2ª palestra 

Stresa, Itália 

Interrogante: Diz-se que na realidade o senhor está a acorrentar o indivíduo, não a libertá-lo. Isso é verdade?

Krishnamurti: Depois que eu responder a essa pergunta, você próprio poderá descobrir se estou a libertar o indivíduo ou a acorrentá-lo.

Tomemos o indivíduo tal como ele é. O que queremos dizer com indivíduo? Uma pessoa que é controlada e dominada pelos seus medos, pelas suas decepções, pelos seus desejos, uma pessoa que cria um determinado conjunto de circunstâncias que a escraviza e a força a ajustar-se numa estrutura social. É isso o que queremos dizer com indivíduo. Através dos nossos medos, das nossas superstições, das nossas vaidades e dos nossos desejos, criamos um determinado conjunto de circunstâncias ao qual nos escravizamos. Quase perdemos a nossa individualidade, a nossa singularidade. Quando você examinar a sua ação na vida quotidiana, verá que ela é apenas uma reação a um conjunto de padrões, uma série de ideias.

Por favor, acompanhem o que estou dizendo, e não digam que eu estimulo o homem a libertar-se para que ele possa fazer o que quiser, para que ele possa causar destruição e desastre.

Antes de mais nada quero esclarecer que somos apenas reações a um conjunto de padrões e ideias que criamos através do nosso sofrimento e medo, através da nossa ignorância, do nosso desejo de posse. Chamamos essa reação de “ação individual”, mas para mim, isso não é ação de forma alguma. É uma reação constante em que não há ação positiva.

Colocarei a questão de outra forma. Atualmente, o homem é apenas o vazio da reação, nada mais. Ele não age a partir da totalidade da sua natureza, da sua completude, da sua sabedoria; ele age meramente a partir de uma reação. Eu afirmo que o caos, a destruição total, está a acontecer no mundo porque não estamos agindo a partir da nossa completude, mas a partir do nosso medo, a partir da nossa falta de compreensão. Uma vez que nos tornemos conscientes do facto de que o que chamamos de individualidade é apenas uma série de reações em que não há totalidade de ação; uma vez que compreendamos isso, que essa individualidade é apenas uma série de reações em que há um vazio contínuo, um vácuo, então agiremos harmoniosamente. Como vamos descobrir o valor de um determinado padrão a que nos agarramos? Vocês não descobrirão agindo em oposição a esse padrão, mas pesando e equilibrando o que vocês realmente pensam e sentem em relação ao que esse padrão exige. Vocês descobrirão que o padrão exige determinadas ações, ao passo que sua própria ação instintiva tende para outra direção. Então, o que farão? Se fizerem o que o seu instinto requer, a sua ação levará ao caos, porque os nossos instintos foram pervertidos através dos séculos no que chamamos de “educação” – “educação” essa que é inteiramente falsa. O seu próprio instinto exige um tipo de ação, mas a sociedade que nós, individualmente, criamos ao longo dos séculos, sociedade na qual nos tornamos escravos, exige outra espécie de ação. E quando vocês agem de acordo com o conjunto de padrões exigidos pela sociedade, vocês não estão agindo através da completude da compreensão.

Na realidade, meditando sobre as exigências dos seus instintos e sobre as exigências da sociedade, vocês descobrirão como poderão agir com sabedoria. Essa ação liberta o indivíduo, não o acorrenta. Mas a libertação do indivíduo requer grande seriedade, grande procura na profundidade da ação; não é o resultado de uma ação nascida de um impulso momentâneo.

Portanto, devem reconhecer o que são agora. Por mais bem educados que vocês sejam, vocês são apenas parcialmente um verdadeiro indivíduo, a maior parte de vocês é determinada pela reação à sociedade que vocês criaram. Vocês são apenas uma engrenagem em uma tremenda máquina que vocês chamam de sociedade, de religião, de política, e enquanto vocês forem essa engrenagem, a sua ação nasce da limitação; leva apenas à desarmonia e ao conflito. Foi sua ação que resultou em nosso caos atual. Mas se você agisse por sua própria completude, você descobriria o verdadeiro valor da sociedade e o instinto que causa sua ação; então sua ação seria harmoniosa, não um compromisso.

Primeiramente, então, devem tornar-se conscientes dos falsos valores que foram estabelecidos através dos séculos e dos quais vocês se tornaram escravos; vocês devem se tornar conscientes dos valores para descobrir se são falsos ou verdadeiros, e isso devem fazê-lo por si próprios. Ninguém o pode fazer por vocês – e aqui reside a grandeza e a glória do homem. Assim, ao descobrir o correto valor dos padrões, vocês libertam a mente dos falsos padrões transmitidos através dos tempos. Mas tal libertação não significa ação impetuosa e instintiva que leva ao caos; significa ação nascida da total harmonia de mente e coração.

Interrogante: O senhor nunca viveu a vida de um homem pobre; você sempre teve a segurança invisível dos seus amigos ricos. Você fala da absoluta abdicação de qualquer tipo de segurança na vida, mas milhões de pessoas vivem sem essa segurança. O senhor diz que não se pode perceber aquilo que não se experimentou; consequentemente, o senhor não pode saber o que a pobreza e a insegurança física realmente são.

Krishnamurti: Essa é uma pergunta que frequentemente me fazem; já respondi muitas vezes, mas vou responder de novo.

Primeiramente, quando falo de segurança, quero dizer a segurança que a mente estabelece para seu próprio conforto. Segurança física, algum grau de conforto físico, o homem deve ter para existir. Portanto, não confundam as duas. Agora, cada um de vocês procura não só uma segurança física, mas também uma segurança mental, e nessa procura estão a estabelecer autoridades. Quando vocês compreendem a falsidade da segurança que procuram, então essa segurança deixa de ter qualquer valor; então vocês compreendem que, embora deva haver um mínimo de segurança física, mesmo essa segurança pode ter pouco valor. Então, vocês já não concentram mais toda sua mente e seu coração na aquisição constante de segurança física.

Colocarei a questão de forma diferente e espero que fique clara; mas qualquer coisa que se diga pode ser facilmente mal interpretada. É preciso passar pela ilusão das palavras para descobrir o pensamento que o outro deseja transmitir. Espero que tentem fazer isso durante esta conversa.

Eu digo que sua busca pela virtude, que é apenas o oposto daquilo que vocês chamam de “vício”, é simplesmente uma busca por segurança. Porque vocês têm um conjunto de padrões na sua mente, vocês procuram a virtude pela satisfação que dela conseguem; pois para vocês a virtude é apenas um meio para adquirir segurança. Vocês não tentam adquirir virtude pelo seu valor intrínseco, mas pelo que ela lhes dá em troca. As suas ações, portanto, estão apenas relacionadas com a busca pela virtude; em si próprias, elas não têm valor. A sua mente está constantemente à procura da virtude para obter, através dela, alguma coisa, e assim a sua ação é sempre um trampolim para alguma aquisição posterior.

Talvez a maioria de vocês aqui esteja buscando uma segurança espiritual em vez de física. Você procura segurança espiritual, porque já possui segurança física – uma grande conta bancária, uma posição segura, um lugar alto na sociedade – ou porque não pode alcançar a segurança física e, portanto, recorre à segurança espiritual como substituto. Mas, para mim, não existe segurança, um abrigo no qual sua mente e emoção possam se confortar. Quando vocês compreenderem isso, quando sua mente estiver livre da ideia de conforto, então não se apegarão à segurança como fazem agora.

Vocês me perguntam como posso entender a pobreza se não a experimentei. A resposta é simples. Como não procuro segurança física nem mental, não tem qualquer importância para mim se são os meus amigos que me dão comida ou se trabalho para isso. É de muita pouca importância para mim se viajo ou não viajo. Se me pedem, venho; se não me pedem, não faz qualquer diferença para mim. Porque eu sou rico em mim mesmo (e não digo isso com vaidade), porque não procuro segurança, tenho poucas necessidades físicas. Mas se eu procurasse o conforto físico, eu daria ênfase às necessidades físicas, daria ênfase à pobreza.

Olhemos para isso de uma maneira diferente. A maioria das nossas desavenças no mundo dizem respeito à posse ou não posse; elas estão preocupadas com a aquisição disto e a proteção daquilo. Agora, por que damos tanta ênfase à posse? Fazemos isso, porque a posse nos dá poder, prazer, satisfação; dá-nos uma certa garantia de individualidade e proporciona-nos margem de manobra para a nossa ação, para a nossa ambição. Colocamos ênfase na posse devido ao que dela obtemos.

Mas se nos tornarmos ricos em nós mesmos, então a vida fluirá através de nós harmoniosamente; então a posse ou a pobreza já não serão de grande importância para nós. Porque colocamos ênfase na posse, perdemos a riqueza da vida; ao passo que, se fossemos completos em nós mesmos, descobriríamos o valor intrínseco de todas as coisas e viveríamos em harmonia de mente e coração.

Interrogante: Foi dito que você é a manifestação de Cristo nos nossos tempos. O que você tem a dizer sobre isso? Se é verdade, por que você não fala de amor e compaixão?

Krishnamurti: Meus amigos, por que fazem tal pergunta? Por que perguntam se sou a manifestação de Cristo? Vocês perguntam porquê querem que eu lhes assegure que sou Cristo ou não, para que possam julgar o que digo de acordo com o padrão que vocês têm. Há duas razões pelas quais vocês fazem essa pergunta: vocês pensam que sabem o que é o Cristo e, por isso, dizem: “Eu agirei de acordo com isso”; ou, se eu disser que sou o Cristo, então pensarão que o que digo deve ser verdade. Não estou fugindo da pergunta, mas não vou dizer quem sou. Isso é de muita pouca importância e, além disso, como vocês podem saber o que ou quem eu sou, mesmo que eu lhes diga? Tal especulação é de muita pouca importância. Portanto, não nos preocupemos com quem eu sou, mas vejamos o motivo de você fazer essa pergunta.

Vocês querem saber quem eu sou, porque não têm certeza sobre si próprios. Não estou a dizer se sou ou não o Cristo. Não lhes estou a dar uma resposta categórica, porque para mim a pergunta não é importante. O que é importante é se o que eu estou a dizer é verdade, e isso não depende do que eu sou. É algo que só poderão descobrir ao libertarem-se de preconceitos e padrões. Vocês não podem obter a verdadeira liberdade de preconceitos olhando para uma autoridade, trabalhando para um fim, no entanto é isso que estão a fazer; espertamente, diligentemente, vocês estão procurando uma autoridade, e nessa busca vocês estão apenas se transformando em máquinas imitativas.

Vocês perguntam porquê não falo de amor, de compaixão. A flor fala do seu perfume? Ela simplesmente é. Eu falei sobre o amor; mas para mim o importante não é discutir o que é o amor ou a compaixão, mas libertar a mente de todas as limitações que impedem o fluxo natural do que chamamos de amor e compaixão. O que é amor, o que é compaixão, você mesmo saberá quando sua mente e seu coração estiverem livres da limitação que chamamos de egoísmo, ego, então você saberá sem perguntar, sem discutir. Vocês me questionam agora, porque pensam que depois podem agir em conformidade com o que descobrirem de mim, que então terão uma autoridade para sua ação.

Portanto, digo novamente, a verdadeira questão não é porque não falo sobre o amor e a compaixão, mas antes, o que impede a vida natural e harmoniosa do homem, a completude de ação que é o amor. Falei sobre as muitas barreiras que impedem a nossa vida natural e expliquei que tal vida não significa ação instintiva e caótica, mas uma vida rica e plena. A vida rica e natural tem sido impedida por séculos de conformidade, por séculos do que chamamos de “educação”, que não tem sido mais que um processo de produção de tantas máquinas humanas. Mas quando vocês compreendem a causa desses obstáculos e barreiras que vocês criaram para si próprios através do medo em sua busca por segurança, então tornam-se livres deles; então há amor. Mas essa é uma compreensão que não pode ser discutida. Nós não discutimos sobre a luz do sol. Está lá, sentimos o seu calor e percebemos a sua beleza penetrante. Somente quando o sol está escondido é que discutimos sobre a sua luz. Da mesma forma acontece com o amor e a compaixão.

Interrogante: Você nunca nos deu uma concepção clara sobre o mistério da morte e da vida após a morte, mas você fala constantemente de imortalidade. Certamente, você acredita em vida após a morte?

Krishnamurti: Vocês querem saber categoricamente se existe ou não aniquilação após a morte, essa é a abordagem errada do problema. Espero que vocês acompanhem o que vou dizer, visto que de outra maneira a minha resposta não ficará clara para vocês e vocês pensarão que não respondi à pergunta. Por favor, interrompam-me se não compreenderem.

O que vocês querem dizer quando falam da morte? A sua dor pela morte de alguém, e o medo da sua própria morte. A dor é despertada pela morte de alguém. Quando seu amigo morre, vocês se tornam conscientes da solidão, porque confiavam nele, porque vocês e ele se complementaram, porque se compreenderam, apoiaram e encorajaram um ao outro. Portanto, quando seu amigo morre, vocês têm consciência do vazio; vocês querem aquela pessoa de volta para preencher a parte em sua vida que ela ocupou antes.

Vocês querem o seu amigo novamente, mas uma vez que não o podem ter, voltam-se para várias ideias intelectuais, para vários conceitos emocionais, que pensam que lhes darão satisfação. Vocês contam com essas ideias para consolo, para conforto, em vez de descobrir a causa do seu sofrimento e de se libertarem eternamente da ideia da morte. Vocês se voltam para uma série de consolações e satisfações que gradualmente diminuem o seu intenso sofrimento; contudo, quando a morte retorna, vocês voltam a experimentar o mesmo sofrimento outra vez.

A morte vem e lhes causam dor intensa. Aquele que vocês amam muito se foi e a sua ausência acentua sua solidão. Mas, em vez de procurarem a causa dessa solidão, vocês tentam escapar dela através de satisfações mentais e emocionais. Qual é a causa dessa solidão? A confiança em outro, a incompletude da sua própria vida, a tentativa contínua de evitar a vida. Vocês não querem descobrir o valor real dos factos; em vez disso, vocês atribuem um valor ao que é apenas um conceito intelectual. Assim, a perda de um amigo lhes causa sofrimento, porque essa perda os torna totalmente conscientes da sua solidão. Depois, há o medo da sua própria morte. Quero saber se viverei depois da minha morte, se reencarnarei, se existe uma continuação para mim de alguma forma. Preocupam-me essas esperanças e esses medos, porque não conheci nenhum momento de riqueza durante a minha vida; não conheci nenhum dia sem conflito, nenhum dia em que me senti completo, como uma flor. Por isso, tenho esse desejo intenso de realização, um desejo que envolve a ideia de tempo.

O que queremos dizer quando falamos sobre o “eu”? Vocês só tomam consciência do “eu” quando estão presos no conflito da escolha, no conflito da dualidade. Nesse conflito, vocês tomam consciência de si próprios e se identificam com um ou com outro, e dessa contínua identificação resulta a ideia do “eu”. Por favor, considerem isso com seu coração e sua mente, visto que não é uma ideia filosófica que pode ser simplesmente aceitada ou rejeitada.

Eu digo que através do conflito da escolha, a mente estabeleceu uma memória, muitas camadas de memória; ela identificou-se com essas camadas e chama a si própria de “eu”, o ego. E daí surge a questão: “O que acontecerá comigo quando eu morrer? Terei uma oportunidade de viver outra vez? Existe uma realização futura?” Para mim, essas questões nascem do desejo e da confusão. O que é importante é libertar a mente desse conflito de escolha, pois somente quando vocês se libertarem poderá existir imortalidade.

Para a maioria das pessoas, a ideia de imortalidade é a continuação do “eu”, sem fim, através do tempo. Mas eu digo que tal conceito é falso. Então, vocês respondem: “Portanto, deve haver aniquilação total”. Eu digo que isso também não é verdade. A sua crença de que a aniquilação total deve ser a cessação da consciência limitada que chamamos de “eu” é falsa. Vocês não podem entender a imortalidade dessa forma, visto que sua mente está presa em opostos. A imortalidade está livre de todos os opostos; é uma ação harmoniosa na qual a mente está totalmente liberta do conflito do “eu”.

Eu digo que há imortalidade, imortalidade essa que transcende todas as nossas concepções, teorias e crenças. Somente quando vocês tiverem a compreensão individual total dos opostos é que ficarão livres deles. Enquanto a mente criar conflito através da escolha, deve existir consciência como memória que é o “eu”, e é o “eu” que teme a morte e anseia pela sua continuação. Por isso, não existe a capacidade para compreender a completude de ação no presente, que é a imortalidade.

Um certo brâmane, de acordo com uma antiga lenda indiana, decidiu distribuir algumas das suas posses na realização de um sacrifício religioso. Agora, esse brâmane tinha um filho pequeno que observava o seu pai e o fazia muitas perguntas até que o seu pai se aborreceu. Por fim, o filho perguntou: “A quem você vai me dar?” E o pai respondeu com raiva: “Eu te darei à morte”. Agora, dizia-se nos tempos antigos que tudo que fosse dito tinha que ser realizado; então o brâmane teve que enviar o seu filho para a morte, de acordo com suas palavras precipitadas. Enquanto o menino se dirigia para a casa da Morte, ele ouviu o que muitos professores tinham a dizer sobre a morte e sobre a vida após a morte. Quando chegou à casa da Morte, descobriu que a Morte estava ausente; então ele esperou três dias sem comer, de acordo com um antigo costume que proibia comer na ausência do anfitrião. Quando finalmente a Morte chegou, ela se desculpou humildemente por ter deixado um brâmane esperando e, como sinal de arrependimento, concedeu ao menino três desejos.

Como primeiro desejo, o menino pediu para ser devolvido ao pai, no segundo, pediu que fosse instruído em certos ritos cerimoniais. Mas o terceiro desejo do menino não foi um pedido, mas uma pergunta: “Diga-me Morte, a verdade sobre a aniquilação. Dos professores que ouvi no meu caminho para cá, alguns dizem que há aniquilação; outros dizem que existe continuidade. Diga-me Morte, o que é verdade?” “Não me faça essa pergunta”, replicou a Morte. Mas o menino insistiu. Então, em resposta à pergunta, a Morte ensinou ao menino o significado da imortalidade. A morte não lhe disse se há continuidade, se há vida após a morte ou se há aniquilação; a Morte ensinou-lhe antes o significado da imortalidade.

Vocês querem saber se existe ou não continuidade. Alguns cientistas estão provando agora que existe. As religiões afirmam isso, muitas pessoas acreditam nisso, e vocês podem acreditar se quiserem. Mas, para mim, isso é de pouca importância. Sempre existirá conflito entre a vida e a morte. Somente quando vocês conhecerem a imortalidade é que não haverá começo nem fim; só então a ação implica realização, e somente então ela é infinita. Por isso, digo novamente, a ideia da reencarnação é de pouca importância. No “eu” não há nada que dure; o “eu” é composto por uma série de memórias que envolvem conflito. Você não pode tornar esse “eu” imortal. Toda a sua base de pensamento é uma série de conquistas e, por isso, um contínuo esforço, uma contínua limitação da consciência. Ainda assim, você espera realizar a imortalidade, sentir o êxtase do infinito. Eu afirmo que a imortalidade é a realidade. Vocês não podem discutir isso; vocês podem conhecê-la em sua ação, ação nascida da completude, da riqueza da sabedoria; mas essa completude, essa riqueza, vocês não podem alcançá-la ouvindo um guia espiritual ou lendo um livro de instrução. A sabedoria vem somente quando há completude de ação, quando há completa consciência de todo o seu ser em ação; então vocês verão que todos os livros e professores que pretendem guiá-lo para a sabedoria não lhes podem ensinar nada. Vocês podem conhecer o que é imortal, eterno, somente quando sua mente estiver livre de todo senso de individualidade que é criado pela consciência limitada, que é o “eu”.

Interrogante: Quais são as causas dos desentendimentos que nos fazem fazer perguntas em vez de agir e viver?

Krishnamurti: É bom questionar, mas como vocês recebem as respostas? Vocês fazem uma pergunta e recebem uma resposta. Mas o que vocês fazem com essa resposta? Vocês me perguntaram o que há após a morte, e eu lhes dei minha resposta. Agora, o que vocês vão fazer com essa resposta? Vão armazená-la em qualquer canto do seu cérebro e deixá-la permanecer lá? Vocês têm celeiros intelectuais nos quais reúnem ideias que vocês não compreendem, mas que vocês esperam que lhes sirvam em problemas e sofrimentos. Mas se compreenderem, se vocês se entregarem de coração e mente ao que eu digo, então agirão; então a ação nascerá de sua própria completude.

Agora, há duas maneiras de fazer uma pergunta, você pode fazer uma pergunta quando está na intensidade do sofrimento ou pode fazer uma pergunta intelectualmente, quando está entediado e à vontade. Num dia querem saber intelectualmente, em outro dia vocês perguntam porquê sofrem e querem saber a razão do sofrimento. Vocês só podem realmente saber quando questionarem na intensidade do sofrimento, quando não desejarem escapar do sofrimento, quando o enfrentarem face a face; somente então saberão o valor da minha resposta, o seu valor humano para o homem.

Interrogante: O que é que quer dizer exatamente com ação sem objetivo? Se é a resposta imediata de todo o nosso ser em que objetivo e ação são um só, como pode a ação do nosso quotidiano ser sem objetivo?

Krishnamurti: Você mesmo deu a resposta à pergunta, mas a deu sem perceber. O que você fará em sua vida quotidiana sem um objetivo? Em sua vida diária você pode ter um plano. Mas quando você experimenta um sofrimento intenso, quando você é pego em uma grande crise que exige uma decisão imediata, então você age sem objetivo; então não há motivo em sua ação, porque você está tentando descobrir a causa do sofrimento com todo o seu ser. Mas a maioria de vocês não está predisposta a agir integralmente. Você está constantemente tentando fugir do sofrimento, você tenta evitar o sofrimento; você não quer confrontá-lo.

Explicarei o que quero dizer de outra forma. Se você for um cristão, você olha para a vida de um ponto de vista particular; se você é um hindu, você olha para ela de outro ângulo. Em outras palavras, o fundo de sua mente colore sua visão da vida, e tudo o que você percebe é visto somente através dessa visão colorida. Assim, você nunca vê a vida como ela realmente é; você olha para ela somente através de uma tela de preconceito e, portanto, sua ação deve ser sempre incompleta, deve ter sempre um motivo. Mas se sua mente estiver livre de todos os preconceitos, então você encontra a vida como ela é; então você encontra a vida integralmente, sem a busca de uma recompensa ou a tentativa de fugir do castigo.

Interrogante: Qual é a relação entre técnica e vida, e por que é que a maior parte de nós confunde uma com a outra?

Krishnamurti: A vida, a verdade, é para ser vivida, mas a expressão requer uma técnica. Agora, para pintar, vocês precisam aprender uma técnica, mas um grande artista, se sentisse a chama do impulso criativo, não seria escravo da técnica. Se vocês forem ricos interiormente, sua vida é simples. Mas vocês querem chegar a essa completa riqueza por meios externos tais como a simplicidade no vestir, a simplicidade na habitação, através do ascetismo e da autodisciplina. Em outras palavras, vocês querem obter a simplicidade que resulta da riqueza interior através de técnicas. Não existe técnica que os guie à simplicidade; não existe caminho que os conduza à terra da verdade. Quando compreenderem isso com todo o seu ser, então a técnica tomará o seu devido lugar na sua vida.

08/07/1933