Asha Lee

PEDIATRA, OJAI, CALIFORNIA

AL: Eu levei minha mãe para ouvir e ver Krishnamurti pela primeira vez em Nova Delhi, quando eu ainda era apenas uma estudante de medicina. Quando ouvi Krishnamurti tive um forte sentimento de compreensão da verdade sobre a qual ele falava. A simplicidade e a beleza do que ele disse me tocaram.

Evelyn Blau: Quando foi isso, Asha?

AL: Em 1964. Foi quando eu comecei a frequentar suas conferências. Nunca perdi nenhuma delas. Eu costumava fazer meu trabalho no hospital e depois ir ouvi-lo no clube da Constituição. Eu chegava pela porta dos fundos do auditório e entrava sorrateiramente, porque costumava chegar bem no momento em que ele começava a falar. Eu ficava no fundo, o escutava, e assim que acabava eu saia e pegava o ônibus para casa.

Durante uma viagem por Andhra Pradesh, em 1965, visitei a escola em Rishi Valley. Aquela viagem foi quase uma peregrinação, pois eu havia escutado Krishnamurti em algumas ocasiões e depois visitei aquele lugar. Era tão bonito, intocado. Havia uma escola no meio do vale em meio a algumas vilas e montanhas. Era semelhante a Ojai, rochosa, com o vale se espalhando entre as colinas. Passei entre uma semana e dez dias no vale. Era tudo tranquilo e bonito. Então voltei e fiz minha pós-graduação antes de ir para a Inglaterra, onde trabalhei com pediatria. Ao voltar para a Índia, me casei, visitei Rishi Valley e fui morar lá, em março de 1969. Em novembro, Krishnaji chegou. Foi um período muito bonito para mim.

E B: Quando você voltou para Rishi Valley, você o fez já pensando em morar lá?

A L: Sim, eu fui para morar lá. Eu me tornei a médica da escola. Rapidamente os moradores dos vilarejos da região descobriram que eu era médica e começaram a me procurar para consultas. Eu abri uma clínica para os moradores locais, os alunos e os funcionários da escola.

A escola tinha muitos jardins. Assim, eu me encantava por cuidar das flores do apartamento de Krishnaji quando ele chegava. Bem cedinho, às 4h, ou no fim da tarde quando o sol já havia se posto, costumava caminhar pelos jardins e cortar as flores para que estivessem sempre novas. Se eu as cortasse à noite, as colocaria em vasos de água para conservá-las até de manhã.  Eu buscava ir até o apartamento de Krishnaji antes que ele acordasse para agradá-lo com flores novas. Eu subia os degraus na ponta dos pés com vasos de flores novas, retirava os vasos de flores velhas de cada cômodo e os levava para a entrada da varanda ocidental. Havia luz suficiente da manhã, assim eu não precisava acender nenhuma luz. Eu me sentava na entrada e organizava as flores. Eu as colocava em diferentes partes dos cômodos e então voltava para nossa casa, que ficava ao lado.

E B: Krishnamurti sabia que você fazia isso?

A L: Eu também ia lá mais tarde levar papel de carta, lápis e suco para o apartamento. Bem, o que aconteceu depois de dois ou três dias foi que, quando eu entrei, eles estavam tomando café da manhã e o diretor, Dr. Balasundaram, disse, “Entre e tome café conosco.” Eu o fiz, e ele disse para Krishnaji, “Essa é Asha. É ela quem cuida das flores e leva o suco de manhã.” Assim ele percebeu que era eu quem cuidava das flores.

Eu não sei se o incidente que irei contar agora aconteceu antes ou depois deste café da manhã. Uma daquelas manhãs, enquanto eu cuidava das flores, ouvi o barulho de alguém acordando no quarto (que ficava no fundo do grande cômodo onde eu estava arrumando as flores), então eu fiquei quieta. Percebendo que era o quarto de Krishnaji, que talvez ele estivesse se levantando e não soubesse que eu estava lá, não quis assustá-lo ou incomodá-lo, então tentei ser muito silenciosa e interrompi o que eu estava fazendo. Então escutei os chinelos de madeira que ele usava na Índia, aquele modelo da Kharow que tem um pequeno botão entre o dedão e os outros dedos. Quando andamos com esses chinelos de madeira podemos ouvir a madeira batendo no piso. Eu escutei o barulho dos passos dele enquanto ele caminhava em direção ao banheiro. Disse a mim mesma, “Sim, agora ele vai voltar pra cama.” Mas então ele continuou andando e foi para o próximo cômodo, que era como uma sala de espera onde ele tinha reuniões e discussões. Ele passou pelo cômodo e atravessou a varanda em frente a sala de estar na ala leste do apartamento, onde eu estava sentada com as flores ao meu redor. Eu me encolhi na sombra, saindo da área iluminada para não o assustar. Fiquei em silêncio enquanto ele passava em direção à sala de jantar.

O que eu vi foi incrível, pois não foi a figura de Krishnaji que passou. Foi uma figura iluminada incomumente alta. Parecia a figura de Buda, com o mesmo tipo de porte. Essa figura foi em direção à cozinha e voltou pouco tempo depois. Dessa vez, enquanto ela passava pela porta da sala de estar, parou, virou-se e sorriu, como se dissesse, “Sei que está aí.” Eu fiquei apenas sentada, completamente parada. Não consegui compreender de forma alguma. Não havia medo, foi extraordinário. Foi algo muito bonito.

E B: Era o Krishnamurti?

A L: Bem, era o Krishnamurti, porque aquele era o quarto dele. Ele havia vindo de lá, caminhou pelo banheiro dele, pela varanda até a sala de jantar, pela cozinha, e depois retornou. Não havia mais ninguém no apartamento.

E B: Você poderia descrever de que maneira ele parecia diferente?

A L: Krishnaji é uma pessoa muito magra, delicada, de baixa estatura. Essa figura era pelo menos duas vezes mais alta e maior. Era como se houvesse uma luz dentro do corpo. A face era muito pacífica e compassiva, e parecia haver algo acima da cabeça. Uma vez que eu já havia visto imagens de Ajanta e Ellora e de outros lugares, eu fiquei sentado imóvel por algum tempo, então eu peguei minhas coisas rapidamente e desci as escadas em silêncio. Eu tremia sem parar. Contei para meu marido Mark o que eu havia visto e nunca contei para mais ninguém porque era algo tão sagrado que não queria diminuí-lo ao falar sobre o ocorrido. A única pessoa para quem havia contado, até agora, era para o próprio Krishnaji, antes de sua morte. Eu fui vê-lo. Pedi para encontra-lo em particular, como fazia todos os anos. Era uma pergunta muito comovente. Eu disse, “Krishnaji, eu quero te perguntar sobre algo que vi. Não sou uma pessoa supersticiosa, não costumo ter visões. Mesmo que eu veja ou escute algo no escuro, vou e verifico. Me ligo a fatos e realidade.” Contei a ele que estava no apartamento dele anos atrás, pouco após ter me casado e me mudado para Rishi Valley, que estava sentada e tinha visto aquilo. Ele sentou-se com as mãos cruzadas e a cabeça inclinada. Depois que terminei de falar, ele ergueu os olhos e disse, “Você viu algo. Por que você questiona?” Eu disse, “Não estou questionando, porque realmente vi, só estou tentando entender. Pensei que talvez conversar com você trouxesse uma explicação.” Ele disse, “Você viu, não há outra explicação.” Ficamos em silêncio enquanto ele segurava minha mão e então eu me afastei.

Aquele acontecimento em meu primeiro ano em Rishi Valley estabeleceu em mim um relacionamento com Krishnaji. Havia algo além do comum naquela manhã. Quando eu comparecia a suas palestras, sentia que havia a presença de algo extraordinário e tenho certeza que muitas outras pessoas sentiam o mesmo.

E B: Foi mais uma sensação ou um sentimento que você teve, ou você realmente viu ou mesmo percebeu algo diferente na estatura ou aparência dele?

A L: Nunca vi o que vi em Rishi Valley novamente, mas com frequência eu sentia como se houvesse a presença de algo que não era do meu plano, que havia algo extraordinário chegando.

E B: Você já havia tido uma experiência como aquela antes ou mesmo veio a ter após aquela ocasião?

A L: Não, porque eu não frequentava templos, ou me sentava com os outros para cantar e conversar. Eu focava em meus estudos, era muito ligada a realidade. Por isso quis conversar com o Krishnaji, porque eu não conseguia relacionar aquilo com minha realidade.

E B: Mas ele não explicou de verdade.

A L: Ele não explicou, apenas disse que eu havia visto algo, e que se vemos algo, por que devemos questionar aquilo que vemos, que também é uma realidade?

E B: Havia alguma relação entre o que você viu e os ensinamentos de Krishnamurti?

A L: Para mim, seus ensinamentos representam a verdade, uma verdade básica que se relaciona com a vida e o mundo, com o ritmo dela, uma atemporalidade. Talvez alguma coisa nessa atemporalidade tenha sido tocada, e foi isso o que eu vi.