Segunda palestra em Oak Grove

No último Domingo eu estava tentando explicar o que é o pensamento correto e como começá-lo. Eu disse que a menos que haja autoconsciência, autoconhecimento de todos os motivos, intenções e instintos, pensamento-sentimento não possui fundamento verdadeiro, e que sem esse fundamento não há pensamento correto. O autoconhecimento é o inicio do entendimento. E como somos – o mundo é. Isto é, se somos gananciosos, invejosos, competitivos, nossa sociedade será competitiva, invejosa e gananciosa, o que criará miséria e guerra. O Estado é o que nós somos. Para criar ordem e paz, precisamos começar com nós mesmos e não com a sociedade, não com o Estado, pois nós somos o mundo. E não é egoísmo pensar que cada um deve primeiro entender e mudar a si mesmo para ajudar o mundo. Você não consegue ajudar o outro a menos que conheça a si mesmo. Através da autoconsciência perceberá que em si está o todo.

Se quisermos criar uma sociedade saudável e feliz, precisamos começar com nós mesmos e não com o outro, não fora de nós, mas com nós mesmos. Ao invés de dar importância aos nomes, rótulos, termos – que criam confusão – devemos libertar a mente deles e olhar desapegadamente. Até que entendamos e avancemos além de nós mesmos, exclusividades de todos os tipos existirão. Nós vemos sobre nós, e em nós, desejos e ações que resultam em relacionamentos estreitos. Antes de entendermos que tipo de esforço devemos fazer para nos entender, devemos nos tornar conscientes do tipo de esforço que estamos fazendo agora. Não é verdade que nosso esforço agora se constitui em constante se tornar, em escapar de um oposto para o outro? Nós vivemos em uma série de conflitos de ação e resposta, de querer e não querer. Nosso esforço é gasto em se tornar e não se tornar. Vivemos em um estado de dualidade. Como surge essa dualidade? Se pudermos entender isto, talvez poderemos transcendê-la e descobrir um estado diferente de ser. Como surge este conflito dolorido dentro de nós entre bem e mal, esperança e medo, amor e ódio, o “eu” e o não “eu”? Eles não são criados pela nossa ânsia em se tornar? Esta ânsia se expressa na forma de sensualidade, em mundanismo, ou em busca pessoal por fama ou imortalidade. Na tentativa de se tornar, não acabamos criando o posto? A menos que entendamos este conflito de opostos, qualquer esforço trará apenas formas diferentes e variadas de condições cheias de sofrimento. Então devemos usar os meios corretos para transcender este conflito. Meios errados irão produzir fins errados; apenas os meios corretos irão produzir fins corretos. Se queremos paz no mundo, devemos usar métodos pacíficos, porém, parecemos invariavelmente usar métodos errados na esperança de produzir os fins corretos.

A menos que entendamos esse problema de opostos com seus conflitos e misérias, nossos esforços serão em vão. Através da autoconsciência o desejo de se tornar, a causa do conflito, deve ser observado e entendido; mas o entendimento cessa se houver identificação, se há aceitação, negação ou comparação. Com desapego gentil, o desejo deve ser profundamente entendido e então transcendido. Pois uma mente que é apegada ao desejo, à dualidade, não pode compreender a realidade. A mente deve estar extremamente quieta e essa quietude não pode ser induzida, disciplinada ou obrigada por qualquer técnica. Essa quietude só surge através da compreensão do conflito. E você não pode obrigar o conflito a cessar. Você não pode, por vontade, fazer ele chegar ao fim. Você pode encobri-lo, escondê-lo, mas ele vai aparecer novamente e novamente. Uma doença deve ser curada, mas tratar apenas o sintoma é de pouca utilidade. Somente quando nos tornamos conscientes da causa do conflito, o compreendemos e o transcendemos, podemos experimentar aquilo que é. Tomar consciência é pensar e sentir os opostos tanto quanto possível, tão ampla e profundamente quanto possível, sem aceitação ou negação, com consciência livre de escolha. Nesta consciência expansiva, você descobrirá que surge um novo tipo de ímpeto ou um novo sentido, uma nova compreensão que não é gerada a partir dos opostos.

O pensamento correto cessa quando o pensamento-sentimento está em ação, preso nos opostos. Se você se tornar consciente de seus pensamentos e sentimentos, suas ações e respostas, você vai perceber que eles estão presos no conflito de opostos. A medida que cada pensamento surge, pense e sinta-o completamente, sem identificação. Esta consciência expansiva pode ocorrer apenas quando você não está negando, quando você não está rejeitando, nem aceitando e nem comparando. Através desta consciência expansiva, será descoberto um estado de ser que é livre do conflito de todos os opostos. Esse entendimento criativo deve ser descoberto, e é esse entendimento que liberta a mente do desejo. É essa consciência expandida em que não há o tornar-se, com sua esperança e medo, realização e fracasso, com sua dor e prazer velados, que libertará o pensamento-sentimento da ignorância e da tristeza.

Interrogante: Como é possível aprender concentração de verdade?

Krishnamurti: Muitas coisas estão envolvidas nesta questão, então é preciso ser paciente e ouvi-la por inteiro. O que é meditação de verdade? Não é o começo do autoconhecimento? Sem autoconhecimento, pode haver concentração verdadeira, meditação correta? Meditação não é possível a menos que você comece a se conhecer. Para conhecer a si mesmo, você deve se tornar meditativamente consciente, o que requer um tipo peculiar de concentração – não a concentração de exclusividade com a qual a maioria de nós se sacia quando pensamos que estamos meditando. A meditação correta é a compreensão de si mesmo com todos os problemas de incerteza e conflito, miséria e aflição.

Suponho que alguns de nós tenham meditado ou tentado se concentrar. O que acontece quando estamos tentando nos concentrar? Muitos pensamentos surgem, um após o outro, se amontoando, sem serem convidados. Tentamos fixar nosso pensamento em um objeto ou ideia ou sentimento e tentamos excluir todos os outros pensamentos e sentimentos. Este processo de concentração ou fixação em um ponto é geralmente considerado necessário para a meditação. Este método de exclusividade inevitavelmente falhará, pois mantém o conflito dos opostos; pode ter sucesso momentâneo, mas enquanto a dualidade existe no pensamento-sentimento, a concentração deve levar à limitação, teimosia e ilusão.

O controle do pensamento não traz o pensamento correto; o mero controle do pensamento não é meditação correta. Certamente, devemos primeiro descobrir por que a mente realmente vagueia. Ela vagueia, ou é repetitiva, tanto por causa do interesse como do hábito ou da preguiça, ou porque o pensamento-sentimento não se saciou. Se é por interesse, então você não será capaz de subjugá-lo; apesar de ter sucesso momentaneamente, o pensamento retornará aos seus interesses e por isso suas distrações. Então você deve perseguir esse interesse, pensar sobre ele, senti-lo – completamente – e assim, compreender todo o conteúdo desse interesse, por mais trivial e estúpido que seja. Se esta distração é o resultado do hábito, então é muito indicativo; indica, não é mesmo, que sua mente está presa em mero hábito, em meros padrões de pensamento e, portanto, não está pensando de fato. Uma mente que está aprisionada ao hábito ou à preguiça indica que está funcionando mecanicamente, impensadamente, e qual o valor de agir impensadamente, ainda que sob controle? Quando o pensamento é repetitivo, então indica que o pensamento-sentimento não se satisfez e até que isso aconteça será recorrente. Através da conscientização de seus pensamentos-sentimentos, você vai descobrir que há um distúrbio geral, uma agitação; a partir da consciência das causas das perturbações, surge um autoconhecimento e um pensamento correto, que são a base para a verdadeira meditação. Sem autoconhecimento, autoconsciência, não há meditação, e sem meditação não há autoconhecimento.

A verdadeira concentração vem com o autoconhecimento. Você pode criar fixações nobres e ser totalmente absorvido nelas, mas isso não traz compreensão. Isso não leva à descoberta do real. Pode produzir benevolência ou certas qualidades desejáveis, mas fixações nobres só fortalecem ainda mais a ilusão, e uma mente que está presa aos opostos não pode entender o todo. Em vez de desenvolver o exclusivo processo de contração, deixe seu pensamento-sentimento fluir, entenda cada vibração, cada movimento dele. Pense-o, sinta-o o mais amplamente e profundamente possível. Então você descobrirá que desta conscientização vem a concentração expansiva, uma meditação que não é mais um “tornar-se” e sim um “ser”. Mas essa consciência expansiva demanda vigor para continuar durante todo o dia e não apenas durante um período definido. Você deve se tornar vigoroso e experimentá-la, pois, ela não é para ser colhida de livros, através de reuniões ou seguindo uma técnica. Isso vem através da autoconsciência, através do autoconhecimento. O significado verdadeiro do que é a meditação se torna de enorme importância. Este processo de autoconsciência não deve limitar-se a certos períodos do dia, mas ser contínuo. A partir desta consciência meditativa surge uma profunda quietude, na qual só apenas existe o verdadeiro. Esta quietude da mente não é o resultado de exclusividade, da contração, de deixar de lado cada pensamento e sentimento e concentra-se em tornar a mente quieta. Você pode impor quietude à mente, mas é a quietude da morte, sem criatividade, estagnada, e nesse estado não é possível descobrir aquilo que é.

Interrogante: Como alguém pode estar livre de qualquer problema que seja perturbador?

Krishnamurti: Para entender qualquer problema, devemos dar nossa atenção total a ele. Tanto o consciente como o inconsciente, ou a mente interior, devem participar na solução dele, mas a maioria de nós infelizmente tenta dissolver os problemas superficialmente, isto é, com aquela pequena parte da mente que chamamos de mente consciente, apenas com o intelecto. Porém, nossa consciência ou nossa mente-sentimento é como um iceberg, a maior parte dela está escondida nas profundezas, apenas uma fração dela aparece na superfície. Estamos familiarizados com essa camada superficial, mas ela é uma conhecida confusa; da parte maior, o inconsciente profundo, a parte interna, nós dificilmente estamos conscientes. Ou, se estamos, ela se torna consciente através de sonhos, através de sinais ocasionais, mas esses sonhos e sugestões traduzimos interpretando de acordo com nossos preconceitos e as nossas sempre limitadas capacidades intelectuais. E então esses sinais perdem seu significado profundo e puro.

Se quisermos realmente entender nosso problema, precisamos primeiro limpar a confusão no consciente, na mente superficial, pensando e sentindo-a tão amplamente e inteligentemente quanto possível, de forma abrangente e desapegada. Então nessa consciência limpa, aberta e alerta, a mente interior pode se projetar. Quando os conteúdos das muitas camadas de consciência forem assim reunidos e assimilados, só então o problema deixa de existir.

Vamos dar um exemplo. A maioria de nós é educada no espírito nacionalista. Nós somos educados a amar nosso país em oposição a outro, a considerar nosso povo como superior a outro e assim por diante. Esta superioridade ou orgulho é implantado na mente desde a infância e nós a aceitamos, vivemos com ela e a toleramos. Com essa camada fina que chamamos de mente consciente, vamos entender esse problema e seu significado mais profundo. Nós aceitamos, em primeiro lugar, através de influências ambientais pelas quais somos condicionados. Além disso, esse espírito nacionalista alimenta nossa vaidade. A afirmação de que somos desta ou daquela raça ou país alimenta nossos insignificantes, pequenos e pobres egos; os inflam como velas, e estamos prontos para defender, matar ou ser mutilados por nosso país, raça e ideologia. Ao nos identificarmos com aquilo que nós consideramos ser grandioso, esperamos nos tornar grandiosos. Mas ainda assim permanecemos pobres; é só o rótulo que aparenta ser grande e poderoso. Esse espírito nacionalista é usado para fins econômicos e também, através do ódio e do medo, para unir um povo contra outro. Assim, quando nos conscientizamos desse problema e de suas implicações, percebemos seus efeitos: guerra, miséria, fome, confusão. Ao adorar a parte, que é idólatra, nós negamos o todo. Essa negação da unidade humana gera guerras e brutalidades sem fim, divisão econômica e social e tirania.

Entendemos tudo isso intelectualmente, com aquela camada fina que chamamos de mente consciente, mas ainda estamos presos na tradição, opinião, conveniência, medo e assim por diante. Até que as camadas profundas sejam expostas e compreendidas, não estamos livres da doença do nacionalismo e do patriotismo.

Assim, ao examinar este problema, limpamos a camada superficial do consciente na qual as camadas mais profundas podem fluir. Esse fluxo é fortalecido por meio de constante consciência – observando cada resposta, cada estímulo do nacionalismo ou de qualquer outro obstáculo. Cada resposta, por menor que seja, deve ser pensada, percebida, amplamente e profundamente. Assim, você logo perceberá que o problema está dissolvido e o espírito nacionalista secou. Todos os conflitos e misérias podem ser entendidos e dissolvidos desta maneira – para limpar a fina camada do consciente, pensando e sentindo o problema de forma tão abrangente quanto possível; nessa claridade, nessa quietude comparativa, os motivos, intenções e medos mais profundos e assim por diante podem se projetar; a medida que eles aparecem examine-os, estude-os e compreenda-os. Assim, o obstáculo, o conflito, a tristeza é profunda e totalmente entendida e dissolvida.

Interrogante: Por favor, elucide a ideia de “certeza em negação”. Você falou de pensamento negativo e positivo. Você quer dizer que quando somos positivos, fazemos declarações que são sem valor porque são limitadas e presunçosas; enquanto quando somos negativos, somos abertos ao pensamento porque estamos cansados de tradições e capazes de investigar o novo? Ou você quer dizer que devemos ser positivos por não haver escolha entre o verdadeiro e o falso, e essa negação significa tornar-se parte da harmonização?

Krishnamurti: Eu disse que na negação há certeza. Vamos expandir essa ideia. Quando nos tornamos conscientes de nós mesmos, percebemos que estamos em um estado de autocontradição, de querer e não querer, amando e odiando, e assim por diante. Pensamentos e ações nascidos dessa autocontradição são considerados positivos, mas é positivo quando o pensamento se contradiz? Por causa do nosso treinamento religioso, estamos certos de que não devemos matar, mas acabamos apoiando ou encontrando razões para matar quando o Estado exige; um pensamento nega o outro e, portanto, não há pensamento algum. Em um estado de autocontradição o pensamento cessa e só há ignorância. Então vamos descobrir se pensamos de fato ou se existimos em um estado de autocontradição em que o pensamento não existe.

Se olharmos para dentro de nós, perceberemos que vivemos em um estado de contradição, e como pode tal estado ser positivo, uma vez que aquilo que se contradiz deixa de existir? Sem nos conhecermos profundamente, como pode haver acordo ou desacordo, afirmação ou negação?

Neste estado autocontraditório, como pode haver certeza? Como podemos, neste estado, assumir que estamos certos ou errados? Não podemos assumir nada, podemos? Mas nossa moralidade, nossa ação positiva se baseia nessa autocontradição e, portanto, somos incessantemente ativos, desejando a paz e ainda criando guerra, ansiando por felicidade e ainda causando tristeza, amando e ainda odiando. Se o nosso pensamento é autocontraditório e, portanto, inexistente, existe apenas uma abordagem possível para a compreensão, que é o estado de não se tornar, um estado que pode parecer negação, mas no qual existe o mais elevado potencial.

A humildade nasce da negação e, sem humildade, não há compreensão. Na compreensão da negação, começamos a perceber a possibilidade de certeza, de acordo, e assim do mais elevado relacionamento e mais elevado pensamento. Quando a mente está criativamente vazia – não quando está positivamente se direcionando – existe realidade. Todas as grandes descobertas nascem neste vazio criativo, e só pode haver vazio criativo quando a autocontradição cessa. Enquanto existir o desejo, haverá autocontradição. Portanto, em vez de abordar a vida positivamente, como a maioria de nós, dando origem às muitas misérias, brutalidades, conflitos os quais conhecemos tão bem, por que não a abordar negativamente, que não é de fato negação?

Quando eu uso os termos positivo e negativo, eu não estou os usando em oposição um ao outro. Quando começamos a entender o que chamamos de positivo, que é o resultado da ignorância, então descobriremos que a partir disso vem a certeza na negação. Na tentativa de compreender a eternamente contraditória natureza do self, do “eu” e do “meu”, com seus desejos positivos e negações, anseio e morte, surge a quietude, o vazio criativo. Isto não é o resultado de uma ação positiva ou negativa, mas um estado de não-dualidade. Quando a mente-coração está quieta, criativamente vazia, então só aí existe realidade.

Interrogante: Você disse que um homem que reage à raiva com raiva se torna a raiva. Você quer dizer que quando lutamos contra a crueldade com as armas da crueldade, também nos tornamos o inimigo? – Porém, se não nos protegemos, o bandido nos derruba.

Krishnamurti: Certamente essa coisa com a qual você luta, você se torna. (Devemos explicar isso também? Tudo bem). Se eu estiver com raiva e você reagir a mim com raiva, qual é o resultado? – Mais raiva. Você se tornou o que eu sou. Se eu sou malvado e você luta contra mim de forma malvada, então você também se torne mau, por mais justo que você se sinta. Se eu sou brutal e você usa métodos brutais para me superar, então você se torna brutal como eu. E isso nós fizemos por milhares de anos. Certamente há uma abordagem diferente do que reagir ao ódio com ódio. Se eu usar métodos violentos para reprimir a raiva em mim mesmo, então eu estou usando os meios errados para um fim correto, e assim o fim correto deixa de existir. Desta forma não há entendimento; não há transcendência da raiva. A raiva deve ser estudada com tolerância e compreendida; não é para ser superada através de meios violentos. A raiva pode ser o resultado de muitas causas e sem compreendê-las não há como fugir da raiva.

Nós criamos o inimigo, o bandido, por nos tornarmos nós mesmos no inimigo – De forma alguma isso põe um fim à hostilidade. Temos que entender a causa da hostilidade e deixar de alimentá-la com nosso pensamento, sentimento e ação. Esta é uma tarefa árdua que exige constante autoconsciência e uma inteligencia maleável, pois o que somos, a sociedade, o Estado é.

O inimigo e o amigo são o resultado do nosso pensamento e ação. Nós somos responsáveis por criar hostilidade, e por isso é mais importante estarmos conscientes de nosso pensamento e ação do que se preocupar com o inimigo e o amigo, pois o pensamento correto põe fim à divisão. O amor transcende o amigo e o inimigo.

21 de Maio de 1944