7ª Palestra em Saanen, Suiça

 

Temos explorado muitos problemas que dizem respeito à nossa vida diária porque, sem compreendermos esses problemas diários de conflito, avidez, ambição, inveja, as penas do amor, etc. – sem compreendermos essas coisas completamente – é impossível descobrirmos, por nós mesmos, se existe algo além das coisas que são acumuladas pelo cérebro: a moralidade respeitável do dia-a-dia, as invenções das várias igrejas por todo o mundo, a visão de mundo obviamente materialista, e a atitude intelectual para com a vida.

Parece-me que qualquer problema humano que persista sendo problema, inevitavelmente embota a mente e a torna insensível, porque a mente limita-se a girar em círculos, sem jamais sair da sua confusão e do seu sofrimento. Portanto, é vitalmente necessário compreender cada problema e dar-lhe fim logo que surja. Acho que poucos de nós compreendem que, se qualquer problema humano não for resolvido imediatamente, ele imprime à mente um senso de continuidade no qual há eterno conflito, e isso torna a mente insensível, embotada, estúpida. Este fato precisa ser claramente entendido, bem como o fato de que não estamos falando de algum sistema particular de filosofia, ou olhando a vida através de algum prisma especial de pensamento. Como sabem, temos discutido muitas coisas, mas não de um ponto de vista oriental ou ocidental. Temos tratado de cada problema, não como cristãos, ou hindus, ou zen-budistas, ou segundo qualquer outro ponto de vista tendencioso, mas simplesmente como seres humanos racionais, inteligentes, sem distorções nem neuroses.

Esta manhã, gostaria de falar sobre uma questão importante, a questão da morte – morte não só do indivíduo, mas morte como uma ideia que existe por todo o mundo e que tem persistido como problema por séculos, sem jamais ser resolvido. Há não só o medo individual da morte, mas também uma atitude coletiva desproporcional para com a morte – tanto na Ásia quanto nos países ocidentais – que precisa ser compreendida. Portanto, vamos considerar juntos toda essa questão.

No exame de problema tão vasto e importante, as palavras só servem para permitir a comunicação, a comunhão entre nós. Mas a palavra pode facilmente tornar-se um obstáculo quando tentamos compreender essa profunda questão da morte, a menos que lhe demos completa atenção, em vez de tentarmos verbalmente, irreverentemente ou intelectualmente, encontrar uma razão para sua existência.

Antes, ou talvez durante o processo de compreensão dessa coisa extraordinária chamada morte, temos de entender também a importância do tempo, que é outro grande fator na nossa vida. O pensamento cria o tempo, e o tempo controla e molda o nosso pensamento. Estou usando a palavra tempo, não só no sentido cronológico de ontem e amanhã, mas também no sentido psicológico – o tempo inventado pelo pensamento como meio de chegar, de alcançar, de protelar. Ambos são fatores que influenciam a nossa vida. É preciso ter consciência do tempo cronológico; doutro modo, você e eu não poderíamos encontrar-nos aqui às onze horas. Obviamente, o tempo cronológico é necessário nos eventos da nossa vida – isso é um assunto simples, claro, que não precisa ser investigado em profundidade. Portanto, o que temos de explorar, discutir e entender é o inteiro processo psicológico que chamamos de tempo. Por favor, como tenho dito em cada reunião aqui, se vocês simplesmente ouvirem as palavras e não perceberem as implicações por trás das palavras, receio que não cheguemos muito longe. A maioria das pessoas está escravizada pelas palavras e pelo conceito ou fórmula que as palavras construíram. Não descarte isso simplesmente, porque cada um de nós tem uma fórmula, um conceito, uma ideia, um ideal – racional, irracional ou neurótico – de acordo com o qual está vivendo. A mente está se guiando por algum padrão, por alguma série de palavras que foram transformadas num conceito, numa fórmula. Isso é verdade a respeito de cada um de nós, e, por favor, não se engane sobre isso – há uma ideia, um padrão, de acordo com o qual estamos moldando nossa vida. Mas, se quisermos entender esta questão de morte e vida, todas as fórmulas, padrões e ideações – que existem porque não entendemos a vida – precisam desaparecer. Um homem que esteja vivendo em plenitude, completamente, sem medo, não possui nenhuma ideia sobre a vida. Sua ação é pensamento, e seu pensamento é ação; não são coisas separadas. Mas, porque temos medo da coisa chamada morte, nós a separamos da vida; colocamos a vida e a morte em dois compartimentos estanques, com uma grande distância entre eles, e vivemos de acordo com a palavra, de acordo com a fórmula do passado, a tradição do que foi dito; e a mente presa nesse processo jamais poderá ver todas as implicações da morte e da vida, nem entender o que é a verdade.

Portanto, quando você esquadrinhar essa questão comigo, se o fizer como cristão, budista, hindu, ou o que seja, você ficará completamente confuso. E, se trouxer para essa exploração o resíduo de suas várias experiências, o conhecimento adquirido de livros, de outras pessoas, também ficará não só desapontado, mas muito confuso. O homem que quiser realmente investigar, precisa primeiro ficar livre de todas essas coisas que constituem o seu background – e essa é a nossa maior dificuldade. A pessoa precisa ficar livre do passado – mas não como reação – porque, sem essa liberdade, não se pode descobrir nada novo. Compreender é liberdade. Mas, como eu disse outro dia, muito poucos querem ser livres. Preferimos viver numa estrutura segura feita por nós mesmos, ou numa estrutura montada pela sociedade. Qualquer perturbação dentro desse padrão é bastante inquietante, e, em vez de ficarmos perturbados, vivemos uma vida de negligência, morte e decadência.

Para investigarmos essa imensa questão da morte, precisamos não só manter-nos indiferentemente cônscios da nossa escravidão a fórmulas, a conceitos, mas também dos nossos temores, nosso desejo de continuidade, e assim por diante. Para inquirir, precisamos abordar o problema como se pela primeira vez. Por favor, isso é realmente muito importante. A mente precisa ser clara e nunca estar presa num conceito ou numa ideia, se quiser perscrutar algo que seja extraordinário – com é o caso da morte. A morte precisa ser algo extraordinário, e não isso que tentamos trapacear e que tememos.

Psicologicamente, somos escravos do tempo – o tempo significando a lembrança de ontem, do passado, com todas as suas experiências acumuladas; não só as suas memórias, mas também as memórias da coletividade, da raça, do homem ao longo das idades. O passado é constituído das tristezas, dos sofrimentos, das alegrias individuais e coletivas do homem, sua extraordinária luta com a vida, com a morte, com a verdade, com a sociedade. Tudo isso constitui o passado, o ontem multiplicado milhares de vezes; e, para a maioria de nós, o presente é o movimento do passado em direção ao futuro. Não há divisões exatas de passado, presente e futuro. Aquilo que foi, modificado pelo presente, é aquilo que será. Isso é tudo o que sabemos. O futuro é o passado modificado pelos acidentes do presente; o amanhã é o ontem reciclado pelas experiências, reações e conhecimentos de hoje. É isso que chamamos de tempo. O tempo é coisa forjada pelo cérebro, e o cérebro, por sua vez, é resultado do tempo, de milhares de ontens. Cada pensamento é resultado do tempo; é a resposta da memória, a reação das saudades, frustrações, malogros, tristezas, perigos iminentes de ontem; e, com esse background, olhamos para a vida, examinamos todas as coisas. Se há ou não há Deus, qual é a função do Estado, a natureza do relacionamento, como superar ou ajustar-se ao ciúme, à ansiedade, à culpa, ao desespero, à tristeza – olhamos para todas essas questões com aquele background do tempo.

Qualquer coisa para a qual olhemos com esse background fica distorcida, e, quando a crise a exigir atenção for muito grande, se olharmos para ela com os olhos do passado, agiremos, ou de modo neurótico – coisa que a maioria faz – ou construímos para nós um muro de resistência contra ela. Eis o inteiro processo da nossa vida.

Por favor, estou expondo essas coisas verbalmente, mas, se vocês apenas notarem as palavras, mas não observarem o seu próprio processo de pensamento (observação que consiste em verem a si próprios como são), então, quando saírem daqui esta manhã, não terão uma completa compreensão da morte, e é preciso haver essa compreensão se vocês quiserem ser livres e entrar em algo totalmente diferente.

Portanto, estamos eternamente traduzindo o presente nos termos do passado, e, assim, dando continuidade ao que foi. Para a maioria de nós, o presente é a continuação do passado. Vamos ao encontro dos acontecimentos diários de nossa vida – os quais têm suas novidades, sua importância – com o peso morto do passado, criando, assim, aquilo que chamamos de futuro. Se você tiver observado sua própria mente, não só o consciente, mas também o inconsciente, saberá que ela é o passado, que nada há nela que seja novo, nada que não seja corrompido pelo passado, pelo tempo. Há também aquilo que chamamos de presente. Existe um presente intocado pelo passado? Existe um presente que não condicione o futuro?

Provavelmente você não pensou nisso antes, e vamos entrar um pouco nesse assunto. A maioria de nós quer viver no presente porque o passado é tão pesado, tão opressor, tão inexaurível, e o futuro, tão incerto. A mente moderna diz: “Viva completamente no presente. Não se preocupe com o que acontecerá amanhã, mas viva para o hoje. A vida é tão inapelavelmente miserável, que o mal de um dia já basta; portanto, viva cada dia completamente e esqueça tudo o mais.” Essa é, obviamente, uma filosofia do desespero.

É possível viver no presente sem trazer para ele o tempo, que é o passado? Certamente, você pode viver na totalidade do presente, mas só quando compreende todo o passado. Morrer para o passado é viver no presente; e você só pode morrer para o tempo se tiver compreendido o passado, o que significa compreender sua própria mente – não só a mente consciente, que vai para o escritório todos os dias, coleciona conhecimentos e experiências, tem reações superficiais, e tudo o mais, porém também a mente inconsciente, na qual estão enterradas as tradições da família, do grupo, da raça. Também enterrada no inconsciente, está a imensa tristeza do homem e o medo da morte. Tudo isso é o passado, que é você mesmo, e você tem de entendê-lo. Caso você não compreenda essas coisas; caso não tenha perscrutado os caminhos da sua mente e do seu coração, sua avidez e tristeza; caso você não se conheça completamente, não pode viver no presente. Viver no presente é morrer para o passado. No processo de compreender a si mesmo, você fica livre do passado, que é o seu condicionamento – seu condicionamento como comunista, católico, protestante, hindu, budista, o condicionamento imposto a você pela sociedade e por suas próprias ambições, invejas, ansiedades, desesperos, tristezas e frustrações. É o seu condicionamento que dá continuidade ao “eu”, ao ego.

Como estava eu mostrando outro dia, se você não se conhece a si mesmo, seu estado inconsciente tanto quanto o seu estado consciente, toda a sua investigação será distorcida, tendenciosa. Você não terá fundamento para pensar de modo racional, claro, lógico, saudável. O seu pensamento se dará de acordo com certo padrão, fórmula ou conjunto de ideias – mas isso não é realmente pensar. Para pensar com clareza, lógica, sem ficar neurótico, sem ser apanhado em alguma forma de ilusão, você tem de conhecer todo o processo da sua consciência, que foi construída pelo tempo, pelo passado. E é possível viver sem o passado? Certamente, isso é a morte. Vocês entenderam? Tornaremos à questão do presente quando tivermos visto por nós mesmos o que é a morte.

O que é a morte? Esta pergunta é para o jovem e para o velho; portanto, faça-a a si mesmo. A morte consiste somente no fim do organismo físico? É disso que temos medo? É o corpo que nós queremos que continue? Ou o que queremos é outra forma de continuidade? Todos compreendemos que o corpo, a entidade física, desgasta-se com o uso, com as várias pressões, influências, conflitos, compulsões, exigências, tristezas. Alguns provavelmente gostariam que o corpo pudesse continuar por 150 anos ou mais, e talvez os médicos e os cientistas, juntos, descubram, por fim, algum modo de prolongar a agonia na qual vive a maioria de nós. Mas, cedo ou tarde, o corpo morre, o organismo físico chega ao fim. Como qualquer máquina, ele eventualmente se consome.

Para a maioria, a morte é algo muito mais profundo do que o findar do corpo, e todas as religiões prometem algum tipo de vida depois da morte. Nós ansiamos por continuidade, queremos a garantia de que algo continua quando o corpo morre. Esperamos que a psique, o “eu” continue – o “eu” que teve experiências, que lutou, adquiriu, aprendeu, sofreu, divertiu-se; o “eu” que, no Ocidente, chama-se alma, e que tem outro nome no Oriente. Portanto, estamos preocupados com a continuidade e não com a morte. Não queremos saber o que é a morte; não queremos conhecer o extraordinário milagre, a beleza, a profundidade, a vastidão da morte. Não queremos investigar esse algo que não conhecemos. Só queremos continuar a existir. Nós dizemos: “Eu que vivi quarenta, sessenta, oitenta anos; que tenho uma casa, família, filhos e netos; que fui para o escritório dia após dia por tantos anos; eu que tive contendas, apetites sexuais – eu quero continuar a viver.” Só nos preocupamos com isso. Sabemos que existe morte, que é inevitável o fim do corpo físico, então dizemos: “Preciso assegurar-me da minha continuidade depois da morte.” Por conseguinte, temos crenças, dogmas, ressurreição, reencarnação – mil modos de fugir da realidade da morte; e, quando temos uma guerra, colocamos cruzes para os pobres coitados que foram mortos. Esse tipo de coisa tem acontecido por milênios.

Nós jamais demos todo o nosso ser para descobrir o que é a morte. Nós sempre abordamos a morte com a condição de termos garantia de continuidade no além. Dizemos: “Quero que o conhecido continue” – sendo o conhecido nossas qualidades, capacidades, a memória das nossas experiências, nossas lutas, realizações, frustrações, ambições; é também o nosso nome e a nossa propriedade. Eis o conhecido, e queremos que tudo isso continue. Uma vez garantida a certeza dessa continuidade, então talvez possamos investigar o que é a morte, e se existe essa coisa de desconhecido – que deve ser algo extraordinário de encontrar.

Então, você vê a dificuldade. O que desejamos é continuidade, e nunca nos havemos perguntado o que é que contribui para a continuidade, o que é que inicia essa corrente, esse movimento de continuidade. Se você observar, verá que é só o pensamento que dá um senso de continuidade – nada mais. Por meio do pensamento, você identifica-se com a sua família, com a sua casa, com os seus quadros ou poemas, com o seu caráter, com as suas frustrações, com as suas alegrias. Quanto mais você pensa num problema, mais raiz e continuidade você dá àquele problema. Se você gosta de alguém, você pensa nessa pessoa, e esse pensamento dá um senso de continuidade no tempo. É claro que você precisa pensar, mas será que você pode pensar por um momento, naquele momento – e então deixar de pensar? Se você não dissesse: “Eu gosto disso, é meu – é meu quadro, minha auto expressão, meu Deus, minha mulher, minha virtude – e vou conservar tudo isso”, você não teria nenhum senso de continuidade no tempo. Mas você não pensa com clareza, não pensa completamente em cada problema. Sempre há o prazer que você quer conservar e a dor que você quer descartar, o que significa que você pensa em ambas as coisas, e o pensamento dá continuidade e ambas. O que denominamos pensamento é resposta da memória, da associação, que é essencialmente o mesmo que a resposta de um computador; e você tem de chegar ao ponto em que veja por si mesmo a verdade disso.

A maioria de nós não quer realmente descobrir, em primeira mão, o que é a morte; pelo contrário, queremos continuar no campo do conhecido. Se o meu irmão, o meu filho, a minha mulher ou o meu marido morre, fico inconsolável, solitário, com autocomiseração, estado que chamo de desolação, e passo a viver nesse estado de desordem, confusão e sofrimento. Eu separo a morte da vida – a vida de intrigas, amarguras, desesperos, desapontamentos, frustrações, humilhações, insultos – porque esta vida eu conheço, e a morte eu não conheço. Crença e dogma me satisfazem até que eu morra, e é isso que acontece com a maioria de nós.

Entretanto, esse senso de continuidade que o pensamento dá à consciência é bem superficial, como você pode ver. Não há nada misterioso ou enobrecedor nisso, e, quando você lhe compreende o inteiro significado, você pensa – quando o pensamento é necessário – com clareza, com lógica, de modo saudável, não sentimental, sem a constante compulsão para saciar-se, para ser ou tornar-se alguém. Então você saberá como viver no presente, e viver no presente é morrer momento a momento. Você é capaz, então, de investigar, porque sua mente, livre de medo, não tem ilusão alguma. Não ter nenhuma ilusão é absolutamente necessário, e a ilusão só existe enquanto houver medo. Não havendo medo, não há ilusão. A ilusão surge quando o medo se enraíza na segurança, seja na forma de um relacionamento, uma casa, uma crença, ou posição e prestígio. O medo cria ilusão. Enquanto persistir o medo, a mente será presa de várias formas de ilusão, e tal mente não consegue compreender o que é a morte. Vamos agora investigar o que é a morte – pelo menos, eu vou investigar o assunto, expô-lo – mas você só pode compreender a morte, viver com ela completamente, conhecer-lhe o profundo, inteiro significado, quando não houver medo, e, por conseguinte, quando não houver ilusão. Ser livre de medo é viver completamente no presente, o que significa que você não está funcionando mecanicamente, no hábito da memória. Muitos de nós estamos preocupados com a reencarnação, ou querendo saber se continuamos a viver depois que o corpo morre, o que é bastante pueril. Será que já compreendemos a trivialidade desse desejo de continuidade? Conseguimos ver que é somente o processo do pensamento, a máquina do pensamento, que exige continuidade? Tendo visto esse fato, você compreende a total superficialidade, a estupidez de tal exigência? Será que o “eu”” continua depois da morte? Que importa isso? E o que é esse “eu” que você quer que continue? Seus prazeres e sonhos, suas esperanças, desesperos e alegrias, suas propriedades e o nome de família, o seu insignificante caráter, e o conhecimento que você amealhou em sua limitada vida, aumentado por professores, literatos, artistas. É isso que você quer que continue, e isso é tudo.

Então, seja você idoso ou jovem, tem de pôr fim a tudo isso – você tem de acabar com isso completamente, cirurgicamente, como um cirurgião opera com um bisturi. Então a mente fica sem ilusão e sem medo; portanto, ela pode observar e compreender o que é a morte. O medo existe por causa do desejo de apegar-se ao que é conhecido. O conhecido é o passado vivendo no presente e modificando o futuro. Eis a nossa vida dia após dia, ano após ano, até morrermos; como pode uma mente assim compreender algo que não tem tempo, não tem motivo, algo completamente desconhecido?

Vocês entenderam?A morte é o desconhecido, e você tem ideias sobre ela. Você evita olhar para a morte, ou a racionaliza, dizendo que é inevitável, ou tem uma crença que lhe dá conforto, esperança. Mas, é somente uma mente madura, uma mente sem medo, sem ilusão, sem essa estúpida busca de auto expressão e continuidade – é só uma mente assim que pode observar e descobrir o que é a morte, porque sabe como viver no presente.

Por favor, acompanhe isso. Viver no presente é não ter desespero, porque não há nenhum desejo obsessivo pelo passado e nenhuma esperança no futuro; portanto, a mente diz: “O hoje me basta.” Ela não evita o passado nem fecha os olhos para o futuro, mas entendeu a totalidade da consciência, a qual não é só o individual, mas também o coletivo, e, assim, não existe “eu” separado dos muitos. Na compreensão da totalidade de si mesma, a mente compreendeu o particular tanto quanto o universal; portanto, abandonou a ambição, o esnobismo, o prestígio social. Tudo isso deixa de existir na mente que esteja vivendo inteiramente no presente, e, portanto, morrendo para tudo que conheceu, a cada minuto do dia. Então você descobrirá, se tiver alcançado esse ponto, que a morte e a vida são uma só coisa. Você está vivendo totalmente no presente, completamente atento, sem escolha, sem esforço; a mente está sempre vazia, e, desse vazio, você olha, observa, entende, e, portanto, viver é morrer. Aquilo que tem continuidade jamais pode ser criativo. Só aquilo que termina pode saber o que é criar. Quando a vida é também morte, há amor, há verdade, há criação – porque a morte é o desconhecido, assim como a verdade, o amor e a criação.

Vocês querem fazer perguntas e discutir o que temos falado esta manhã?

Interrogante: O morrer é um ato da vontade, ou é ele o próprio desconhecido?

Krishnamurti: Senhor, alguma vez o senhor morreu para o seu prazer – apenas morrer para ele, sem discutir, sem reagir, sem tentar criar condições especiais, sem perguntar como é que vai desistir dele, ou por que deve abandoná-lo? Já fez isso algum dia? O senhor terá de fazê-lo quando morrer fisicamente, não é? Não se pode discutir com a morte. Não se pode dizer para a morte: “Dê-me uns poucos dias mais para viver.” Não é preciso força de vontade para morrer – a pessoa morre e pronto. Ou, já morreu alguma vez para qualquer dos seus desesperos, suas ambições – só desistir dessas coisas, descartá-las, como uma folha que morre no outono, sem nenhum esforço da vontade, sem ansiedade quanto ao que lhe acontecerá se o fizer? Já fez isso? Receio que não. Quando deixar esta tenda, morra para algo a que se apega – seu hábito de fumar, sua exigência de sexo, sua compulsão de ser famoso como artista, como poeta, como isto ou aquilo. Apenas desista, descarte-o como o faria com uma coisa estúpida, sem esforço, sem escolha, sem decisão. Se o seu morrer for total – e não somente deixar de fumar ou de beber, que você transforma num enorme problema – saberá o que significa viver o momento de modo extraordinário, sem esforço, com todo o seu ser; e então, talvez, a porta para o desconhecido se lhe abra.

21 de julho de 1963