Friedrich Grohe 

EMPRESÁRIO ALEMÃO APOSENTADO, ATUALMENTE VIVE NA SUÍÇA

 

A primeira vez que li um livro de Krishnamurti foi em 1980, A Questão do Impossível. Embora eu pensasse que as obras de Krishnamurti não poderiam ser lidas como um romance, não conseguia interromper minha leitura. Ele parecia estar dizendo o oposto do que as pessoas haviam aprendido e vivenciado. Parecia ser possível sentir vagamente antes o que ele expressou ali em linguagem clara, simples e esmagadora.

Embora eu soubesse em 1981 que Krishnamurti costumava dar uma série de palestras públicas a cada ano em Saanen, na Suíça, eu não tinha vontade de assisti-las, uma vez que estava bastante contente estudando apenas seus livros. Na verdade, perdi o interesse por filosofia, psicologia, literatura, arte e coisas do gênero que uma vez haviam me cativado, porque de repente senti: “É isso!” Os livros das outras pessoas se tornaram simplesmente supérfluos.

Foi um momento de grande mudança para mim. Eu estava prestes a me aposentar do mundo empresarial, entre outras coisas. Anteriormente, eu não dispunha de muito tempo para enfrentar questionamentos essenciais, mas agora, de uma só vez, K deixou claro para mim o quão importante era se preocupar com questões centrais, tal como morte e amor, prazer e dor, liberdade, desejo e medo. Quanto mais eu explorava os ensinamentos, mais fascinantes eles se tornavam.

Participei das palestras em Saanen, na Suíça, pela primeira vez em 1983.

Sentado nos degraus que levavam à tenda gigante onde aproximadamente duas mil pessoas se reuniam, eu ouvia Krishnamurti. Ali, sob o toldo, eu ficava protegido do calor e ainda podia desfrutar de uma brisa fresca. Como eu normalmente andava de Rougemont para lá, o que leva cerca de uma hora e meia, e chegava pouco antes do início das palestras, eu podia usar a entrada lateral e não precisava me sentar no meio da multidão. Bem em frente ao palco de onde Krishnamurti falava, as pessoas ficavam agachadas, empurrando umas contra as outras. Cada centímetro quadrado de espaço para sentar era extremamente valioso. Em Saanen e Brockwood as pessoas faziam fila a noite toda em frente à tenda para serem as primeiras a entrar quando ela fosse aberta. Nos Estados Unidos e na Índia era geralmente um pouco mais tranquilo.

O primeiro verão foi tão quente que, em minha caminhada de volta a Rougemont, tomava banho no rio Fenilbach, que normalmente está sempre muito frio para que isso seja possível. Na tenda, era possível comprar livros de K traduzidos para vários idiomas, e eu ficava feliz em encher minha mochila com eles.

Era avassalador ouvi-lo. Ele emanava tanta energia que eu sentia que simplesmente não conseguia me sentar diretamente em frente a ele. Ele falava de forma simples e clara, com gestos simples e não retóricos. Enquanto o escutava, eu esquecia da fome e da sede e nem sequer notava o calor.

Meu contato pessoal com ele se desenvolveu rapidamente. Conhecê-lo pessoalmente me impactou tanto que a partir de então fui a todas as palestras em Brockwood, Índia, Ojai e Washington, até as últimas em Madras, em dezembro e janeiro de 1986, pouco antes de sua morte.

Eu precisava viajar constantemente. Passava mais da metade do ano fora da Suíça. Meu contato com a família e os amigos reduziu consideravelmente. Essas foram as mudanças externas.

Essencialmente, minha vida já havia começado a mudar. Parece que era hora de conhecer um homem como Krishnamurti. Eu já havia deixado de lado minha vida profissional em tempo integral. Minhas atividades de alpinismo haviam se reduzido consideravelmente desde que um amigo próximo, guia de montanha, morreu em um acidente de alpinismo. Eu já havia perdido minha paixão de longa data por colecionar pinturas. Quando K visitou minha casa no lago Genebra, cobriu os olhos por um segundo com uma exclamação de surpresa ao entrar. Ele parecia estar impressionado com o poderoso ambiente criado com todas as pinturas. Esse foi apenas o passo final. Eu também já havia parado de comer carne, mas nisso, assim como em muitas outras áreas, K acelerou um desenvolvimento que já estava a caminho. Quando ele disse durante uma reunião, “Nós comemos animais mortos”, algo ficou absolutamente claro para mim, e assim eu parei de comer carne de uma vez por todas. Mas talvez a fala mais impactante que me recordo em uma de suas palestras foi: “O amor não tem causa.” Essas palavras foram como uma revelação para mim.

Outro aspecto marcante de estar em sua companhia é que minha percepção acerca da beleza da natureza se fazia mais intensa. Em algumas ocasiões, eu o acompanhava em seus passeios à tarde frequentes. Geralmente alguns amigos íntimos o acompanhavam nesses passeios, mas ele falava muito pouco nesses momentos. Ele tinha um relacionamento intenso com a natureza. Ele afirmava que as raízes das árvores tinham um som, mas nós, ao caminhar por elas, não as ouvimos mais. Certa vez, ao atravessar os prados de Brockwood atrás do “Grove”, eu estava prestes a passar entre um grupo de cinco pinheiros altos, e ele me pegou pelo braço e disse: “Não, ao redor delas! Não devemos perturbá-las.”

Uma coisa que ocorreu na Índia também demonstra esse relacionamento íntimo que ele tinha com os seres vivos. Havia uma plantação de grandes mangueiras em Rajghat que não dava frutos. De tal modo, iriam derrubá-las. K contou com um brilho nos olhos como um dia ele andou entre as árvores e disse a elas: “Escutem, se vocês não derem frutos, eles vão derrubá-las.” Elas deram frutos no ano seguinte.

Krishnamurti me chamou de irmão, seu anjo da guarda. Em 1984, em Schoenried, ele me abraçou e sugeriu que eu fosse morar com ele. Eu entendi o que ele queria dizer com isso. Ele já havia pedido a várias pessoas que morassem mais próximo dele para poder trabalhar com elas, dizendo que elas então mudariam.

Mas eu não estava pronto para essa mudança completa. Eu não poderia imaginar abrir mão de tudo. Eu estaria pronto para fazer isso agora, dez anos depois? Eu não sei.

No fim de sua vida, K disse que ninguém havia entendido o que ele tinha a dizer. Em resposta a uma das piadas que ele costumava contar, “Todo mundo tem que morrer, talvez até eu mesmo”, eu poderia dizer, “Ninguém o entendeu, talvez nem eu mesmo”.