6ª Palestra em Ojai

Esta manhã responderei a tantas perguntas quanto for possível.

Interrogante: Se não destruíssemos o mal que havia na Europa Central, ele teria nos subjugado. Você quer dizer que não devíamos ter nos defendido? A agressão deve ser refutada. Como a refutaríamos?

Krishnamurti: Esta onda de agressão, de sangue, de criminalidade organizada, parece surgir periodicamente em um grupo e passar para outro. Isso é recorrente na história. Nenhum país está livre dessa agressão. Todos nós somos, cada um de seu modo, responsáveis por esta onda de agressão massiva e destruição.

É possível viver sem agressão e, por isso, sem defesa? Todo esforço é uma série de ataques e defesas? Pode a vida ser vivida sem este esforço destrutivo? Cada pessoa deveria estar consciente de suas respostas a esse problema. Todo o esforço para se tornar não exige arrogância e expansão do indivíduo e, portanto, do grupo ou nação, levando ao conflito, ao antagonismo e à guerra?

É possível resolver este problema da agressão seguindo as linhas da defesa? Defesa implica autoproteção, oposição e conflito, e o antagonismo vai ser dissolvido pela oposição? É possível viver neste mundo e, contudo, estar livre desta constante batalha entre seu e meu, com seu cruel ataque e defesa? Porque desejamos proteger nosso nome, nossa propriedade, nossa nacionalidade, nossa religião, nossos ideais, nós cultivamos o espírito de ataque e defesa. Somos possessivos, gananciosos, e criamos uma estrutura social que necessita cada vez mais de exploração cruel e agressão. Esse processo de ganância gera seu próprio oposto e, assim, defesa e ataque se tornam parte de nossa existência diária. Nenhuma solução pode ser encontrada enquanto estivermos pensando-sentindo em termos de defesa e ataque, o que só mantém a confusão e a disputa.

É possível pensar-sentir sem defesa e ataque? Só é possível quando existe amor, quando cada pessoa abandona a avidez, a má vontade, a ignorância, que se expressam através do nacionalismo, anseio por poder e outras formas de criminalidade e crueldade. Se se quer resolver esse problema permanentemente, certamente o pensamento-sentimento deve se libertar de toda ganância e medo. Esta atitude de ataque e defesa é cultivada em nossa vida cotidiana e termina, finalmente, em guerra e catástrofes. A dificuldade está em nossa própria natureza contraditória; queremos paz e, contudo, cultivamos as causas que provocam guerra e destruição. Queremos felicidade e liberdade e, contudo, cedemos à luxúria, à má vontade e ao descuido; rogamos por compreensão e, contudo, a negamos em nossa vida cotidiana; queremos aproveitar os dois opostos e, assim, ficamos confusos e perdidos.

Se você quiser dar um fim a esta onda de crueldade, de apavorante destruição e miséria, se você quiser salvar seu filho, seu marido, seu vizinho, você deve pagar o preço. Essa miséria não é criação de um grupo ou raça, mas de cada um de nós; cada pessoa deve, refletidamente, abandonar as causas que produzem essas calamidades e incontável miséria. Você deve deixar de lado completamente seu nacionalismo, sua avidez e má vontade, seu anseio por poder e riqueza, e sua adesão aos preconceitos religiosos organizados que, enquanto asseveram a unidade do homem, colocam o homem contra o homem. Só então haverá paz e alegria.

Por que nós parecemos incapazes de viver criativa e felizmente sem destruir um ao outro? Não é porque nos condicionamos por meio de nossa própria paixão, má vontade e estupidez que somos incapazes de viver alegremente e serenamente? Temos que romper nosso próprio condicionamento e sermos nada. Temos medo de ser nada, então fugimos e alimentamos nosso medo com ganância, ódio, ambição.

O problema não é como defender, mas como transcender o desejo de expansão própria, o anseio por se tornar. Só aqueles indivíduos que abandonam suas paixões, seu anseio por fama e imortalidade pessoal, podem ajudar a gerar paz criativa e alegria.

Interrogante: No crescimento pessoal não há um processo contínuo e recorrente de morte da esperanças e dos desejos acalentados, de desilusão cruel em relação ao passado, de transmutação desse fenômeno negativo em uma vida mais positiva e forte – até o mesmo estágio ser alcançado novamente numa espiral mais elevada? E, assim, o conflito e a dor não são indispensáveis para todo crescimento em todos os estágios?

Krishnamurti: O conflito e a dor são necessários para o ser criativo? O sofrimento é necessário para a compreensão? O conflito não é inevitável no se tornar, na expansão de si mesmo? O estado criativo de ser não é a liberdade do conflito, da existência acumulada? A acumulação em qualquer estágio da espiral do se tornar gera o ser criativo? Existe se tornar e crescimento ao longo da trilha horizontal da existência, mas isso leva ao eterno? Ele é para ser vivenciado apenas quando o horizontal é abandonado. A experiência de ser está relacionada com o conflito do horizontal, o conflito do se tornar? O eterno não pode ser realizado através do tempo.

O que acontece quando estamos em conflito? Na luta para superar o conflito, nos tornamos desiludidos, entramos na escuridão ou, estando em conflito, tentamos encontrar saídas sob todas as formas. Se o pensamento-sentimento não está preso em desilusão nem no refúgio confortante, então o conflito encontrará os meios de seu próprio fim. O conflito produz desilusão ou o desejo de fugir, pois não queremos refletir, sentir todas as implicações nele envolvidas; somos preguiçosos, muito condicionados para mudar, aceitando a autoridade e um modo de vida fácil. Para compreender o conflito e ser capaz de examiná-lo com liberdade, deve haver certa tranquilidade desinteressada. Mas quando estamos em conflito ou em sofrimento, nossa reação instintiva é escapar deles, fugir de suas causas, não encarar sua significação oculta; assim, procuramos vários canais de escape – atividade, diversão, deuses, guerra. E as distrações se multiplicam, elas se tornam mais importantes do que a causa do sofrimento em si; então nos tornamos intolerantes dos meios de fuga dos outros e tentamos modificá-los ou reformá-los, mas o conflito e o sofrimento continuam.

Agora, o conflito é necessário para a compreensão? A compreensão é o resultado do crescimento? Não queremos dizer com crescimento o constante se tornar do ego, acumulando e renunciando, sendo ganancioso e se tornando não-ganancioso, o infinito processo de se tornar? A própria natureza do ego é criar contradição. O conflito entre opostos é crescimento, traz com ele compreensão? A luta no infindável corredor dos opostos leva a algum lugar além de mais conflito e sofrimento?

Não há fim para o conflito e o sofrimento no se tornar. Esse se tornar leva ao conflito da contradição em que a maioria de nós está presa; presos nele, pensamos que luta e dor são inevitáveis, um processo necessário e evolucionário. Então o tempo se torna um fator indispensável para o sofrimento, para mais se tornar. Nessa espiral do se tornar não há fim para luta e dor. Então nosso problema é como dar fim a eles. O pensamento-sentimento deve ir além e acima do padrão da dualidade; ou seja, quando houver conflito e dor, viva com eles incondicionalmente sem fugir; fugir é comparar, justificar, condenar; estar consciente do sofrimento não é buscar um refúgio, um alívio, mas estar consciente dos caminhos do pensamento-sentimento. Daí, quando há compreensão da futilidade do refúgio, da fuga, então esse próprio sofrimento cria a chama necessária que vai consumi-lo. A tranquilidade da compreensão é necessária para transcender o sofrimento, não o conflito e a dor de se tornar. Quando o ego não está ocupado com seu próprio se tornar, há uma clareza não premeditada, um êxtase profundo. Essa intensidade de alegria é o resultado do abandono do ego.

Interrogante: Eu lutei muitos e muitos anos com um problema pessoal. E ainda estou lutando. O que eu faço?

Krishnamurti: Qual é o processo de compreender um problema? Para compreender, a mente-coração deve se descarregar de suas acumulações de modo que seja capaz de percepção correta. Se você quiser compreender uma pintura moderna, deve colocar de lado, se puder, seu treinamento clássico, seus preconceitos, suas reações treinadas. Do mesmo modo, se quisermos compreender um problema psicológico complexo, devemos ser capazes de examiná-lo sem nenhuma tendência condenatória ou favorável; devemos ser capazes de abordá-lo com imparcialidade e frescor.

O interrogante diz que vem lutando durante muitos anos com seu problema. Em sua luta, ele acumulou o que chamaria de experiência, conhecimento, e com esse crescente fardo tenta resolver o problema; desse modo, nunca ficou face a face com ele abertamente, de forma nova, mas sempre o abordou com o acúmulo de muitos anos. É a memória acumulada que confronta o problema e, assim, não há compreensão dele. O passado morto obscurece o presente vivo.

Muitos de nós somos levados por alguma paixão e estamos inconscientes dela, mas se estamos, geralmente a justificamos ou condenamos. Mas se é uma paixão que desejamos transcender, geralmente lutamos contra ela, tentamos dominá-la ou suprimi-la. Tentando superá-la não a compreendemos, tentando suprimi-la não a transcendemos. A paixão ainda permanece ou assume outra forma, que ainda é causa de conflito e sofrimento. Essa luta constante e contínua não traz compreensão, mas só fortalece o conflito, sobrecarregando a mente-coração com memória acumulada. Mas se pudermos mergulhar profundamente nele ou morrer para ele, ou chegar de novo nele sem o fardo de ontem, então podemos compreendê-lo. Porque nossa mente-coração está alerta e incisiva, profundamente consciente e quieta, o problema é transcendido.

Se pudermos abordar nosso problema sem julgar, sem identificação, então as causas que estão por trás são reveladas. Para compreender um problema, devemos deixar de lado nossos desejos, nossas experiências acumuladas, nossos padrões de pensamento. A dificuldade não está no problema em si, mas em nossa abordagem dele. As cicatrizes de ontem impedem a abordagem correta. O condicionamento traduz o problema de acordo com seu próprio padrão, o que de modo algum liberta o pensamento-sentimento da luta e dor do problema. Traduzir o problema não é compreendê-lo; para compreendê-lo e, assim, transcendê-lo, a interpretação deve cessar. Aquilo que é compreendido integralmente, completamente não deixa traço como memória.

Interrogante: Sou profundamente solitário. Pareço estar em conflito constante em minhas relações por conta desta solidão. Ela é uma doença e deve ser curada. Por favor, você pode me ajudar a curá-la?

Krishnamurti: O presente caos, miséria, é um produto dessa dolorosa solidão, vácuo, pois o pensamento em si se tornou vazio, sem significação. As guerras e a crescente confusão são o resultado de nossas vidas vazias e atividades.

Se temos consciência ou não disso, a maioria de nós está só; quanto mais conscientes estamos disso, mais intenso, abrasador e doloroso se torna. Os imaturos ficam satisfeitos facilmente com seu vazio, mas quanto mais se está consciente, maior é o problema. Não há saída para a solidão dolorosa, nem ela vai ser dominada pela negligência, pela ignorância; a ignorância, como a superstição, permite certa gratificação, mas isso apenas promove o conflito e o sofrimento. A maioria de nós está intensamente só, e a angústia é penetrante e embota a mente-coração. Seu sofrimento opressivo parece se espalhar indefinidamente, e buscamos constantemente fugir dele, encobri-lo, preencher este doloroso vazio consciente ou inconscientemente com esperança e fé, com divertimento e distração. Tentamos encobrir a angústia por meio de atividade, com o prazer do conhecimento, crença e toda forma de vício, religioso ou mundano. Nossa busca por um refúgio, um conforto para essa dor é infinita; coisas, relações e conhecimento são meios de fuga para a persistente angústia da solidão. O movimento de uma saída para outra é considerado progresso; condenamos o homem que preenche seu vazio com bebida e diversão, mas o homem que procura uma saída permanente, chamando-a nobre, nós consideramos digno, espiritual.

Existe alguma saída duradoura desse vazio? Tentamos várias formas de preencher o vácuo, mas repetidamente nos conscientizamos dele. Não será que todos os remédios, por mais nobres e gratificantes que sejam, apenas evitam o problema? Você pode encontrar alívio temporário, mas a angústia logo retorna.

Para encontrar a correta e duradoura resposta para a solidão, devemos, primeiro, parar de fugir dela, e isso é muito difícil, pois o pensamento está sempre em busca de um refúgio, uma saída. Apenas quando a mente-coração aceitar o vácuo incondicionalmente, cedendo a ele sem nenhum motivo, sem nenhuma esperança ou medo, pode haver sua transformação.

Se você quiser, verdadeiramente, compreender o problema da solidão e sua grandeza, os valores do mundo devem ser colocados de lado, pois eles são distrações do real. Essas distrações e seus valores são o resultado de nosso desejo de fugir de nosso próprio vazio e eles são, por isso, vazios também. Apenas quando a mente-coração é despida de todas as suas pretensões e formulações pode este doloroso vazio ser transcendido.

Interrogante: Eu tive o que se poderia chamar de experiência espiritual, uma orientação, ou certa percepção. Como lidar com isso?

Krishnamurti: A maioria de nós teve experiências profundas, chame-as do jeito que quiser; tivemos experiências de grande êxtase, de grande visão, de grande amor. A experiência ocupa nosso ser com sua luz, com seu alento; mas ela não é permanente, ela passa, deixando seu perfume.

Com a maioria de nós a mente-coração não é capaz de estar aberta para esse êxtase. A experiência é acidental, não convocada, muito grande para a mente-coração. A experiência é maior do que o experimentador e, assim, o experimentador a reduz ao seu próprio nível, à sua esfera de compreensão. A mente não fica quieta; ela fica ativa, barulhenta, reorganizando; ela precisa lidar com a experiência; deve reorganizá-la; deve expandi-la; precisa falar aos outros de sua beleza. E a mente reduz o inexprimível ao padrão da autoridade ou a uma direção de conduta. Ela interpreta e traduz a experiência e, assim, a envolve em sua própria trivialidade. Porque a mente-coração não sabe cantar, persegue o cantor.

O intérprete, o tradutor da experiência, deve ser tão profundo e vasto como a experiência em si se ele quiser compreendê-la; como ele não é, deve parar de interpretá-la; para parar ele deve ser maduro, sábio em sua compreensão. Você pode ter uma experiência significativa, mas como você a compreende, como a interpreta, depende de você, o intérprete; se sua mente-coração for pequena, limitada, então você vai traduzir a experiência de acordo com seu próprio condicionamento. É esse condicionamento que deve ser compreendido e rompido antes que você possa esperar captar a significação total da experiência.

A maturidade da mente-coração chega quando ela se liberta de suas próprias limitações, e não ao se apegar à lembrança de uma experiência espiritual. Se ela se apega à lembrança, ela permanece com a morte, não com a vida. A experiência profunda pode abrir a porta da compreensão, do autoconhecimento e do pensar correto, mas para muitos se torna apenas um estímulo excitante, uma lembrança, e logo perde sua significação vital, impedindo mais experiência.

Nós traduzimos toda experiência em termos de nosso próprio condicionamento – quanto mais profunda ela for, mais atentamente conscientes devemos estar para não a interpretarmos mal. Experiências profundas e espirituais são raras, e se tivemos tais experiências, nós as reduzimos ao insignificante nível de nossa própria mente e coração. Se você é cristão ou hindu ou um ateu, você traduz tais experiências de acordo com isso, reduzindo-as ao nível de seu próprio condicionamento. Se sua mente-coração cede ao nacionalismo e à ganância, à paixão e à má-vontade, essas experiências vão ser usadas para promover o extermínio de seu vizinho; assim você busca orientação para bombardear seu irmão; então adorar é destruir ou torturar aqueles que não são de seu país, de sua fé.

É essencial estar consciente de seu condicionamento mais do que tentar fazer alguma coisa a respeito da experiência em si, mas a mente-coração se prende à experiência de ontem e se torna incapaz de compreender o presente vivo.

1 de julho de 1945