Jean Michel Maroger

CONSULTOR DE TRANSPORTE, PONTLEVOY, FRANÇA

Eu não possuo uma inclinação natural para a espiritualidade. Pelo contrário, eu fui de certa forma arrastado para essa área através da influência de meus pais, sendo que meus pais adquiriram interesse por tais questões no início de minha adolescência.

Após um período de graça que durou aproximadamente vinte e cinco anos, uma longa e incurável doença tomou meu pai em 1965. A ciência médica há muito havia desistido de curá-lo, e esse período de graça ocorreu graças à oração. Após sua morte, minha mãe expandiu seus questionamentos e enfim encontrou Krishnamurti, mas recordo de ter considerado seu entusiasmo com ele de forma bem tranquila.

Foi meu primeiro contato com o professor, em 1975, que despertou meu interesse.

Minha mãe havia convidado a família para assistir as palestras de Krishnamurti em Saanen. A primeira vez que o vi lá, tomei um choque. Algo mágico, quase irracional, me acertou. Foi algo mais profundo do que as palavras que eu estava ouvindo, que a princípio não me comoveram particularmente, embora inconscientemente eu sentisse que o que ele estava dizendo era essencial.

Recordo-me de ter deixado a tenda ao mesmo tempo que ele, corrido até ele e de ter tomado suas mãos em gratidão.

Assistimos a todas as palestras, e ao retornar a Paris (onde minha família vivia na época), compareci a uma reunião com alguns dos amigos de minha mãe que também haviam estado em Saanen, e me surpreendi com a forma deturpada com que eles se referiam ao que haviam ouvido.  Foi isso que me induziu a dublar as fitas com gravações das palestras que eu havia trazido de Saanen, na esperança de que assim eu os convencesse de que estavam errados e então os ajudasse a compreender o que K havia realmente dito.

No ano seguinte, minha mãe sugeriu que fossemos às palestras em Brockwood. Eu levei comigo as fitas com minhas dublagens e as mostrei para a primeira pessoa da equipe que conheci lá, que foi Mary Zimbalist. Seu conhecimento de Francês fez com que ela percebesse a importância que tal trabalho poderia ter na disseminação dos ensinamentos de Krishnamurti, e foi assim que minha relação com Brockwood começou.

Meu primeiro encontro com K não foi tão fácil. Apesar de eu já estar na casa dos meus quarenta anos, recordo de ter me sentido extremamente tímido, a ponto de quase ficar paralisado, e por algum tempo não consegui manter um diálogo com ele.  K provavelmente percebeu isso, e uma vez que ele estava em seu melhor quando desafiado, levei muitos meses antes de conseguir me engajar em um diálogo profundo com ele. Recordo de um evento específico em que, ao caminhar pela tenda após o fim de uma de suas palestras em Brockwood, deparei-me com Krishnamurti, de pé em um canto, aparentemente aguardando por alguém. Pensei, é a chance de minha vida de falar com ele! Mas quando me aproximei dele, não consegui proferir nem uma palavra, e relutantemente me afastei (descobri muito depois que Dorothy Simmons havia pedido que ele voltasse à tenda após a palestra para “ser o anfitrião” de alguma forma, como ela disse, o que ele aceitou. Porém, ele parecia estar tão miserável em tal papel que ninguém aparentemente ousou incomodá-lo).

No entanto, o autoconhecimento estava tomando seu lugar, e quando eu por fim percebi que a imagem que eu tinha de Krishnamurti que era oposta à imagem que eu inconscientemente queria que ele tivesse de mim que causava a timidez, a coisa toda foi suprimida. Essa foi minha primeira percepção do poder de compreender a si mesmo profundamente.

Conforme meu envolvimento com o trabalho cresceu, passei a visitar Brockwood cada vez mais, mais ainda quando minha segunda filha se tornou aluna da escola. Em 1979, ao ouvir que Krishnamurti queria passar férias na França, ousei convidá-lo, junto à Mary Zimbalist, à nossa casa de campo no Vale do Loire, para onde havíamos mudado permanentemente. Ambos aceitaram, e essa foi uma experiência emocionante, planejada com grande sigilo, uma vez que queríamos proporcionar aos nossos hospedes uma estadia tranquila. Eu creio que sua estadia tenha sido tanto um sucesso quanto uma oportunidade proporcionada por Deus para que eu o conhecesse fora do ambiente no qual estávamos acostumados a vê-lo.

Então percebi o quão excepcional era Krishnamurti, sua simplicidade absoluta, juntamente com um extraordinário senso de consciência dos mínimos detalhes da existência e uma atenção insondável a outro ser humano, uma vez que o último estivesse preparado para ter uma conversa séria com ele. Essa última qualidade provavelmente explica o porquê K podia captar rapidamente a questão central de um problema humano apresentado a ele e encontrar as palavras exatas que fariam a pessoa ver com clareza nele ou em si mesma.

Seu amor pela natureza, pelos animais (ele mostrou tamanha afeição por nosso Pastor Alemão que chegou a insistir em levá-lo nos passeios de carro, e uma vez fiquei preocupado ao ver o cão lambendo sua face enquanto estavam ambos no banco de trás!), a forma com que ele sempre cedia aos desejos casuais de outras pessoas na organização da vida diária eram parte das características que ninguém conseguiria ignorar ao observá-lo.

Alguns anos depois, eu e minha família tivemos acidentalmente outra oportunidade de nos aproximarmos de Krishnamurti. Foi em Saanen, quando minha filha mais nova, Diane – que tem uma doença rara nos ossos – quebrou sua perna e não pôde ser levada para casa. Aconteceu próximo do fim das palestras, e não conseguíamos encontrar acomodação em plena temporada de férias. Sem haver pedido por nada, K organizou uma acomodação para nós em Chalet Tannegg, no apartamento que se encontrava desocupado abaixo do dele, embora um amigo dele houvesse o alugado. Nós ficamos lá por pelo menos três semanas, e quase todo dia K descia as escadas e passava um tempo com Diane. Ocasionalmente, eu me sentava perto deles, em silêncio, e devo dizer que por diversas vezes senti algo além da descrição que imagino estar relacionada ao que ele chamou de “alteridade” em seu diário (o Caderno). Outras vezes, era possível ouvi-los rindo de suas vidas – mas nunca fui capaz de extrair de Diane um relato sobre o que havia causado tanto riso.

Muito mais poderia ser dito sobre Krishnamurti. No entanto, acredito que na própria opinião dele o mais importante é o impacto de seus ensinamentos sobre nossas vidas.

Pessoalmente, tem sido tremendo e continua crescendo à medida que eu amadureço com uma consciência em expansão.

Infelizmente, não tive a sorte de alcançar uma percepção total, pelo menos até o momento, mas desvendar percepções sobre temas como medo, competição, ambição, sucesso, entre outros, são os enormes presentes que recebi através dos ensinamentos de Krishnamurti.

O grande privilégio de ser próximo de Krishnamurti ou de estar envolvido com o trabalho conectado a seus ensinamentos nos proporciona uma vantagem na obtenção de uma profunda compreensão desses ensinamentos? A julgar pela minha própria experiência e pelo que eu observei a meu redor, sinto-me tentado a dizer que, a menos que alguém seja fatalmente repreensivo a ponto de não cair na armadilha da auto-ilusão, provavelmente não fará muita diferença. Krishnamurti chamou nossa atenção para esse perigo mais de uma vez, e Deus sabe como ele estava certo. Acho que esta é provavelmente a maior lição que aprendi em todos esses anos: nada deve ser considerado permanentemente adquirido no campo do autoconhecimento, e por isso nunca devemos parar de nos questionar em todos os níveis, em todas as oportunidades que a vida nos apresentar.