1ª Palestra em Bombay – 18/01/1948

Comunicar-se com o outro, mesmo quando nos conhecemos muito bem, é extremamente difícil. Aqui estamos nós; você não me conhece, e eu não o conheço. Estamos falando em níveis diferentes. Eu posso usar palavras que podem ter um significado diferente do que têm para mim. A compreensão surge apenas quando nós, você e eu, nos encontramos no mesmo nível ao mesmo tempo. Isso só acontece quando existe afeição real entre as pessoas, entre marido e esposa, entre amigos íntimos. Isso é comunhão real. A compreensão instantânea chega quando nos encontramos no mesmo nível ao mesmo tempo.

É muito difícil, num encontro deste tipo, comungar um com o outro facilmente, efetivamente e com ação definitiva. Estou usando palavras simples, que não são técnicas, porque não considero que algum tipo de expressão técnica vá nos ajudar a resolver nossos difíceis problemas. Então não vou usar qualquer termo técnico, seja de psicologia ou de ciência. Não li nenhum livro de psicologia ou nenhum livro religioso, felizmente. Gostaria de transmitir com palavras muito simples, que usamos em nossa vida cotidiana, uma significação mais profunda, mas isso é muito difícil se você não souber como ouvir.

Existe uma arte de ouvir. Para ouvir realmente, deve-se abandonar, deixar de lado todos os preconceitos, pré-formulações e atividades diárias. Quando sua mente está em um estado receptivo, as coisas podem ser compreendidas facilmente; você está ouvindo quando sua real atenção é dada a alguma coisa. Mas, infelizmente, a maioria de nós ouve através de uma barreira de resistência. Ficamos escondidos em preconceitos, sejam religiosos ou espirituais, psicológicos ou científicos; ou com nossas preocupações diárias, desejos e medos. E com essas barreiras, ouvimos. Assim, ouvimos de fato aos nossos próprios ruídos, ao nosso próprio som, não ao que está sendo dito. É extremamente difícil deixar de lado nosso treinamento, nossos preconceitos, nossa inclinação, nossa resistência, e ir além da expressão verbal, ouvir de modo que compreendamos instantaneamente. Essa vai ser uma de nossas dificuldades.

Irei explicar que a verdade pode ser compreendida instantaneamente. Não é uma questão de tempo, não é uma questão de evolução ou de hábito. A verdade só pode ser compreendida diretamente, imediatamente, agora, no presente, não no futuro; e ela pode ser compreendida, sentida, percebida quando existe a capacidade de ouvir diretamente, de maneira aberta e com um coração aberto. Mas se nossas mentes estiverem ocupadas, se nossos corações estiverem cansados, então não há possibilidade de receber aquilo que é verdade. Então nossa dificuldade é ter esta capacidade instantânea de perceber diretamente por nós mesmos, e não esperar pela mediação do tempo. Tempo e vida se tornam um processo de destruição quando somos incapazes de compreender diretamente; assim, é óbvio por que eu sugeri que vocês devem ouvir sem qualquer resistência.

Se durante este discurso, alguma coisa for dita que seja oposta à sua crença ou ao seu modo de pensar, apenas ouça, não resista. Você pode estar certo, e eu posso estar errado, mas ouvindo e considerando juntos, vamos descobrir qual é a verdade. A verdade não pode lhe ser dada por alguém. Você tem que descobri-la, deve haver um estado na mente em que haja percepção direta. Não há percepção direta quando existe uma resistência, uma defesa, uma proteção. A compreensão vem quando se está consciente do que é. Saber exatamente o que é, o real, o presente, sem interpretá-lo, sem condená-lo ou justificá-lo é, certamente, o início da sabedoria. Só quando começamos a interpretar, traduzir segundo nosso condicionamento, segundo nosso preconceito, é que perdemos a verdade. Afinal, é como investigar. Para saber o que uma coisa é, exatamente como ela é, é preciso investigação – você não pode traduzir segundo suas disposições. Do mesmo modo, se pudermos olhar, observar, ouvir, estar conscientes do que é, exatamente, então o problema está resolvido. E é isso que vamos tentar fazer nestes discursos. Eu vou apontar a vocês o que é, e não traduzir segundo minha fantasia; nem vocês devem traduzir ou interpretar segundo sua carga do passado ou treinamento.

Então não é possível estar consciente de tudo como é? Começando daí, certamente, pode haver compreensão. Admitir, estar cônscio, chegar ao que é, dá fim à luta. Se eu sei que sou mentiroso, e esse é um fato que reconheço, então a luta está encerrada. Admitir, estar cônscio do que se é, já é o início da sabedoria, o início da compreensão, o que liberta você do tempo. Trazer para dentro a qualidade do tempo – tempo, não no sentido cronológico, mas como meio, como o processo psicológico – é destrutivo, e cria confusão.

Então podemos ter compreensão do que é quando admitimos sem condenação, sem justificação, sem identificação. Saber que se está em certa condição, em certo estado, já é um processo de libertação; mas o homem que não está cônscio de sua condição, de sua luta, tenta ser alguma coisa diferente daquilo que ele é, o que produz hábito. Assim, vamos ter em mente que queremos examinar o que é, observar e estar consciente exatamente do que é real sem dar inclinação, sem dar interpretação ao que é. É preciso uma mente extraordinariamente astuta, um coração extraordinariamente flexível, para estar cônscio e acompanhar o que é; porque o que é, está constantemente se movendo, constantemente passando por transformação, e se a mente estiver amarrada à crença, ao conhecimento, ela deixa de seguir, deixa de acompanhar o veloz movimento do que é. O que é não está estático, certamente – está em constante movimento, como você verá se observá-lo muito de perto. E para acompanhá-lo, você precisa de uma mente muito veloz e um coração flexível, o que é negado quando a mente está estática, fixada numa crença, num preconceito, numa identificação; e a mente e o coração que estão secos não podem acompanhar facilmente, velozmente aquilo que é.

Assim, o que vamos fazer em todas estas palestras, discussões, perguntas e respostas? Eu vou simplesmente dizer o que é e acompanhar o movimento do que é; e vocês vão compreender o que é, apenas se também forem capazes de acompanhá-lo.

Acho que temos consciência sem muita discussão, muita expressão verbal, que existe caos individualmente bem como coletivamente, confusão e miséria. Não é apenas na Índia, mas em todo o mundo; na China, América, Inglaterra, Alemanha, no mundo inteiro, existe confusão, sofrimento crescente. Não é apenas nacional, não é aqui particularmente, é no mundo inteiro. Há sofrimento extraordinariamente agudo, e ele não é só individual, mas coletivo. Então é uma catástrofe mundial, e limitá-lo apenas a uma área geográfica, a uma seção colorida do mapa, é absurdo; porque então não compreenderemos o significado integral deste sofrimento mundial bem como individual. Estando conscientes desta confusão, qual é nossa resposta hoje? Como reagimos?

Há sofrimento político, social, religioso; todo o nosso ser psicológico está confuso, e todos os líderes, políticos e religiosos, fracassaram; todos os livros perderam seu significado. Você pode ir ao Bhagavad Gita ou à Bíblia ou ao último tratado sobre política ou psicologia, e descobrirá que eles perderam aquele elo, aquela qualidade da verdade, se tornaram meras palavras. Você mesmo, que é o repetidor daquelas palavras, está confuso e inseguro, e a mera repetição de palavras nada transmite. Portanto, as palavras e os livros perderam seu valor; ou seja, se você cita a Bíblia, ou Marx, ou o Bhagadav Gita, como você que cita está inseguro, confuso, sua repetição se torna uma mentira. Porque o que está escrito ali se torna simples propaganda, e propaganda não é a verdade. Assim, quando você repete, deixou de compreender seu próprio estado de ser. Você fica meramente encobrindo com palavras de autoridade sua própria confusão. Mas o que estamos tentando fazer é compreender esta confusão e não encobri-la com citações. Então, qual sua resposta para isso? Como você responde a este caos extraordinário, esta confusão, esta incerteza da existência? Conscientize-se dela, enquanto discuto isso; acompanhe, não minhas palavras, mas o pensamento que está ativo em você. A maioria de nós está acostumada a ser espectador e não participar do jogo. Nós lemos livros, mas não escrevemos livros. Tornou-se nossa tradição, nosso hábito nacional e universal, sermos espectadores, assistir ao jogo de futebol, dar atenção aos políticos e oradores públicos. Somos meramente intrusos, observando, e perdemos a capacidade criativa. E queremos absorver e participar.

Mas aqui, nesta multidão, se vocês estiverem meramente observando, se forem meramente espectadores, perderão inteiramente o significado deste discurso, porque isso não é uma preleção a que vocês assistem por força de hábito. Não vou lhes dar informação que vocês podem obter numa enciclopédia. O que estamos tentando fazer é acompanhar os pensamentos uns dos outros, ir ao encalço deles tanto quanto pudermos, tão profundamente quanto pudermos, as intimações, as reações de nossos próprios sentimentos. Então, por favor, descubra qual sua resposta a essa causa, a esse sofrimento; não quais são as palavras de outra pessoa, mas como você mesmo responde. Sua resposta é de indiferença se você se beneficia com o sofrimento, com o caos, se você tira proveito dele, seja econômico, social, político ou psicológico. Por isso você não se importa que o caos continue. Certamente quanto mais caos houver no mundo, mais se busca segurança. Percebem isso? Quando há confusão no mundo, psicologicamente e sob toda forma, você se fecha em algum tipo de segurança, seja aquela de uma conta no banco ou de uma ideologia; ou se volta para um pregador, vai a um templo – o que é realmente fugir do que está acontecendo no mundo. Mais e mais seitas vão se formando, mais e mais ‘ismos’ surgem mundo afora. Porque quanto mais confusão houver, mais você quer um líder, alguém que vá lhe guiar para fora desta bagunça; e você se volta para os livros religiosos, ou para algum dos últimos mestres; ou ainda você age e reage segundo um sistema que parece resolver o problema, um sistema de esquerda ou de direita. Então, é exatamente isso que está acontecendo.

No momento em que você está cônscio da confusão, do que exatamente é, você tenta escapar. E as seitas que lhe oferecem um sistema para a solução do sofrimento, econômico, social ou religioso, são as piores, porque o sistema se torna importante e não o homem – seja um sistema religioso, ou um sistema de direita ou de esquerda. O sistema se torna importante, a filosofia, a ideia, se torna importante, e não o homem; e em nome da ideia, da ideologia, você está querendo sacrificar toda a humanidade, que é exatamente o que vem acontecendo no mundo. Essa não é simplesmente minha interpretação; se você observar, descobrirá que é exatamente o que está acontecendo. O sistema se tornou importante. Assim, como o sistema se tornou importante, o homem, você e eu, perdemos significado; e os controladores do sistema, seja religioso ou social, seja de esquerda ou de direita, assumem autoridade, assumem poder, e sacrificam você, o indivíduo. É exatamente isso que está acontecendo.

Agora qual é a causa desta confusão e miséria? Como essa miséria surgiu, esse sofrimento, não só interiormente, mas exteriormente, este medo e expectativa de guerra, a terceira guerra mundial irrompendo? Qual a causa disso? Certamente, se você busca a causa segundo Marx, ou segundo Spengler, ou segundo o Bhagadav Gita, você não compreenderá, não é? Você tem que descobrir por si mesmo qual é a causa, tem que saber a verdade disso, ver como é de fato e não como outra pessoa vê. Então, qual a verdade disso? Em primeiro lugar, qual é a significação desta confusão? Certamente ela indica o colapso de toda moral, valores espirituais, e a glorificação de todos os valores sensuais, do valor das coisas feitas pela mão ou pela mente. O que acontece quando não temos outros valores exceto o valor das coisas dos sentidos, o valor dos produtos da mente, da mão ou da máquina? Quanto mais significação damos às coisas de valor sensual, maior a confusão, não? Novamente, isso não é minha teoria. Quando você está na rua, qual é o valor predominante que você tem? Você não tem que citar livros para descobrir que seus valores, suas riquezas, sua existência econômica e social se baseia em coisas feitas pela mão ou pela mente. Portanto, nós vivemos e funcionamos e temos nosso ser embebido em valores sensuais, o que significa que coisas, as coisas da mente, as coisas da mão e da máquina, se tornaram importantes; e quando coisas se tornam importantes, a crença se torna predominantemente significativa – que é exatamente o que está acontecendo no mundo, não?

Entrarei em todo este assunto durante as muitas palestras que teremos, mas nesta primeira palestra, quero apenas mostrar o que está acontecendo, apontar o que é, de modo que possamos estar conscientes do real.

Assim, dar mais e mais significação aos valores dos sentidos provoca confusão; e estando confusos, tentamos escapar de várias formas, sejam religiosas, econômicas ou sociais, ou através da ambição, através do poder, através da busca da realidade. Mas o real está próximo, você não tem que buscá-lo; e o homem que busca a verdade nunca vai encontrá-la. A verdade está no que é – e essa é sua beleza. Mas no momento em que você a concebe, no momento em que a busca, você começa a lutar; e o homem que luta não pode compreender. Por isso temos que estar quietos, vigilantes, passivamente cônscios. Vemos que nosso viver, nossa ação, está sempre dentro do campo da destruição, dentro do campo do sofrimento; como uma onda, a confusão e o caos sempre nos alcançam. Não há intervalo na confusão da existência. Espero que vejam a significação disso – ou tenho que explicar um pouco mais?

Qualquer coisa que façamos hoje parece levar ao caos, parece levar a sofrimento e infelicidade. Olhe para sua própria vida e verá que nosso viver está sempre no limite do sofrimento. Nosso trabalho, nossa atividade social, nossa política, os vários encontros de nações para interromper a guerra, tudo produz mais guerra. A destruição segue a esteira do viver; qualquer coisa que façamos leva à morte. É isso que está acontecendo de fato.

Então, podemos interromper esta miséria de uma vez, e não prosseguir sendo sempre pegos pela onda de confusão e miséria? Estou sendo claro? Ou seja, grandes mestres, seja o Buda ou o Cristo, vieram; eles aceitaram a fé, ficando, talvez, livres da confusão e do sofrimento. Mas eles nunca impediram o sofrimento, nunca interromperam a confusão. A confusão continua, o sofrimento continua. E se você, vendo esta confusão social e econômica, este caos, esta miséria, se recolhe à chamada vida religiosa e abandona o mundo, você pode pensar que está se juntando a estes grandes Mestres; mas o mundo continua com seu caos, sua miséria e destruição, o sofrimento infindável de seus ricos e pobres. Então, nosso problema, de vocês e meu, é se podemos sair dessa miséria instantaneamente. Se, vivendo no mundo, você se recusa a ser parte dele, você ajudará outros a saírem desse caos – não no futuro, não amanhã, mas agora. Certamente esse é nosso problema. A guerra, provavelmente, está chegando, mais destrutiva, mais apavorante em sua forma. Certamente não podemos impedi-la, pois as questões são muito poderosas e muito próximas. Mas você e eu podemos perceber a confusão e a miséria imediatamente, não? Devemos percebê-las e, então, estaremos em uma posição de despertar a mesma compreensão da verdade no outro. Em outras palavras, você pode se libertar instantaneamente? – pois essa é a única saída desta miséria. A percepção só pode acontecer no presente, mas se você diz, ’Farei isso amanhã’, a onda da confusão alcança você, e você fica sempre envolvido na confusão.

Então, é possível chegar neste estado quando você mesmo percebe a verdade instantaneamente e, portanto, põe fim à confusão? Eu afirmo que sim, e esse é o único caminho. Afirmo que pode ser feito e deve ser feito, não baseado em suposição ou crença. Produzir essa extraordinária revolução – que não é a revolução para se livrar dos capitalistas e instalar outro grupo – produzir essa maravilhosa transformação, que é a única revolução verdadeira, é o problema. Geralmente o que é chamado revolução é, simplesmente, a modificação ou a continuação da direita segundo as ideias da esquerda. A esquerda, afinal, é a continuação da direita de forma modificada. Se a direita se baseia em valores sensoriais, a esquerda não é mais do que a continuação dos mesmos valores sensoriais, diferente apenas em grau e expressão. Assim, a verdadeira revolução só pode acontecer quando você, o indivíduo, se tornar consciente em sua relação com o outro. Certamente, o que você é em sua relação com o outro, com sua esposa, seu filho, seu chefe, seu vizinho, a sociedade é. A sociedade por si só não existe. A sociedade é o que você e eu, em nossa relação, criamos; ela é a projeção exterior de nossos próprios estados psicológicos interiores. Assim, se você e eu não compreendemos a nós mesmos, simplesmente transformar o exterior, que é a projeção do interior, não tem qualquer significação; ou seja, não pode haver alteração ou modificação significativa na sociedade enquanto eu não compreender a mim mesmo na relação com você. Estando confuso em minha relação, eu crio uma sociedade que é a réplica, a expressão exterior do que eu sou. Esse é um fato óbvio, que podemos discutir. Podemos discutir se a sociedade, a expressão exterior, me produziu, ou se eu produzi a sociedade. Podemos entrar nisso mais tarde.

Não é um fato óbvio que o que eu sou em minha relação com o outro, cria a sociedade; e que, sem me transformar radicalmente, não pode haver nenhuma transformação da função essencial da sociedade? Quando procuramos por um sistema para a transformação da sociedade, estamos apenas nos esquivando da questão, pois um sistema não pode transformar o homem; o homem sempre transforma o sistema, o que a história mostra. Até que eu, em minha relação com você, compreenda a mim mesmo, sou a causa de caos, miséria, destruição, medo, brutalidade. Compreender a mim mesmo não é questão de tempo; ou seja, posso compreender a mim mesmo neste exato momento. Se eu digo, ‘Vou compreender a mim mesmo amanhã’, estou trazendo caos e miséria, minha ação é destrutiva. No momento em que digo eu ‘irei’ compreender, trago o elemento tempo e, assim, já estou preso na onda da confusão, da destruição. Certamente o compreender acontece agora, não amanhã. Amanhã é para a mente preguiçosa, lenta, a mente que não está interessada. Quando você está interessado em alguma coisa, você faz instantaneamente, há compreensão imediata, transformação imediata. Se você não muda agora, nunca mudará; porque a mudança que acontece amanhã é simplesmente uma modificação, não é transformação. A transformação só pode acontecer imediatamente; a revolução é hoje, não amanhã.

Vocês todos parecem muito desconcertados. Por quê? Porque você diz, ‘Como posso mudar agora?’ Eu, que sou um produto do passado, de inumeráveis condicionamentos, eu, que sou um feixe de maneirismos, como posso mudar, como posso jogar fora tudo isso e ser livre?’ Mas se você não jogar tudo fora, se não houver esta tremenda revolução, você sempre viverá com o caos. Então, como é possível acontecer essa revolução instantânea? Espero que você veja a importância da revolução imediata. Se você não vir isso, perderá toda a sua significação. A compreensão não chega amanhã, há compreensão agora, ou nunca. O presente é sempre a continuação do passado. Assim, posso eu, que sou o resultado do passado, cujo ser está baseado no passado, eu que sou o resultado do ontem – posso sair do tempo, não cronologicamente, mas psicologicamente? Com certeza, você pode sair do tempo quando estiver vitalmente interessado – você dá um passo largo nesta existência sem tempo, que não é uma ilusão, alucinação auto-induzida, Quando isso acontece, você fica completamente sem problema, pois o ego não está preocupado consigo mesmo, e você fica fora da onda de destruição. E durante estas palestras, esta transformação sem tempo é a única coisa com que vou me interessar. Não posso induzi-la em vocês, isso seria falso. Mas se acompanharem livremente, sem resistência, com compreensão, se encontrarão vocês mesmos, muitas vezes, neste estado de percepção imediata e, portanto, de imediata transformação.

Interrogante: Nasci com certo temperamento, certo padrão psicológico e físico, por que razão seja. Esse padrão se torna o principal fator singular em minha vida. Ele me domina completamente. Minha liberdade dentro do padrão é muito limitada, a maior parte de minhas reações e impulsos sendo rigidamente predeterminadas. Posso romper a tirania deste fator genético?

Krishnamurti: Apresentando de forma diferente, eu estou preso num padrão, social, hereditário, ambiental, ideológico, seja o padrão de meus pais ou da sociedade a minha volta. Estou encurralado num padrão, e a pergunta é, como rompê-lo? Sou o resultado de meu pai e minha mãe, biologicamente, fisicamente. Sou o resultado das crenças de meus pais, hábitos, medos, que criaram a sociedade a minha volta. Meus pais, por sua vez, foram o resultado dos pais deles, com seu ambiente social, físico, psicológico, e assim por diante. indefinidamente, eternamente, sem um começo. Cada pessoa detém um padrão de existência, e eu sou o resultado de todo esse passado – não apenas meu próprio passado, mas todo o passado da humanidade. Eu sou, afinal, o filho de meu pai. Sou o resultado do passado modificado em conjunção com o presente. Não estamos trazendo a questão da reencarnação, que é meramente uma teoria. Estamos apenas examinando o que é realmente. Minha existência é o resultado de meu passado, meu passado sendo o resultado da existência de meu pai. Eu sou a conseqüência do tempo, sou o passado cruzando o presente para se tornar o futuro. Sou o resultado de ontem, que é o hoje se tornando amanhã.

Agora, posso sair deste processo de tempo, isto é, posso romper o padrão que meu pai e eu mesmo criamos? Eu não sou diferente de meu pai; sou meu pai, modificado. Isso é exatamente o que é. Mas se começo a traduzir o que é, se, por exemplo, trago a ideia de que eu sou a alma, uma entidade espiritual, então, entro completamente em outro domínio. Essa não é a questão no momento – discutiremos isso quando entrarmos no problema do que é alma, o que é continuidade, o que é reencarnação.

O problema, presentemente, é: Posso eu, que sou condicionado, pela esquerda ou pela direita é irrelevante -, posso sair desse condicionamento?

O que condiciona você? O que é isso que limita o pensamento? O que é isso que cria o padrão em que você está preso? Se eu paro de pensar, então não há padrão. Ou seja, eu sou o pensador, meus pensamentos são o resultado de ontem, respondo a cada novo desafio de acordo com o padrão de ontem ou do segundo que passou; e posso eu, cujo processo de pensamento é o resultado de ontem, parar de pensar em termos de ontem? Estou apenas explicando o problema de forma diferente, e você descobrirá a resposta por si mesmo num minuto. Meu pensamento é condicionado, porque qualquer resposta do estado condicionado cria mais condicionamento; qualquer ação do estado condicionado é uma ação condicionada e, por isso, dá continuidade ao estado condicionado. Portanto, para sair dele, deve haver liberdade da condição, que significa liberdade do processo de pensar – o que não quer dizer que estou sugerindo isso como meio de fuga. A maioria das pessoas tenta fugir porque a vida é muito urgente, muito poderosa, muito exigente, não estou propondo tal saída; estou apenas lhes pedindo que olhem para a verdade do problema. Você pode se libertar do processo do pensamento? Pode haver uma completa revolução no pensar – não de acordo com o antigo padrão, que é a continuação do antigo com valores modificados, mas – uma completa transformação, um total rompimento do que é? Como eu sou o produto de ontem, a liberdade, obviamente, não está no mesmo nível, o que seria, simplesmente, a continuação do ontem. Então, eu só posso sair disso quando houver a cessação do pensar.

Nós estamos apenas olhando o problema, não buscando uma resposta, pois a resposta está no problema, não fora do problema. Se você compreender o problema, a resposta está ali; por outro lado, se você estiver buscando uma resposta e falhar, ficará perdido. Você espera que eu lhe diga como sair do padrão. Não vou lhe dizer como sair disso; não haverá significado se eu lhe disser como, porque você não estará acompanhando o problema. Você está esperando que eu lhe diga o que fazer, e está muito perdido. Não vou lhe dizer o que fazer; pois, se você compreender o problema, o problema acaba. Quando você vê uma cobra e sabe que ela é venenosa, não há problema, há? Você sabe o que fazer – não a pega. Você vai embora ou faz outra coisa. Do mesmo modo, deve compreender este problema completamente – o que não está fazendo. Estou fazendo por você, e você está apenas me ouvindo. Devemos compreender o problema, não perguntar como resolvê-lo. Quando você compreende o problema, certamente, o próprio problema revela a resposta. É como o aluno fazendo um exame. Ele não lê o problema com cuidado, quer a resposta e, assim, falha. Mas se ele ler o problema muito calmamente, muito cuidadosamente, olhando para ele por todos os ângulos, então encontrará a resposta – ou melhor, a resposta está ali.

Do mesmo modo, você está olhando esse problema com o desejo da resposta. Não acho que percebe a beleza dele. Provavelmente vocês estão cansados, senhores..

Comentário na audiência: Não.

Krishnamurti: Sim, vocês estão cansados. Vou dizer por quê. Provavelmente tudo isso é muito novo para vocês, deve ser, é uma abordagem totalmente nova; por isso devem estar um tanto confusos, e quando está confusa ou desnorteada, a mente vagueia. Eu posso continuar, é meu trabalho, mas eu fiz isso, não estou apenas falando. Enquanto que com vocês, senhores, se me permitem dizer, vocês não estão estudando o problema. Eu o apresentei de diversas formas, mas vocês se recusaram a acompanhar. Estou apenas apontando o que é, que é o problema. Mas vocês não estão interessados em estudar o que é. Estão esperando para ver o resultado, enquanto eu não estou interessado no resultado. Quero compreender a coisa como ela é – então eu encontrei a resposta.

Então, por favor, me permitam pedir que acompanhem o problema em si, e não busquem uma resposta. Por favor, vejam a importância disso: buscar uma resposta, uma solução, não é compreender o problema, e se você não compreende o problema, não há resposta para esse problema. O problema está aqui, e você busca uma resposta ali – o que significa que você encontrará uma resposta conveniente, gratificante. Mas se você olhar o problema muito cuidadosamente, muito inteligentemente, então verá a beleza dele e o resultado é maravilhoso.

Então, o problema é este: meu pensamento é condicionado, está fixado num padrão, e a qualquer desafio, que é sempre novo, meu pensamento só pode responder de acordo com seu condicionamento, transformando o novo no antigo modificado. Assim, meu pensamento não pode ser livre. Meu pensamento, que é o resultado de ontem, só pode responder em termos de ontem; e quando ele pergunta, ‘como posso ir além?’ está fazendo a pergunta errada. Porque, quando o pensamento busca ir além de seu próprio condicionamento, ele continua numa forma modificada. Portanto, há uma falsidade nessa pergunta. Só existe liberdade quando não existe condicionamento, mas para haver liberdade, o pensamento deve estar consciente de sua condição e não tentar ser alguma coisa além do que ele é. Se o pensamento diz, ‘devo me libertar de meu condicionamento’, ele não pode; pois o que quer que faça, é sua própria rede continuada ou modificada. Tudo que o pensamento pode fazer é deixar de existir. Certamente, no momento em que o pensamento está ativo, ele é condicionado, é continuidade modificada por uma resposta condicionada. Então, nesta linha não há como sair do condicionamento. Então, só existe um caminho, que é vertical, que é direto – para o pensamento cessar.

Agora, pode o pensar cessar? O que é pensar, o que queremos dizer com pensar? Queremos dizer com pensar, a resposta da memória. Estou sendo bem simples. Não quero complicar, pois o problema em si é bem complexo. Pensar é a resposta da memória, e o que é memória? Memória é o resíduo da experiência. Ou seja, quando há um desafio, o pensamento de ontem, que é memória, responde ao desafio e, assim, o desafio não é integralmente compreendido, mas é interpretado através da tela do ontem. E o que não é compreendido deixa uma marca, que chamamos memória. Não notaram que quando compreendem uma coisa, quando completam uma conversa, quando ela acaba, não deixa marca? Apenas um ato incompleto, seja verbal ou físico, deixa marca. A resposta dessa marca, que é memória, é chamada pensar. Então, pode haver um estado em que não existe ontem, ou seja, pode haver um estado em que não haja tempo, nem pensamento que seja produto do ontem? O pensamento condicionado que busca modificar ou se transformar simplesmente dá continuidade ao estado condicionado. Isso é bem óbvio. Pensar é a resposta da memória – o que é óbvio também. E a memória é o resultado da compreensão imperfeita da experiência, do desafio. A compreensão imperfeita da experiência é a causa da memória. Quando você faz alguma coisa com todo o seu ser integrado, não fica resíduo de memória, mas quando o resíduo dá a resposta, chamamos essa resposta de pensar. Tal pensar é condicionado, e esse condicionamento só pode chegar ao fim quando o ato é completo. Isso significa que você encontrou alguma coisa como nova.

Como você pode encontrar tudo como novo? Como podemos encontrar a vida, a existência, como nova, no sentido de ‘sem tempo’? Essa é uma nova pergunta, não? Essa é a pergunta que surge dessa pergunta. Quando apresento esta nova pergunta para você, qual a sua resposta? Se sua resposta for nova também, então você está passivamente consciente, vigilante, olhando. Esse estado está fora do tempo. Nesse estado, quando você encontra alguma coisa com vigilância passiva, consciência, não existe tempo; há uma experiência direta, o desafio é compreendido diretamente; e há liberdade do pensar. E essa liberdade é eterna; existe agora, não amanhã.

18 de janeiro de 1948.