2ª palestra pública

Rajghat, Índia  

Krishnamurti: Podemos continuar com o que estávamos conversando ontem de manhã? Como dissemos, estamos fazendo uma longa viagem juntos em uma ferrovia, uma viagem muito longa pelo mundo inteiro, e essa viagem começou há dois milhões e meio de anos atrás. E durante esse longo intervalo de tempo e distância, tivemos muitas experiências. E essas experiências estão armazenadas em nosso cérebro, conscientemente ou profundamente inconsciente, em camadas profundas dele. E juntos, você e o orador vão examinar, explorar. Não é só o orador que fala, estamos todos conversando juntos, apenas o orador é que está colocando em palavras. E as palavras têm muito significado, não é apenas vocabulário, mas a profundidade, o significado, a definição da palavra. E, como dissemos ontem, você e o orador estão fazendo a viagem juntos, você não pode simplesmente ir dormir. Você não pode simplesmente dizer que sim, concordar ou discordar. Nós entramos nisso. Não estamos concordando ou discordando, estamos apenas olhando para fora da janela, vendo que coisas extraordinárias o homem passou, qual experiência, dor, sofrimento, quais coisas insuportáveis o homem criou para si mesmo e para o mundo. Não estamos tomando partido, a favor ou contra. Por favor, entenda isso com muito cuidado. Não estamos de nenhum lado, seja à esquerda, à direita ou ao centro. Este não é um encontro político, isto não é um entretenimento, é uma reunião séria. A menos que você queira se entreter, você deve ir ao cinema ou futebol, mas esta é uma reunião muito séria para o orador. Ele tem falado em todo o mundo. Infelizmente, ou felizmente, ele pode ter criado uma reputação, e provavelmente você está vindo aqui por causa dessa reputação, mas isso não tem valor algum.

Então, por favor, juntos vamos examinar, sentados naquele trem, fazendo uma viagem infinitamente longa. Não estamos tentando impressioná-lo. Você entendeu? Não estamos tentando forçá-lo a olhar para algo. Estamos olhando para nossa vida diária e todo o histórico de um milhão de anos – vamos mantê-lo em um milhão de anos, isso é bom o suficiente. E é preciso ouvir todos os sussurros, ouvir cada movimento, ver as coisas como elas são, não como você gostaria que fossem, ver realmente o que você vê fora da janela enquanto o trem passa. E você tem que manter-se acordado para ver tudo que está passando, ouvir cada sussurro, ouvir cada som, ver a beleza das colinas, dos rios, o trecho de água e toda a beleza ao seu redor. Vamos conversar um pouco sobre beleza? Isso lhe interessaria? Não diga que sim, esse é um assunto muito sério, como tudo na vida. Então, por favor, provavelmente você nunca perguntou o que é beleza – não a beleza de uma mulher.

Você quer algo, senhor? Isto não está funcionando corretamente. Pobre rapaz! Vamos esperar um minuto? (Pausa) Certo, senhor? Está tudo certo? Podemos continuar? (Risos) Eu não estou brincando. (Em francês) Sinto muito.

Assim, ouvir não apenas os nossos próprios pensamentos, sentimentos, nossas opiniões e julgamentos internos, mas também ouvir o som do que outras pessoas estão falando – não os seus gurus, todos eles são bastante infantis – mas o que as outras pessoas estão falando, o que a sua esposa está falando, o que o seu vizinho está falando, ouvir todo o som daquele corvo, sentir a beleza do mundo, a beleza da natureza. Portanto, por enquanto, vamos investigar o que é beleza. Certo? Porque você está passando, naquele trem, pelo cenário mais maravilhoso – as colinas, os rios, as grandes montanhas cobertas com neve, os vales profundos. Não apenas as coisas fora de você, mas também a sua estrutura interior, a natureza do seu próprio ser – o que você pensa, sente, o que os seus desejos são. É preciso ouvir tudo isso. Não apenas dizer que sim, isto está certo ou errado, isto é o que eu penso, o que eu não deveria pensar ou simplesmente seguir alguma tradição, seja a tradição moderna com a psicologia, os físicos, os médicos, os especialistas em informática e assim por diante. Mas, também ouvir muito silenciosamente, sem nenhuma reação – ver a beleza de uma árvore. Então, vamos conversar juntos sobre beleza.

O que é beleza? Você já esteve em museus? A velha Idade Média ou a renascença dos grandes pintores, vocês já os viram, alguns de vocês? Provavelmente não. Eu não vou levá-los ao museu, não sou um guia. Mas, ao invés de olharmos para os quadros, pinturas, as estátuas dos antigos gregos, egípcios, romanos e modernos, estamos olhando, perguntando, investigando, demandando para descobrir o que é beleza. Não a forma, não uma mulher, um homem ou uma pequena criança que seja extraordinariamente bela – todas as crianças são. Então, o que é beleza? Estou fazendo a pergunta, senhor, por favor, responda a si mesmo primeiro. Ou você nunca pensou sobre isso? Não a beleza de um rosto, mas a beleza de um gramado verde, de uma flor, das grandes montanhas cobertas com neve, dos vales profundos, das águas tranquilas de um rio. Tudo isso está fora de você, e você diz: “Como isso é bonito”. O que a palavra “beleza” significa? Porque, isso é muito importante descobrir, pois temos muito pouca beleza em nossa vida diária. Se você passar por Benares, saberá tudo sobre isso – as ruas sujas, a poeira, os caminhões. Certo? E você se pergunta, vendo tudo isso, não a mera ternura de uma folha ou a terna generosidade do ser humano, mas investigar muito profundamente, essa palavra que é usada por poetas, pintores, escultores. E você se pergunta agora: qual é essa qualidade da beleza? Você quer que eu responda ou você vai responder? Vá em frente, senhor.

Interrogante: Por favor, responda.

K: Por que?

I: Porque nós não sabemos.

K: É isso. O cavalheiro diz: “Você responde, porque nós não sabemos”. Por que? Por que vocês não sabem? Por que ainda não investigamos essa enorme questão? Você tem os seus próprios poetas, dos povos antigos até agora, eles escrevem sobre isso, cantam, dançam, e você diz: “Não sei o que é beleza”. Que pessoas estranhas nós somos. Mas, se você perguntar o que é o seu guru, quem é o seu guru, quem é o seu Deus – eu acredito que haja 300.000 Deuses na Índia, muito bom! Na Europa e na América existe apenas um Deus. Com você, há mais de 300.000 – você pode escolher qualquer um deles para se entreter.

Então, o que é beleza? É a mesma pergunta, senhor, colocada em palavras diferentes: o que você é? Qual é a natureza e a estrutura de vocês, além do fator biológico? O que você é? Passar em alguns exames, obter um diploma, um emprego, ser um físico, um cientista, um tesoureiro de um governo – o que você é? Isso está intimamente relacionado com o que é beleza. Quando você olha para uma montanha coberta com neve, vales profundos, colinas azuis profundas, o que você sente, qual é a sua verdadeira resposta a tudo isso? Você não sabe? Você não está, por um segundo ou alguns minutos, absolutamente chocado com isso? A grandeza, a imensidão, o vale azul, a luz extraordinária e o céu azul contra as montanhas cobertas com neve. O que acontece com você naquele momento em que você olha para aquilo – a grandeza, a majestade daquelas montanhas – o que você sente? No momento, ou por alguns minutos, você existe? Você entendeu a minha pergunta? Por favor, não concorde, olhe para isso bem de perto. Naquele momento em que você olha para algo grandioso, imenso, majestoso, você por um segundo não existe. Certo? Você esqueceu as suas preocupações, sua esposa, seus filhos, seu trabalho, toda a bagunça de sua vida. Naquele momento, você diz que está chocado com isso, que a grandeza naquele segundo apagou toda a sua memória, por um segundo, depois você volta. O que acontece durante aquele segundo? Continue, senhor. O que acontece quando você não está presente? Isso é beleza. Você entendeu? Quando você não está presente. Não concorde, senhor. Não balance a sua cabeça, sim.

Então, a grandeza, a majestade de uma montanha, de um lago ou daquele rio de manhã cedo formando um caminho dourado – por um segundo você esqueceu tudo. Ou seja, quando o ego não existe, há beleza. Você entendeu o que estou dizendo? Quando você não está, com todos os seus problemas, responsabilidades, tradições e toda essa bobagem – não a sua família – então há beleza. Certo? Quando você não está presente. Como uma criança com um brinquedo, desde que o brinquedo seja complexo e brinque com ele, o brinquedo o absorve. Certo? Toma conta dele. No momento em que o brinquedo é quebrado, ele volta ao que estava fazendo. Então, nós somos assim. Somos absorvidos pela montanha. É um brinquedo para nós por um segundo, ou por alguns minutos, e então voltamos ao nosso mundo. E estamos dizendo que sem um brinquedo, nada te absorve, nada toma conta de você. Você entendeu o que estou dizendo? Não? Você sabe como uma criança se comporta quando você lhe dá um brinquedo, ou você nunca observou? O brinquedo torna-se extraordinário para a criança, ela se entretém, brinca com ele. Por alguns minutos, algumas horas ou alguns dias o brinquedo toma conta dele. Certo? Você entendeu? Então, a montanha tomou conta de você. Certo? E você pode, sem ser absorvido por algo grande, libertar-se de si mesmo? Você entendeu a minha pergunta? Você não entende isso. Você é muito esperto. Este é o problema com todos vocês: muito aprendizado. Você não é simples o suficiente. Se você for muito simples – não com roupas – profundamente simples em si mesmo, você descobrirá algo extraordinário. Mas você está coberto com muito conhecimento, experiência e assim por diante.

Então, vamos nos mover. Vamos conversar sobre muitas coisas juntos. Falamos um pouco sobre a beleza – não a beleza do poeta, não o poema, a literatura, os ensaios, o belo romance ou os bons thrillers. Provavelmente, você não lê thrillers, não é? Ou você é muito santo. (Risos) Então, vamos olhar para nós mesmos. Nós criamos o mundo – você, o orador, seus antepassados, os últimos mil anos de gerações e de tempo. Certo? Então, do que se trata tudo isso? Você entende? Você entendeu o que estou dizendo? Do que se trata todo este barulho? Matando uns aos outros, mutilando-se uns aos outros, dividindo em meu Deus, o seu Deus. Por que esta sociedade é tão feia, brutal, tão cruel? Sim, senhor. Por que? Quem criou este mundo monstruoso? Não estou sendo pessimista ou otimista, mas olhe para o mundo. A coisa que está acontecendo fora de você. Países pobres comprando armamentos. Certo? Seu país comprando armamentos e imensa pobreza, competição. Certo? Quem criou tudo isso? Você vai dizer que Deus o criou? Ele deve ser um Deus bagunceiro. Então, quem criou esta sociedade? E você está sempre falando da sociedade. Quem criou, quem a montou? Senhor, vocês… Não foi você que a montou? Não apenas vocês – seus pais, seus bisavôs, as últimas gerações de milhões de anos, eles criaram essa sociedade por meio de sua avareza, inveja. Certo? Por meio de sua competição, eles dividiram o mundo – economicamente, socialmente, religiosamente. Certo? Encare os fatos, senhor, pelo amor de Deus. Você, o orador e seus pais, seus antepassados e os seus pais até onde você possa ir, nós montamos essa sociedade, somos responsáveis por ela. Certo? Ou você nega esse fato?

Portanto, nós somos responsáveis por isso. Não Deuses, não alguns fatores externos, mas nós, cada um de nós tem criado essa sociedade. Você pertence a este grupo e eu pertenço a outro grupo. Você venera um Deus e eu venero outro Deus. Você segue um guru, por mais bobos e estúpidos que sejam, e eu sigo outro guru. Portanto, nós dividimos a sociedade. Certo? E nós a dividimos não apenas socialmente, mas também religiosamente. Certo? Apenas olhe para isso, senhor, pelo amor de Deus, olhe para isso. Geograficamente, nós dividimos o mundo – Europa, América, Rússia… Dividimos a cultura – cultura ocidental e cultura oriental. Temos governos divididos – trabalhista, democrático, republicano, comunista… Você entendeu, senhor? Como o nosso cérebro funciona: divide, divide, divide. Certo? Você não percebeu esse fator? E assim, a partir da divisão surge o conflito. Certo? Você se dividiu entre o bem e o mal – eu não vou entrar em tudo isso, é muito complexo. Pelo amor de Deus. Você provavelmente nunca pensou em nenhuma dessas coisas.

Portanto, nós criamos essa sociedade, então você é essa sociedade. Você entendeu? Vocês são a sociedade. Portanto, a menos que você mude radicalmente, você nunca mudará a sociedade. Os comunistas têm tentado isso, forçando, obrigando secretamente, violentamente, destruindo milhões para forçar o homem, sua psicologia, seu ser a se submeter a várias formas de compulsão. Você deve saber de tudo isso, isso é história – jornal diário. E assim, onde há divisão – por favor, ouçam – onde há divisão, haverá conflito. Certo? Isso é lei. E nós gostamos de conflitos aparentemente, viver com conflitos perpétuos.

Portanto, devemos voltar atrás e descobrir qual é a causa disso, de tudo isso. É o desejo, o medo, o prazer, é isso o evitar de toda dor e, portanto, a culpa? Você entende tudo isso? Estou indo muito rápido? Então, vamos começar a descobrir por nós mesmos o que é o desejo. Certo?  Essa é a base. Desejo de ter poder, de se realizar, desejo de se tornar alguém. Certo? Nós não somos contra o desejo, não estamos tentando suprimir ou transcender o desejo como os monges, como a maioria de vocês. Transcender, controlar, suprimir, nós não vamos entrar nisso. Devemos entender juntos o que é o desejo. Certo? O que é desejo? Você está trabalhando tanto quanto o orador? Ou você simplesmente diz: “Bem, vamos ouvir aquele homem, é um belo dia, uma bela manhã”. Então, nós estamos perguntando: o que é desejo? Como isso acontece, qual é a sua fonte? Não como suprimi-lo, controlá-lo ou deixá-lo ir, mas a raiz disso. Você não está interessado nisso? Você não está interessado em descobrir qual é a raiz disso? Você quer que eu explique? Como de costume.

Senhor, a explicação não é a coisa. Certo? A palavra não é isto – eu posso chamá-lo de “microfone”, e você o chamará de “microfone”, mas a palavra não é isto. Portanto, a explicação, a descrição não são isto. Quando alguém descreve uma maravilhosa árvore, a descrição não é a árvore. Portanto, vamos usar palavras para transmitir um ao outro, mas as palavras, a descrição não é o fato. Certo? Assim pelo menos alguém aprende isso. A palavra não é a coisa. Certo? Minha esposa, a palavra “minha esposa” não é a esposa. Se pudermos entender esse simples fato, você a tratará melhor.

Então, o que é o desejo e por que ele nos domina? Qual é o seu lugar, qual é a sua natureza? Você entende? O que é desejo? Você entendeu? Todos os monges do mundo suprimem o desejo ou querem transcendê-lo, ou o desejo é identificado com certas imagens, símbolos, certos rituais. Certo? Todos vocês fazem isso, alguns de vocês, os monges e todo o restante. O que é desejo? Você já fez essa pergunta? Ou você cede ao desejo, seja qual for a consequência?

Então, vamos juntos – juntos, não espere por mim, não vamos esperar o orador explicar, mas juntos vamos olhar para isso. Certo? Nós vivemos pela sensação, não é? Há um trem que atravessa a ponte: você o ouve, você o identifica. Portanto, nós vivemos pela sensação – melhor comida, casa, melhor esposa. Portanto, a sensação é a vida. Certo? Parte da vida – o sexo faz parte da vida, é uma sensação, um prazer. E nós temos muitos tipos de prazeres. Certo? Prazer da posse e assim por diante. Para nós, a sensação torna-se extraordinariamente importante, parte da vida. Certo? Parte da nossa existência. Se você não tem sensação, você está morto. Certo? Todos os seus nervos vão, o seu cérebro murcha e assim por diante. Portanto, nós vivemos pela sensação. Certo? Sensação sendo toque, sentir – sensação. É como colocar um prego de repente em seu dedo, isso é uma sensação, dor, você chama isso de dor. Quando você vê algo adorável, você sorri para isso, isso faz parte da sensação. Lágrimas, risos, humor – tudo isso faz parte da sensação. Então, o que acontece? Nós temos essa sensação. Você vê uma bela – o quê? Casa? O que você quer? Mais poder, mais dinheiro? Quanto mais, o mais faz parte da sensação. Certo? Certo, senhores? Você é tão hesitante, não é?

Então, o que acontece quando você tem uma sensação? Quando você vê algo muito bonito – um carro, uma mulher, um homem ou uma bela casa, o que acontece? Você vê a casa, há uma sensação, então o que acontece? Vá devagar, você vai entender isso. Você vê aquela linda casa, limpa, com um belo jardim, flores, tudo bem cuidado, isso é uma sensação quando você a vê, então o que acontece?  A sensação é natural. Certo? É inevitável, faz parte da nossa vida. Então, eu explico, você vai concordar e dizer: “Sim, está bem, está bem”, e vai para casa, faz a mesma coisa.

Então, o que acontece? Você viu aquela casa, viu o jardim, viu a beleza da paisagem e como a casa é construída, com estilo, graça e senso de dignidade, e depois o pensamento vem, faz uma imagem daquela sensação e diz: “Eu gostaria de ter aquela casa”. Você está acompanhando isso? Não, você não está. Você vê aquela casa ali – há uma sensação. Espere só um minuto, espere um minuto antes de ir mais longe. Sensação, então o pensamento surge e cria, a partir dessa sensação, o desejo de ter aquela casa. Certo? Ou outra coisa. Você vê algum político andando em um carro grande ou ciclista e todo o resto desse negócio, e então você diz: “Por Deus, eu gostaria de ter algum poder”. Ou seja, você viu isso, sensação, então o pensamento vem e diz: “Eu gostaria de ter esse poder”. Certo? Naquele momento, o desejo nasce. Quando se dá a sensação um corpo, uma forma, então naquele segundo o desejo nasce. Não? Você entendeu o que eu disse? Posso repetir? Você quer que eu repita?

Senhor, você colocou um alfinete no meu polegar, isso é uma sensação de dor. E cada registro, cada resposta faz parte da sensação. Certo? Intelectual, teórica, filosófica – sensação. Nós vivemos pelas sensações. Certo? Esteja claro nisso. Vivemos pelas sensações, isto é, sentidos respondendo – bom gosto, mau gosto, é amargo, é doce e assim por diante.  Nós vivemos pelas sensações. E quando vemos algo que não temos, como uma casa, um carro, como alguns – você sabe, essa sensação se torna dominante quando o pensamento lhe dá uma imagem. Você entendeu? Quando o pensamento vem e diz: “Eu gostaria de ter isso”. Naquele momento, o desejo nasce. Certo? Não olhe para mim como se eu fosse um louco. Você entende a sutileza e a profundidade disso. Quando o pensamento dá uma forma, uma estrutura, uma imagem para a sensação, naquele segundo o desejo nasce. Certo? Não olhe… Certo, senhor?

Agora, a questão é: a sensação pode não ser capturada pelo pensamento? O que também é outra sensação. Você entendeu, senhor? Sensação e dar-lhe tempo para que o pensamento lhe dê forma, ou seja, um intervalo entre a sensação e o pensamento que lhe dá um contorno. Certo? Faça isso. Veja o que está implícito nisso quando você o faz, não diga: “Sim, sim, eu concordo com você”.

I: Quando um alfinete é colocado na minha mão, senhor, há uma picada…

K: Existe dor, então o que o pensamento faz?

I: O pensamento vem para…

K: Espere, senhor, olhe para isso, vá devagar, não se apresse. Eu tenho dor no polegar, no dedo, então eu quero que essa dor pare. Portanto, eu vou ao médico ou o que quer que eu faça. Certo? Certo, senhor? Eu quero que essa dor pare. Nós estamos dormindo? (Risos) Senhor, a dor é outra forma de sensação. Certo? Depois, o pensamento diz: “Preciso pará-la”. Você não diz: “Espere, deixe-me olhar para essa dor”. Certo? Você não fez tudo isso? Se eu estou doente, o que às vezes tenho estado, eu digo que tudo bem – espere até que você sinta, veja o que significa, o que a dor e o prazer significam. Você não faz isso ou vai imediatamente ao médico? O quê? Vai imediatamente ao médico. Meu Deus, o que…

I: A inteira resposta da dor… (Inaudível)

K: Sim, senhor, dê um intervalo. Você entendeu? Não diga: “Bem, preciso ir ao médico, rápido”. Dê um intervalo, um tempo e você aprenderá muito com isso.

Então, estou dizendo que quando você dá… Quando há um tempo entre a sensação e o pensamento, um intervalo, um longo ou curto intervalo, você entenderá a natureza do desejo. Nisso não há supressão, não há transcendência. Senhor, se você tem um carro e quando você o dirige sem conhecer o mecanismo dele, a combustão interna dele, o maquinário dele, você fica sempre um pouco nervoso de que algo possa dar errado. Certo? Mas, se você o conhece, se você desmontou um carro como o orador já fez, desmontou totalmente – não fique nervoso, uma coisa ou outra – quando você o desmonta e o monta com muito cuidado, conhecendo todas as peças, então você é o mestre da maquinária, daquela máquina. Certo? Então, você não tem medo, você o monta de novo. Você entendeu? Portanto, se você entende a natureza do desejo, a maneira como o desejo começa, então você não tem medo dele, você saberá o que fazer com ele.

I: (Inaudível)

K: Eu expliquei, senhor. Então, vamos passar para outra coisa, certo?

Há algo sobre o qual você e eu, o orador, devemos conversar. Vivemos por milhares de anos e nunca entendemos a natureza do medo. Certo? Qual é a fonte do medo, qual é a causa do medo. Certo? Aparentemente, nunca eliminamos o medo, tanto o medo biológico quanto, certamente muito mais, os medos psicológicos, os medos internos. Medo da morte – certo? Medo de não ter, de não possuir, de não ser, medo da solidão. Certo? Nós temos tantos medos. Você não sabe disso? Você não conhece os seus medos? Não? Vocês são uma multidão louca – não conhecer os seus próprios medos. A partir desses medos, você cria Deuses. Certo? A partir desses medos, você cria rituais, hierarquias espirituais, gurus. Todos os templos do mundo surgiram a partir do medo. Certo? E medo da sua esposa, do seu governador, do seu policial, você sabe, nós temos milhares de medos. E nós estamos perguntando: o que é o medo? Não a sua forma particular de medo. Você entendeu? Você entendeu, senhor? Não o meu medo e o seu medo – o que é o medo? Se você entende o mecanismo de um carro, você não tem medo do carro. Certo? Você sabe como operá-lo, sabe quando deve ser reparado, cuidado e todo o resto. Então, se você souber, perceber, compreender, estar com a natureza, a causa, a raiz disso, então você transcenderá o medo, pois o medo se foi. Certo? Vamos fazer isso esta manhã.

Nós estamos perguntando o que é o medo, qual é a causa dele? Não como acabar com ele, como transcendê-lo, controlá-lo, debilitá-lo e fugir dele como você está fazendo. Então, qual é a causa, a fonte do medo? Pense, senhor, entre nisso por um minuto. Pegue o seu medo, o seu medo particular ou medos – qual é a raiz dele? Segurança, desejo por mais, é tudo – você entende? Então, se você não encontrou, você vai perguntar a alguém como o orador, qual é a causa dele? Você irá ouvi-lo? Ouça, realmente ouça como você ouve o seu chefe, que pode te mandar embora, lhe dar menos dinheiro, você ouve. Ouça com todo o seu coração, com os seus medos, sua apreensão, você pode perder o emprego, portanto, por favor, me diga o que fazer. Será que você vai ouvir o que ele… Ou você diz que sim. Então, vou explicar. Posso? Mas você sabe fazer o seu trabalho em um escritório. Certo? Portanto, vou explicar. É bastante complexo, e você gosta de complexidade. Mas, a explicação não é a coisa. Certo? A palavra “medo” não é o medo. Certo? A palavra não é a coisa.

O que é o medo? Qual é a causa dele? A palavra “medo” é a causa do medo? Você entendeu? A palavra “medo” evoca o medo em você? Você tem certeza? Portanto, o medo é um fato. E a palavra não é o fato. Certo? Não fique confuso, senhor, é simples, muito simples. A palavra “árvore” não é a árvore. Portanto, a explicação não é um meio de acabar com o medo. Certo? Então, temos que examinar o que é o tempo, porque o tempo é medo. Amanhã algo pode acontecer – minha casa pode cair, minha esposa pode se voltar para outro homem, meu marido foi embora e eu estou triste – medo. Você entendeu? Medo do passado, do futuro, medo do presente. Qualquer coisa pode acontecer. Portanto, o passado, o futuro e o presente estão presos na roda do tempo. Certo? O ontem, o hoje e o amanhã são o tempo. Certo? Eu fui isso, não serei isso, mas não sou isso agora. Certo? Eu fui, eu serei, mas não sou. Então todo o processo é um movimento no tempo. Movimento significa tempo. Daqui até lá, há um movimento e isso significa tempo. Para percorrer desde este lugar até aquele lugar é preciso tempo. Portanto, movimento é tempo. Todo movimento é tempo. Certo? Pelo relógio…

Chegue mais perto, senhor, se você estiver ao sol. Senhor, venha e sente-se, há muito espaço, pelo amor de Deus. Assim é melhor. Não fique nervoso comigo, estou perto de você. (Risos)

Portanto, o passado, o presente e o futuro são um movimento, que chamamos de tempo. Eu já fui jovem, agora tenho noventa anos – isso é tempo. Então, o que é tempo? O que é o tempo? Levou tempo para você vir de Benares até aqui. Vai levar tempo para você voltar. Portanto, há tempo pelo relógio. Certo? Há tempo para percorrer uma distância. Há tempo como o passado, o presente e o futuro. Certo, senhor? Tudo isso é tempo. Certo? O passado molda o presente. Certo? Circunstâncias e assim por diante. Por favor, isto é muito difícil, não concorde ou discorde, apenas ouça, descubra. O passado está operando agora – certo? E o futuro é moldado pelo presente modificado, as circunstâncias mudam, certos incidentes acontecem, então o futuro é modificado, mudado, alterado. Certo? E o futuro é o que acontece agora. Certo? Portanto, todo o tempo – o passado, o presente e o futuro estão contidos no agora.

Ah, isso confunde você – vá devagar, não estou com pressa. Isso é muito… Senhor, isso se aplica à vida, não é apenas teoria. Você é um Brahmin ou – oh, desculpe, vocês não gostam de Brahmins aqui. Você foi algo ontem, o incidente que acontece hoje muda, modifica, altera ligeiramente a circunstância passada. O passado e o futuro são o que você é agora. Certo? Modificado. Está claro, não é? Ou isso ainda é um enigma? Ou seja, o passado, o presente e o futuro são o agora. Se não houver mutação agora – você entende a palavra “mutação” – se não houver mutação agora, você será exatamente o mesmo de antes. Certo? Acho que sou um indiano com todo o circo por trás disso e eu serei novamente um indiano amanhã. Certo? Isso é lógica. E o fato de eu ser indiano me separa do muçulmano – certo? E eu vou brigar com ele, não apenas por sua terra, por aumento de população e todo o resto disso. Portanto, o amanhã é o agora. Eu não posso continuar explicando isso para você. Você entendeu isso? Portanto, o que você faz agora importa muito mais do que o que você fará amanhã. Certo?

Então, o que você vai fazer? Se o amanhã é o agora – isso é um fato, não é a minha teoria ou a sua teoria, isso é um fato. Eu sou ganancioso agora, se eu não fizer nada a respeito agora, eu serei ganancioso amanhã. Isso é tudo. Posso deixar de ser ganancioso hoje? Certo? Você irá? Não, é claro que não. Então, você será o que tem sido. Esse é o padrão da humanidade por milhões de anos. Você não se importa em matar. Certo? Seja honesto, você não se importa em matar. Você subscreve isso, você quer que seu país seja forte. Certo? Não tenha vergonha disso, isso é um fato. E assim você coleta armamentos, você pode não o fazer na verdade, você faz isso através de impostos, através da compra de uma marca, você apoia. Certo?  Então, se você não deixar de ser um indiano agora, você será um indiano amanhã. Então, o que você vai fazer agora? Oh, vocês… Parem, parem aí. Eu estou perguntando: o que você fará agora?

I: Deixar de ser indiano.

K: Você irá? Você sabe quais são as implicações disso? Não o passaporte, não o papel. Não estar associado a nenhum país, a nenhum grupo, a nenhuma religião – são todos falsos de qualquer maneira. Isso é possível? Você irá fazer isso? Você não, senhor. Você verá a importância de que se não houver nenhuma mutação agora, hoje, você será exatamente o mesmo amanhã. Isso não é ser otimista ou pessimista, isso é um fato. Durante dois milhões e meio de anos, matamos pessoas. Certo? Como budistas, hindus, como cristãos – talvez os cristãos tenham matado mais do que qualquer outra pessoa. Você não é cristão, então eu posso dizer isso facilmente! (Risos) Eu abordei essa questão na frente dos cristãos. Portanto, você entende a seriedade do assunto – não brinque com isso. Se eu não… Se não houver uma mutação radical agora, eu serei o mesmo amanhã.

Portanto, o tempo é um fator do medo. Certo? Tenho medo do que pode acontecer amanhã. Tenho medo de não passar no exame. Certo? Uma menina ou menino querendo passar em algum exame para ter um melhor – mais dinheiro, melhores chances, melhor isto, diz que vai trabalhar, trabalhar, trabalhar para passar naquele exame. Eu posso não passar – o medo entra e assim por diante. O medo é um fator comum de toda a humanidade – não é você, é de toda a humanidade. Então, será que esse medo pode – você entende? Medo, não é um ramo dele, a raiz do medo pode ser totalmente destruída? Ou seja, não ter medo de nenhum tipo. O orador diz que é eminentemente possível, que isso pode ser feito de forma radical. Ou você mata o orador ou você o adora, o que é a mesma coisa. Você entendeu? E isso é o que você está fazendo agora.

Portanto, esse é um dos fatores da nossa vida. E vivemos com o medo durante um milhão de anos, ou mais, e ainda continuamos. Então, o K… O orador está dizendo que o medo pode ser totalmente eliminado. Não diga que ele é iluminado e todo esse absurdo. Você pode acabar com isso se você colocar o seu cérebro, o seu coração completamente nisso, não parcialmente. Então, você verá por si mesmo a imensa beleza que há nisso.  Uma sensação de liberdade total. Não a liberdade de um país ou de algum governo, mas a sensação de enormidade da liberdade, de grandeza da liberdade. Certo? Você fará isso? Hoje, agora. A partir de hoje, vendo a causa do medo, acabe com ele. Isso significa tempo. Tempo significa pensamento, pois o tempo é um movimento, não é? Todos nós concordamos. E o pensamento também é um movimento. Não fique deslumbrado com tudo isso, é muito simples. Tempo é movimento, pensamento é movimento, portanto, tempo é pensamento e pensamento é tempo. O pensamento é baseado em conhecimento, memória, experiência e assim por diante. E o tempo também é muito limitado em nossa vida. Enquanto houver medo biologicamente, fisicamente, psicologicamente, ele nos destruirá. Então, se alguém perguntar depois de ouvir esse fato, não a teoria, o que você vai fazer? O tempo e o pensamento são os fatores do medo, portanto, se você não mudar agora, não mudará nunca mais. Esse adiamento constante.

Certo?    

19/11/1985