2ª Palestra em Bombay, Índia

Este encontro acontecerá daqui por diante às 15:00 horas, todo domingo à tarde, e os debates em Carmichael Road serão às terças, quintas e sábados às 16:00 horas.

Talvez alguns de vocês irão lembrar do que eu estava discutindo em minha palestra do último domingo. Eu dizia que na compreensão do que é, descobriríamos a verdade de um problema; e é extremamente difícil compreender o que é, pois o que é nunca é estático, está em constante movimento. Uma mente que deseja compreender um problema deve não apenas compreender o problema completamente, integralmente, mas deve ser capaz de acompanhá-lo agilmente, pois o problema não é estático. O problema é sempre novo, seja um problema de fome, um problema psicológico, ou qualquer problema. Qualquer crise é sempre nova; portanto, para compreendê-la, a mente deve estar sempre fresca, clara, ágil em sua busca. Acho que a maioria de nós percebe a urgência de uma revolução interior, que apenas ela pode provocar uma transformação fundamental, radical do exterior, da sociedade. Esse é o problema com que eu mesmo e todas as pessoas seriamente intencionadas estamos ocupados. Como provocar uma transformação fundamental, radical na sociedade, é nosso problema; e, como eu disse no último domingo, esta transformação no exterior não pode acontecer sem a revolução interior. Porque a sociedade é sempre estática, qualquer ação, qualquer reforma que for realizada sem esta revolução interior, se torna igualmente estática. Assim não há esperança sem essa constante revolução interior, pois sem ela, a ação exterior se torna repetitiva, habitual. A ação de relação entre você e o outro, entre você e eu, é a sociedade; e essa sociedade se torna estática, não tem qualidade vital, enquanto não há está em constante revolução interior, uma transformação psicológica criativa; e é porque não há essa constante revolução interior que a sociedade está sempre se tornando estática, cristalizada e tem, portanto que ser constantemente dissolvida.

Então, nosso problema é se pode haver uma sociedade que é estática, e ao mesmo tempo, um indivíduo em quem esta constante revolução psicológica está acontecendo. Ou seja, a revolução na sociedade deve começar com a transformação interior, psicológica do indivíduo. A maior parte de nós quer ver uma transformação radical na estrutura social. Essa é toda a batalha que vem acontecendo no mundo – provocar uma revolução social pelo comunismo ou por qualquer outro meio. Agora, se houver uma revolução social, isto é, uma ação em relação à estrutura exterior do homem, por mais radical que essa revolução possa ser, sua própria natureza será estática, se não houver revolução interior, uma transformação psicológica do indivíduo. Assim, para produzir uma sociedade que não seja repetitiva, estática, desintegradora, que esteja constantemente viva, é imperativo que haja uma revolução na estrutura psicológica do indivíduo; pois sem essa revolução interior, psicológica, a simples transformação do exterior tem pouca significação. Isto é, a sociedade está sempre se tornando cristalizada, estática e, consequentemente, sempre se desintegrando. Por mais sabiamente que seja a legislação promulgada, a sociedade está sempre em processo de decadência, porque a revolução tem que acontecer dentro, não simplesmente exteriormente.

Considero que é importante compreender isso, e não passar por cima. A ação externa, quando efetuada, está encerrada, está estática; e se a relação entre indivíduos, que é a sociedade, não for resultado da revolução interior, então a estrutura social, sendo estática, absorve o indivíduo, e o torna igualmente estático, repetitivo. Percebendo isso, percebendo a extraordinária significação do que eu disse, que é um fato, não pode haver a questão de concordar ou discordar. É um fato que a sociedade está sempre se cristalizando e absorvendo o indivíduo; e esta revolução constante, criativa só pode acontecer no indivíduo, não na sociedade, não no exterior. Ou seja, a revolução criativa só pode ocorrer na relação individual, que é a sociedade. Vemos como a estrutura da presente sociedade na Índia, na Europa, na América, em toda parte do mundo, está se desintegrando rapidamente; e sabemos disso em nossas próprias vidas. Podemos observar isso quando andamos nas ruas. Não precisamos de grandes historiadores para nos falarem sobre o fato que nossa sociedade está desmoronando; e deve haver novos arquitetos, novos construtores, para criar uma nova sociedade. A estrutura deve ser construída sobre uma nova fundação, sobre fatos e valores novamente descobertos. Esses arquitetos ainda não existem. Não há construtores, ninguém que observando, se tornando consciente do fato que a estrutura está em colapso, esteja se transformando em arquiteto. Então, esse é nosso problema. Vemos a sociedade desmoronando, se desintegrando; e somos nós, você e eu, que temos que ser os arquitetos. Você e eu temos que redescobrir os valores e construir sobre uma fundação mais fundamental, duradoura; porque se procurarmos os arquitetos profissionais, os construtores políticos e religiosos, estaremos exatamente na mesma posição que antes.

Agora, porque o indivíduo, você e eu, não somos criativos, reduzimos a sociedade a esse caos. Então, você e eu temos que ser criativos, porque o problema é urgente; você e eu devemos estar cientes das causas do colapso da sociedade e criar uma nova estrutura baseada não na mera imitação, mas em nossa compreensão criativa. Agora, isso implica, não é? O pensamento negativo. O pensamento negativo é a forma mais elevada de compreensão. Ou seja, para entender o que é pensamento criativo, devemos abordar o problema de forma negativa; porque uma abordagem positiva do problema – que é que você e eu devemos nos tornar criativos para construir uma nova estrutura da sociedade – será imitativa. Para entender o que está desmoronando, devemos investigá-lo, examiná-lo negativamente, não com um sistema positivo, uma fórmula positiva, uma conclusão positiva.

Então, por que a sociedade está se desintegrando, em colapso como certamente está? Uma das razões fundamentais é que o indivíduo, você, deixou de ser criativo. Vou explicar o que quero dizer. Você e eu nos tornamos imitadores, estamos copiando externamente e internamente. Externamente quando aprendemos uma técnica, quando nos comunicamos uns com os outros no nível verbal, naturalmente deve haver alguma imitação, cópia. Eu copio palavras. Para me tornar engenheiro, primeiro devo aprender a técnica e usar a técnica para construir uma ponte. Assim, deve haver um tanto de imitação, cópia, na técnica exterior. Mas quando há imitação psicológica interior, certamente deixamos de ser criativos. Nossa educação, nossa estrutura social, nossa chamada vida religiosa, todas se baseiam na imitação, ou seja, eu me encaixo numa forma particular social ou religiosa. Eu deixei de ser um indivíduo real; psicologicamente, me tornei uma simples máquina repetitiva com certas reações condicionadas, sejam aquelas dos parsi, hindus, cristãos, budistas, o alemão ou o inglês. Nossas reações são condicionadas de acordo com o padrão da sociedade, seja oriental ou ocidental, religiosa ou materialista. Assim, uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é a imitação, e um dos fatores desintegradores é o líder, cuja essência é a imitação.

Então, a fim de compreender a natureza da desintegração social, não é importante examinar se você e eu, o indivíduo, pode ser criativo? Podemos ver que quando existe imitação, deve haver desintegração; quando existe autoridade, deve haver cópia. E desde que toda a nossa composição mental, psicológica se baseia na autoridade, deve haver liberdade da autoridade para sermos criativos. Vocês não notaram que em momentos de criatividade, aqueles bem raros momentos de interesse vital, não existe sentido de repetição, de copiar? Tais momentos são sempre novos, frescos, criativos, felizes. Então, uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é copiar, que é a adoração da autoridade.

Por favor, não concordem comigo. Não é uma questão de concordância, mas de compreender o que é. Se você simplesmente concordar comigo, fará de mim sua autoridade; mas se você compreender, deixará de adorar a autoridade, porque o problema não é uma questão de substituir uma autoridade por outra, mas de ser criativo. Quando você tenta se tornar criativo, então precisa de autoridade; mas quando você é criativo, não existe autoridade, não há cópia. Existe uma diferença entre se tornar e ser. Tornar-se admite tempo, e ser está livre do tempo. No se tornar você deve ter autoridade, um exemplo, um ideal, você deve ter um amanhã. Em ser, o tempo cessa e, assim, há revolução imediata, o que discutiremos conforme prosseguirmos ao longo das muitas palestras que teremos aqui.

Então, primeiro é importante compreender que nossa abordagem para qualquer problema deve ser negativa, pois qualquer abordagem positiva é, simplesmente, imitação. E para compreender esta estrutura social desintegrada, devemos abordá-la negativamente, e não por meio de um sistema, seja de esquerda ou de direita; e nessa abordagem descobriremos que o pensar negativo é a mais elevada forma de compreensão, e só ela vai resolver as muitas dificuldades de toda nossa existência.

Tenho várias perguntas, e vou adiante com as respostas. Em todas estas palestras, farei observações introdutórias, como fiz agora e, então, responderei às perguntas.

Interrogante: Qual é sua solução para o problema da fome?

Krishnamurti: Agora, primeiro vamos examinar a pergunta em si. Como eu disse no último domingo, eu não estudei essa pergunta. Estou considerando-a pela primeira vez agora. Então vamos examiná-la e compreender este problema juntos, o que significa que vocês não serão ouvintes, observadores, e eu não serei aquele que responde. Vamos examinar esse problema muito cuidadosamente juntos, passo a passo, pois é problema de vocês tanto quanto meu. Então, por favor, não esperem por uma resposta, mas vejam as implicações, o significado desta pergunta, tudo que está implicado nela. Porque, como eu disse, o problema contem a resposta; a resposta nunca está fora do problema. Se eu puder compreender o problema com toda a sua significação, então a resposta está ali; mas se você tiver uma resposta, então nunca compreenderá o problema, porque a resposta, a conclusão, a fórmula, interfere entre o problema e você mesmo. E você fica interessado simplesmente na resposta, e não no problema em si.

Agora a pergunta é, “Qual é sua solução para o problema da fome?” Alguma solução acabará com a fome? Algum sistema – que está sempre implicado numa solução – dará fim à fome, seja o sistema da direita modificado ou da extrema esquerda? A modificação da sociedade capitalista ou um sistema comunista dará fim à fome? É isso que está implicado nesta pergunta. Quando você pergunta por uma solução, quer dizer um sistema, não? Não estou colocando na pergunta uma coisa que não está lá. Nós temos vários sistemas: os sistemas fascista, comunista, capitalista. Como eles não resolveram o problema da fome, você tem um sistema que resolverá? Então, pode algum sistema trazer o fim da fome?

Agora, os sistemas se tornam mais importantes do que alimentar pessoas quando o sistema interfere entre o problema e você mesmo. Deixe-me colocar deste modo. Por que os sistemas se tornaram importantes? Por que esses sistemas interventores, sejam de esquerda ou de direita, se tornaram importantes? Eles se tornaram importantes porque pensamos que eles resolverão o problema, porque pela aplicação de certas ações legislativas externas, ou seja, pela compulsão externa dos proprietários, de quem tem as coisas nas mãos, os mecanismos, vamos dar fim ao problema. Consideramos que pela compulsão vamos transformar a sociedade e dar um fim à fome. Espero que estejam acompanhando. Damos importância aos sistemas porque achamos que através da compulsão, através da legislação, através da ação externa, podemos acabar com a fome. Obviamente, até certo ponto isso é verdade – não precisamos nem discutir isso. Mas esse não é o problema todo, é? Por que alimento, roupas e abrigo se tornaram tão importantes na vida do homem? Eles são necessários, esse é um fato óbvio. Seria estúpido, a pessoa teria que ser mentalmente bem desequilibrada, para dizer que essas coisas não são necessárias. Mas por que elas assumiram tal importância esmagadora? Compreendem? Ou melhor, espero estar sendo claro – é mais cortês falar assim! Por que propriedade, relação, ideia, ideologia, se tornaram tão absorventes – pois eles são a mesma coisa que alimento, roupas e abrigo, apenas num plano diferente de pensamento. Ou seja, nós buscamos um sistema para resolver esse problema; afirmamos que este ou aquele é o melhor sistema, o comunista, o socialista, ou o capitalista, e paramos aí. Certamente, essa não é a resposta. Se entrarmos um pouco mais profundamente no problema, nos perguntaremos por que essas coisas, feitas pela mão ou pela mente, se tornaram tão extraordinariamente importantes em nossas vidas. É porque precisamos de alimento, roupas e abrigo? Mas por que elas se tornaram uma influência tão dominante em nossas vidas? Certamente, se eu puder descobrir a verdade dessa pergunta, então alimento, roupas e abrigo, conquanto necessárias, se tornarão de importância secundária. Então não darei significação indevida a essas coisas, porque não vou notar se tenho um pouco mais ou um pouco menos.

Portanto, é irrelevante para mim se a sociedade está organizada por este ou aquele grupo – eu não matarei, não vou aderir a nenhum dos dois para ser destruído pelo outro. Compreendem? Quando os sistemas se tornam importantes, o problema em si se torna secundário; pois a ênfase é colocada no sistema, e não no problema, É isso que está acontecendo no mundo atualmente. Se o mundo todo estivesse interessado em alimentar o homem, certamente, então, o problema seria muito simples. Os cientistas já descobriram o suficiente para tornar possível alimentar, vestir e abrigar o homem. Esse é um fato irrefutável. Mas nós não nos valemos dessas possibilidades porque estamos mais preocupados com sistemas do que em alimentar o homem. Dizemos, ‘Meu sistema é melhor do que o seu sistema’, e estamos nos preparando para destruir, assassinar, liquidar um ao outro. E o que acontece? O pobre homem que está faminto continua faminto. Por outro lado, se não considerarmos os sistemas, mas descobrirmos quais são as implicações do problema em si, então os sistemas poderão ser usados, mas não se tornarão nossos mestres.

Então, quais são as implicações do problema? Por que o homem, isto é, por que você e eu conferimos tal significação extraordinariamente dominante a coisas, a propriedade, alimento, vestuário e abrigo? Damos importância a valores sensoriais, que são alimento, roupa e abrigo, porque as usamos como meio de auto-expansão psicológica. Ou seja, alimento, roupa e abrigo são usados pelo indivíduo para seu próprio engrandecimento psicológico. Afinal, a propriedade tem muito pouco significado em si mesma. Mas, psicologicamente, a propriedade assume extraordinária importância, pois ela confere a você posição, prestígio, nome, título. Assim, desde que ela lhe dá poder, posição, autoridade, você se agarra a ela; e sobre isso constrói um sistema que destrói a distribuição igualitária das coisas ao homem. Então, enquanto você e eu usarmos, psicologicamente, a propriedade, o nome, a crença, – o que é a mesma coisa que alimento, roupa e abrigo num nível diferente – haverá fome, haverá conflito entre o homem e o homem. Eu posso não buscar poder por meio da propriedade, mas me torno o comissário, o burocrata, exercendo enorme poder, que, novamente, provoca tensão entre o homem e o homem. Enquanto você e eu, ou qualquer grupo de pessoas, usarmos alimento, roupa e abrigo como meio de exploração, de poder, o problema da fome continuará. Um sistema não é a solução do problema, porque o sistema está na mão de poucos; e o sistema se torna importante. Isso não significa que não deve haver um sistema para regular o homem e sua ambição; mas esse problema pode ser resolvido radicalmente, fundamentalmente, e para todos, não através de algum sistema, mas apenas quando você e eu estivermos conscientes de que estamos usando propriedade, coisas feitas pela mão ou pela mente, como meio de auto-expansão. Afinal, retire seu nome, seu título, sua propriedade, seu mestrado, seu doutorado, e o que você é? Realmente você é uma não-entidade, não? Sem sua propriedade, sem suas medalhas e tudo o mais, você nada é. E para encobrir este vazio, você usa a propriedade, usa nome, família. O vazio psicológico do homem sempre busca se encobrir com a propriedade, que é alimento, roupa e abrigo.

Então, o problema da fome é muito mais psicológico do que legislativo; não é uma questão de simples sanção. Se realmente virmos a verdade disso, deixaremos de usar coisas como meio de auto-expansão e, assim, ajudaremos a criar uma nova ordem social. Certamente, essa é a verdade disso: que você e eu usamos as coisas feitas pela mão ou pela mente como meio de auto-expansão e, consequentemente, damos extraordinária importância aos valores sensoriais. Mas se não dermos uma significação errada aos valores sensoriais, ou seja, se não dermos a importância predominante a alimento, roupa e abrigo, então o problema é simples e muito facilmente resolvido. Então os cientistas vão se unir e nos dar alimento, roupa e abrigo; mas não farão isso agora porque, como você e eu, eles pertencem a uma sociedade que usa coisas como meio de auto-expansão. Os cientistas são como o resto de nós; eles podem ser diferentes no laboratório, mas são condicionados como você e eu. São nacionalistas, psicologicamente buscam o poder, e assim por diante. Portanto, não existe solução por meio deles. A única solução para este problema está em nós mesmos. Essa é a verdade; e se você realmente compreender isso, haverá uma revolução, esta revolução que é criativa; e, consequentemente, haverá uma sociedade que não é meramente estática, mas criativa porque representa você e eu. Senhor, na compreensão do que é, que é o problema, a verdade é descoberta. É a percepção imediata da verdade que liberta, não a ideação. As ideias geram mais ideias simplesmente, e ideias não vão de modo algum dar felicidade ao homem. Apenas quando a ideação cessa há o “ser”; e ser é a solução

Interrogante: Você afirma que podemos permanecer consciente mesmo quando dormimos. Por favor, explique.

Krishnamurti: Este é realmente um problema muito complexo que demanda observação muito cuidadosa e acompanhamento ágil do pensamento, e espero que vocês e eu seremos capazes de fazê-lo juntos. Eu vou explicar essa questão. Por favor, acompanhem em vocês mesmos, e não apenas ouçam minha explanação verbal; acompanhem passo a passo enquanto eu entro nisso.

A consciência é formada por muitas camadas, não? A consciência não é, simplesmente, a camada superficial; ela é formada por muitas, muitas camadas, sendo as camadas os motivos ocultos, as intenções secretas, os problemas não resolvidos, memória, tradição, a imposição do passado sobre o presente, a continuação do passado através do presente para o futuro. Tudo isso, e mais, é a consciência. Estou considerando o que a consciência de fato é, não uma teoria. As muitas camadas de memórias, todos os pensamentos, os problemas ocultos que não são resolvidos e que criam memória, os instintos raciais, o passado em conjunção com o presente criando o futuro – tudo isso é consciência.

Agora, a maioria de nós está consciente, funciona, apenas dentro das camadas superficiais da consciência. Espero que vocês estejam interessados nisso tudo; mas estando interessados ou não, isso é um fato. Mesmo meramente por informação, ouçam. Primeiro, eu não li e nem estou usando alguma terminologia especial, algum jargão de psicólogos; nem li algum de seus livros sagrados, do oriente ou do ocidente. Mas estando consciente de si mesmo, descobrem-se todas essas coisas. Em si mesmo está toda a sabedoria. O autoconhecimento é o início da compreensão, e sem autoconhecimento, não há pensar correto, não há base para o pensamento. Compreendendo isso, estamos explorando o autoconhecimento, estamos explorando a consciência; e você pode explorá-la diretamente enquanto estou falando, você pode estar consciente de si mesmo e ter a experiência direta; ou pode, simplesmente, ouvir verbalmente, pela informação: pode fazer sua escolha, cabe a você.

Então, a maioria de nós funciona nas camadas superficiais da consciência; consequentemente, permanecemos rasos, e consequentemente nossa ação traz mais respostas, mais reações, mais miséria. Há relaxamento, liberação, só quando a consciência é compreendida totalmente. Não é uma questão de tempo – que examinaremos depois, durante o curso destas palestras. Assim, desde que só funcionamos nas camadas superficiais da consciência, naturalmente isso cria problemas; não resolve problemas, mas é sempre o solo gerador de problemas. Ou seja, como a maior parte das atividades de nossa existência diária são a resposta dessas camadas superficialmente cultivadas, todo o pacote de camadas está sempre gerando mais e mais problemas. Agora, quando você tem um problema criado pelas camadas superficiais da consciência, tentamos resolvê-lo superficialmente, como um cachorro agarrado ao osso, roendo, lutando com ele – é sempre esse o caso com as camadas superficiais da consciência; e você não encontra uma solução. E o que acontece? Você vai para a cama, dorme com isso; e quando acorda, você acha que resolveu o problema, ou vê uma nova forma de olhar para ele e pode resolvê-lo. Isso acontece o tempo todo com todos nós. Não é uma coisa extraordinária ou misteriosa, é bem conhecida. Agora, exatamente, o que aconteceu? Esta camada superior da consciência, o homem, o homem superficial, pensou no problema o dia inteiro, preocupado, tentando traduzí-lo segundo suas demandas, seus preconceitos, seus desejos imediatos. Isto é, ele fica buscando uma resposta e, por isso, não consegue achá-la. E ele vai dormir, e quando dorme, a consciência superficial, a camada superior da mente, fica de algum modo quieta, relaxada, livre da incessante preocupação com o problema. Então, nessa camada superficial, o oculto projeta sua solução; e quando você acorda, o problema tem uma significação diferente. Isso é um fato. Você não precisa se tornar ocultista, você não precisa se tornar muito inteligente para compreender isso – o que seria absurdo. Se você observar por si mesmo, verá que esse é um fato óbvio cotidiano. Mas isso não significa que você tem que ir dormir para ter seu problema respondido. O problema está ali; e se você puder abordá-lo abertamente, sem nenhuma conclusão, sem nenhuma resposta interferindo entre você e o problema, então você ficará imediatamente e diretamente em relação com o problema, e estará aberto para as sugestões do inconsciente.

Eu expliquei muito depressa? Talvez sim. Mas não importa, senhor. Nós vamos nos encontrar novamente diversas vezes, porque essa é uma pergunta que se deve examinar muito mais profundamente. Nós tocamos apenas numa parte dela, embora a maioria de nós esteja satisfeita em deixá-la neste nível.

O próximo ponto envolvido nesta pergunta é a sugestão do inconsciente. Certamente, nossa vida não é mera existência superficial. Existem vastos recursos ocultos, tesouros de extraordinária importância, de extraordinário deleite e grandeza e alegria, que estão sempre se insinuando, sugerindo; e porque não somos capazes de recebê-los diretamente quando estamos acordados, eles se tornam símbolos, como sonhos, quando dormimos. Ou seja, o inconsciente, as camadas profundas, as camadas que não foram exploradas, estão sempre dando sugestões, insinuações de extraordinária significação; mas a consciência superficial está tão ocupada com sua existência diária, suas preocupações diárias, sua busca por pão e manteiga, que é incapaz de receber as sugestões diretamente. Assim as sugestões se tornam sonhos; e os sonhos precisam de intérpretes, e chegam os psicólogos e ganham dinheiro. Ao passo que não há necessidade de interpretação se houver contato imediato e direto com o inconsciente; e isso pode acontecer quando a mente consciente está continuamente ficando quieta, constantemente tendo um intervalo, um espaço entre uma ação e outra ação, entre um pensamento e outro pensamento.

E outro ponto envolvido nisso é a experiência subjetiva de conversar com outra pessoa. Não sei se você já lembrou, quando acorda, de ter tido uma longa conversa com alguém – lembrar palavras, ou uma palavra, com extraordinária potência e significado. Isso deve ter acontecido a você – você lembra-se de ter tido uma discussão com um amigo, com um homem que você respeita, com um asceta, guru ou Mestre. Agora, o que é isso? Não está ainda dentro do campo da consciência? É ainda parte da consciência; portanto, é uma autoprojeção que é traduzida depois de despertar como conversa com alguém, uma orientação recebida de um Mestre. O Mestre está ainda dentro da moldura da consciência e, por isso, é uma projeção do ego sob a imagem de um Mestre. Lembrar de uma palavra e dar significado a ela é uma das maneiras pela qual o inconsciente funciona para afetar a mente consciente. Assim, a lembrança de um evento dentro do campo da consciência é ainda a insinuação ou a projeção do pensamento; é uma criação do pensamento e, portanto, não real. O real surge apenas quando o pensamento cessa, quando o pensamento não cria mais.

O próximo ponto envolvido na pergunta – e espero que você não se importe por eu explorá-la mais – é se durante o sono é possível encontrar uma pessoa objetivamente. Compreende? Ou seja, posso eu, durante o sono, encontrar alguém objetivamente, não subjetivamente? Agora isso implica em identificação do pensamento como “Eu”. O que é o “Eu”? O que é o pensamento identificado? Quando digo ‘Krishnamurti’, quero dizer pensamento em que existe identificação como o homem. O homem é pensamento, objetificado, o que é uma continuidade; e, certamente, é possível encontrar essa continuidade objetivamente. Isso foi provado vezes e vezes – objetivamente, não subjetivamente. Ou seja, o pensamento, que é como uma onda, uma onda em movimento, está identificado, tem nome; e isso, sem dúvida, você pode encontrar objetivamente.

Então, essas são algumas das coisas envolvidas nessa questão de permanecer consciente mesmo dormindo. Mas todas essas explicações não têm qualquer significado sem autoconhecimento. Você pode repetir o que falei, mas a repetição é uma mentira; é simples propaganda, e não é verdadeira. Essas coisas têm que ser experimentadas, não repetidas: e você deve experimentar o que é; estar consciente das muitas camadas da consciência que se expressam de muitas formas diferentes.

Então, há uma margem muito estreita entre a consciência-desperta e a consciência-adormecida; mas como a maioria de vocês está quase inteiramente ocupada com a consciência-desperta, com suas preocupações, suas crenças, as angústias diárias de ganhar o sustento, a tensão da relação entre você e o outro, tudo isso impede a exploração de si mesmo em nível mais profundo. E você não tem que explorar – certamente, o oculto se projeta com enorme rapidez quando a mente não está superficialmente ativa. Você não percebeu isso quando fica sentado calmamente, não ocupado com o rádio, quando a mente, de repente, tem uma nova ideia, um novo sentimento, uma nova alegria; mas, infelizmente, o que acontece? Quando essa expressão criativa surge, você imediatamente a traduz em ação, e quer a repetição dela. E aí você a perdeu. Assim, o problema da consciência, que tratamos agora parcialmente, é realmente muito criativo, se você puder compreendê-lo completamente. Entrarei nisso mais tarde, na significação do que é estar consciente. Mas é importante compreender isso – não? – que não pode haver pensar correto e, consequentemente, ação correta, sem autoconhecimento; e autoconhecimento não é, simplesmente, a compreensão das camadas superficiais, mas a compreensão completa de toda a consciência. Isso não é uma questão de tempo; pois se a atenção está ali, há imediata percepção, e a urgência dessa percepção depende de quanto honesto se é. Quanto mais se está alerta, passivamente consciente, mais se compreende as camadas mais profundas da consciência; e eu lhe asseguro, há uma extraordinária alegria nisso, em descobrir, em penetrar no próprio ser total. Se você vai ao encalço da compreensão, ela escapa; mas se você estiver passivamente consciente, então ela se revela e concede suas extraordinárias profundezas.

Posso ir para a próxima pergunta? Vocês estão cansados? Certo, vou continuar.

Interrogante: Você afirma que a conscientização completa do problema nos liberta do problema. Conscientização depende de interesse. O que cria interesse, o que faz um homem interessado e outro indiferente?

Krishnamurti: Agora, novamente vamos examinar a pergunta, o problema em si. Assim, não intervenha com uma resposta. Vamos descobrir o conteúdo do problema, e não procurar uma conclusão. Porque, se tivermos uma conclusão, o problema não será compreendido; se tivermos respostas para nossos vários problemas, os problemas não serão examinados. Nós ou citamos o Bhagavad Gita, ou algum dos últimos líderes, ou um guru, e nunca olhamos o problema em si – o que significa que nunca estamos diretamente em relação com o problema porque há sempre uma intervenção entre nós e o problema sob a forma de uma conclusão, sob a forma de uma citação ou resposta. Não há nunca uma relação direta entre você e o problema, e o problema perde sua significação. Para estar consciente do problema diretamente, você tem que, primeiro, estar consciente de que está interferindo, colocando um anteparo entre você mesmo e o problema. Você está? Fique diretamente consciente de seu próprio problema, não outra pessoa, e você verá o que acontece. Vamos experimentar com isso. Você verá como pode dissolver o problema rapidamente, se acompanhar o que vou sugerir.

Se você tem um problema, qual é sua primeira resposta a esse problema? Sua reação instantânea é buscar uma resposta. Você quer resolvê-lo, o que significa: quer fugir do problema por meio de uma resposta; ou seja, você está mais preocupado com a descoberta de uma resposta do que com o estudo do problema. Seu guru, seu Bhagavad Gita intervém, o que significa que eles são, realmente, uma saída para o problema. Isso é um fato, é isso que acontece com você. Agora, se isso é um fato, o que acontece? Você não está preocupado com o problema que está tentando compreender; assim, naturalmente, o problema definha e, portanto, você não fica diretamente em contato com o problema. Mas o que acontece quando você é confrontado com o problema sem nenhuma interferência, quando você fica diretamente em relação com o problema? O problema deixa de ser um problema – você o compreende inteiramente, imediatamente. Então, estar consciente de um problema implica conscientização das interferências, ou seja, das saídas, das respostas, da busca, consciente ou inconsciente, de evitar o problema – o que significa que você não está interessado na compreensão do problema. Assim, ter essa consciência de um problema dissolve o problema; ela nos liberta do problema.

A cada momento, o problema é um novo problema; o problema é um desafio. A vida é um desafio e uma resposta; e quando há um desafio, que é sempre novo, eu respondo de acordo com minha condição; mas se eu encontro o desafio sem a condição – que é a resposta, a conclusão, a citação, então minha mente, estando fresca, é capaz de encontrar o desafio de uma forma nova. Assim, ela é capaz de compreender o problema instantaneamente. Por favor, não é uma questão de você aceitar minha palavra – experimente com isso e você verá quão extraordinariamente a conscientização dissolve o problema. Você prova essa conscientização em momentos de grande crise, quando você tem que resolver alguma coisa, quando alguma coisa extraordinariamente séria acontece em sua vida. Então você não está procurando uma resposta, um guia, uma autoridade. Significa que você não está fugindo do problema, da crise, que você está encontrando o problema de forma nova.

Continuando com a pergunta. “Consciência depende de interesse. O que cria interesse…?” Por que você fica interessado? Você está interessado agora? Está me ouvindo de fato: por quê? Ou você está enfeitiçado por minhas palavras, ou existe interesse obviamente. Espero que não esteja enfeitiçado por minhas palavras. Então, existe interesse. Por que você está interessado? Porque eu estou interessado, estou urgentemente interessado no que estou dizendo, e não apenas no momento. Estou vitalmente interessado em resolver os problemas do homem, que sou eu mesmo; e porque estou entusiasticamente, ardentemente interessado, você também está interessado. Mas chegará o momento, assim que você deixar este lugar, em que você voltará para a rotina de sua propriedade, sua posse, seu emprego e tudo o mais. Você está interessado porque estou interessado, porque estou tremendamente mobilizado.  Existe boa influência e má influência; e desde que não estou interessado em influenciá-lo de um jeito ou de outro você perde o interesse. E ser influenciado é errado, é fatal; pois se você pode ser influenciado por um, pode ser influenciado pelo outro; como a moda, a influência muda e, portanto, não tem significação. Mas, se você for sério em si mesmo, então está sensível, não só agora, mas constantemente, à enorme significação da crise. E se você não está interessado, é sua infelicidade. O que faz um homem interessado e outro indiferente? O que faz você não ter interesse é o problema, não a indiferença do outro. Por que você fica indiferente? Esse é o problema, não? Por que você é indiferente ao problema da fome, ao problema da consciência, ao problema de encontrar uma solução para todos os problemas existentes? O que o faz indiferente? Por que você não está interessado em tudo isso? Você já se sentou e refletiu sobre isso? Obviamente não estamos interessados pela simples razão que desejamos distrações: o guru, o líder, o Bhagavad Gita, a Bíblia e assim por diante. Todos são distrações, e a distração embota a mente. A própria função de um guru é embotar a mente. Por isso você vai até ele – para se pacificar, para ter satisfação. Por outro lado, se você não buscasse satisfação, não iria a um guru. Você quer satisfação e, assim, sua mente se embota; e em que pode uma mente embotada se interessar? Ela está interessada na existência diária, como usar um novo vestido elegantemente. Portanto, estamos presos nos caminhos do embotamento porque pensar muito seriamente é estar descontente, o que é muito doloroso; e a maioria de nós não quer convocar o sofrimento. Queremos evitar o sofrimento e, assim, toda a nossa estrutura de pensamento é uma confusão, é uma distração.

Então, o importante não é quem é indiferente, mas por que você mesmo é tão superficial. Por que você está preso nesta extraordinária rede de sofrimento? Certamente a resposta está na descoberta por nós mesmos das causas que nos tornam embotados, insensíveis ao sofrimento humano, às árvores, aos céus, aos pássaros; insensíveis à nossas relações humanas. Ser sensível significa dor; mas devemos estar dolorosamente sensíveis a fim de compreender. Mas nós paramos neste lado da dor e tentamos escapar dela, o que nos reduz a máquinas imitadoras.

25/01/1948