2ª Palestra

Alpino, Itália  

Amigos, hoje vou falar sobre o que se chama de “evolução”. É um assunto difícil de discutir, e poderão compreender mal o que vou dizer. Se não me compreenderem inteiramente, por favor me faça perguntas depois.

Para a maioria de nós, a ideia de evolução implica uma série de conquistas, isto é, conquistas nascidas da escolha contínua entre aquilo a que chamamos de “não essencial” e “essencial”. Isso implica em deixar o não essencial e se movimentar em direção ao essencial. A essa série de contínuas conquistas resultantes da escolha, chamamos de “evolução”. Toda a nossa estrutura de pensamento está baseada na ideia de avanço e conquista espiritual, na ideia de crescer cada vez mais no essencial como resultado de uma escolha contínua. Deste modo então, pensamos na ação como sendo apenas uma série de conquistas, não é assim?

Agora, quando consideramos o crescimento ou a evolução como uma série de conquistas, naturalmente nossas ações nunca são completas; crescem sempre de baixo para cima, sempre em escalada, avançando. Portanto, se vivermos sob essa concepção, a nossa ação nos escraviza; a nossa ação é um constante, interminável e infinito esforço, e esse esforço está sempre voltado para uma segurança. Naturalmente, quando existe uma procura por segurança existe o medo, e esse medo cria a contínua consciência daquilo a que chamamos de “eu”. Não é assim? As mentes da maioria de nós estão aprisionadas por essa ideia de consecução, conquista, subir mais e mais alto, isto é, na ideia de escolher entre o essencial e o não essencial. E uma vez que essa escolha, esse avanço a que chamamos de “ação” é apenas uma luta interminável, um esforço contínuo, as nossas vidas são também um esforço interminável e não um fluxo de ação livre e espontânea.

Quero distinguir entre ação e conquista ou consecução. A conquista é uma finalidade, ao passo que a ação, para mim, é infinita. Compreenderão essa distinção à medida que eu for continuando. Mas primeiro, compreendamos que isto é o que nós entendemos por evolução: um movimento contínuo através da escolha, em direção ao que chamamos de “essencial”, sempre procurando conquistas cada vez maiores.

A maior alegria – e para mim isto não é uma mera teoria – é viver sem esforço. Vou agora explicar o que entendo por esforço. Para a maioria de vocês, o esforço é apenas uma escolha. Vocês vivem por escolha; têm que escolher. Mas por que escolhem? Por que existe uma necessidade que os insta, que os impele, que os força a escolher? Eu digo que essa necessidade de escolha existe enquanto se está consciente do vazio ou da solidão dentro de si mesmo; essa incompletude força-os a escolher, a fazer um esforço.

A questão é, portanto, não como preencher esse vazio, mas qual é a causa desse vazio. Para mim, o vazio é a ação nascida da escolha, em busca de ganho. Quando uma ação nasce da escolha, dela resulta o vazio. E onde há vazio, surge a questão: “Como posso preencher esse vazio? Como posso me livrar dessa solidão, desse sentimento de incompletude?” Para mim, não é uma questão de preencher o vazio, porque jamais o poderão preencher. No entanto, é isso que a maioria das pessoas está tentando fazer. Através da sensação, da excitação ou prazer, através da ternura ou do esquecimento, elas estão tentando preencher esse vazio, diminuir esse sentimento de vazio. Mas elas nunca preencherão esse vazio, porque estão tentando preenchê-lo com ação nascida da escolha.

O vazio existe enquanto a ação se basear na escolha, gosto ou desgosto, atração ou repulsão. Vocês escolhem porque não gostam disto e gostam daquilo; não estão satisfeitos com isto, mas querem se satisfazer com aquilo. Ou vocês têm medo de alguma coisa e fogem dela. Para a maior parte das pessoas, a ação baseia-se em atração e repulsão e, portanto, no medo.

Agora, o que acontece quando vocês descartam isto e escolhem aquilo? Vocês estão baseando a sua ação apenas na atração ou repulsão e, desse modo, estão a criar um oposto. Portanto, existe essa escolha contínua que implica esforço. Enquanto fizerem uma escolha, enquanto a escolha existir, existe obrigatoriamente a dualidade. Podem pensar que escolheram o essencial; mas como sua escolha nasceu da atração e repulsão, carência e medo, ela apenas cria outro não essencial.

Isso é o que sua vida é. Um dia querem isto – você escolhe porque gosta e quer, porque lhes dá alegria e satisfação. No dia seguinte estão empanturrados disso; já não significa mais nada para vocês, e vocês a descartam para escolher outra coisa. Portanto, a sua escolha baseia-se na sensação contínua; vocês escolhem através da consciência da dualidade, e essa escolha apenas perpetua os opostos.

Enquanto escolherem entre opostos, não há discernimento e, por isso, deve existir esforço, interminável esforço, opostos contínuos e dualidade. A sua escolha é, portanto, interminável e o seu esforço contínuo. A sua ação é sempre finita, sempre em termos de conquista e, portanto, esse vazio que sentem existirá sempre. Mas se a mente estiver livre da escolha, se tiverem a capacidade de discernir, então a ação é infinita.

Explicarei isso de novo. Conforme disse, se disserem: “Eu quero esta coisa”, nessa escolha vocês criaram um oposto. De novo, após essa escolha, vocês criam outro oposto e, portanto, continuam de um oposto a outro através de um processo de esforço contínuo. Esse processo é sua vida, e há nisso luta e dor, conflito e sofrimento incessantes. Se vocês perceberem isso, se realmente sentirem isso com todo o seu ser – isto é, emocional e mentalmente – a inutilidade da escolha, então deixarão de escolher, haverá discernimento; então haverá uma resposta intuitiva que é livre de escolha, e isso é estar consciente.

Se estiverem conscientes de que sua escolha nascida de opostos cria apenas outro oposto, perceberão então o que é verdade. Mas a maioria de vocês não tem intensidade de desejo nem consciência, pois querem o oposto, pois querem a sensação. Portanto, vocês nunca alcançam o discernimento; nunca alcançam essa consciência rica, plena, que libera a mente dos opostos. Nessa liberdade dos opostos, a ação já não é mais uma conquista, mas uma realização; nasce do discernimento que é infinito. Então, a ação brota da sua própria plenitude, e em tal ação não existe escolha e, portanto, não há esforço.

Para conhecer tal plenitude, tal realidade, você deve estar num estado de total consciência, que só poderão alcançar quando são confrontados por uma crise. A maioria de vocês é confrontada por algum tipo de crise, em relação à dinheiro, pessoas, amor ou morte; e quando são apanhadas em tal crise, vocês têm que escolher, decidir. Como vocês decidem? A sua decisão brota do medo, do desejo, da sensação, portanto, estão apenas a protelar; vocês estão a escolher o que é conveniente, o que é agradável e, portanto, estão apenas a criar outra sombra através da qual têm que passar. Somente quando sentirem o absurdo da sua existência atual, senti-la não apenas intelectualmente, mas com todo o seu coração e mente – quando realmente sentirem o absurdo desta escolha contínua, então dessa consciência nasce o discernimento. Então vocês não escolhem, vocês agem. É fácil dar exemplos, mas não darei nenhum, já que muitas vezes são confusos.

Portanto, para mim, a consciência não resulta da luta para estar consciente; ela vem por si mesma quando estão conscientes com todo o seu ser, quando compreendem a inutilidade da escolha. Presentemente, vocês escolhem entre duas coisas, dois cursos de ação; vocês fazem uma escolha entre isto e aquilo; um vocês entendem e o outro não. Com o resultado de tal escolha, esperam preencher sua vida. Vocês agem de acordo com as suas carências, de acordo com seus desejos. Obviamente, quando esse desejo é realizado, a ação chega ao fim. Então, como você ainda está solitário, você procura uma outra ação, uma outra conquista. Cada um de vocês se depara com uma dualidade na ação, uma escolha entre fazer isto ou aquilo; mas quando estão conscientes da inutilidade da escolha, quando estão conscientes com todo o seu ser, sem esforço, então verdadeiramente discernirão.

Só podem testar isso quando estiverem numa crise; não podem testar isso intelectualmente, quando estão sentados à vontade e imaginando um conflito mental. Poderão aprender a sua verdade apenas quando estiverem cara a cara com uma exigência insistente de escolha, quando tiverem que tomar uma decisão, quando todo o seu ser exigir ação. Se nesse momento perceberem com todo o seu ser, se nesse momento estiverem conscientes da inutilidade da escolha, então daí advém a flor da intuição, a flor do discernimento. A ação nascida disso é infinita; então a própria vida é ação. Então não há divisão entre ação e ator; tudo é contínuo. Não há conquista temporária que logo termina.

Interrogante: Por favor, explique a que se refere quando diz que a autodisciplina é inútil? O que você entende por autodisciplina?

Krishnamurti: Se compreendeu o que tenho estado a dizer, verá a inutilidade da autodisciplina. Mas explicarei isso novamente e tentarei torná-lo claro.

Por que pensa que deve disciplinar a si próprio? Por que quer disciplinar a si próprio? Quando você diz: “Devo me disciplinar”, você tem diante de si um padrão ao qual pensa que deve se moldar. A autodisciplina existe enquanto você quiser preencher o vazio dentro de si; existe enquanto você se agarrar a uma certa descrição do que é Deus, do que é a verdade, enquanto você valorizar certos conjuntos de padrões morais que você se força a aceitar como guias. Isto é, a sua ação é regulada, controlada pelo desejo de se adaptar. Mas se a ação nascer do discernimento, então não há disciplina.

Por favor, entenda o que quero dizer com discernimento. Não diga: “Eu aprendi a tocar piano. Isso não envolve disciplina?” Ou: “Eu estudei matemática. Isso não é disciplina?” Eu não estou a falar do estudo da técnica, que não pode ser chamada de “disciplina”. Estou a falar da conduta na vida. Fui claro? Receio que a maioria de vocês não tenha compreendido isso, porque se livrar da ideia de autodisciplina é muito difícil, pois desde a infância temos sido escravos da disciplina, do controle. Livrar-se da ideia de disciplina não significa que tenham que ir até ao oposto, que tenham que ser caóticos. O que eu digo é que quando há discernimento, não há necessidade de autodisciplina; então não há autodisciplina.

A maioria de vocês estão presos ao hábito da disciplina. Primeiramente, você tem uma imagem mental do que é certo, do que é verdade, do que deve ser o bom carácter. Tentam enquadrar as suas ações nessa imagem mental. Você age meramente de acordo com uma imagem mental que você possui. Enquanto tiverem uma ideia preconcebida do que é a verdade – e a maioria de vocês tem essa ideia – você deve agir de acordo com isso. A maior parte de vocês não está consciente de que age de acordo com um padrão, mas quando se tornam conscientes de que assim agem, então já não copiam nem imitam; então sua própria ação revela o que é verdade.

Vocês sabem que a nossa formação física, a nossa formação religiosa e moral, tendem a moldar-nos segundo um padrão. Desde a infância, a maior parte de nós foi treinada para se ajustar a um padrão – social, religioso, econômico – e a maior parte de nós não tem consciência disso. A disciplina tornou-se um hábito, e vocês não têm consciência desse hábito. Somente quando você se conscientizar de que está se disciplinando de acordo com um padrão, é que a sua ação nascerá do discernimento.

Portanto, em primeiro lugar, você deve entender porque você se autodisciplina, e não porque é que deve ou não se disciplinar. O que aconteceu ao homem ao longo dos séculos de autodisciplina? Ele tornou-se mais máquina e menos ser humano; ele apenas alcançou maior destreza na imitação, em ser uma máquina. A autodisciplina, isto é, submeter-se a uma imagem mental estabelecida por si próprio ou por alguém, não lhe ocasiona harmonia; apenas cria o caos.

O que acontece quando você tenta se autodisciplinar? A sua ação está sempre criando um vazio dentro de você, pois você está tentando ajustar as suas ações a um padrão. Mas se você tomar consciência de que está agindo de acordo com um padrão – um padrão criado por si ou por outra pessoa – então você perceberá a falsidade da imitação e a sua ação nascerá do discernimento, isto é, da harmonia da sua mente e do seu coração.

Agora, mentalmente você quer agir de uma certa forma, mas emocionalmente você não deseja a mesma finalidade, e daí resulta o conflito. Para vencer esse conflito, você procura segurança na autoridade, e essa autoridade se torna seu padrão. Portanto, você não age de acordo com o que realmente sente e pensa; a sua ação é motivada pelo medo, pelo desejo de segurança, e dessa ação nasce a autodisciplina. Compreende?

Sabem, compreender com toda a intensidade do seu ser é uma coisa muito diferente de compreender apenas intelectualmente. Quando as pessoas dizem: “Eu compreendo”, normalmente compreendem só intelectualmente. Mas a análise intelectual não os libertará desse hábito da autodisciplina. Quando agirem, não digam: “Tenho que ver se esta ação nasceu da autodisciplina, se está de acordo com um padrão”. Tal tentativa apenas impede a verdadeira ação. Mas se, na sua ação, tiverem consciência da imitação, então sua ação será espontânea.

Tal como eu disse, se você examinar cada ação para determinar se nasceu ou não da autodisciplina, da imitação, a sua ação se tornará cada vez mais limitada; então há impedimento, resistência. Não está verdadeiramente a agir de forma alguma. Mas se você tomar consciência, com todo o seu ser, da inutilidade da imitação, da inutilidade da conformidade, então a sua ação não será imitativa, dificultada, limitada. Quanto mais analisar a sua ação, menos você age. Não é assim? Para mim, a análise da ação não liberta a mente da imitação, a qual é conformidade, autodisciplina; o que liberta a mente da imitação é estar consciente com todo o seu ser na sua ação.

Para mim, a autoanálise frustra a ação, destrói o viver completo. Talvez não concordem com isso, mas por favor ouçam o que tenho para dizer antes de decidirem se concordam ou não. Eu afirmo que esse processo contínuo de autoanálise, que é autodisciplina, constantemente coloca uma limitação no livre fluxo da vida, que é ação. Pois a autodisciplina se baseia na ideia de conquista, não na ideia da completude da ação. Veem a distinção? Numa há uma série de conquistas e, portanto, sempre uma finalidade; ao passo que na outra, a ação nasce do discernimento, e tal ação é harmoniosa e, por isso, infinita. Deixei isso claro? Preste atenção a si mesmo da próxima vez que disser: “Não devo”. A autodisciplina, o “Devo”, o “Não devo”, baseiam-se na ideia de conquista. Quando você percebe a inutilidade da conquista – quando você percebe isso com todo o seu ser, tanto emocional como intelectualmente – então já não existe mais um “Devo” e um “Não devo”.

Agora que você está aprisionado nessa tentativa de se submeter a uma imagem na sua mente, você tem o hábito de pensar “Devo” e “Não devo”. Portanto, da próxima vez que disser isso, tome consciência de si mesmo, e nessa consciência você discernirá o que é verdade, e se libertará dos obstáculos do “Devo” e do “Não devo”.

Interrogante: O Senhor diz que ninguém pode ajudar ninguém. Porque é, então, que você anda por todo o mundo a dirigir-se às pessoas?

Krishnamurti: Será que essa pergunta necessita de resposta? Isso significa muito se vocês compreenderem. Sabem, a maioria de nós quer adquirir sabedoria ou verdade por meio de outra pessoa, através de alguma agência externa. Ninguém pode convertê-lo num artista; somente você próprio pode fazê-lo. É isso que quero dizer: eu posso dar-lhe tintas, pincéis e telas, mas você mesmo terá que se tornar o artista, o pintor. Eu não posso transformá-lo em um. Agora, nas suas tentativas para se tornarem espirituais, a maioria de vocês busca professores, salvadores, mas eu afirmo que ninguém no mundo pode libertá-los do conflito do sofrimento. Alguém lhes poderá dar os materiais, as ferramentas, mas ninguém lhes pode dar aquela chama da vida criativa.

Vocês sabem, nós pensamos em termos de técnica, mas a técnica não vem em primeiro lugar. Primeiro você tem que ter a chama do desejo, e então a técnica segue. Mas, dirá você: “Deixem-me aprender. Se me ensinarem a técnica da pintura, então serei capaz de pintar”. Existem muitos livros que descrevem a técnica da pintura, mas apenas aprender a técnica nunca fará de você um artista criativo. Somente quando você estiver inteiramente só, sem técnica, sem mestres, só então poderá encontrar a verdade.

Compreendamos isso em primeiro lugar. Vocês estão agora baseando suas ideias na conformidade. Vocês pensam que existe um padrão, um caminho pelo qual podem encontrar a verdade; mas se examinarem, descobrirão que não existe caminho algum que leve à verdade. “Para ser conduzido à verdade, você deve saber o que é a verdade, e o seu líder deve saber o que ela é.” Não é assim? Eu digo que um homem que ensina a verdade poderá tê-la, mas se ele se oferece para o conduzir e você é conduzido, então ambos estão iludidos. Como você pode conhecer a verdade se ainda está preso pela ilusão? Se a verdade existe, ela se expressa. Um grande poeta tem o desejo, a chama da escrita criativa, e escreve. Se você tiver o desejo, aprenderá a técnica.

Eu sinto que ninguém pode conduzir alguém à verdade, porque a verdade é infinita; é uma terra sem caminhos, e ninguém lhes pode dizer como encontrá-la. Ninguém pode ensiná-los a ser artistas; os outros só lhes podem dar os pincéis, as telas e mostrar-lhes as cores a serem usadas. Ninguém me ensinou, eu lhes asseguro, nem aprendi o que digo nos livros. Mas eu observei, lutei, tentei descobrir. É somente quando se está absolutamente aberto, livre de todas as técnicas, livre de todos os professores, que você descobre.

04/07/1933