Benjamin Weinniger

PSIQUIATRA, SANTA BARBARA, CALIFÓRNIA

 

BW: Em 1946, eu apresentei Krishnamurti para todos psicanalistas da Sociedade Psicanalista de Washington. Ele passou uma semana em minha casa e fez comunicações todos os dias. As pessoas presentes ficaram muito impressionadas com ele, entre elas Harry Stack Sullivan, Eric Fromm, David Rioch e Margaret Rioch. Durante esse período, Karen Horney me convidou para ir a Nova Iorque. Passei duas horas com ela conversando sobre os ensinamentos de Krishnamurti, e ela não apenas ficou impressionada, mas também viu a semelhança entre os ensinamentos dele e de toda sua escola, o grupo Karen Horney de psicanalistas. Eles se interessaram e começaram a escrever sobre os ensinamentos de Krishnamurti. Mais tarde, David Shainberg e todo seu grupo de psicanalistas do círculo de Karen Horney passaram a estudar os ensinamentos de Krishnamurti. Ele costumava ir lá todo ano para participar de diversos diálogos com os analistas. Eles ainda estão envolvidos, de uma maneira ou de outra. Um dos analistas abandonou completamente a psicanálise e virou artista. Esse foi um dos efeitos importantes.

Evelyn Blau: Krishnamurti foi capaz de expor com clareza sua visão sobre a mente humana para os psicanalistas?

BW: As percepções de Krishnamurti sobre a mente humana eram mais claras do que de qualquer pessoa que conheci. Era óbvio para mim que ele tinha um melhor entendimento, e quando eu o levei para Washington, e ele conversou com os psicanalistas, eles me perguntaram, “Como sabia que nos interessaríamos por Krishnamurti?” Falei que era óbvio para mim que seria esse o caso. Eles ficaram muito interessados, ​e isso também afetou a atuação profissional deles e suas vidas.

EB: Krishnamurti deve ter estado ansioso por essas reuniões.

BW: Bem, eu vi Krishnamurti com medo, e acho importante descrever as circunstâncias em que isso aconteceu. Quando ele estava conversando com psiquiatras e psicanalistas pela primeira vez em Washington, ele veio até mim tremendo de medo. Ele disse, “Estou com medo”. Tentei tranquilizá-lo de que ficaria tudo bem. Então, quando começou o diálogo, percebi que ele era capaz de superar o medo. Ele se permitiu experimentar o medo completamente e depois deixá-lo de lado. A maioria de nós não faz isso, ficamos com os medos em vez de deixá-los ir. É isso que ele quer dizer quando diz, “Não tenho medo.” Também perguntei a ele, “Você teria medo se estivesse morrendo?” E ele disse, “Eu não sei. Eu teria que ver, teria que estar ciente para saber se estou com medo.”

EB: Havia uma área em particular de interesse especial para o grupo?

BW: Recentemente, psicanalistas e psiquiatras têm apresentado um interesse considerável por atividades auto-centradas e, na verdade, a atividade auto-centrada é algo sobre o qual Krishnamurti falou em toda a sua vida, e talvez os psiquiatras estejam começando a entender.

É um ponto muito importante. A maioria de nós, quando feridos profundamente durante a infância, terá maior dificuldade em interromper a atividade auto-centrada. Outra maneira de chamar é de autoenvolvimento excessivo. É mais fácil fazer isso na medida em que se teve uma infância agradável ou boa. Assim é mais fácil abandonar a atividade auto-centrada. Caso contrário, é mais difícil. Algumas pessoas nunca se libertam disso.

EB: Existe algum foco especial em saúde mental hoje em dia?

BW: Os psicanalistas hoje em dia enfatizam a importância do amor. Até mesmo Freud enfatizou a importância do trabalho e do amor. Mas hoje eles enfatizam a importância do amor ainda mais. A maioria dos psicanalistas e psiquiatras tem uma visão mais limitada do amor, e sinto que eles não se aprofundam suficientemente. Eles param pouco antes de chegar ao ponto. Se uma pessoa não encontra o despertar e o entendimento espiritual de si como um todo, então é um trabalho incompleto. O trabalho da maioria dos psiquiatras e psicanalistas, em minha opinião, é incompleto, e a influência de Krishnamurti foi capaz de me ajudar a ir mais longe em minha própria vida do que eu teria conseguido sem ele.

EB: Sobre o que você acha que Krishnamurti estava realmente falando?

BW: Quando tive minhas conversas particulares com Krishnamurti, ele me conversou comigo sobre o que achava que estava falando. Psicologia, filosofia e religião, é sobre isso que ele falava, todos os três. Não é apenas um tema, estão todos relacionados, interrelacionados. Não é possível separá-los. Os psicanalistas, os psicanalistas modernos, pensam que sem a filosofia não há psicanálise. Esse é o começo, a orientação filosófica.

EB: Houve mudança na sua prática devido a seu interesse por Krishnamurti?

BW: Nos primeiros cinco anos de meu treinamento eu praticava psicanálise freudiana regular, mas depois que terminei o treinamento vi meu interesse se voltando novamente pelo método de ensino de Krishnamurti. A mudança ocorreu em parte na medida em que eu desenvolvia um relacionamento com a pessoa, com o paciente. Eu não era tão impessoal e não hesitava em falar sobre minha filosofia e compartilhá-la com os pacientes. Eu frequentemente lhes entregava panfletos de Krishnamurti para lerem e acho que tive muito impacto assim. Muitos deles ficaram muito interessados ​​e seguiram os ensinamentos. Meu trabalho psicanalítico foi criticado por estar tão relacionado a Krishnamurti, mas continuei ensinando. Muitas das coisas que aconteceram comigo e com meus pacientes foram realmente não verbais. O sentimento entre nós é o que transpassa. Há um elemento no que diz respeito à prática e esse é um ponto que aprendi com Krishnamurti. A natureza condenadora que tenho é muito forte, e aprendi ao longo dos anos a ter consciência dessa minha natureza. Parecia impaciência, porque eles sentiam que estavam sendo condenados diariamente ao chegarem ao meu escritório e ao mundo em geral. Mais tarde, quando chegavam ao meu consultório, sentiam que alguém aqui não estava condenando a eles, e assim deixavam o consultório praticamente como eu costumava deixar Krishnamurti.

EB: Ao longo de sua vida, Krishnamurti enfatizou a liberdade, a liberdade psicológica. Qual é a sua opinião quanto a essa ênfase?

BW: Muitos psicólogos não acreditam que exista liberdade psicológica. Eles acham que somos condicionados, que somos vítimas de nosso passado e que ninguém é psicologicamente livre. Os não-psicólogos às vezes dizem que, se houver apenas uma pessoa no mundo além de você, você não será livre para fazer o que quiser, a outra pessoa não vai deixar você fazer o que quiser. Porém, Krishnamurti não fala sobre esse tipo de liberdade, ele fala sobre liberdade psicológica, o que geralmente é muito confuso. Fazemos parte de todo nosso passado, mas podemos ser livres psicologicamente. Temos dificuldade em entender Krishnamurti porque ele frequentemente fala de liberdade psicológica, morte psicológica, final psicológico, o que tecnicamente não quer dizer final. Psicologicamente livre significa estar livre de condicionamentos passados.

EB: A maioria das religiões e filosofias vê a importância do autoconhecimento. Qual é a chave para a autocompreensão?

BW: A chave para a autocompreensão na psicanálise baseia-se na revelação da história do passado, e Krishnamurti destaca um ponto muito importante, um tanto diferente. O ponto chave, da forma como ele vê, é estar ciente de nossas reações. Geralmente, as imagens que temos do modo como as coisas deveriam ser estão sendo constantemente ameaçadas e, quando nossa imagem é ameaçada em qualquer área, reagimos, e às vezes reagimos com raiva ou mágoa. Essas reações vêm sempre de nosso passado. Assim, é possível entender nosso passado compreendendo nossas reações, em vez de nos aprofundarmos na história passada.

EB: Você pode descrever Krishnamurti, tanto o homem quanto seu ensino?

BW: Em minha experiência, não há como descrever Krishnamurti através de palavras. Podemos dizer que era um professor do mundo ou que era um grande psicólogo, filósofo e um grande professor religioso, e isso não transmitiria nada à outra pessoa. Em meu vocabulário limitado, não há como descrever Krishnamurti a não ser através da leitura de seus ensinamentos. É possível perceber um pouco disso através dos filmes e das gravações, assim é possível sentir Krishnamurti sem lê-lo. Mas acho que não seria possível transmitir isso para ninguém, não em palavras. Sua presença era muito poderosa, o que ele transmitiu para mim era realmente o tipo de pessoa que ele foi, de modo que quando o vi em 1945 para uma série de palestras, ele chegou atrasado para o compromisso, cinco minutos, saiu para  me dizer que estava atrasado, apertou a minha mão e saiu rapidamente. O impacto de suas mãos trêmulas, sua presença foi tão vibrante que, depois que ele saiu, senti que estava pronto para ir para casa. Foi um impacto tão forte. Sua presença é o que é comunicado, e muitas pessoas que ouvem as palestras nem se lembram do que ele disse. Alguns deles se lembram e são capazes de falar sobre isso, mas muitos não conseguem porque o que é comunicado por Krishnamurti é algo não verbal, a parte sagrada, a parte silenciosa é comunicada, o que é principalmente não-verbal, e é a isso que as pessoas reagem, mesmo que eles não entendam nada do que ele disse.