2ª palestra em Saanen, Suíça.

Eu sinto que é sempre difícil comunicar exatamente o que se quer dizer. Você tem de usar palavras. Há outras formas de comunicação, mas elas podem ser enganosas e não devem ser consideradas confiáveis. As palavras também podem ser distorcidas; há tantas nuances de significado para cada palavra, e, quando se está comunicando algo que não é puramente objetivo, é preciso uma certa flexibilidade por parte do ouvinte, uma certa sutileza de mente, uma qualidade que as próprias palavras não possuem. Qualquer que seja o idioma utilizado, seja ele francês, italiano, inglês, é sempre difícil, penso eu, ir além das palavras e realmente capturar o significado daquilo que o palestrante quer transmitir. Para isso é preciso uma grande dose de reflexão obstinada, uma qualidade de penetração, um insight, em vez de mera argumentação, explicação articulada ou análise sutil.

Para mim, a coisa mais importante na vida é ter uma mente religiosa, porque então tudo o mais caminha para um relacionamento correto – tudo: trabalho, saúde, casamento, sexo, amor – e os inumeráveis problemas e atribulações da vida são compreendidos. A mente religiosa não é algo que você possa facilmente alcançar pela leitura de uns poucos livros, por participar de uma série de palestras ou por impor a si mesmo uma certa atitude. Mas eu sinto que se deve ter uma tal mente, e talvez durante essas palestras nós possamos chegar a ela – não deliberadamente, não através de qualquer forma de cultivo, ou pelo desenvolvimento de certa capacidade, mas chegar até ela de modo obscuro, inesperadamente, sem percebê-lo.

A mente – que inclui tanto o consciente quanto o inconsciente – é, como observamos, o campo de uma grande parcela de contradição. Ela está aprisionada em um enorme esforço, pervertida por muitos conflitos, contendas, choques de desejos, e uma mente assim nunca pode compreender o que é ser religioso. Faça o que fizer – seja ir à igreja, ler os livros sagrados ou fazer qualquer uma das coisas que fazemos em nossas tentativas pueris de descobrir se Deus existe, se há um além, e assim por diante – uma tal mente nunca pode chegar até aquele extraordinário estado religioso. Esse é o motivo por que eu sinto que é muito importante, especialmente durante essas três semanas, que nós possamos estar profundamente conscientes desse campo interior de conflito. Eu penso que muito poucos estão totalmente conscientes dessa batalha incessante que está ocorrendo dentro de cada um de nós, e, como eu estava mostrando outro dia, o importante não é o que fazer com relação a ela, mas vê-la, porque o próprio ato de ver a coisa é estar livre dela.

Então eu quero discutir essa manhã o fato do conflito e da degeneração – porque ambos caminham juntos; eles não estão separados. Onde há conflito, seja consciente ou inconsciente, profundo ou superficial, esse conflito destrói a sutileza, a rapidez, a sensibilidade da mente. O conflito provoca obtusidade, insensibilidade. Por conflito eu quero dizer ter problemas, e, para se estar livre do conflito, das contradições, deve-se compreender, certamente, essa coisa chamada consciência, a mente, aquilo que somos. Eu vou entrar em tudo isso, não teoricamente, não de modo abstrato, ou meramente através de explicações, mas vou entrar nisso, espero, com a sua cooperação. Isso é, você e eu estamos a ponto de realizar uma jornada juntos; você não está meramente me ouvindo, mas no próprio ato de ouvir, você está observando o processo de sua própria consciência.

Você sabe, há duas formas de se olhar para algo. Ou você olha porque lhe disseram para olhar, e para o que olhar; ou você olha porque quer descobrir, e você começa a descobrir. Quando você tem fome, você come; ninguém precisa lhe dizer para comer. Mas lhe dizerem que você deve comer e sentir fome são duas coisas muito diferentes. Então devemos ser muito claros nesse ponto. Eu não estou dizendo que vocês deveriam olhar, ou para o que olhar, mas nós vamos olhar juntos, e vamos descobrir juntos. Será uma experiência em primeira mão, tanto para mim quanto para você, porque um não está direcionando o outro. Espero que isso esteja claro.

Esse é um problema muito complexo, e entrar nele requer uma mente que seja capaz de olhar, de observar, de considerar, sem dizer imediatamente “O que eu vejo me agrada, eu gosto disso.”, ou “Isso não me agrada, não gosto disso.”. É preciso uma mente científica, uma mente que não distorça, que não dê cor ao que vê. O importante é fazer com que ocorra uma transformação no próprio processo de nosso pensar, na própria matriz, na própria base da mente. Uma revolução é necessária – não uma revolução sociológica ou econômica, mas uma revolução na consciência, no próprio centro de nosso ser, e uma tal revolução pode vir a ocorrer somente se nós entendermos essa questão do conflito. O conflito em qualquer nível da consciência, superficial ou profundo, é fator de deterioração.

Não aceite isso, simplesmente – não aceite nada do que o orador diz. Mas vamos examinar juntos esse problema do conflito, isto é, autocontradição, autopiedade e a exigência por realização, com sua frustração inevitável. Há conformidade, imitação e a contradição de querer transformar o que é em algo que nós chamamos de ideal – a contradição entre o que eu sou e o que eu acho que deveria ser. Contradição implica competição, o desejo de ser alguém maravilhoso, famoso, com todo o esforço inerente a isso, a batalha, a ansiedade, o medo de não ser algo, a agonia do desespero – tudo isso e muito mais está implicado na palavra contradição, e esse é o fator de deterioração.

Nós somos educados a viver em conflito perpétuo: economicamente, moralmente, espiritualmente, nossa sociedade está baseada no conflito; todos os instrutores religiosos nos disseram para nos disciplinarmos, para nos esforçarmos para ser ou nos tornar alguma coisa. Nós sempre temos o exemplo, o herói nacional ou religioso; nós imitamos o santo, o salvador, aquele que alcançou; há sempre esse hiato entre aquele que sabe e aquele que não sabe, com o que não sabe se esforçando incessantemente para saber – o estúpido tentando se tornar inteligente. Essa é a estrutura psicológica de nossa sociedade. Nós somos guiados pela ambição; nós idolatramos o sucesso e condenamos o fracasso; há a multiplicação do sofrimento e a tentativa incessante de escapar do sofrimento. Essa batalha constante prossegue, quer estejamos dormindo ou despertos, quer estejamos indo para uma caminhada ou sentados em silêncio. Essa é nossa sina; para isso fomos educados, o que aceitamos; esse é o estado em que vivemos. Assim, a mente nunca está clara; está sempre confusa, sempre em autocontradição.

Por favor, observe seu próprio estado. Agora, como você observa a si mesmo? Você observa como um espectador olhando para algo fora de si mesmo, o que significa que há uma divisão, uma contradição entre o observador e aquilo que é observado? Ou você observa sem o observador? Por favor, acompanhe isso, é importante. Quando estamos olhando para o processo imensamente complexo de nossa própria consciência, cuja essência mesma é o conflito, nós devemos entender o que queremos dizer com olhar, observar. Estou certo de que nós observamos como alguém de fora olhando para dentro. Você está consciente de seus conflitos, e você os está observando como um censor, como um juiz, como um observador separado daquilo que observa. Isso é o que a maioria de nós faz, e isso nos impede de compreender esse problema complexo chamado conflito – o enorme peso, o conteúdo, as nuances dele. Quando você observa como um observador externo olhando para dentro, você na verdade cria conflito, não? Você não está compreendendo o conflito, mas apenas aumentando-o. Estando consciente do conflito dentro de si mesmo, o observador diz “Eu devo mudar isso; eu não gosto de conflito, eu gosto de prazer.”. Então o observador sempre tem essa atitude de julgar, censurar, e quando você observa desse modo, você não está compreendendo o conflito; ao contrário, você o está multiplicando. Eu fui claro nesse ponto?

Para mim, todo o processo psicanalítico é intensificação do conflito, e não pode trazer libertação em relação a ele. Eu gostaria que você visse esse fato de uma vez por todas, visse a verdade, a beleza disso, e então você saberia o que é olhar, não com os olhos do censor, mas apenas olhar. Se você olha com os olhos do censor, irá aumentar o conflito; mas se você observa, não a partir de um centro, então você começa a entender esse processo extraordinário chamado consciência, que é a própria essência do conflito, do esforço, de uma batalha incessante por vir a ser, por suprimir, por alcançar.

Você observa aquelas montanhas cobertas de neve, aqueles montes e vales, a terra verde; e como você os observa? Você os vê a partir de um centro que analisa? Ou você simplesmente vê a beleza extraordinária? Há uma diferença, sem dúvida, entre percepção e análise. Se essa diferença estiver de algum modo clara, então também estará claro que a análise não provoca uma revolução. A análise pode ajudá-lo a se ajustar à sociedade; pode remover algumas de suas peculiaridades, suas idiossincrasias, suas neuroses; mas nós não estamos falando disso. Estamos falando de algo muito mais fundamental do que o mero ajustamento a uma sociedade falida. A análise implica o analista e o que é analisado. O analista é o censor, o juiz que examina, interpreta, que condena ou aprova o que é visto, e portanto provoca mais conflito. Não estamos fazendo isso, em absoluto; estamos fazendo algo totalmente diferente, que é entender o conflito, não apenas no mundo exterior, mas internamente. Estou usando a palavra entender no sentido de observar sem adotar qualquer posicionamento. Quando você faz isso, você já tem um campo de observação no qual não há conflito. Eu não sei se você vê a verdade disso.

Você sabe tão bem quanto eu que há conflito externamente. Nação está contra nação e governos soberanos com seus exércitos estão constantemente à beira da guerra. Há competição, o antagonismo das divisões de raça e de classe, e a batalha que está ocorrendo entre Ocidente e Oriente, entre aqueles que estão subnutridos e os milhões de famintos da Ásia. Há a explosão demográfica com sua ameaça de fome generalizada e o medo opressor de uma guerra nuclear. Tudo isso é óbvio; está nos lábios de cada político, de cada reformador – a guerra “fria” que está ocorrendo, e que pode a qualquer momento se tornar “quente”.

E então há essa batalha interior que está ocorrendo em cada um de nós: as autocontradições, os problemas não resolvidos e os problemas que foram temporariamente resolvidos, todos deixando sua marca na mente. Nós queremos ser alguém; queremos ser famosos como um pintor, um escritor, um palestrante, um grande homem de negócios, e, se não podemos ser, ficamos frustrados – o que traz ainda outra forma de conflito.

Então há o conflito externo e o interno, e o externo não é essencialmente diferente do interno. Eles são ambos partes do mesmo movimento, que é como uma maré que vai e volta. Separá-los é absurdo, estúpido, porque eles são uma e a mesma coisa. Você deve lidar com o problema como um todo, e não dividi-lo entre exterior e interior; de outro modo, você nunca será capaz de entendê-lo. No momento em que separa o exterior do interior, você aumentou o conflito em que está aprisionado.

Agora, vendo essa batalha incessante, essa autocontradição na qual se está preso, o que de deve fazer? O conflito interior pode produzir um certo esforço, um certo resultado. Ele pode e frequentemente produz pinturas, poemas, literatura, os assim chamados movimentos religiosos; mas todos estão dentro do campo do conflito, e um homem que produz um livro, um poema, uma pintura a partir dessa tensão do conflito é um fator de degeneração. Ele auxilia outras pessoas a degenerar. Isso é bastante óbvio. Então, o conflito, em qualquer forma, estando-se consciente dele ou não, e qualquer ação que surja desse conflito, é um fator de degeneração.

Por favor, não aceite o que eu estou dizendo porque, se você aceitar, trata-se meramente de uma concordância verbal, e nós não estamos aqui para concordar ou discordar verbalmente. Isto não é um clube de debates.

Você vê, por séculos e séculos nós temos sido criados com essa idéia de que devemos nos esforçar para ser ou alcançar algo. Nos esforçamos para ser bem-sucedidos nesse mundo, e também pensamos que através do conflito nós podemos chegar a Deus, ou criar alguma coisa no sentido religioso ou artístico. Olhe para os inumeráveis santos que batalharam consigo mesmos para chegar a um estado que eles chamam de espiritual, e que é reconhecido como tal pelas igrejas. Então o conflito é uma instituição legitimada pela tradição, algo que nós idolatramos. Você vê o conflito representado em figuras do antigo Egito e nas cavernas de Lascaux, onde o homem é retratado batalhando com animais, o bem contra o mal, na esperança de que o bem irá prevalecer. O conflito é um processo histórico; é como uma enorme onda que está sempre nos carregando, e nós somos parte dessa onda.

Agora, ver o conflito – esse processo sociológico, histórico, do qual somos uma parte – como um fator de deterioração requer cuidadosa atenção, inteligência real. A maioria de nós não reconhece o conflito como um fator de deterioração porque estamos acostumados a ele. Na escola, nos negócios, em tudo que fazemos, a competição é nosso modo de vida, e ninguém quer admitir que ele é profundamente destrutivo. Uns poucos podem admiti-lo em teoria, mas não factualmente, então entremos nisso.

Como eu disse, há muitas variedades de conflito. As assim chamadas pessoas religiosas têm suas várias disciplinas. Elas controlam, subjugam a si mesmas; elas se conformam a um padrão que chamam de espiritual, ou imitam algum herói; elas aceitam a autoridade de um salvador, um instrutor, de acordo com cujos ditames elas se esforçam para viver. Se elas são, afinal, sérias – como os monges cristãos ou como aquelas pessoas na Índia que abandonaram o mundo – sua vida é uma batalha para controlar, disciplinar a si mesmas.

E olhe para nossas próprias vidas. Talvez alguns de vocês fumem. Você pode sentir que é um absurdo ser escravo de qualquer hábito, mas quão extraordinariamente difícil é para você abandonar uma pequena coisa como o hábito de fumar; que torturas você atravessa! Isso se torna um conflito e, é claro, com outras coisas emocionais como o sexo, e assim por diante, torna-se uma miséria incalculável. Mas você está acostumado ao conflito; é seu hábito, seu modo de viver. O conflito foi transformado em algo sagrado, respeitável; e quando uma pessoa como eu aparece e diz que se pode viver totalmente sem conflito, você ou se torna cínico e diz “pobre camarada.”, ou você tenta viver do jeito que ele vive, e portanto está novamente preso em conflito.

Como eu disse, estando-se consciente disso ou não, o todo da consciência, o todo daquilo que chamamos pensamento, é conflito – o pensamento como a palavra, o símbolo, o pensamento que é a resposta da memória, não apenas da memória de ontem, mas de muitos milhares de ontens. E se você não pensasse, em absoluto, o que aconteceria? Você vegetaria, ficaria satisfeito com o que é, como uma vaca? Ou não pensar, em absoluto, é um estado extraordinariamente vital, porque significa que você compreende e está livre de toda essa resposta mecânica da memória, que é o cérebro respondendo com todas as suas acumulações de experiências como conhecimento?

A maioria de nós abandona o esforço de se libertar do conflito e se permite ser levado pela correnteza, tornando assim a mente obtusa; e se a dor do conflito se torna grande demais, nós recorremos a uma crença em Deus, esperando desse modo encontrar paz, mas mais cedo ou mais tarde isso também se torna uma fonte de conflito. Ou, temendo que, por não ter conflitos, nós vegetemos, nos tornemos obtusos, satisfeitos, nós mantemos a agudeza do conflito argumentando intelectualmente com outros, lendo e nos informando sobre cada assunto no planeta. Mas há uma abordagem a esse problema que requer a mais elevada forma de inteligência, a mais elevada sensibilidade, e essa abordagem é observar, estar consciente de todo o processo do conflito, sem escolha. Se você entrar nisso, irá descobrir que nesse estado de atenção sua mente entende imediatamente cada problema à medida que surge, de forma que o conflito não tem solo no qual criar raízes.

Agora, é sobre isso que vou falar: não como escapar do conflito – o que você faz, de qualquer modo, fugindo para seu deus favorito ou para seu analista favorito – mas como compreender negativamente todo esse processo do conflito. Por compreensão negativa eu quero dizer o estado de uma mente que olha para um problema, ou uma montanha, sem verbalizar – ela apenas olha. É o estado de uma mente que não interpreta, censura ou escolhe, mas está consciente sem escolha. Uma tal mente não diz “Eu gosto disso e não gosto daquilo.”, mas meramente observa com uma atenção que é total; e nesse estado de mente você vai descobrir que conflitos de qualquer tipo, em qualquer nível de seu ser, terminam. A mente que não tem conflito é a única mente religiosa – mas esse estado você ainda não conhece. Não importa o quanto você possa se encantar com minha descrição, isso não terá qualquer valor.

Para um homem ou mulher que se dispusesse a realmente compreender a beleza, o significado extraordinário de uma vida sem conflito – e eu digo que uma vida assim é possível – a primeira coisa é estar totalmente ciente de todo o conteúdo da consciência. Estar totalmente ciente não é analisar, mas simplesmente observar. E essa é nossa grande dificuldade porque nós fomos treinados, ao longo de milhares de anos de hábito, para julgar, condenar, comparar, identificar; essa é nossa resposta instintiva, e portanto nós nunca observamos realmente.

Assim, viver nesse mundo, que é feito de conflito, que mantém o conflito através de realizações e frustrações, e que exige que você também viva em conflito, num estado de autocontradição – vivendo nesse mundo, você pode, pela compreensão, sendo sensível àquele processo inteiro, ficar totalmente livre do conflito? Certamente, apenas a mente que não tem problemas, nenhuma cicatriz de conflito, é inocente, e apenas uma mente inocente pode conhecer aquilo que é imensurável.

Bem, vamos discutir sobre o que falei nessa manhã.

Interrogante: Qual é a função real do pensamento?

Krishnamurti: Eu realmente não sei, mas vamos descobrir. O pensamento tem alguma importância? Se tem, qual é seu lugar na vida? Não estamos oferecendo opiniões sobre isso. Não é uma questão do que você pensa, ou do que eu penso, ou do que alguém mais pensa – isso não tem qualquer valor. Nós vamos descobrir a verdade da questão. Para fazer isso, tem-se de hesitar, de esperar, de olhar, de ouvir, de sentir o que se passa ao redor, e não apenas repetir a reação da memória. Tendo lido algum livro sobre filosofia, ou sobre o pensar, você pode se lembrar de alguma citação contida nele, mas não estamos aqui para citar o que outros disseram. Aquele cavalheiro fez um questionamento muito sério. Eu tenho dito que o pensamento é conflito, que o pensamento é destrutivo, e ele pegou isso, e está perguntando “O que você quer dizer com isso?”. Se o pensamento é destrutivo, então qual a função real do pensamento? Qual o lugar correto do pensamento em nossa vida?”.

Agora, antes de respondermos essa questão, nós devemos descobrir o que é o pensamento, não devemos? Então nós podemos colocá-lo em seu lugar; podemos lhe dar o significado correto. Mas sem compreender todo o processo do pensar, apenas oferecer algumas poucas palavras em resposta não resolve a questão.

Assim, o que é o pensar? Por favor, não me respondam – é muito fácil dizer o que é o pensar, mas isso põe um fim à nossa investigação. Eu lhe faço uma pergunta: o que é o pensamento? E o que acontece, então? Há um desafio em forma de questão, e você responde a ele. Entre minha pergunta e sua resposta há um intervalo, um intervalo de tempo em que sua memória está operando. Você diz para si mesmo “O que ele quer dizer? Onde eu li sobre isso?” e etc., etc. Se a questão é muito familiar, se eu te pergunto qual o seu nome, sua resposta é imediata porque você não tem de pensar. Mas se eu pergunto algo que você não sabe realmente, você hesita, há um intervalo de tempo durante o qual você está procurando, olhando em sua memória para descobrir. Assim, seu pensamento é a resposta de sua memória, não é? Por favor, vá devagar – isso é muito interessante se você for vagarosamente.

Quando a questão é uma com a qual você está familiarizado, sua resposta é instantânea. Quando você não está muito familiarizado com a questão, você precisa de tempo, e durante esse período você está procurando em sua memória pela resposta. E quando é feita uma pergunta sobre a qual você não reuniu nenhuma informação, em absoluto, você olha, procura, e você diz “Eu não sei.”. (a) Sua resposta é instantânea, (b) Você leva tempo para responder, (c) Você diz “Eu não sei.”. Mas quando você diz “Eu não sei.”, você está esperando saber, esperando ser informado, esperando ir à biblioteca e procurar; você está esperando uma resposta. Assim, quando você diz “Eu não sei.”, trata-se de um “Eu não sei.” condicional. Você espera saber em poucos dias, ou em poucos anos – o que é condicional. E há também (d), que é dizer “Eu não sei.”, e que não é condicional; a mente não está esperando, não está procurando na esperança de encontrar uma resposta. Ela apenas diz “Eu não sei.”

Agora, (a), (b) e (c) são todos um processo de pensamento, não são? Se você pergunta a um cristão se há um Deus, ele imediatamente dirá “Claro que há.” Se você faz a um comunista a mesma pergunta, ele dirá “Sobre o que você está falando? É claro que não.”. Seu deus é o estado, mas essa já é outra questão. Então nossa resposta a qualquer desafio está de acordo com nosso condicionamento, de acordo com nossa memória. Se a memória é aguda, limpa, ativa, vívida, nossas respostas são fortes, e esse é todo o processo que chamamos de pensar. Seja nosso pensar simples ou elaborado, seja ele leigo ou muito erudito e científico, ele é baseado nesse processo.

Mas há esse ponto em que você diz “Eu realmente não sei.”, e você não está esperando por uma resposta. Nenhum livro pode lhe dizer. Não há memória que vá dizer “É isso.”. Certamente, isso é inteiramente diferente dos outros três processos; (a), (b) e (c) não são o mesmo que (d), em que todo o pensar parou porque você não sabe e não está esperando que lhe digam.

Agora, a partir de qual ponto de vista você está perguntando “Qual o valor real do pensamento?”? Você está perguntando isso para receber uma resposta, como em (a), (b), e (c)? Ou está fazendo essa pergunta no estado da mente representado por (d), em que não há pensamento? E que relação tem o pensamento com o estado da mente representado por (d)?

Eu estou me fazendo entender, ou isso está se tornando muito complexo?

O pensamento tem valor em um certo nível, não tem? Quando você vai para o escritório, quando você faz algo em qualquer campo ou atividade, o pensamento obviamente tem valor; em todos esses assuntos deve haver pensamento. Mas o pensamento tem algum valor quando você diz “Eu não sei.”, isso é, quando a mente passou por (a), (b) e (c) e está completamente num estado de não-saber?

Como eu já disse, se você é um cristão e alguém lhe pergunta se há um deus, você responderá de acordo com seu condicionamento; você dirá que há, e seu pensamento tem um certo valor dependendo de seu código de moralidade, de como você se comporta, se você vai à igreja, e todo o resto. Mas o homem que diz “Eu não sei se existe um deus ou não.”, que nem afirma nem nega que haja um deus, e que está realmente num estado de não-saber – um tal homem não exercita seu pensamento para descobrir porque se ele usar seu pensamento para descobrir, ele volta para o conhecido. Você está entendendo isso?

Agora, eu devo negar os três, (a), (b), e (c), para descobrir. Você entende? Eu devo negar toda a estrutura do conhecimento e da crença e ficar em um estado de não-saber. Não há, então, nenhum exercício de pensamento, em absoluto, e portanto minha mente não dá valor ao pensamento. Mas o pensamento obviamente tem valor em qualquer outro campo.

Você vê, o conhecimento tem sido acumulado através da experiência, através do pensamento; e o pensamento, que é ele mesmo o produto do conhecimento, tem importância no campo do conhecimento. No campo do conhecimento, você deve ter pensamento. Mas o conhecimento, que é o conhecido, não ajudará você a encontrar o desconhecido. Então a mente deve estar livre do conhecido – e essa é uma de nossas dificuldades.

Eu espero que tudo isso signifique algo para vocês todos.

9 de julho de 1963