Alpino, Itália – 1ª palestra

Amigos, eu gostaria que fizessem uma descoberta viva, não uma descoberta induzida pela descrição de outros. Se alguém, por exemplo, lhes tivesse falado sobre este cenário, vocês teriam vindo com suas mentes preparadas por essa descrição, e talvez ficassem depois desapontados pela realidade. Ninguém pode descrever a realidade. Vocês devem experimentá-la, vê-la, sentir toda sua atmosfera. Quando virem sua beleza e graciosidade, experimentarão uma renovação, uma aceleração na alegria.

A maioria das pessoas que pensam que estão à procura da verdade prepararam suas mentes para recebê-la estudando descrições do que procuram. Quando se examina religiões e filosofias, descobre-se que todas elas tentaram descrever a realidade; elas tentaram descrever a verdade para sua orientação.

Agora, não vou tentar descrever o que é para mim a verdade, porque isso seria uma tentativa impossível. Não se pode descrever ou dar aos outros a plenitude de uma experiência. Cada um deve vivê-la por si próprio.

Como a maioria das pessoas, vocês leram, ouviram e imitaram; vocês tentaram descobrir o que os outros disseram sobre a verdade e Deus, sobre a vida e a imortalidade. Possuem, portanto, uma imagem na mente, e querem agora comparar essa imagem com o que eu vou dizer. Ou seja, sua mente procura apenas por descrições; vocês não tentam descobrir de novo, tentam apenas comparar. Mas como eu não vou tentar descrever a verdade, porque ela não pode ser descrita, haverá naturalmente confusão em sua mente.

Quando você tem diante de si uma imagem que está tentando copiar ou se atêm a um ideal que está tentando seguir, você nunca poderá enfrentar uma experiência completamente; você nunca é franco, nunca é verdadeiro em relação a si mesmo e as suas próprias ações; você está sempre se protegendo com um ideal. Se realmente sondarem sua mente e seu coração, descobrirão que vêm aqui para obter algo novo, uma ideia nova, uma sensação nova, uma nova explicação de vida para que possam moldar sua própria vida de acordo com isso. Portanto, estão realmente à procura de uma explicação satisfatória. Não vieram com uma atitude de frescor, para que com sua própria percepção, com sua própria intensidade, vocês possam descobrir a alegria da ação natural e espontânea. Muitos de vocês procuram apenas a explicação descritiva da verdade, pensando que se conseguirem descobrir o que é a verdade, poderão moldar suas vidas de acordo com essa luz eterna.

Se for esse o motivo da sua procura, então não se trata de uma busca pela verdade. É mais propriamente uma busca de consolo, de conforto; não é mais que uma tentativa de escapar aos inumeráveis conflitos e batalhas que você tem que enfrentar todos os dias.

Do sofrimento nasceu o impulso de buscar a verdade; no sofrimento reside a causa da investigação insistente, da procura pela verdade. No entanto quando sofrem – pois todos sofrem – vocês buscam um remédio e conforto imediatos. Quando sentem uma dor física momentânea, vocês obtêm um paliativo na farmácia mais próxima para atenuar seu sofrimento. Da mesma forma, quando experimentam uma angústia mental ou emocional momentânea, vocês procuram consolo e imaginam que tentar encontrar alívio para a dor é a busca pela verdade. Dessa forma, vocês estão continuamente à procura de uma compensação para suas dores, uma compensação pelo esforço que são obrigados a fazer. Vocês evitam a causa principal do sofrimento e vivem, portanto, uma vida ilusória.

Portanto, essas pessoas que estão sempre proclamando que estão buscando a verdade estão, na verdade, perdendo-a. Elas chegaram à conclusão de que suas vidas são insuficientes, incompletas, com falta de amor, e pensam que tentando buscar a verdade encontrarão satisfação e conforto. Se tiverem a franqueza de dizer a vocês próprios que estão apenas à procura de consolo e compensação pelas dificuldades da vida, serão capazes de procurar resolver o problema de forma inteligente.

Mas enquanto fingirem que estão à procura de algo mais do que simples compensação, vocês não poderão ver a questão com clareza. A primeira coisa a descobrir, portanto, é se estão realmente à procura, fundamentalmente à procura da verdade.

Um homem que procura a verdade não é um discípulo da verdade. Suponham que me digam: “Não tive amor em minha vida; foi uma vida pobre, uma vida de constante sofrimento; por isso, para obter conforto, procuro a verdade”. Devo então chamar a atenção para o fato de que sua procura por conforto é uma total ilusão. Na vida não existe conforto e segurança. A primeira coisa a perceber é que vocês devem ser absolutamente francos.

Mas vocês próprios não estão certos do que realmente querem, querem conforto, consolação, compensação e, no entanto, ao mesmo tempo, querem algo que é infinitamente maior que a compensação e o conforto. A sua mente está tão confusa que num momento vocês confiam numa autoridade que lhes oferece compensação e conforto e, no momento seguinte, voltam-se para outra que lhes nega conforto. A sua vida, portanto, torna-se numa refinada e hipócrita existência, uma vida de confusão. Tentem descobrir o que vocês realmente pensam; não finjam pensar o que acham que devem pensar; então, se estiverem conscientes, totalmente vivos no que estão fazendo, saberão por vocês próprios, sem autoanálise, o que realmente desejam. Se forem totalmente responsáveis nos seus atos, saberão então sem autoanálise o que realmente procuram. Esse processo de descoberta não precisa de grande força de vontade, de grande vigor, mas apenas de interesse em descobrir o que pensam, descobrir se realmente são honestos ou se vivem numa ilusão.

Ao falar com grupos de ouvintes em todo o mundo, descubro que cada vez mais pessoas parecem não compreender o que eu digo, porque elas vêm com ideias fixas; elas ouvem com sua atitude tendenciosa, sem tentar descobrir o que tenho para dizer, mas apenas esperando encontrar o que secretamente desejam. É inútil dizer: “Aqui está um novo ideal pelo qual devo me moldar”. Em vez disso, descubram o que realmente sentem e pensam.

Como podem descobrir aquilo que realmente sentem e pensam? Do meu ponto de vista, vocês só o poderão fazer estando ciente de toda sua vida. Então, descobriram até que ponto são escravos dos seus ideais e, descobrindo isso, verão que criaram ideais apenas para sua consolação.

Onde existe dualidade, onde existe opostos deve haver a consciência de incompletude. A mente está presa entre opostos, tais como punição e recompensa, bem e mal, passado e futuro, ganho e perda. O pensamento está preso nessa dualidade e, portanto, há incompletude na ação. Essa incompletude gera sofrimento, o conflito da escolha, esforço e autoridade, e a fuga do não essencial para o essencial.

Quando se sentem incompletos, vazios, desse sentimento de vazio surge o sofrimento; a partir dessa incompletude, vocês criam padrões, ideais para sustentá-los em seu vazio, e vocês estabelecem esses padrões e ideais como sendo sua autoridade externa. Qual é a causa interna da autoridade externa que criam para si mesmos? Primeiro, sentem-se incompletos e sofrem por causa dessa incompletude. Enquanto vocês não compreenderem a causa da autoridade, não passarão de uma máquina imitativa, e onde existe imitação não pode haver a preciosa realização da vida. Para compreender a causa da autoridade deverão acompanhar o processo mental e emocional que a cria. Em primeiro lugar, vocês se sentem vazios, e para se livrarem desse sentimento vocês fazem um esforço; ao fazer esse esforço, vocês estão apenas criando opostos, vocês criam uma dualidade que apenas aumenta a incompletude e o vazio. Vocês são responsáveis por autoridades externas tais como religião, política, moralidade, por autoridades tais como padrões econômicos e sociais. Devido ao seu vazio, a sua incompletude, vocês criaram esses padrões externos dos quais tentam se libertar agora. Ao evoluir, ao se desenvolver, ao se afastar deles, vocês querem criar uma lei interna para vocês próprios. À medida que vão compreendendo os padrões externos, vocês querem libertar-se deles e desenvolver seu próprio padrão interno. Esse padrão interno, que vocês chamam de “realidade espiritual”, vocês identificam-no com uma lei cósmica, o que significa que vocês não criaram senão outra divisão, outra dualidade.

Portanto, primeiro criam uma lei externa, e depois procuram se libertar dela desenvolvendo uma lei interna, que vocês identificam com o universo, com o todo. É isso que está acontecendo. Vocês continuam conscientes do seu egoísmo que agora o identificam com uma grande ilusão, chamando-o de “cósmico”. Portanto, quando dizem: “Eu obedeço a minha lei interna”, vocês não estão senão utilizando uma expressão para encobrir seu desejo de fuga. Para mim, o homem que está ligado seja a uma lei externa ou interna está enclausurado numa prisão, está dominado por uma ilusão. Por isso, um homem assim não pode compreender a ação espontânea, natural e saudável.

Agora, por que vocês criam leis internas para si próprios? Não será porque a luta da vida diária é tão grande, tão inarmônica, que vocês querem escapar dela e criar uma lei interior que se torne seu conforto? E tornam-se escravos dessa autoridade interna, desse padrão interno, porque vocês rejeitaram apenas a imagem externa e criaram em seu lugar uma imagem interna à qual se escravizaram.

Por esse método não alcançarão o verdadeiro discernimento, e o discernimento é completamente diferente de escolha. A escolha tem que existir onde houver dualidade. Quando a mente está incompleta e está consciente dessa incompletude, ela tenta escapar disso e, portanto, cria um oposto a essa incompletude. Esse oposto pode ser um padrão tanto externo como interno, e uma vez estabelecido esse padrão, julga-se cada ação, cada experiência por esse padrão e, portanto, vivem em um estado contínuo de escolha. A escolha nasce apenas da resistência. Se houver discernimento, não há esforço.

Portanto, para mim toda essa concepção de fazer um esforço em direção à verdade, em direção à realidade, essa ideia de efetuar um esforço continuado, é absolutamente falsa. Enquanto estiverem incompletos experimentarão sofrimento e, portanto, estarão comprometidos com a escolha, com o esforço, com a luta incessante por aquilo que vocês chamam de “conquista espiritual”. Por isso, eu digo que quando a mente está presa à autoridade, ela não pode ter compreensão verdadeira, pensamento verdadeiro. E como a mente da maioria de vocês estão presas à autoridade – que é apenas uma fuga da compreensão, do discernimento – vocês não poderão enfrentar completamente a experiência da vida. Portanto, vocês vivem uma vida dual, uma vida de aparência, de hipocrisia, uma vida em que não há momento de completude.

01/07/1933.