Professor S. Rinpoche

INSTITUTO CENTRAL DE ESTUDOS TIBETANOS SUPERIORES, SARNATH, ÍNDIA

 

Buda sempre falou em dois níveis, no relativo e no absoluto. Krishnaji nunca falou no nível relativo. Ele sempre falou no nível do absoluto,”

— S. Rinpoche

Tive a grande sorte de ter escutado a Krishnaji e discutido com ele várias questões filosóficas. No início, sempre tentei compreendê-lo com minha formação budista. Ao fazê-lo, tinha uma sensação de desconforto. Pensei que talvez essa não fosse a forma correta de entendê-lo. Sentia que devia ouvi-lo com um vazio total em estado desprovido de pensamento, sem qualquer pressuposto ou condicionamento. Mas minha mente estava tão condicionada ao ensinamento budista que eu o coloquei na posição de Buda, e essa não era a forma correta de compreendê-lo.

Discuti essa questão com o próprio Krishnaji profundamente e então percebi que havia uma diferença básica de abordagem entre Buda e Krishnaji. Buda sempre falou em dois níveis, no relativo e no absoluto. Krishnaji nunca falou no nível relativo. Ele sempre falou no nível do absoluto. A verdade relativa segue o processo do pensamento, e Buda adotou isso como um de seus métodos para ajudar as pessoas a ter um questionamento mais profundo. Aparentemente, a abordagem de Krishnaji é que esse método é uma jornada mais longa. Levaria mais tempo e, assim, as pessoas deveriam se afastar da verdade relativa de forma espontânea e entrar no absoluto, na verdade absoluta. Quando Buda fala do absoluto, eu pessoalmente não vejo nenhuma diferença com os ensinamentos de Krishnaji, ou diferença entre os ensinamentos de Krishnaji com os de Buda quanto a prajnaparamita ou a verdade absoluta.

Outra diferença entre eles está na preparação das pessoas, dos ouvintes. Krishnamurti é silencioso e não fala de preparação, enquanto Buda lidava muito com a preparação da pessoa, sendo um pré-requisito para que alcançassem o nível de transformação. Tanto Buda quanto Krishnaji têm posições parecidas. No momento da transformação ou transmutação, não há tempo, não há graduação. Precisa ser espontâneo e imediato, seja esse lado ou aquele, percepção é percepção. Não há crescimento lento ou graduação. Buda lidava com a preparação da pessoa que aspirava alcançar aquele nível com certas graduações e métodos. Mas Krishnaji nunca aceitou essas coisas. Talvez ele tenha tomado como certo que todos fossem capazes de se transformar sem envolver as medidas preparatórias.

O pensamento é um instrumento básico de nossa vida, mas para a percepção, o pensamento não tem papel algum. Todos os tipos de pensamento precisam ser negados de acordo com Buda e com Krishnamurti. Porém, entre budistas o pensamento tem sido aceito como um dos métodos ou formas de preparação. Como eu disse anteriormente, Krishnaji não aceita ou não fala sobre preparação.

O ponto básico a ser enfatizado é libertar-se de todo tipo de condicionamento, imposição ou pressuposição. Para se libertar de todos tipos de pensamento, as palavras do professor seriam um dos maiores obstáculos. Por conseguinte, Krishnaji enfatizou especificamente a negação de qualquer relacionamento ensino-professor no sentido comum e encorajou as pessoas a participarem da investigação, da busca. Suas próprias mentes devem ser usadas ativamente na busca. A atitude de dependência é o obstáculo mais perigoso ao desenvolvimento de uma pessoa na busca pela percepção da realidade.

Tanto Buda quanto Krishnamurti empregaram o método de negar as coisas — a negação, porque a realidade percebida por eles não é comunicável através da linguagem, das palavras, ou de qualquer outro meio de comunicação. A única forma para eles é negar todas concepções de pensamento ou imaginação possíveis. Desse modo, a pessoa se aproxima da realidade após negar tudo e então a maneira de enxergar a realidade se torna mais aguçada. Há uma possibilidade de ver a realidade como ela é.