5ª palestra em Londres

Parece-me que um dos nossos problemas, entre tantos outros, é a dependência – dependermos das pessoas para nossa felicidade, dependermos da capacidade – dependência que leva a mente a agarrar-se a alguma coisa. E a pergunta é: “Pode a mente algum dia ficar totalmente livre de todas as coisas das quais depende?” Acho que esta é uma pergunta fundamental, a qual devemos fazer-nos constantemente.

Obviamente, não estamos falando da dependência superficial. Mas, em um nível mais profundo, existe aquela exigência psicológica de algum tipo de segurança, de algum método que garanta à mente um estado de permanência; existe a busca de uma ideia, de um relacionamento que seja duradouro. Como este é um dos nossos maiores problemas, parece-me muito importante examiná-lo bem a fundo, em vez de responder superficialmente com uma reação imediatista.

Por que dependemos? Psicologicamente, interiormente, dependemos de uma crença, de um sistema, de uma filosofia. Solicitamos de outra pessoa um modo de nos conduzirmos; procuramos mestres que nos proporcionem um modo de vida que nos leve a ter alguma esperança, alguma felicidade. Portanto, estamos sempre em busca de algum tipo de dependência, de segurança. Será possível que a mente, algum dia, fique livre desse sentimento de dependência? O que não significa que a mente precise alcançar independência – isso seria apenas reação à dependência. Não estamos falando de independência, de nos libertarmos de determinado estado. Se pudermos investigar sem a reação de buscar livrar-nos de dado estado de dependência, então podemos aprofundar-nos muito mais na questão. Mas, se nos desviarmos do essencial em busca de independência, não compreenderemos toda essa questão da dependência psicológica da qual estamos falando.

Sabemos que dependemos – de nossas relações com pessoas ou de alguma ideia ou sistema de pensamento. Por quê? Aceitamos a necessidade da dependência; dizemos que é inevitável. Nós ainda não questionamos a coisa toda, não nos perguntamos por que cada um de nós busca algum tipo de dependência. Não é que realmente, bem no fundo, queremos segurança, permanência? Estando em um estado de confusão, queremos que alguém nos tire dessa confusão. Assim, estamos sempre interessados em como fugir do estado em que nos encontramos. No processo de evitar tal estado, é provável que criemos algum tipo de dependência, a qual se torna nossa autoridade. Se dependermos de outra pessoa para a nossa segurança, para o nosso bem-estar interior, dessa dependência decorrem inúmeros problemas; e, então, procuramos resolver esses problemas, os problemas do apego. Mas nunca questionamos, nunca investigamos o problema da dependência em si. Talvez, se pudermos investigar esse problema com real inteligência e completa atenção, então poderemos descobrir que a dependência não é, de modo algum, a questão – que a dependência é só um modo de fugir de um fato mais profundo.

Posso sugerir que aqueles que estão tomando notas evitem fazê-lo? Porque estas reuniões não terão valor algum se vocês estiverem apenas tentando lembrar-se do que é dito, para uso posterior. Mas, se pudermos experimentar diretamente o que está sendo dito agora, não depois, então isso terá importância; será uma experiência direta e não uma experiência a ser coligida mais tarde por meio de suas notas e repensada na memória. Além disso, se me permitem dizê-lo, tomar notas perturba os outros ao redor de vocês.

Como estava dizendo, por que dependemos e fazemos da dependência um problema? Realmente, não penso que a dependência seja um problema; acho que há algum outro fator mais profundo que nos torna dependentes. Se pudermos garimpar isso, então tanto a dependência quanto a luta por liberdade terão muito pouco significado; então todos os problemas decorrentes da dependência desaparecerão. Então, qual é a questão mais profunda?A questão não seria que a mente abomina, teme, a ideia de ficar sozinha? E será que a mente conhece esse estado que tanto evita? Dependo de alguém, psicologicamente, interiormente, por causa de um estado que estou tentando evitar, mas que jamais penetrei, jamais examinei. Assim, minha dependência de uma pessoa – para receber amor, encorajamento, orientação – torna-se imensamente importante, assim como todos os muitos problemas daí decorrentes. Ao passo que, se sou capaz de encarar o fator que está me tornando dependente – de uma pessoa, de Deus, de uma oração, de alguma capacidade, de alguma fórmula ou conclusão que chamo de crença – então talvez eu possa descobrir que tal dependência resulta de uma exigência interior para a qual jamais olhei realmente, jamais levei em consideração.

Podemos, esta noite, examinar esse fator? – o fator que a mente evita, esse sentimento de completa solidão com o qual estamos superficialmente familiarizados. O que é estar só?Podemos discutir isso agora e atermo-nos a essa questão, não introduzindo nenhum outro problema?

Acho isso realmente muito importante. Porque, enquanto essa solidão não for realmente compreendida, sentida, penetrada, dissolvida – qualquer que seja a palavra do seu agrado – enquanto esse sentimento de solidão persistir, a dependência será inevitável, e a pessoa jamais poderá ser livre; jamais poderá descobrir por si mesma o que é verdadeiro, o que é religião. Enquanto eu depender, precisa haver autoridade, precisa haver imitação, precisa haver várias formas de compulsão, imposição e disciplina de acordo com certo padrão. Então, será que minha mente pode descobrir o que é estar só e passar além? – de modo que a mente seja libertada totalmente e, assim, não dependa de crenças, de deuses, de sistemas, de orações, ou de qualquer outra coisa.

Certamente,enquanto estivermos buscando um resultado, um fim, um ideal, essa mesma ânsia de descobrir cria dependência, da qual decorrem os problemas da inveja, da exclusão, do isolamento, e tudo o mais. Então, será que a minha mente pode conhecer a solidão no que ela realmente é, embora eu possa encobri-la com conhecimento, com relacionamento, com entretenimento, e várias outras formas de distração? Posso realmente compreender essa solidão? Não é ela um dos nossos principais problemas, esse apego e a luta para desapegar-nos? Podemos discutir isso exaustivamente, ou também isso é impossível?

Enquanto houver apego, dependência, precisa haver exclusão. Depender da nacionalidade, identificar-se com algum grupo, com alguma raça, com determinada pessoa ou crença, obviamente causa separação. Então pode ser que a mente esteja constantemente buscando exclusão na qualidade de entidade isolada e esteja evitando uma questão mais profunda que realmente causa separação: o processo autoenclausurante do seu próprio pensamento, que engendra solidão. Vocês conhecem o sentimento de precisar identificar-se como hindu, como cristão, como pertencente a certa casta, grupo, raça – vocês conhecem tudo isso. Se pudermos compreender, cada um de nós, a questão mais profunda aqui implicada, então talvez todas as influências geradoras de dependência cheguem ao fim e a mente fique completamente livre.

Acham que talvez isso seja um problema difícil demais para ser discutido em um grupo tão numeroso?

Interrogante: O senhor poderia definir a palavra “só” em contraste com “solidão”?

Krishnamurti: Por favor, certamente não estamos buscando definições, estamos? Estamos perguntando se cada um de nós está cônscio de sua solidão – não agora, talvez, mas conhecemos esse estado e sabemos que estamos fugindo dele mediante uma variedade de meios e, destarte, multiplicando nossos problemas. Posso, mediante percebimento, eliminar a raiz do problema de modo que ele jamais reapareça, ou, se o fizer, eu saiba como lidar com ele sem causar novos problemas?

Interrogante: Isso significa que tenho de romper laços insatisfatórios?

Krishnamurti: Certamente isso não é o que estamos discutindo, não é verdade? Acho que não estamos acompanhando um ao outro. E, por isso, estou hesitante quanto a ser possível discutir esse problema em um grupo tão grande.

Sabemos – não é mesmo? – que somos apegados. Dependemos de pessoas, de ideias. É parte da nossa natureza, do nosso ser, depender de alguém. E essa dependência é chamada de amor. Agora me pergunto, e talvez vocês mesmos estejam se perguntando, se é possível libertar a mente – psicologicamente, interiormente – de toda dependência. Porque vejo que, da dependência, decorrem muitos e muitos problemas – nunca há um fim para eles. Portanto, pergunto-me se é possível ficar de tal modo atento que a própria percepção elimine totalmente este sentimento de depender de outra pessoa, ou de uma ideia, de modo que a mente já não seja excludente, isolada, porque a exigência de dependência terá cessado totalmente.

Por exemplo, dependo da identificação com determinado grupo; satisfaz-me chamar-me de hindu ou cristão; pertencer a dada nacionalidade dá-me muita satisfação. Em mim mesmo, sinto-me nanico. Sou um zé-ninguém, e chamar-me de alguma coisa me dá satisfação. Essa é uma forma de dependência em um nível muito superficial talvez, mas engendra a peçonha do nacionalismo. E há tantas outras formas mais profundas de dependência. Posso ir além de tudo isso de modo que a mente jamais dependa psicologicamente, de modo que ela não tenha dependência alguma e não busque nenhuma forma de segurança? Ela não buscará segurança se eu puder compreender este sentimento de extraordinária exclusão, do qual estou cônscio e o qual denomino solidão – este processo autoenclausurante de pensar que engendra isolamento.

Assim, o problema não é como desapegar-me, como libertar-me de pessoas ou ideias, mas, sim, se a mente consegue interromper este processo de enclausurar-se em suas próprias atividades, em suas exigências, em suas ânsias. Enquanto houver a ideia de “eu”, precisa haver solidão. A essência mesma, o derradeiro processo de autoenclausuramento, é a descoberta deste extraordinário sentimento de solidão. Será que consigo eliminar isso, de modo que a mente jamais busque forma alguma de segurança, jamais faça exigências?

A resposta só poder ser dada por cada um nós, não por mim. Só posso descrever, mas a descrição torna-se apenas um obstáculo se não for realmente experimentada. Mas, se ela revelar o processo do seu pensamento, então essa própria descrição é uma percepção de você mesmo e do seu estado. Então, posso permanecer nesse estado? Posso não mais desviar-me do fato da minha solidão, mas permanecer aí sem fuga alguma, sem evitar a solidão? Ver, compreender essa dependência não é o problema, mas a solidão o é; poderia minha mente permanecer sem movimento algum nesse estado que chamei de solidão? É extraordinariamente difícil porque a mente nunca consegue ficar com um fato; ela o traduz, interpreta-o, ou faz algo a respeito do fato; ela jamais fica com o fato.

Agora, se a mente consegue permanecer com o fato sem dar opinião nenhuma sobre o fato, sem traduzir, sem condenar, sem evitar o fato, então o fato é diferente da mente? Há uma divisão entre o fato e a mente, ou é a mente, ela mesma, o fato? Por exemplo, estou solitário. Estou cônscio disso, sei o que significa; é um dos problemas da nossa existência diária, de toda a nossa existência. E quero enfrentar por mim mesmo essa questão da dependência e ver se a mente pode realmente ser livre – não só especulativamente, ou teoricamente, ou filosoficamente, mas realmente ser livre da dependência. Porque, se dependo de outra pessoa para ter amor, isso não é amor. E quero descobrir o que é o estado que chamamos de amor. Na tentativa de descobri-lo, obviamente toda a sensação de dependência, segurança no relacionamento, toda a sensação de exigência, desejo de permanência, tudo isso pode desaparecer, e posso ter de encarar coisa inteiramente diferente. Assim, no investigar, no entrar em mim mesmo, posso dar com essa coisa chamada solidão. E posso permanecer com ela? Com “permanecer”, quero dizer não interpretar, não avaliar, não condenar, mas só observar esse estado de solidão, sem recuar. Então, se a minha mente puder permanecer com esse estado, é esse estado diferente da minha mente? Pode ser que minha mente seja, ela mesma, solitária, vazia, e não que exista um estado de vazio que a minha mente observe.

Minha mente observa a solidão e a evita, foge dela. Mas, se eu não fugir dela, há uma divisão, há uma separação, há um observador observando a solidão? Ou só há um estado de solidão, minha própria mente estando vazia, solitária? – e não que haja um observador que saiba que há solidão.

Acho importante compreender isso – rapidamente, não verbalizando demais. Agora dizemos: “Sou invejoso e quero ficar livre da inveja”; assim, há um observador e a coisa observada; o observador quer livrar-se daquilo que ele observa. Mas, o observador não é o mesmo que a coisa observada? A própria mente criou a inveja e, assim, a mente não pode fazer nada em relação à inveja.

Portanto, minha mente observa a solidão; o pensador tem consciência de estar solitário. Mas, ficando com a solidão, ficando em contato pleno com ela – isto é, não fugindo dela, não a traduzindo e tudo o mais – então, há uma diferença entre o observador e o observado? Ou só há um estado, isto é, a própria mente está solitária, vazia? Não que a mente observe-se como estando vazia, mas a própria mente está vazia. Então, poderia a mente, estando cônscia de que ela mesma está vazia, e de que, faça o que fizer, qualquer movimento para longe desse vazio é meramente uma fuga, uma dependência – poderia a mente abandonar toda dependência e ser o que ela é, completamente vazia, completamente solitária? E, se ela estiver nesse estado, não estará livre de toda dependência, de todo apego? Por favor, isto é algo que precisa ser investigado a fundo, em vez de aceito meramente porque eu o estou dizendo. Não tem significação alguma se você meramente o aceita. Mas, se você está experimentando a coisa enquanto prosseguimos, então verá que qualquer movimento de parte da mente – movimento sendo avaliação, condenação, tradução, etc. – é uma distração do fato de “o que é”, e, assim, cria um conflito entre esse movimento e a coisa observada.

Para ir mais adiante, essa é realmente uma questão de saber se a mente pode estar isenta de esforço, de dualidade, de conflito, e, assim, ser livre. No momento em que a mente entra em conflito, já não é livre. Quando não há esforço para ser, então há liberdade. Então, será que a mente pode ser isenta de esforço e, portanto, livre?

Interrogante: Agora consigo aceitar meus próprios problemas. Mas, como posso deixar de sofrer pelos meus filhos quando são afetados pelos mesmos problemas?

Krishnamurti: Por que somos apegados a nossos filhos? E, também, será que amamos os nossos filhos? Se for amor, então como pode haver apego, como pode haver sofrimento? Nossa ideia de amor consiste em sofrer pelos outros. É o amor que sofre? Ou a verdade é que dependo dos meus filhos, que, por meio deles, estou buscando imortalidade, realização e tudo o mais? Então, quero que meus filhos sejam alguma coisa e, quando não o são, eu sofro. O problema pode não ser as crianças; o problema pode ser eu. De novo estamos de volta à mesma coisa – talvez não saibamos o que é amar. Se amássemos nossos filhos, pararíamos todas a guerras amanhã, obviamente. Não condicionaríamos nossos filhos. Eles não seriam ingleses, hindus, brâmanes e não-brâmanes; eles seriam crianças.

Mas nós não amamos, e, assim, somos apegados aos nossos filhos; por meio deles, esperamos realizar-nos. Assim, quando a criança por meio da qual vamos nos realizar, faz algo que não seja aquilo que exigimos, então há tristeza, então há conflito.

Simplesmente fazer uma pergunta e esperar por uma resposta tem muito pouca significação. Mas se pudermos observar por nós mesmos o processo desse apego, o processo de buscar realização por meio de outra pessoa, coisa que é dependência e que necessariamente cria sofrimento – se pudermos ver isso como um fato por nós mesmos, então pode haver algo mais, talvez amor. Então essa relação produzirá um sociedade bem diferente, um mundo bem diferente.

Interrogante: Quando se tem atingido o estágio de mente tranquila e não se tem problema imediato, o que é que procede dessa tranquilidade?

Krishnamurti: Pergunta deveras extraordinária, não é mesmo? Você parte do pressuposto de que já alcançou essa mente tranquila, e quer saber o que acontece a seguir. No entanto, ter uma mente tranquila é uma das coisas mais difíceis. Teoricamente, é a mais fácil, mas, de fato, é um dos estados mais extraordinários, que não se pode descrever. O que acontece você descobrirá quando chegar a esse estado. Mas chegar a ele é que é o problema, e não o que vem a seguir.

Você não pode chegar a esse estado. Ele não é um processo. Não é algo que você vai alcançar mediante determinada prática. Esse estado não pode ser comprado com a moeda do tempo, com o conhecimento, com a disciplina, mas somente com a compreensão do conhecimento, com a compreensão do inteiro processo da disciplina, com a compreensão do inteiro processo do próprio pensamento, e não tentando alcançar um resultado. Então, talvez, essa tranquilidade venha a existir. O que acontece depois é indescritível; o que acontece depois não tem palavra e não tem “significado”.

Cada experiência, enquanto houver um experimentador, deixa uma lembrança, uma cicatriz. E a essa lembrança a mente se agarra e quer mais, criando, com isso, tempo. Mas o estado de tranquilidade é atemporal; portanto, não há experimentador para experimentar essa tranquilidade.

Por favor, se você quiser compreendê-lo, isto é muito importante. Enquanto houver um experimentador que diga “Preciso experimentar a tranquilidade”, e conheça a experiência, então isso não é tranquilidade; é um truque da mente. Quando alguém diz “Experimentei a tranquilidade”, isso é apenas uma fuga à confusão, ao conflito – é só isso. A tranquilidade da qual estamos falando é algo totalmente diferente. Por isso é muito importante compreender o pensador, o experimentador, o “eu” que exige um estado que ele chama de tranquilidade. Você pode ter um momento de tranquilidade, mas, quando isso acontece, a mente aferra-se a ele e vive naquela tranquilidade da memória. Isso não é tranquilidade; é só uma reação. O que estamos falando é algo inteiramente diferente. É um estado em que não há experimentador, e, portanto, tal silêncio, tal quietude, não é uma experiência. Se houver uma entidade que se lembre desse estado, então há um experimentador; portanto, já não é esse estado.

Isto significa, realmente, morrer para cada experiência, sem jamais juntar, acumular. Afinal, é essa acumulação que dá origem a conflitos, ao desejo de ter mais. Uma mente que esteja acumulando, gananciosa, jamais pode morrer para tudo que acumulou. Só a mente que morreu para tudo que acumulou, até mesmo para sua mais sublime experiência – só tal mente pode saber o que é esse silêncio. Mas esse estado não pode vir por meio de disciplina, pois disciplina implica a continuação do experimentador, o fortalecimento de determinada intenção em relação a determinado objeto, dando, assim, continuidade ao experimentador.

Se virmos isso com muita simplicidade, muita clareza, então descobriremos o silêncio da mente do qual estamos falando. O que acontece depois disso é algo que não pode ser dito, que não pode ser descrito, porque não tem “significado” – exceto em livros e em filosofia.

Interrogante: Se não tivermos experimentado essa completa tranquilidade, como podemos saber que existe?

Krishnamurti: Por que queremos saber se ela existe? Pode ser que nem exista; pode ser uma ilusão, uma fantasia. Mas pode-se ver que, enquanto houver conflito, a vida é uma miséria. Compreendendo o conflito, saberei o que a outra coisa significa. Ela pode ser uma ilusão, uma invenção, um truque da mente – mas, compreendendo o inteiro significado do conflito, posso encontrar algo totalmente diferente.

Minha mente está interessada no conflito dentro e fora de si mesma. O conflito é inevitável enquanto houver um experimentador que esteja acumulando, que esteja juntando, e, portanto, sempre pensando em termos de tempo, de “mais” e de “menos”. Compreendendo isso, ficando cônscio disso, pode ser que surja um estado que pode ser chamado de silêncio – ou o nome que você desejar. Mas o processo não é a busca do silêncio, da tranquilidade, mas sim a compreensão do conflito, a compreensão de mim mesmo em conflito.

Pergunto-me se respondi à pergunta – a qual é “Como sei que existe silêncio?” Como reconheço o silêncio? Compreende? Enquanto houver um processo de reconhecimento, não haverá silêncio.

Afinal, o processo de reconhecimento é o processo da mente condicionada. Entretanto, compreendendo o inteiro conteúdo da mente condicionada, a própria mente fica quieta, não há observador para reconhecer que ele está num estado que ele próprio chama de silêncio. Cessou o reconhecimento da experiência.

Interrogante: Gostaria de perguntar se o senhor reconhece o ensinamento do Buda de que a correta compreensão ajudará a resolver os problemas íntimos do homem, e de que a paz interior da mente depende inteiramente da autodisciplina. O senhor concorda com os ensinamentos do Buda?

Krishnamurti: Se alguém estiver investigando para descobrir a verdade sobre qualquer coisa, toda autoridade precisa ser posta de lado, certamente. Não há nem Buda nem Cristo quando a pessoa deseja encontrar o que é verdadeiro. O que significa, realmente, que a mente deve ser capaz de ficar completamente só, e não dependente. O Buda pode estar errado, o Cristo pode estar errado, e a própria pessoa pode estar errada. Certamente, a pessoa precisa chegar ao estado de não aceitar autoridade de nenhum tipo. Essa é a primeira coisa – desmantelar a estrutura de autoridade. Ao se desmantelar a imensa estrutura de tradição, esse mesmo processo engendra compreensão. Mas, tem muito pouco significado aceitar alguma coisa simplesmente porque foi dita em um livro sagrado.

Certamente, para encontrar aquilo que está além do tempo, todo o processo do tempo precisa cessar, não é verdade? O próprio processo de busca precisa findar. Porque, se eu estiver buscando, então dependo – não só de outra pessoa, mas também da minha experiência, pois, se eu tiver aprendido algo, tento usá-lo para guiar-me. Para descobrir o que é verdadeiro, é preciso não haver busca de nenhum tipo – e esta é a verdadeira tranquilidade da mente.

É muito difícil, para uma pessoa criada em determinada cultura, em determinada crença, com certos símbolos de grande autoridade, abandonar tudo isso e simplesmente pensar por si mesma e descobrir. Ela não pode pensar de modo simples, se não conhecer a si mesma, se não tiver autoconhecimento. E ninguém pode dar-nos autoconhecimento – nenhum professor, nenhum livro, nenhuma filosofia, nenhuma disciplina. O “eu” está em constante movimento; enquanto ele vive, precisa ser compreendido. E só mediante o autoconhecimento, compreensão do processo do meu próprio pensar, observado no espelho de cada reação, descubro que, enquanto houver qualquer movimento do “eu”, da mente, em direção a alguma coisa – em direção a Deus, à verdade, à paz – então tal mente não é uma mente tranquila; ela continua querendo alcançar, agarrar, chegar a algum estado. Se houver qualquer forma de autoridade, qualquer compulsão, qualquer imitação, a mente não consegue compreender. E saber que a mente imita, saber que ela está aleijada pela tradição, estar cônscio de que ela está perseguindo suas próprias experiências, suas próprias projeções – isso exige muito insight, muita percepção, muito autoconhecimento.

Só então, com todo o conteúdo da mente, com a totalidade da consciência posta a descoberto e compreendida, há possibilidade de um estado que possa ser chamado de tranquilidade – no qual não haja experimentador, não haja reconhecimento.

25 de junho de 1955.