ommen tomadas de forma irreparável. Quando ele foi à Índia, ele se afastou da esterilidade e da paralisia espiritual dos Estados Unidos, que persistiu por muito mais anos na era McCarthy e além. Os Estados Unidos não começaram a despertar até que os jovens da geração da Guerra da Coréia começaram a se dissociar dos padrões da década de 1950, como se observa nos chamados Beatniks, precursores do movimento juvenil dos anos 1960.

Ele chegou à Índia no final de 1947, em um momento extraordinário, quando ele estava maduro interiormente, no pleno florescimento de sua maturidade. Toda a Ásia estava em agitação. A Índia havia se libertado da tirania britânica algumas semanas antes.

Imaginei que as pessoas inteligentes na Índia houvessem sido despertadas de formas que as pessoas nos Estados Unidos não poderiam ter sido. Despertas para perguntas profundas sobre a natureza da sociedade e o indivíduo na sociedade, sobre que forma de governo seria a certa para a Índia e assim por diante, com uma intensidade de decisão de vida ou morte. A ida à Índia significou a renovação de sua vida pública e ele palestrou por todo o país. Ele imediatamente entrou em contato com um grupo notável de pessoas, algumas das quais haviam estado na linha de frente daqueles enormes acontecimentos. Um círculo de amigos, incluindo Pupul Jayakar, Ahalya Chgari e muitos outros, iniciou os diálogos com ele que continuaram pelo resto de sua vida.

EB: Você acha que Krishnamurti era diferente fundamentalmente dos outros seres humanos, desde o nascimento?

WQ: Acho que não. E aí, para mim, reside sua principal beleza e significado. Aparentemente, ele foi uma criança excepcionalmente altruísta, mas ele chegou à maturidade através de trabalho árduo. Foi precisamente seu senso de parentesco com o resto de nós que o levou a comunicar-se.

Pode-se dizer que houve uma mudança fundamental em sua maturidade, no sentido de que o egocentrismo foi esmagado e que ele então passou a funcionar a partir de uma dimensão diferente da vida. Mas toda sua mensagem foi que essa transformação era para todos nós.

Quanto a como essas energias espirituais deveriam se desdobrar sem nós, gosto da imagem do Novo Testamento: O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito. – João 3:8.

EB: Como Krishnamurti se sentia em relação aos jovens e ao consumo de drogas na década de 1960?

WO: Acho que a princípio ele estava fascinado pelo movimento juvenil e os jovens que ele conheceu no movimento. Ele estava intrigado com sua abertura e afetividade, sua postura contrária a guerra e rejeição geral a autoridade e a cultura corporativa. Porém, ele ficou horrorizado com o amplo consumo de drogas. Conversamos sobre isso diversas vezes. Chegou ao ponto de eu não poder mencionar os jovens sem que ele pensasse sobre drogas e começasse a esbravejar. Eu mesmo havia sido um observador próximo do desenvolvimento da cultura das drogas e nós tínhamos percepções semelhantes. Sentíamos que Aldous Huxley e Alan Watts, em particular, eram responsáveis primeiramente por essa praga. Assim como Pied Pipers, eles haviam usado do prestígio que possuíam para converter jovens à crença nesse atalho mágico para alcançar a realidade religiosa. K sentia que uma mente religiosa deveria florescer de maneira humilde, inconsciente e orgânica, e que as drogas eram um atalho ilusório, esmagando através de estruturas psicofísicas complexas e delicadas. Ele dizia que o uso de drogas por ditos homens sagrados havia sido observado por séculos na Índia e era sabido que era um total beco sem saída.

Na década de 1970 e no início da década de 1980, conheci muitos jovens de origem diferente que haviam vindo para as palestras de Ojai. Uma história típica era que um garoto de dezesseis anos ou algo assim encontraria um dos livros de Krishnamurti e imediatamente começaria uma revolução silenciosa em sua vida. Então, anos depois, ele apareceria em Ojai. Esses jovens eram tipicamente modestos e atenciosos, e eu conheci tantos deles que até contei a Krishnamurti sobre eles, uma vez que era improvável que ele os conhecesse na órbita em que se movia. Ele insistiu que eu desse a ele um tipo de aula sobre todo o contexto da cultura dos Estados Unidos da qual eles haviam emergido e quais eram suas perspectivas. Eu disse que nossa cultura não tinha espaço com esses jovens e que eles teriam que encontrar seu próprio caminho. Ele ficou extraordinariamente animado, quase fora de si, enquanto eu falava. Ainda sinto que isso é imensamente importante, porque não há como saber quantos jovens ao redor do mundo foram igualmente tocados por Krishnamurti.