Erna Lilliefelt

EMPRESÁRIA, OJAI, CALIFÓRNIA, E CURADORA ORIGINAL DA FUNDAÇÃO KRISHNAMURTI DA AMÉRICA

 

EB: Quando Rajagopal se retirou, quem passou a ajudar na organização das palestras?

EL: Havia uma associação coordenada por Doris Pratt e Mary Cadogan. Doris Pratt organizou palestras na Inglaterra naquela época, e então acho que as palestras aconteceram em Saanen, com a ajuda de Scaravelli, que tinha um chalé em Gstaad. Quando Krishnamurti visitou o local, as pessoas sugeriram que ele desse algumas palestras, e foi assim que as palestras em Saanen começaram. Na Índia, as palestras foram organizadas por amigos indianos.

EB: Como Krishnamurti administrou o lado financeiro durante esse período?

EL: As pessoas o ajudaram. Os amigos ingleses pediram auxílio financeiro de doadores para pagar suas viagens, e outros também ajudaram.

EB: Como você descreveria a formação da atual Fundação Krishnamurti da América?

EL: Escrevi um texto sobre isso chamado História da KFA (Fundação Krishnamurti da América). Está nos arquivos e está disponível na biblioteca da KFA. Antes de entrarmos com o processo, passamos dois ou três anos tentando chegar a um acordo. Assim que Krishnamurti chegou a Malibu, em 1968, ele pediu que eu e Theo o encontrássemos. Ele sentiu que era importante começar uma nova organização e trabalhar nos EUA novamente. Então a KFA foi fundada.

EB: Quando vocês começaram a KFA, quem eram os curadores?

EL: Eram quatro outorgantes, cada um dos quais forneceu $500 dólares para iniciar o fundo. Eles eram Theo Lilliefelt, Ruth Tettemer, Mary Zimbalist e Krishnamurti. Os curadores originais eram as mesmas pessoas, além de Alain Naudé e eu mesma, Erna Lilliefelt.

EB: Quais eram as intenções de vocês ao começarem a fundação?

EL: O propósito da fundação era disseminar os ensinamentos de Krishnamurti. Havia uma nova organização, iniciada na Inglaterra alguns meses antes, que era a Fundação Krishnamurti Ltd. O objetivo era criar uma lista de correspondência e informar as pessoas sobre onde Krishnamurti estaria e organizar as palestras nos Estados Unidos, todos os quais nós cumprimos. Ele não tinha onde falar em Ojai naquele momento porque a Oak Grove estava fechada para ele. Então ele palestrou em Santa Monica, em São Francisco e em Nova York. Cresceu a partir daí.

EB: Durante todo esse período, o processo judicial continuou?

EL: Sim, as atividades relacionadas às acusações contra a Krishnamurti Writings Inc. e Rajagopal continuaram até os anos 1970, quando chegamos a um acordo nos tribunais. Naquele momento conseguimos recuperar a propriedade, a Oak Grove e a propriedade em Meiners Oaks, o que permitiu que a Escola Oak Grove começasse suas atividades. Também recuperamos a propriedade em Arya Vihara, onde Krishnamurti poderia ficar novamente e vir a Ojai.

EB: Durante esses anos, você teve a oportunidade de ver Krishnamurti em todo tipo de situação. Qual foi sua reação a Krishnamurti, o homem e seus ensinamentos?

EL: Eu nunca separei os dois: o homem e o ensinamento. Ele era seus ensinamentos. Quando ele falava, ele falava os ensinamentos. Quando ele não estava falando, nossos contatos com ele quando ele estava aqui eram sobre o trabalho da Fundação e da Escola, nossos planos e o que íamos fazer. Não tínhamos palestras filosóficas a menos que ele tivesse reuniões com pequenos grupos organizadas especificamente para isso.

EB: Participando das palestras ao longo dos anos, você viu pessoas ao redor de Krishnamurti. Ele tinha um efeito sobre as pessoas e deve ter percebido isso. Como ele reagia a isso?

EL: Ele não era um homem que reagia, se é que você me entende.

EB: Viram na Índia e em outros lugares uma grande adulação, mas ele tendia a desencorajar essa atitude, pelo que eu pude observar.

EL: É o que quero dizer com não reagir. Acho que era um pouco difícil para ele, não acho que ele respondia positivamente à adulação e esse tipo de coisa. Sinto que as pessoas que respondiam dessa maneira não haviam compreendido seus ensinamentos.

EB: Krishnamurti sentia que tinha uma missão?

EL: Seja “missão” a palavra ou não, o termo ensinamentos era o seu próprio termo, e acredito que ele obviamente tinha uma missão educacional, se quiser usar essa palavra. Ele tinha algo a dizer que acredito ter sido benéfico para os seres humanos, e acho que teve grande impacto nas pessoas.

EB: Qual você diria que é o legado de Krishnamurti?

EL: Eu acho que o que ele disse lá atrás é tão eficaz agora porque é verdadeiro, é verdadeiramente real. Ele nunca mudava o que dizia. Ele pode ter dito a mesma coisa de muitas maneiras diferentes, mas foi sempre a mesma mensagem. Ele a evoluía, expandia, continuava, mas não era uma mensagem diferente.

EB: Como Krishnamurti afetou a sua própria vida?

EL: Era como se de repente houvesse uma porta se fechando e outra porta se abrindo. Não posso dizer nada além disso. Mas nunca me senti dependente dele de forma alguma. É verdade que nos envolvemos com o processo na justiça, mas foi por um motivo específico. Quando saí da Índia, depois de ouvi-lo pela primeira vez, não sabia se voltaria a ouvi-lo. Nunca me ocorreu que eu o seguiria e participaria de outras palestras. Senti que havia parado minha busca e que estava sozinha. Ele me deu algo que me permitiu encarar a vida sozinha, sem procurar acompanhamento psicológico, por conselho, conforto ou respostas.

EB: Qual é o ponto central de seus ensinamentos? Quando você recorda o modo como ele recusou a autoridade em 1929, seguir por conta própria aparece como um tema constante.

EL: Acho que essa é a grande mensagem dele. Como podemos viver como indivíduos sem sofrer de dependência psicológica. É uma mensagem tão emocionante.

EB: Você diria que sua mudança do catolicismo para a teosofia, que você mencionou anteriormente, fazia parte do mesmo movimento? Você se afastou dessas formas após ouvir o que Krishnamurti tinha a dizer. A declaração de 1929 poderia libertar as pessoas de qualquer tipo de dependência religiosa?

EL: Sim, da dependência dogmática religiosa e da dependência psicológica.

EB: Krishnamurti queria iniciar uma nova organização, mas ele constantemente se pronunciava contra organizações. Qual é a diferença?

EL: A Fundação Krishnamurti não é uma organização espiritual. Ela foi fundada apenas para disponibilizar seus ensinamentos, para possibilitar que ele se pronunciasse, organizando palestras em Nova Iorque e Boston. Não tinha nada a ver com o aspecto espiritual. O que ele disse pode ser considerado espiritual, dependendo de como você entende essa palavra.

PT: Krishnamurti se considerava uma figura religiosa?

EL: É difícil dizer. Seria preciso definir o termo religião ou figura religiosa. Não acho que eu possa responder isso por ele. Ele não poderia ter feito o que fez sem essa tremenda energia. Falar o que ele sentia aparentemente era uma mensagem para o benefício das pessoas, para fazer com que elas vissem algo ao invés de serem cegas por seu condicionamento e pelas coisas que ouviram por gerações.

EB: Quando você fala sobre a energia de Krishnamurti, que era bastante notável, ele alguma vez descreveu qual era a fonte dessa energia?

EL: Não sei dizer se ele algum dia a descreveu. Ela estava lá. Ele fala muito sobre ela em seus textos, como essa energia está presente, e por vezes não há dúvida de que ele sentia que era algo diferente de si mesmo. Não quero começar uma discussão mística, mas não há dúvida de que essa energia veio a ele ou estava com ele quase constantemente.

EB: Você acha que Krishnamurti tinha um sentimento particular quanto a Ojai?

EL: Eu acho que ele teve um sentimento especial, considerando seu alcance. Mas sempre achei que Krishnamurti era alguém muito impessoal. Ele não tinha as mesmas reações sentimentais com pessoas e lugares. Acho que ele tinha muita compaixão e sensibilidade, mas não diria que havia qualquer coisa sentimental nele.

Krishnamurti permaneceu distante da atmosfera de acusações legais e contra-acusações. No caso de perguntas serem feitas, ele responderia conforme necessário, mas nunca houve qualquer envolvimento emocional ou hostilidade pessoal.

No entanto, a Fundação Krishnamurti na Inglaterra achou necessário emitir uma declaração esclarecendo a questão para seus leitores no Boletim #3, edição de verão de 1969, conforme a seguir:

Muitas pessoas escreveram para nós expressando preocupação com a desassociação de Krishnamurti da Krishnamurti Writings Inc. e perguntando a razão disso. Krishnamurti considera que o público deve ser informado, pois nos últimos quarenta anos apoiaram seu trabalho e fizeram contribuições substanciais à Krishnamurti Writings Inc. em consideração a ele.

Nos últimos dez anos, Krishnamurti pediu repetidamente a Rajagopal, presidente da Krishnamurti Writings Inc., que o informasse e consultasse sobre suas políticas e assuntos. Rajagopal, de forma consistente, recusou-se a fazê-lo e negou a Krishnamurti o acesso a seus próprios manuscritos e arquivos na Krishnamurti Writings Inc. Além disso, Krishnamurti recentemente tomou conhecimento de que ao longo dos anos foram feitas mudanças na Krishnamurti Writings Inc., excluindo-o de todos os assuntos. Krishnamurti tentou por várias vezes resolver as questões de maneira amigável com Rajagopal e os membros do Conselho da KWInc., mas sem sucesso.

Ele lamenta muito que tenha sido necessário recorrer novamente a fundos, mas o dinheiro doado à Krishnamurti Writings Inc. para seu trabalho está atualmente preso a esta organização, não estando à sua disposição.

Todas as medidas foram tomadas na formação da Fundação Krishnamurti e da Fundação Krishnamurti da América para garantir que problema semelhante não venha a acontecer no futuro.

Havia alguns aspectos da vida de Krishnamurti sobre os quais ele raramente falava. No entanto, em algumas ocasiões ele falou sobre poderes de cura.