Terceira Palestra em Oak Grove

Eu estava tentando explicar na semana passada a diferença entre ganância e necessidade. Se não compreendermos a diferença entre as duas, haverá sempre o conflito da escolha. Existe uma abordagem diferente para o problema de ansiar e precisar em vez do costumeiro controle, negação e escolha; é compreender o processo da ganância, se conscientizar do anseio. Estando empobrecidos psicologicamente, internamente, queremos nos enriquecer por meio de aquisições e posses e, assim, damos às coisas um valor desproporcional. Estando conscientes, há uma profunda compreensão das causas dessa pobreza psicológica, dessa falta de enriquecimento criativo, e daí vem a liberdade da ganância com seus conflitos. Nesse processo de conscientização, nessa busca interior para compreender a dependência das coisas para nossas satisfações, prazeres, você perceberá, se experimentar, que existe um tipo diferente de vontade – não a vontade de resistências conflitantes, mas a vontade da compreensão que é integral, completa. Para experimentar a pessoa deve se conscientizar do anseio, da ganância, não teoricamente, mas em nossa vida cotidiana de relação e ação. É só quando estamos realmente livres internamente da ganância, não simplesmente em nossa relação exterior e ação, que pode haver paz e ação desinteressada.

Estivemos tentando compreender nosso anseio por coisas, e agora vamos examinar a questão de nossa relação com as pessoas, e pela compreensão desse problema complexo, a riqueza da vida é revelada.

A existência toda não é uma questão de relação? Existir é estar em relação. Em nossa relação existe conflito, não apenas entre indivíduos, mas também entre o indivíduo e a sociedade. A sociedade é, afinal, a relação do indivíduo com os outros; ela é a extensão, a projeção, do indivíduo. Se o indivíduo não compreender sua relação com as coisas ou com as pessoas com que está imediatamente implicado, suas ações produzirão conflito – pessoal bem como social. Existe conflito na relação e, também, existe o desejo de se isolar, se afastar de uma relação que provoca dor. Esse isolamento toma a forma ou de aceitação de novas e agradáveis relações no lugar da antiga, ou se recolher a um mundo de ideias. Se a vida é uma série de eventos que produzirão ao final um isolamento do indivíduo, então a relação é um meio em direção a esse fim. Mas a pessoa não pode se afastar, pois toda a existência é uma forma de relação. Então, até se compreender e se libertar das causas do conflito dentro de si mesmo, quem quer que seja a pessoa, quaisquer que sejam as circunstâncias, haverá sempre conflito. A ideia de isolamento progressivo que o homem em seu conflito deseja, chamando-a de realidade, unidade, amor e assim por diante, é uma fuga da realidade que só pode ser compreendida na relação. Existe conflito na relação e, ao mesmo tempo, o pensamento busca se afastar desse conflito. Encontramos muitos meios de fuga, mas a causa do conflito ainda está ali.

Por que existe conflito entre as pessoas? Qual é a razão desse conflito mesmo entre aqueles que dizem se amar? Ora, toda relação não é um processo de auto revelação? Ou seja, nesse processo de relação, você vai se revelando, vai se descobrindo – todas as condições de seu ser, as feias e as agradáveis. Se você estiver cônscio, a relação atua como um espelho, refletindo mais e mais os vários estados de seus pensamentos e sentimentos. Se nós compreendermos profundamente que relação é um processo de auto revelação, então ela terá um significado diferente. Mas não admitimos que a relação seja um processo revelador, pois não queremos mostrar o que somos, e há constante conflito por isso. Na relação buscamos gratificação, prazer, conforto, e se houver qualquer oposição profunda a isso, tentamos trocar nossa relação. Assim, a relação em vez de ser uma ação progressiva de constante conscientização, tende a se tornar um processo de auto-isolamento. O caminho do desejo leva ao auto-isolamento e à limitação.

Quando estamos buscando simplesmente gratificação na relação, a consciência crítica se torna impossível, contudo, é só nessa conscientização alertada que qualquer ajustamento ou compreensão é possível. Assim, a responsabilidade na relação não se baseia na satisfação, mas na compreensão e no amor. Não encontrando satisfação na relação humana, nós muitas vezes tentamos estabelecê-la no âmbito das teorias, crenças e conceitos. O amor, então, se torna simplesmente uma emoção, uma sensação, uma concepção ideal, e não uma realidade para ser compreendida na relação humana. Porque na relação humana existe atrito, dor, nós tentamos idealizar o amor e chamá-lo cósmico, universal, o que não é mais do que uma fuga da realidade. Amar integralmente, sem medo, sem possessividade, exige uma conscientização intensa e compreensão que só pode se realizar na relação humana quando o pensamento está livre do anseio e da possessividade. Só então pode haver o amor do todo.

Se compreendermos a causa do conflito e do sofrimento em nossa relação sem medo, surge uma qualidade de completude que não é mera expansão nem a agregação de muitas virtudes. Esperamos amar o homem através do amor a Deus, mas se não soubermos como amar o homem, como poderemos amar a realidade? Amar o homem é amar a realidade. Nós achamos que amar o outro é tão doloroso, tantos problemas estão envolvidos nisso, que consideramos ser mais fácil e mais satisfatório amar um ideal, o que é emocionalismo intelectual, não amor.

Nós dependemos da sensação para a continuação do chamado amor, e quando essa gratificação é impedida, tentamos encontrá-la em outra. Assim, o que mais buscamos em nossa relação humana é a satisfação do desejo. Sem compreender o anseio, não pode haver completude de amor. Isso, novamente, exige constante e intensa conscientização. Para compreender esta completude, esta totalidade, precisamos começar a nos conscientizar do desejo como ganância e possessividade. Então compreenderemos a complexa natureza do desejo e, assim, haverá não só liberdade da ganância, mas também a completude que transcende o intelecto e suas resistências.

Se formos capazes de fazer isso em relação às coisas, então, talvez, sejamos capazes de captar uma forma muito mais complexa de anseio, que existe na relação humana. Não devemos começar nas altas aspirações, esperança e visão, mas com coisas e pessoas com quem estamos em contato diário. Se não formos capazes de profunda compreensão das coisas e das pessoas, não compreenderemos a realidade, pois a realidade está na compreensão do ambiente, das coisas e pessoas. Esse ambiente é o produto de nossa relação com as coisas e pessoas: se o resultado se baseia no anseio e em sua gratificação, como acontece hoje, fugir dele e buscar a realidade é criar outras formas de gratificação e ilusão. A realidade não é produto do anseio; aquilo que é criado através do anseio é transitório; aquilo que é eterno só pode ser compreendido através do permanente.

Interrogante: Algumas vezes não é muito difícil diferenciar entre as necessidades básicas humanas e os desejos psicológicos por satisfação?

Krishnamurti: É muito difícil diferenciar. Para fazer isso, deve haver clareza de percepção. Estar consciente do processo dos desejos transitórios, e compreendendo-os totalmente, as necessidades humanas naturais serão reguladas inteligentemente sem ênfase desmedida. Mas veja, individualmente não estamos interessados em compreender o processo do desejo. Não somos suficientemente impetuosos para descobrir se podemos diferenciar entre necessidades humanas e desejos psicológicos. Pode se descobrir isso por meio da conscientização crítica, por meio de paciente investigação, mas a compreensão desse problema por outra pessoa é de pouco valor para você; você terá que compreendê-lo por si mesmo. Se você disser que se limitará às mínimas coisas, não estará compreendendo o complexo problema do desejo; está simplesmente interessado em conseguir certos resultados, o que é buscar gratificação em outro nível, mas isso não resolve o problema que o desejo cria.

O que estamos tentando fazer aqui é compreender o processo do desejo, não colocar um limite no anseio. Compreendendo o anseio, surge uma limitação natural das coisas, não uma limitação predeterminada sobre o exercício da vontade. É o anseio que confere às coisas seus desproporcionais valores. Esses valores se baseiam em demandas psicológicas. Se a pessoa for pobre psicologicamente, ela busca satisfação em coisas; consequentemente, propriedade, nome, família se tornam urgentes e importantes, resultando em caos social. Enquanto não se resolve este conflito da ganância, a simples limitação das coisas não pode gerar nem ordem social nem aquela tranquilidade de liberdade do anseio. Através da legislação social, a ganância não pode ser destruída; você pode limitar suas expressões em certas direções, mas mesmo essas limitações são superadas se o anseio ainda for o motivo da ação humana. As compensações oferecidas pelas religiões para se abrir mão das coisas mundanas são ainda formas de anseio. Para se libertar do anseio, deve-se pacientemente, delicadamente, sem preconceito, compreender seu complexo problema.

Interrogante: No último domingo você disse que se pudéssemos descobrir por que temos raiva em vez de tentar controlar a raiva, podíamos nos libertar dela. Acho que fico com raiva quando meu conforto, minhas opiniões, minha segurança e assim por diante, estão ameaçadas; e por que tenho raiva quando ouço sobre a injustiça que se relaciona com alguém que não conheço?

Krishnamurti: Todos nós, tenho certeza, tentamos subjugar a raiva, mas de algum modo isso não parece dissolvê-la. Existe uma abordagem diferente para dissipar a raiva? Como eu disse no último domingo, a raiva pode nascer de causas físicas ou psicológicas. A pessoa tem raiva, talvez, porque está ameaçada, suas reações defensivas estão rompidas, a segurança que ela construiu cuidadosamente está sendo ameaçada e assim por diante. Todos nós estamos familiarizados com a raiva. Como vai se compreender e dissolver a raiva? Se você considerar que suas crenças, conceitos, opiniões são de grande importância, então está fadado a reagir violentamente quando questionado. Em vez de se prender a crenças, opiniões, se você começar a questionar se elas são essenciais para a compreensão de sua vida, então, através da compreensão de suas causas, vem a cessação da raiva. Daí se começa a dissolver as próprias resistências que causam conflito e dor. Isso, novamente, exige severidade. Nós estamos acostumados a nos controlar por razões sociológicas ou religiosas ou por conveniência, mas para erradicar a raiva é preciso profunda conscientização e constância na intenção.

Você diz que fica com raiva quando sabe de injustiça. É porque você ama a humanidade, porque você é compassivo? Compaixão e raiva andam juntas? Pode haver justiça quando há raiva, ódio? Você talvez fique com raiva com o pensamento de injustiça em geral, crueldade, mas sua raiva não altera a injustiça ou a crueldade; ela só pode trazer prejuízo. Para gerar ordem, você mesmo tem que ser cuidadoso, compassivo. A ação nascida do ódio só pode criar mais ódio. Não pode haver retidão onde existe ódio; retidão e ódio não podem andar juntos. Sob qualquer circunstância, a raiva é a ausência de compreensão e amor. Ela é sempre cruel e ofensiva. O que você pode fazer se alguém age injustamente, com ódio e preconceito? Esse ato não é eliminado por sua raiva, por seu ódio.

Você não está realmente preocupado com a injustiça – se estivesse, nunca ficaria com raiva. Você fica com raiva porque existe uma satisfação emocional no ódio e na raiva – você se sente poderoso através do ódio e sendo raivoso. Se em nossa relação humana houvesse compaixão e perdão, generosidade e bondade, como poderia haver também brutalidade e ódio? Se não tivermos amor, como pode haver ordem e paz? Nós desejamos reformar o outro quando nós mesmos precisamos disso. Não é o outro que é cruel, injusto, mas nós mesmos. Para compreender isso, temos que estar constantemente conscientes. O problema somos nós mesmos e não o outro. E eu lhe digo que quando você olhar a raiva em você mesmo e começar a se conscientizar de suas causas e expressões, então nessa compreensão existe compaixão, perdão.

Interrogante: Estando completamente dissociado da violência, é possível que minha ação possa estar dissociada? Por exemplo, se eu for atacado, eu mato por autopreservação como parte da violência. Se me recuso a matar e me deixo matar, eu não sou ainda parte da violência? A dissociação é uma questão de atitude mais do que de ação?

Krishnamurti: As questões sobre violência em todas as suas variadas formas serão compreendidas se pudermos perceber a causa principal do ódio, do desejo de ferir, de vingança, de medo e assim por diante. Se pudermos compreender isso, então saberemos espontaneamente como lidar com aqueles que nos odeiam, que querem ser violentos conosco. Toda a nossa atenção deve ser dirigida não ao que devemos fazer a respeito da violência apontada para nós, mas compreender as causas de nosso próprio medo, ódio, arrogância, ou partidarismo. Compreendendo isso em nossa vida cotidiana, os problemas criados pelo outro deixam de ter muita significação. Você resolverá o problema externo da violência compreendendo o problema central de anseio, inveja, por meio da constante conscientização crítica de seu pensamento, de sua relação com o outro.

Interrogante: Para estar totalmente consciente, para ser flexível, deve haver sempre um grande sentimento de amor. Não se pode sentir amor nem se tornar totalmente consciente por esforço; então o que se deve fazer?

Krishnamurti: Ora, qual é o esforço envolvido na compreensão, por exemplo, de nossos anseios psicológicos e necessidades naturais? Para compreender profundamente que toda dependência psicológica, seja de coisas ou de pessoas, cria não só conflito e sofrimento social, mas pessoal, para compreender as complexas causas do conflito e o desejo de se livrar dele, é preciso não simplesmente a vontade de se livrar, mas constante conscientização em sua vida cotidiana. Se essa conscientização for o resultado do desejo de alcançar certo resultado, então o esforço para estar consciente só produz mais resistência e conflito. A conscientização nasce quando existe o interesse de compreender, mas o interesse não pode ser criado por meio de simples vontade e controle. Se você der verdadeiro valor às coisas apenas a fim de não ter conflito, estará vivendo num estado de ilusão, pois não compreendeu o processo do anseio, que cria conflito e dor.

9 de junho de 1940