Segunda Palestra em Oak Grove

Dissemos que não pode haver relação correta entre nós se não compreendermos as intenções uns dos outros. O caminho da autoexpansão é o caminho da luta e do sofrimento e não é o caminho da realidade. O êxtase da realidade é para ser encontrado através da inteligência mais altamente desperta. Inteligência não é o cultivo de memória ou razão, mas uma conscientização onde identificação e escolha cessaram.

Pensar um pensamento até o fim é difícil porque é preciso paciência e conscientização extensiva. Fomos educados em um modo de vida que favorece o ego pela aquisição, pela identificação, pela religião organizada; esse modo de pensamento e ação nos levou a catástrofes pavorosas e miséria incalculável.

Interrogante: Você disse que a iluminação não pode chegar através da autoexpansão, mas ela não chega pela expansão da consciência?

Krishnamurti: Iluminação, compreensão do real, não pode chegar pela expansão do ego, com o ‘eu’ fazendo esforço para crescer, se tornar, conseguir, e não existe esforço além da vontade do ‘eu’. Como pode haver compreensão se o ego estiver sempre filtrando experiência, identificando-se, acumulando memória? A consciência é produto da mente, e a mente é o resultado de condicionamento, de anseio e, assim, é o alicerce do ego. Só quando a atividade do ego, da memória, cessa surge uma consciência totalmente diferente, sobre a qual qualquer especulação é um obstáculo. O esforço para a expansão é ainda atividade do ego cuja consciência é crescer, se tornar. Tal consciência, por mais expandida, está presa ao tempo e, assim, não é infinita.

Se a pessoa quer compreender um problema vital, não deve deixar de lado as próprias tendências, preconceitos, medos e esperanças, seu próprio condicionamento, e estar consciente simplesmente e diretamente? Refletindo juntos sobre nossos problemas, estamos nos expondo a nós mesmos. Essa auto exposição é de grande importância porque irá revelar para nós o processo de nossos próprios pensamentos-sentimentos. Temos que cavar fundo em nós mesmos para encontrar a verdade. Somos condicionados, e é possível ao pensamento em além de sua própria limitação? Só é possível nos conscientizando de nosso condicionamento. Nós desenvolvemos certo tipo de inteligência no processo de autoexpansão; pela ambição, pela aquisição, pelo conflito e a dor desenvolvemos uma inteligência autoprotetora, autoexpansiva. Pode essa inteligência compreender o real, que sozinho pode resolver todos os nossos problemas?

Interrogante: Inteligência é a palavra certa para se usar?

Krishnamurti: Se todos nós compreendermos o significado desse termo como  estou usando aqui, é aplicável. O ponto principal é, pode essa inteligência, que tem sido cultivada pela expansão do ego, experimentar ou descobrir o real? Ou, pode haver outro tipo de atividade, outro tipo de consciência pára receber a verdade? Para descobrir a verdade é preciso haver liberdade da inteligência autoexpansiva, pois ela é sempre fechada, sempre limitada.

Interrogante: Não devemos olhar para este problema da autoexpansão do ponto-de-vista do que é verdadeiro?

Krishnamurti: Ver o falso como falso e o verdadeiro como verdadeiro é difícil. Se você visse a verdade sobre a autoexpansão, então os problemas  começariam a desaparecer. Ver a verdade no falso é compreender a si mesmo primeiro. É a verdade no falso que é libertadora.

Interrogante: Você quer dizer que existe uma inteligência maior do que a nossa?

Krishnamurti: Não estamos tentando descobrir se existe uma inteligência maior, mas estamos considerando se a inteligência particular que tão diligentemente cultivamos pode experimentar ou compreender o real.

Interrogante: Existe uma realidade?

Krishnamurti: Para descobrir, deve haver uma mente tranquila, uma mente que não esteja produzindo pensamentos, imagens, esperanças. Como a mente está sempre em busca de expansão por meio de suas próprias criações, ela não pode experimentar a realidade. Se a mente, o instrumento, estiver obscurecida, ela terá pouca utilidade na busca da verdade. Ela precisa primeiro se purificar e só então, será possível saber se existe realidade. Então cada pessoa deve estar consciente, reconhecer o estado de sua consciência. Por sua própria limitação, a mente não é um obstáculo para a descoberta do real? Antes de o pensamento poder se libertar, ele deve reconhecer suas próprias limitações.

Interrogante: Você pode nos dizer como passar por esse processo sem prejudicar a nós mesmos?

Krishnamurti: Acho que estamos falando de coisas diferentes, e estamos ficando confusos. O que cada um de nós está procurando? Não estamos conscientes de uma procura comum?

Interrogante: Estou tentando resolver meu problema. Estou em busca de Deus. Quero amor. Quero segurança.

Krishnamurti: Não estamos todos nós buscando transcender o conflito e o sofrimento? Conflito e sofrimento chegam a nós por diferentes caminhos, mas nossa causa comum é a autoexpansão. A causa do conflito e do sofrimento é o anseio, o ego. Pela compreensão e, assim, dissolvendo a causa, nossos problemas psicológicos chegarão a um fim.

Interrogante: A solução do problema central acabará com todos os problemas?

Krishnamurti: Só se você dissolver a causa de todos os problemas, o ego; até então cada dia traz nova disputa e dor.

Interrogante: Minha inteligência diz que resolvendo meu problema individual eu posso me ajustar harmoniosamente ao todo. Existem propósitos diferentes para cada um de nós?

Krishnamurti: A partir de nossa contradição e confusão, não inventamos propósitos segundo nossas tendências e desejos? Nossos propósitos e problemas não são fabricados pelo ego?

Estando em sofrimento, buscamos ser felizes. Se essa é nossa principal preocupação, como é certamente para a maioria de nós, então devemos saber quais as causas que nos impedem de ser felizes, ou que nos fazem sofredores.

Interrogante: Como vou erradicar as causas?

Krishnamurti: Antes de fazer essa pergunta, você deve estar consciente das causas do sofrimento. Estando em sofrimento, você afirma que busca a felicidade; então a busca da felicidade é uma fuga do sofrimento. Só pode haver felicidade quando a causa do sofrimento cessa; assim a felicidade é um subproduto e não um fim em si mesmo. A causa do sofrimento é o ego com seu anseio de se expandir, se tornar, ser diferente do que é, com seu anseio por sensação, por poder, por felicidade e assim por diante.

Interrogante: Se não houvesse descontentamento não haveria progresso, haveria estagnação.

Krishnamurti: Você quer “progresso” e felicidade, e essa é sua dificuldade, não? Você quer autoexpansão, mas não o conflito e o sofrimento que vêm com ela. Temos medo de olhar para nós mesmos como somos; queremos fugir do presente, e chamamos essa trajetória de “progresso” ou busca da felicidade. Dizemos que vamos decair se não “progredirmos”; nos tornaremos preguiçosos, relaxados, se não lutarmos para fugir do que é. Nossa educação e o mundo que criamos nos ajudam a fugir; contudo para sermos felizes precisamos conhecer a causa do sofrimento. Conhecer a causa do sofrimento e transcendê-la é encará-la, não buscar escapar por meio de ideais ilusórios ou de outras atividades do ego. A causa do sofrimento é a atividade do ego em expansão. Mesmo o anseio para se livrar do ego é ação negativa do ego e, portanto, ilusória.

Interrogante: Podíamos assumir um ponto-de-vista positivo mais do que negativo, dizendo que somos o todo?

Krishnamurti: Uma ação positiva ou negativa não é ainda um movimento do ego? Se o ego afirma que é o todo, isso não é uma atividade do ego procurando incluir o todo dentro de suas próprias paredes? Nós pensamos isso ao afirmarmos constantemente que somos o todo, que nos tornaremos o todo; tal repetição é auto-hipnose, e estar drogado não é estar iluminado. Nós ainda não estamos conscientes das astuciosas ilusões de nossas mentes, dos caminhos sutis do ego. Sem autoconhecimento não pode haver felicidade, nem sabedoria.

Interrogante: Eu não desejo a autoexpansão.

Krishnamurti: Isso pode ser pensado e dito tão facilmente? O desejo de autoexpansão é complexo e sutil. A estrutura de nosso pensamento se baseia nesta expansão – crescer, se tornar, se realizar.

Interrogante: A causa do sofrimento é a incompletude. A expansão estimula e, assim, nós ansiamos por ela.

Krishnamurti: Não podemos experimentar aqui e agora, diretamente, por nós mesmos, a causa do sofrimento? Se pudermos experimentar e compreender esse impulso para a expansão, ser, então iremos do verbal para a origem do sofrimento.

Interrogante: Eu quero descobrir a verdade, e essa é uma de minhas razões para a autoexpansão.

Krishnamurti: Por que você está em busca da verdade? Você busca porque está infeliz e com a descoberta espera ficar feliz? A verdade não é compensação; não é uma recompensa por seu sofrimento, por suas lutas. Você espera que ela o liberte? A atividade do ego é sempre vinculada e não leva à verdade. Sem autoconsciência e autoconhecimento como pode haver compreensão da verdade? Pensamos que estamos em busca da verdade, mas talvez estejamos apenas buscando remédios gratificantes, respostas confortantes. Verbalmente afirmamos a necessidade da fraternidade, da união, sem erradicar em nós as causas do conflito e do antagonismo. Devemos estar conscientes da causa da autoexpansão e experimentar diretamente todas as suas implicações.

Interrogante: A auto expansão é um instinto natural e o que há de errado nisso? Queremos ser amados, e se estamos frustrados, buscamos outra forma de gratificação. Estamos continuamente em busca de satisfação.

Krishnamurti: O conveniente instinto natural de autoexpansão é a causa de descontentamento e dor; ele é a causa de nossos recorrentes desastres, de nossa crueldade civilizada, e elevada miséria. Pode ser “natural”, mas certamente deve ser transcendido para o eterno surgir. O anseio por gratificação não tem fim.

Interrogante: Por que existe o impulso de ser superior? Não sei por que, mas existe em mim o impulso de ser superior. Não posso observá-lo sem me divertir ou ficar chocado, contudo quero ser superior. Sei que é errado se sentir superior. Leva à miséria, é antissocial, é imoral.

Krishnamurti: Você está simplesmente condenando o desejo de ser superior; não está tentando compreendê-lo. Condenar ou aceitar é criar resistência que impede a compreensão. Todos nós não desejamos ser superiores de um jeito ou de outro? Se negarmos isso, condenarmos, ou ficarmos cegos a isso, não vamos compreender as causas que sustentam esse desejo.

Interrogante: Eu quero ser superior porque quero ser amado pelas pessoas, pois é necessário ser amado.

Krishnamurti: Sendo inferior, há o desejo de se sentir superior; não sendo amados, desejamos ser amados. Ou seja, em mim mesmo sou insignificante, vazio, superficial, então desejo colocar máscaras para diferentes ocasiões: a máscara da superioridade e da nobreza, a máscara da seriedade, a máscara que afirma estar em busca de Deus e assim por diante. Sendo internamente pobres, desejamos nos identificar com o grande, com a nação, com o Mestre, com uma ideologia e assim por diante – a forma de identificação varia com as circunstâncias e as disposições.

Você pode ir em busca da virtude e praticar exercícios espirituais, mas encobrir esta incompletude, negá-la consciente ou inconscientemente, não é transcendê-la. Até transcendê-la, toda atividade é do ego, que é a causa do conflito e do sofrimento. Sendo interiormente deficientes, nós desenvolvemos a astuciosa arte de fugir; damos a essa fuga vários nomes que soam agradáveis. Como pode este processo da mente compreender o real? Como ele pode compreender algo que não é de sua própria fabricação?

O desejo de ser superior, se tornar o Mestre, acumular conhecimento, se perder em atividades, oferece saída auspiciosa e gratificante da pobreza interior, da deficiência. Sendo incompleto, vazio, qualquer atividade, por mais nobre que seja, só pode ser o movimento expansivo do ego.

Interrogante: Ocasionalmente não podemos perceber que estamos fugindo?

Krishnamurti: Podemos, mas nosso impulso expansivo é tão astuto, sutil, que ele evita entrar em conflito diretamente com essa deficiência dolorosa. Como abordar este problema é nossa dificuldade, não?

Interrogante: Quando você é livre, qual o propósito da atividade?

Krishnamurti: Como pode uma mente que é o resultado de deficiência e medo experimentar uma atividade que não seja do ego? Como pode uma mente aquisitiva e medrosa, ligada a dogma e crença, experimentar a realidade? Ela não pode. Especular a respeito do que está além da limitação é apenas adiar a percepção de sua escravidão. Se me permite sugerir, podemos tentar durante a próxima semana estar conscientes dessa escravidão que foi desenvolvida pelo processo de auto expansão? – pois esta limitação, este ego expansivo não pode experimentar ou descobrir o real.

14 de abril de 1946