Howard Fast

ROMANCISTA E DRAMATURGO, NOVA IORQUE

 

EB: Senhor Fast, como escritor, há alguma relação entre a visão de Krishnamurti sobre a condição psicológica e o próprio processo do escritor?

HF: Ah, certamente, certamente. A influência do tipo de pensamento de Krishnamurti sobre um escritor é muito importante. O problema que o escritor sempre enfrenta é o de entrar na mente do outro, definir a personagem, entender sua natureza, entender por quê as pessoas fazem o que fazem, por quê o mais perverso, o criminoso mais desprezível faz o que faz e não simplesmente condenar, mas sim entender. E essa necessidade por compreender as ilusões das pessoas, as decepções com as quais as pessoas vivem, isso é sem dúvida parte dos ensinamentos de Krishnamurti.

EB: O que, no trabalho de Krishnamurti, chamou sua atenção em primeiro lugar?

HF: Meu primeiro contato com Krishnamurti foi através da meditação Zen há muitos anos. Comecei a meditação Zen como uma resposta a meu entendimento de que o mundo estava desmoronando a meu redor e como uma necessidade desesperadora de encontrar alguma verdade em meio a tanta insanidade. Eu encontrei um professor Zen que foi gentil o suficiente para me guiar e, no início do meu treinamento, assim como tantas pessoas que praticam a meditação Zen, eu comecei a ler, e li tudo que pude encontrar sobre o Zen. Enfim, me deparei com um livro sobre Zen de um cientista belga que constantemente falava sobre os ensinamentos Zen e os ensinamentos de Krishnamurti em conjunto, como se fossem a mesma coisa. Ele dizia, “como nos ensinamentos Zen e nos ensinamentos de Krishnamurti.” Foi assim que fui introduzido ao nome e aos ensinamentos de Krishnamurti. Havendo visto nos livros, segui em busca de algo do Krishnamurti a quem ele se referia. Encontrei muitos livros e os li com grande entusiasmo e interesse. O interesse inicial foi por estar tão encantado por um homem que ia ao cerne das coisas, que não tolerava tolices e que varria a ilusão e era absolutamente conclusivo, específico e provocador em seus ensinamentos, em seus argumentos.

EB: Qual você pensa ser a principal contribuição de Krishnamurti?

HF: Tenho pensado sobre o que poderia ser considerada a maior contribuição de Krishnamurti. Novamente, penso ser sua habilidade de separar a ilusão da verdade. Suas palavras constantes, “Agora me escute. Estou dizendo algo de grande importância. Preste atenção. Escute.”

Através desse primeiro ato de pedir atenção, ele se diferencia. Ele diz imediatamente, “Você, assim como todos os outros, não está escutando. Agora me escute.” Ao capturar a atenção, ele então capta a ilusão a qual se referem e a quebra. Por exemplo, se alguém disser, “Eu acredito completamente na religião X,” Krishnamurti dirá, “O que há na religião X? O que é possível nela? O que é verdadeiro? O que faz sentido? Por que você acredita nela? Você observou isso? Tentou entender?” E isso é diferente de qualquer ensinamento dos dias atuais, muito diferente.

EB: Krishnamurti via alguma resposta para as questões dos dias atuais e para as questões eternas enfrentadas por todos?

HF: A constante afirmação de Krishnamurti é que a única solução real para os problemas e as tragédias de nosso tempo é uma solução interior. E eu concordava com isso como um sonho, como um ideal, mas mudar um ser humano, mudar o jeito de pensar de um ser humano e mudar sua mente é possível com meia dúzia de pessoas, mas nunca, a meu ver, com multidões. E enquanto as multidões se mantiverem imutáveis, no que diz respeito ao pensamento interior, o trabalho social deve continuar. E nisso, eu acho, Krishnamurti não foi tão eficiente quanto deveria ter sido. No entanto, isso se aplica não apenas a ele, mas a muitos outros, no que posso dizer tanto nas formas místicas e materiais de ensino e de pensamento. Eles tendem a acreditar que a única esperança é uma mudança no ser humano, que deve se transformar no novo homem, um homem diferente. Não temos tempo para isso. Temos bombas atômicas e vários dispositivos de destruição horríveis, e devemos trabalhar agora com aqueles que não passaram pela transformação interna. É preciso trabalharmos para convencer as pessoas de que elas devem acabar com essa guerra e estupidez eterna.

EB: Algumas pessoas veem Krishnamurti como um professor pragmático, outras afirmam que ele era um verdadeiro místico. Como você o vê?

HF: Krishnamurti, que se vê como um materialista muito rigoroso, é também um místico. Não há questionamento quanto a isso, e o verdadeiro misticismo é materialista. Não é uma crença sem fundamentos. É uma crença que é comprovada pelas mudanças no homem influenciado misticamente. Agora, nesse sentido, falando sobre caminhos místicos, pensamento de Krishnamurti, pensamento budista, algumas outras investigações místicas, são pessoas que milhares de anos atrás surgiram com teorias sobre a natureza do universo. E hoje, depois de todos esses anos, nossos cientistas, nossos físicos, especialmente os envolvidos na engenharia nuclear, estão chegando às mesmas conclusões. Em alguns dos diálogos mais fascinantes de Krishnamurti com o físico David Bohm, ele busca as semelhanças entre a crença mística e a crença científica. O físico chega à afirmação de que não há nada além de energia, e toda matéria sólida que vemos é uma ilusão. Começamos a abordar algumas das pregações de Krishnamurti em face ao desejo infinito por coisas que envolvem grande parte da raça humana hoje.

EB: Qual você acha que foi o público que Krishnamurti realmente alcançou?

HF: O número de pessoas que se tornaram, de certo modo, comprometidas com suas ideias sempre me surpreendeu. Quando fui ouvir Krishnamurti em Ojai, havia uma enorme multidão. Mas eu disse a mim mesmo, “Isso é razoável aqui. É a sua base de operações.” Fiquei encantado, pela primeira vez, pelo fato de o estacionamento abrigar de tudo, desde pequenos Fuscas a Rolls Royces e outros carros muito caros. Mas, por outro lado, quando soube que ele ia dar uma palestra em Nova Iorque, fui ouvi-lo no Carnegie Hall e fiquei surpreso ao ver que todos os lugares estavam ocupados, e havia até lugar para ficar em pé. Na segunda vez em Nova Iorque, a mesma coisa aconteceu. Agora, eu não tinha noção de seu alcance, porque os seguidores que aparecem em uma palestra para ouvir um orador representam apenas uma fração dos seguidores que não puderam comparecer para ouvi-lo.

Portanto, evidentemente, a influência de Krishnamurti é muito ampla. E em relação ao Zen, isso foi inicialmente sugerido para mim, e depois de pensar e ler Krishnamurti, ouvindo-o, eu concordaria com a proposição de que, se existe uma ideologia do Zen-Budismo sendo pregada hoje em dia, ela é a ideologia que Krishnamurti pregou. Agora, no Zen, não há pregação. Eles dizem que sentar-se sozinho, o trabalho de limpar a mente e sentir a própria existência é suficiente para mudar as pessoas.

De todos os ditados do Zen, o que eu acho mais interessante é: “Se você vir o Buda, mate-o. Destrua-o.”

É uma afirmação muito profunda, que se você venerar um homem como um deus, nessa veneração todas as possibilidades de realidade, satori e de iluminação desaparecerão. Assim, se você vê Buda, está vendo uma ilusão. Livre-se dela rapidamente. Não há Buda, ele morreu há muitos, muitos séculos e nunca deveria ser venerado dessa maneira.

EB: Qual você acha que foi o efeito de todos esses anos de fala de Krishnamurti?

HF: Quando reflito sobre o fato de que Krishnamurti disse que sua única razão de existência era libertar o homem, e me perguntam as vezes, ele fez isso? Bem, em alguns casos, sim, e em outros, não. Ele certamente plantou sementes, e ninguém tem como saber para onde essas sementes irão. Se dez pessoas, cem ou mil pessoas perceberam o foco central de seus ensinamentos e foram capazes de clarear suas mentes e sondar questões com clareza, explicá-las e ensinar aos outros o que Krishnamurti ensinou a elas, certamente ele foi uma parte muito importante no processo de libertação dos homens. Eu acho que ele sentiu que o tempo era muito curto. Ou começamos a pensar sensatamente sobre as coisas, ou seremos destruídos.

Existe um homem que nos ensina a pensar porque, se não pensássemos adequadamente, não existiríamos mais. Então, é preciso dizer que aqui há um homem que pode de alguma forma influenciar o mundo. Quanto, eu não sei, mas talvez muito, talvez nem tanto. Mas haverá influência ali. E sempre volto à minha própria proposição de que é melhor acender uma pequena vela do que amaldiçoar a escuridão.