2ª palestra em Nova Deli

 

Podemos continuar com aquilo que conversamos ontem à tarde. Dizíamos – não é? – que nós todos temos imagens, não só imagens psicológicas, mas imagens fora de nós. E essas imagens separam o homem do homem – a imagem nacional, as imagens religiosas e assim por diante. Elas têm sido uma das causas, talvez a causa principal da guerra. Os ideias dividiram o homem, ideologias, a esquerda, extrema esquerda, extrema direita e o centro, são todos ideologias, e separaram o homem. Ideias – o sentido original da palavra ‘ideia’, do grego, é ‘observar’, não fazer uma abstração do que se observa – ideias, ideais, crenças, fé, uma devoção particular a um ideal particular, imagem e assim por diante, pelo mundo afora no último milênio, elas dividiram o homem do homem. E nós ainda carregamos esses ideais, essas imagens, conclusões. E parece nunca estarmos livres dessas coisas. E pergunta-se por que, se a pessoa está realmente consciente do que vem acontecendo no mundo, do que está acontecendo conosco psicologicamente, internamente, sob a pele, por assim dizer, por que os homens, inteligentes, estudando história, por que tais pessoas carregam ideais? Por que você – se me permite perguntar, se podemos perguntar da forma mais educada – por que você tem ideais? Estamos conscientes, se os temos, que eles separam as pessoas e, por isso, provocam conflito? É porque nesses ideais, conclusões, opiniões encontramos segurança, por mais fugazes, por mais transitórias que elas sejam, encontramos certo sentido de proteção, certo sentido de realização, tentar conseguir alguma coisa, E isso nos dá muita energia. Não sei se vocês observaram os idealistas mais profundamente comprometidos, como eles são perigosos. E se se tem consciência que essas imagens criadas pela mão ou pela mente, pelo pensamento, têm sido, mais uma vez, um grande fator contribuinte da guerra. Ou seja, para um homem matar outro homem, desumanidade, bestialidade, e essa tem sido a sina do homem por milhares e milhares de anos, e nós ainda continuamos com eles, embora se suponha que somos mais evoluídos, mais progressistas, mas somos de fato, internamente, psicologicamente bem primitivos, bem cruéis, bárbaros. Eu espero, esperamos que vocês não se importem que o orador use todas estas palavras – elas se aplicam.

E como dizíamos ontem, na relação, por mais íntima, por mais casual, por mais passageira, nessa relação criamos imagens um do outro. Você certamente tem uma imagem do orador de outro modo não estaria sentado aqui, e a imagem se torna, assim, muito mais importante do que o que está sendo dito. O que está sendo dito se torna irrelevante quando a imagem, a reputação, todas estas interferências sem sentido, atuam como um bloqueio de modo que você não ouve realmente o que o orador está dizendo. Então poderíamos nesta tarde deixar de lado nossas opiniões, nossas imagens e olharmos, pois onde existe imagem não existe humildade. A essência da humildade é estar livre de todas as imagens. Você não pode cultivar a humildade, porque nós somos pessoas arrogantes, orgulhosas de nosso conhecimento, de nossas realizações, de nosso pensar. E o conhecimento nos impede de estar extraordinariamente conscientes da profundidade e da beleza da humildade. Só quando existe essa humildade, a pessoa começa a aprender sobre si mesma, sobre o mundo, e pergunta se existe alguma coisa fora da medida do pensamento. E como dizíamos ontem, nós vivemos com conflito todos os dias de nossa vida. Até morrermos, tudo se torna um conflito. E uma das causas do conflito, como dissemos, é a formação e o cultivo e a alimentação dessas imagens. E, como dissemos ontem também, vocês não estão ouvindo uma preleção, um sermão, mas juntos como dois amigos que estão seriamente interessados no mundo, no apavorante estado dele e em nossa própria confusão, nossa própria ansiedade, medo, e nosso próprio sofrimento, essa é nossa vida cotidiana. Para compreender essa vida cotidiana, não são necessárias hipóteses, nem teoria, nem conclusão, pois essas conclusões, teorias, hipóteses, suposições são irreais. Real é nossa vida diária. E se sua vida cotidiana está confusa, está em desordem, nossa sociedade, nosso ambiente se torna também desordenado, confuso. Dissemos tudo isso ontem.

E também dissemos que nossos cérebros, que evoluíram milênio após milênio, nossos cérebros que são o centro de nosso pensar, o centro de todas as nossas ações e reações, é também o centro de toda a nossa consciência. Esse cérebro que tem extraordinária capacidade numa direção, na direção da guerra, ciência, medicina, cirurgia, higiene, transporte e assim por diante, ele atingiu extraordinária capacidade, muito mais talvez que o computador, embora estejam tentando descobrir a definitiva inteligência mecânica que é o computador. Não sei se vocês examinaram essa questão, ou conversaram com as pessoas sobre ela. Estão tentando produzir um computador que pode pensar, agir, inventar deuses, e tudo que os seres humanos fazem, muito mais rapidamente, instantaneamente, embora talvez ele não possa olhar a beleza do céu ou a luz da noite ou a solene quietude do anoitecer. Então nossos cérebros numa direção, materialmente, tecnologicamente foram capazes de fazer as coisas mais surpreendentes, e em outra direção, psicologicamente, interiormente, o cérebro permaneceu mais ou menos o que ele tem sido ao longo de milhares de anos – primitivo, brutal, violento e assim por diante. E nós não estamos interessados no aspecto tecnológico do cérebro e sua capacidade nesse sentido, mas no condicionamento do homem, dos seres humanos que vivem há tanto tempo sobre esta bela terra e são ainda violentos, sem nenhum sentido de compaixão, sem nenhum amor e assim por diante. Se este cérebro, que é seu cérebro, pode se libertar de seu próprio condicionamento. Ou seja, compreender todo o conteúdo de sua atividade, todo o conteúdo de sua consciência com suas reações, suas invenções de deuses e por aí vai. – todo o conteúdo. O conteúdo é aquilo que você é, aquilo que cada ser humano no mundo é: sua fama, sua crença, sua angústia, sua culpa, seu remorso, seus medos e a busca de prazer, e o fardo do infinito sofrimento, e a busca por permanente segurança. Essa é nossa consciência. Ninguém pode negar isso. Você pode acrescentar algo a ela, ou tirar alguma coisa, mas ela é ainda a consciência com todas as suas reações e respostas, todos as coisas que o homem acumulou ao longo de sua existência pela experiência, pelo conhecimento, pelo pensamento. Essa é nossa consciência. Isso é o que somos.

Eu espero, esperamos, que vocês e o orador estejam tomando parte nisso juntos, não simplesmente escutando o que ele está dizendo, que também é importante, mas é muito mais importante que olhemos a coisa juntos. Não o orador olhar e transmitir a vocês, e vocês aceitarem ou negarem, mas antes juntos inteligentemente, sensatamente, com um sentido de afeição, olhar, olhar o que somos, não o que devíamos ser. ‘O que devíamos ser’ é irreal. Não tem sentido se você vai ser um grande homem na próxima vida ou um santo, toda essa tolice é irreal, não tem validade, não tem estabilidade. E se estabelecemos nossa fundação em algo irreal, num mundo de faz-de-conta, estamos escapando, fugindo da realidade de nossa vida cotidiana.

E estamos pensando juntos. Por favor, isso é importante. Não eu penso e transmito a vocês, mas antes vocês e o orador estão trilhando a mesma estrada, seguindo a mesma jornada por mais lentamente, por mais cuidadosamente, observando cada detalhe, não omitindo nada, não evitando nada. Então podemos nos comunicar uns com os outros. Então não há resistência. Não é que o orador sabe e você não sabe, mas juntos compreendermos esta sociedade extraordinária, complexa que os seres humanos criaram, e sua própria vida, sua própria casa que está em tal desordem. Se virmos isso juntos, então não precisamos de um líder, seja politicamente, religiosamente ou em alguma outra direção. Se você vir por si mesmo o fato, não traduzir o fato segundo sua tradição, seu desejo, mas olhar o fato sem nenhuma reação. Assim, olhando o fato com muito cuidado, o fato revela seu conteúdo integral. Certo? Então sejam suficientemente bons para pensar em conjunto.

Nosso interesse é se o cérebro humano, que está tão condicionado, se esse cérebro que tem tal imensa capacidade e que foi contido pelo condicionamento, e enquanto esse condicionamento existir ele não terá energia holística. Você compreende a palavra ‘holística’, uma palavra científica que significa ‘o todo’. E descobrir por si mesmo por meio de cuidadosa observação, não análise. Quando você analisa, quem é o analista? Certo? O analista é diferente daquilo que ele analisa? Você pode analisar uma árvore ou o leviatã dos mares, as ondas, os golfinhos – não sei se você já viu a beleza de um golfinho. Não vou entrar nisso por ora, esse não é meu negócio. Aqueles que você pode analisar estudando cuidadosamente algo fora de você. Então, quando você analisa a si mesmo, quem está analisando? Compreende minha pergunta? O analista é diferente do analisado? Vou lhe mostrar. Por que é preciso explicar uma coisa tão simples? Não é preciso explicar a beleza de um céu, a beleza da estrela vespertina, o amor de uma pessoa; você não analisa, você ama. Veja, se você começar a analisar o amor e descobrir que você ama alguém porque isso lhe dá conforto, lhe dá uma sensação de segurança, então não é amor. Assim, descubra por si mesmo o significado da análise. Tirando os psiquiatras profissionais, psicólogos, tirando eles, você tem que aprender, compreender por si mesmo toda a sua estrutura. Se você depender de um terapeuta, psicoterapeuta, ou psiquiatra e assim por diante, então estará sempre dependendo de alguém. Mas se puder descobrir por si mesmo a verdade de tudo isso, então não há dependência de ninguém. Isso lhe confere tremenda energia, vitalidade e clareza.

Portanto, não é uma questão de análise. Não estamos analisando o conteúdo da consciência. Estamos observando. Se você observar como se fosse alguma coisa fora de você, então há um espaço entre você e aquilo que você observa. O que você observa não é você mesmo? Você não pode separar a si mesmo daquilo que você é. Você pode analisar, mas essa separação é ainda o analista que está sendo analisado também. Compreende tudo isso? Então a análise é totalmente irrelevante. Relevante é a observação, como você observa a si mesmo. Se o observador fica examinando aquilo que vê, ou traduzindo o que vê, então o observador se separa da coisa que está observando. Você está se aproximando do que estou tentando explicar? Ou seja, quando você está raivoso, essa raiva é diferente de você? Quando está enciumado, como a maioria das pessoas está, esse ciúme é diferente de você? Você é esse ciúme, nesse momento, em que você está cheio desse sentimento, que inclui ódio, antagonismo, violência, nesse momento, nesse segundo, você é isso. E alguns segundos ou minutos depois você diz, ‘Eu tive ciúmes’. E você começa a analisar o ciúme. Entende? Você separou a si mesmo do fato. Então, o observador é o passado – certo? – o conhecimento passado acumulado sobre o ciúme. E esse conhecimento acumulado é o observador que diz, ‘Eu sou diferente do sentimento que tive há pouco’. Certo? Então você pode observar… existe uma observação sem o observador? Você compreende tudo isso? Não sei por que tenho que explicar toda esta coisa tola, mas explicaremos.

Quando você olha para seu amigo, ou sua esposa, ou seu marido, ou sua namorada, pode você olhar, observar, sem um único pensamento? Não pode. Observar sua esposa e tudo mais não é possível devido a todo o conhecimento que você adquiriu, reuniu sobre ela, e ela sobre você. Esse conhecimento impede você de olhar. Certo? Isso é simples. Se encontrei você antes, tenho certa imagem sua e, na próxima vez que o encontrar, projetarei essa imagem. Então, realmente não encontro você. Por outro lado, ‘observar sem conhecimento’ – entende? Se eu quiser compreendê-lo, não posso dizer, ele é hindu, ele é sikh, ele é isso, ele é aquilo, alemão, inglês, isso me impede de compreender você. Minhas opiniões sobre você me impedem de compreendê-lo. Portanto, se eu quiser compreendê-lo com todo o meu coração e mente, deixo tudo isso de lado. Aí eu observo. Você está fazendo isso? Você está fazendo isso agora, enquanto conversamos, ou vai ver mais tarde? ‘Mais tarde’ se torna um impedimento. O que é para ser feito, é para ser feito agora, não amanhã. Então, se isso estiver ao menos levemente esclarecido – e espero, esperamos que esteja mais claro do que seus rostos demonstram, podemos continuar. Podemos continuar a examinar, observar – não usarei a palavra ‘examinar’ – observar o conteúdo de nossa consciência que é o que você é, o que cada um de nós é. Essa consciência é compartilhada por toda a humanidade. Certo? Se você for para o extremo oeste, Califórnia, lá os seres humanos como você, num mundo diferente, próspero, eles são como você – raivosos, ciumentos, violentos, inseguros em relação a eles mesmos, exatamente como você. Certo? Você vai mais perto, Europa, embora sejam alemães, ingleses, checos, ou iugoslavos e por aí vai, ou os divertidos italianos, eles são todos como você. Eles adoram seus próprios deuses particulares, e você adora seu deus particular, por medo. Se você estiver livre do medo, não terá deuses. Certo? Vamos falar nisso mais tarde.

Então, esta consciência que você pensa ser sua é compartilhada por toda a humanidade. Certo? Isso é um fato. Você não precisa ter uma prova. Se você falar com um britânico, ele pode ser orgulhoso, reservado e assim por diante, mas quando você chega por trás disso, ele é como o restante da humanidade. Ele está desempregado, vai à igreja esperando que alguém vá ajudá-lo, alguém lhe dará uma sensação de segurança. Certo? Exatamente como você, é o restante do mundo. Certo? Você tem quer ver este fato. Isso não é invenção do orador. É um fato. Então, se sua consciência, que você pensou ser sua, você descobre que ela é compartilhada por toda a humanidade, então você não é mais um indivíduo. Certo? Isso é um choque para você. Você não é mais um indivíduo. Certo? E a humanidade ao longo dos tempos pensou que cada pessoa é separada, é uma alma separada, ‘atma’ separado e você sabe, toda essa coisa. E toda a estrutura sociológica se baseia nisso; você e eu. Você que tem poder e eu não tenho poder – entende? – mas quando você percebe o fato, a realidade, a verdade que todos os seres humanos partilham a mesma consciência, porque todos os seres humanos passam por grande luta, grande problema, grande confusão, eles odeiam, eles discutem, eles são ciumentos, são sexuais e por aí vai. Então você não é mais um indivíduo. Entende isso? Você pode gostar de se considerar um indivíduo – liberdade individual, sucesso individual, deus individual, meu próprio caminho diferente do seu. Você compreende isso tudo? Assim, perceber o fato de que você não é mais um indivíduo significa uma tremenda mudança psicológica. Não é simplesmente uma descrição verbal, mas é uma revolução fundamental, radical na psique que você é a humanidade inteira. Certo? Quando se percebe isso, você nunca mais vai matar outro ser humano. É como se fosse a nossa terra, ela não é terra indiana, não é terra europeia, ou terra russa, ou americana, é nossa terra, e nós somos o restante da humanidade.. Você compreende o que isso significa? Isso lhe dá um grande senso de compaixão, um grande senso de responsabilidade.

Então vamos continuar. Observar, não como você observa um peixe num aquário, mas observar o que nós somos. Em primeiro lugar, para observar devemos compreender a natureza do pensamento, que examinamos brevemente ontem, e também a natureza do tempo. Isso é sério, por favor. Não que o que dissemos uns minutos atrás não fosse sério, era, ainda é, mas isso requer muita atenção, muita, não concentração – a concentração é mortal para a atenção. Requer atenção para você olhar, dar sua energia, todo o seu ser para descobrir. Ontem dissemos que o pensamento é limitado porque se baseia no conhecimento, e o conhecimento se baseia na experiência. Você nota no mundo científico, por meio de constante experiência, uma hipótese depois de outra, uma teoria depois de outra, derrubá-la, tentar prová-la, acumulando mais e mais e mais conhecimento. Nenhum cientista que valha seu salário afirma que o conhecimento é completo. Certo? Nenhum livro, nenhum livro religioso pode ser completo. Ele foi escrito pelo pensamento. As palavras usadas são o símbolo do pensamento. Então, por favor, observe por si mesmo que seu conhecimento, sua experiência é sempre, será eternamente condicionada, limitada. Isso é um fato. Assim, seu pensar é limitado também, e qualquer ação nascida do pensamento, que é limitado, deve inevitavelmente criar conflito entre você e o outro. Certo? Porque a própria natureza do pensamento é divisiva, porque ele é limitado. Entende? Não porque o orador está dizendo, mas você mesmo está observando, vendo o fato, a verdade que o pensamento será sempre limitado porque se baseia no conhecimento, baseado na experiência. E como o pensamento em si é fragmentado… é um fragmento – certo? – pois ele é limitado, consequentemente a solução para todos os nossos problemas não é através do pensamento. Será que você entende?

O que é um problema? O significado dessa palavra, não o problema em si, mas o que… Dizemos problema – o que essa palavra significa? O significado original dessa palavra é ‘alguma coisa lançada a você’ – compreende? – uma coisa que atua como um desafio para você. Certo? Esse é o significado desta palavra, do latim e do grego e assim por diante – não vou entrar nisso – é uma coisa lançada a você realmente. Isso é um problema. E desde a infância, nossos cérebros foram treinados, educados para resolver problemas. Certo? A criança vai para a escola e tem que aprender matemática – isso se torna um problema para a criança; depois geografia, depois história, depois – entende? – biologia e física – tudo se torna um problema. Então o cérebro dela, que é seu cérebro, está condicionado a resolver problemas. Certo? E você nunca resolve problemas. Compreende? Será que você compreende isso? Se meu cérebro está condicionado a resolver problemas, eu olho a vida como um problema; então fico sempre tentando resolver os problemas da minha vida. Certo? Como os políticos fazem mundo afora, eles tentam resolver problemas, e aumentam os problemas assim. E eles nunca resolvem nenhum problema, pois o cérebro deles – há algum político aqui? – Desculpe-me! Os cérebros deles são treinados, educados desde a infância a resolver problemas e, por isso, eles nunca resolvem nenhum problema. Ao contrário, eles aumentam os problemas. Não, não ria dos políticos – você também é um político. O político não é diferente de você. Então compreenda este fator muito importante, que enquanto seu cérebro for treinado para resolver problemas, como o próprio cérebro se torna um problema, ele não pode resolvê-lo. Compreende? E é possível ter um cérebro que não tem problemas? Só então ele poderá resolver problemas. Você compreende isso? Por favor, perceba isso. Por favor, compreenda profundamente, não superficialmente. Viver uma vida sem um único problema. Significa estar livre… o cérebro estar livre de sua educação para resolver problemas de modo que ele possa olhar os problemas, pois só quando há liberdade ele pode observar. Esta palavra ‘liberdade’ também implica afeição, amor. Uma mente sobrecarregada de problemas não pode amar. Não sei se vocês compreendem tudo isso. Espero que pelo menos alguns compreendam. Compreender não intelectualmente, mas de fato, e colocar na vida.

Então, nossa consciência não está separada do restante da humanidade. Essa é uma revelação tremenda, maior do que qualquer outra revelação de qualquer livro sagrado, porque ela provoca uma mudança radical tremenda. Você é a humanidade. Compreende isso? E se você está, se sua casa não está em ordem, o restante da humanidade não está em ordem. Compreende? Então vamos examinar juntos – desculpe – vamos juntos observar o conteúdo de nossa consciência, de nós mesmos.

Um dos fatores é pensamento e tempo. O pensamento se tornou o fator principal. Ele é o único fator, pois acumulou todo o conteúdo de nossa consciência. O pensamento, como dissemos, nasce da experiência, conhecimento, armazenado no cérebro como memória, e a partir dessa memória o pensamento existe. Todo esse processo é instantâneo. E esse pensamento é limitado. Certo? Isso é claro, simples. E devemos olhar o tempo, porque o tempo é extraordinariamente importante para nós – o amanhã com sua esperança, com seu perigo, com seu sentido de realização – o amanhã. Esse amanhã pode ser centenas de amanhãs, mas é ainda amanhã. Esse amanhã é o tempo de ontens. Certo? Você compreende tudo isso? Ontem – quando você diz ontem, já é o passado e, portanto, faz parte do tempo. Quando você diz ‘São doze horas’, significa que passa das onze horas. Então ontem e muitos milhares de ontens são o resultado de um contínuo movimento de tempo. Certo? Certo, senhor – compreendeu? Tempo, não apenas tempo físico, mas tempo psicológico – eu serei; eu não sou, mas eu serei. Isso é tempo. Eu não sou bom – algum de vocês diria isso? Não diria. Eu não sou bom, mas serei bom. Eu sou ignorante, mas aprenderei. Esta vida tem sido medíocre, miserável, talvez na próxima vida. A próxima vida é o que você é agora. Certo? Se você não mudar agora, será o que é amanhã. Nós só adiamos para a próxima vida – se houver próxima vida – mas não vamos entrar nisso por ora.

Então, tempo para realizar, aprender, se tornar um sucesso, alcançar a iluminação, meditar. O tempo, cronologicamente bem como psicologicamente, é tremendamente importante. Certo? Porque toda a sua vida se baseia no tempo. Seu negócio, sua aprendizagem de tecnologia, aprender sobre o computador, aprender um novo idioma, aprender como dirigir um carro, como tocar violino, ou isso ou aquilo, isso requer tempo. Por favor, ouça com cuidado. Para aprender um idioma é necessário tempo. Para aprender sobre qualquer tecnologia é necessário tempo. Essa mesma necessidade de tempo nós estendemos para o campo psicológico. Compreende? Eu preciso de tempo para aprender a dirigir um carro. Então também preciso de tempo para aprender sobre mim mesmo. É o mesmo movimento. Certo? Você está acompanhando? Então devemos compreender a natureza do tempo. Existe tempo exteriormente – certo? – o sol nasce, o sol se põe. O sol nasce em certa hora no inverno, se põe a certa hora. No verão ele nasce a certa hora, se põe a certa hora – primavera, outono e por aí vai. Tudo isso é tempo externo. Mas também temos um tempo interno que se baseia no se tornar. Certo? Eu tenho um ideal de não-violência, de que vocês tanto gostam, e enquanto isso eu sou violento, e um dia eu chego lá. Certo? Enquanto isso, vou continuar sendo violento. Então a não-violência é uma falácia. Ela parece boa. E todos os santos a pregaram, mesmo os mais recentes, e você gosta disso. Mas o fato é que você é violento. Isso é fato e a não-violência é um não-fato. Certo? Encare isso. Se você persegue a não violência, está, na verdade, evitando o fato real de ser violento. E encarar isso é mais importante do que perseguir a não-violência. Por mais que falem sobre não-violência, vocês são, de fato, pessoas terrivelmente violentas.

Então há estes dois fatores em nossa vida, fatores principais: pensamento e tempo. Certo? Você não pode negar isso, é um fato. Eles estão separados? Pensamento não é tempo? Certo? Você está acompanhando tudo isso? Por favor, eu não estou lhe ensinando. Estou apenas apontando – nem mesmo apontando, estamos pensando juntos. Nós dois estamos partilhando o alimento, partilhando o alimento que foi colocado a nossa frente. É o alimento que importa, e o alimento, se for um alimento adequadamente equilibrado, nutre. É esse alimento é pensamento e tempo, que você deve compartilhar com o orador. Significa que você deve compreender a natureza do tempo, que é também muito complexo, como o pensamento é. Estamos apontando, ambos são movimentos. Pensamento é um movimento e tempo é um movimento. Portanto eles são um só. Não é o pensamento é separado, o tempo é separado. O pensamento criou o tempo. Certo? Eu sou isso, eu serei aquilo. Esse movimento é produzido pelo pensamento. Eu serei, eu atingirei meu ideal. Esse é um movimento do pensamento incluindo o tempo. Quando você diz, ‘Eu atingirei’, atingir significa tempo. Certo? Espero que você veja tudo isso, junto.

Então esses são os principais fatores da vida: tempo mais pensamento. E para olhar, para observar o conteúdo de nossa consciência, que é compartilhado por toda a humanidade e, portanto, você é o restante… você é a humanidade. Essa é uma coisa maravilhosa se você a compreende. Que você é o restante da humanidade. Que você não está separado do restante da humanidade. Então podemos examinar… então podemos observar nosso conteúdo, o conteúdo que é partilhado por todas as coisas vivas. Senhor, você compreende? Então essa coisa é sagrada. Essa é a mais… a mais sagrada das coisas, porque assim não existe separação, não existe divisão. Então sua esposa é você e você é a esposa. Oh, você não…

A coisa que você adora não é amor. Suas escrituras, seus livros, seus gurus, seus templos, neles não existe verdade. A verdade é para ser encontrada na compreensão de todo o seu ser. E ela está muito perto – você não tem que ir longe para encontrar a verdade. Você não tem que ir a Kashi, a Meca, a Roma. Ela está onde você está. Perdoem o orador por sua paixão.

Então vamos observar um dos conteúdos de nossa consciência. Desde a infância somos feridos psicologicamente. Isso é um fato. Os pais ferem, a sociedade fere, a escola com seus exames, com suas notas, com sua comparação, fere a criança. Certo? Isso é um fato. E nós carregamos essa ferida ao longo da vida. E essa ferida nos faz construir uma parede a nossa volta, de modo a não sermos mais feridos. Você já notou isso? Você não vem sendo ferido desde a infância? Todos nós? Naturalmente – óbvio. Seu rosto mostra isso. E o que é isso que é ferido? Você diz, ‘Eu estou ferido’ – quem é ‘você’ que é ferido? A imagem que você criou de si mesmo. Certo? Ela é ferida e você se identificou com essa imagem. Se você não tivesse imagem, nunca seria ferido. Certo? Significando que você não tem identificação com nada. Entende tudo isso? Onde existe identificação, com a família, com um país, com um ideal, você vai sempre ser machucado, sacudido, magoado, atemorizado.

Então pode você viver – por favor, essa é uma pergunta muito séria – você pode viver sem uma única imagem? De outro modo você sempre será ferido e, também, nunca terá a beleza da humildade. Portanto, se conscientizar de sua imagem que é ferida e, nessa conscientização, estar intensamente cônscio sem nenhuma escolha – não escolha, você não pode escolher na conscientização. Se você estiver cônscio de sua… agora, enquanto você está sentado sob uma tenda, um toldo, se você estiver consciente de toda a cor quando entra, a forma da tenda, a pessoa sentada perto de você, as roupas que ela está usando – apenas observar. Não dizer, ‘Eu não gosto dessa cor’, ou gosto do homem que está perto de mim, ele está perfumado ou ele não está limpo, ou sua camisa não é da cor que eu gosto. Assim sua conscientização fica limitada. Mas se você estiver consciente sem nenhuma escolha, sem nenhuma direção, então essa conscientização revela tudo. Então, estar consciente da imagem que você tem de si mesmo, do outro, essa imagem de nacionalidade, identificada com uma nação e assim por diante, essa imagem, enquanto você a tiver, vai ter angústia, (barulho alto) – desculpem – dor, se fere. Então a pergunta é: você pode viver sem nenhuma imagem? É possível (Barulho alto). Eles estão se divertindo, não?

Se você compreende, se você vê o fato – o fato de que enquanto você tiver uma imagem e se identificar com essa imagem, terá muitos problemas. E seu cérebro é treinado para resolver problemas, por isso você fica preso nos problemas. Mas se você vê o fato, não como um problema, que enquanto você tiver uma imagem ela será abalada por alguém, e você ficará ferido. O que significa que um dos conteúdos de nossa consciência é o medo. Posso entrar nisso agora?

Esse é um problema muito complexo porque vivemos com o medo durante todos os dias de nossas vidas. Ele é uma sombra escura. É uma coisa que a humanidade suportou, carregou durante milhões de anos. Cada um, nós sabemos o que é o medo: medo do passado, de coisas… (barulho alto) Medo do passado, o remorso, a culpa, as coisas que foram feitas e não deveriam ter sido, os arrependimentos. O medo é muito complexo. E para compreender o medo, não verbalmente, não meramente intelectualmente, mas encarar o fato de que cada um de nós está assustado, amedrontado. E nunca fomos capazes de resolver esse problema. Nós o carregamos como nossa sombra. Medo significa estar sozinho, se sentir solitário, não amado e buscando amor, medo do que pode acontecer, perder meu emprego, eu serei um dos desempregados. Há pessoas no mundo, senhor, que não sabem o que é trabalho. Durante a vida inteira delas nunca trabalharão, não porque são aleijados, mas porque a sociedade, os governos são tão limitados, tão estreitos, tão cruéis que milhares e milhares, como na Inglaterra cerca de quatro milhões de pessoas estão desempregadas, e nesse país deus sabe quantas – essas pessoas têm medo. Você pode ter um bom emprego, pode ter segurança, mas existe sempre este medo do amanhã. Não só o medo do amanhã, mas o medo da morte, medo de nunca ser íntegro, completo. Portanto o medo é um problema extraordinariamente complexo, não para ser tratado em poucos minutos. É uma vasta área de nossa vida e nessa área você deve pisar muito vagarosamente, cuidadosamente, hesitantemente. Não é como acabar com o medo, mas na própria compreensão dele, de sua qualidade, há um fim para esse medo completamente que pode não retornar, uma liberdade absoluta, liberdade psicológica do medo. Então nenhum deus, nenhuma prece, nenhuma escritura existe. Apenas a mente medrosa, o cérebro medroso busca segurança em coisas ilusórias.

Como já passam quinze minutos das sete vamos parar. Continuaremos nisso tudo nos próximos sábado e domingo.

07/11/1983