https://jkrishnamurti.org/content/%EF%BB%BFjkrishnamurti-ommen-5th-public-talk-12th-august-1938

Quinta Palestra em Ommen, Holanda

Eu tentei explicar que renovação, renascimento, deve ser espontânea e não o resultado de esforço.

Antes de descobrir se o esforço é moral ou imoral, importante ou sem importância, devemos considerar o desejo primeiro. Compreendendo o desejo, cada pessoa descobrirá por si mesma se o esforço é moral ou imoral em relação à renovação, ao renascimento da mente. Se não se tivesse desejo, não haveria esforço. Assim, temos que conhecer seu processo, a força motriz por trás do esforço, que é sempre o desejo; não importando por que nome prefiram chamá-lo – retidão, o bem, Deus em nós, o eu mais elevado e assim por diante – é ainda desejo.

Agora, o desejo é sempre por alguma coisa; ele é sempre dependente e, por isso, sempre produz medo. Na dependência existe sempre incerteza que gera medo. O desejo não pode existir por si mesmo, ele existe sempre em relação a alguma coisa. Você pode observar isso em suas reações psicológicas diárias. O desejo é sempre dependente, relacionado a alguma coisa. Só o amor não é dependente.

Existe o desejo de ser alguma coisa, de se tornar, de ter sucesso, de não sofrer, de encontrar a felicidade, de amar e ser amado, de encontrar a verdade, a realidade, Deus. Existe o desejo positivo de ser alguma coisa e o desejo negativo de não ser. Se formos apegados, há agonia, sofrimento, e daí aprendemos – o que chamamos aprender – que o apego causa dor. Então desejamos não ser apegados e cultivamos essa qualidade negativa, desapego. O desejo nos induz a ser isso e não aquilo.

Estamos familiarizados com o desejo positivo e o negativo, ser e não ser, se tornar e não se tornar. Agora, desejo não é emoção; o desejo é o resultado de uma mente que está sempre buscando satisfação, cujos valores se baseiam na satisfação. Ser satisfeito é o motivo por trás de todo desejo. A mente está sempre buscando satisfação a qualquer custo, e se ela é contrariada numa direção, busca alcançar seu propósito em outra. Todo o esforço, todo o poder direcionado da mente, é para que ela possa ser satisfeita. Então a satisfação se torna um hábito mecânico da mente. Em momentos de grande emoção, de profundo amor, não existe dependência do desejo, nem sua busca por satisfação.

Para ficar satisfeita, a mente desenvolve sua própria técnica de resistência e não resistência, que é a vontade. E quando a mente descobre que no processo de satisfação existe sofrimento, começa então a desenvolver o não desejo, o desapego. Portanto, existe a vontade positiva e a negativa sempre se manifestando, sempre buscando satisfação. O desejo de ser satisfeita cria a vontade, que se mantém por seu próprio esforço contínuo. E onde a vontade está, o medo sempre deve se seguir – medo de não ser satisfeito, de não conseguir, de não se tornar. Vontade e medo sempre andam juntos. E, novamente, para superar esse medo, se faz esforço, e nesse círculo vicioso de incerteza a mente fica presa. Vontade e medo andam sempre lado a lado, e a vontade mantém sua continuidade de satisfação em satisfação, através da memória que dá à consciência sua continuidade, como o “Eu”.

Vontade e esforço, então, é simplesmente o mecanismo da mente para se satisfazer. E o desejo é totalmente da mente. A mente é a própria essência do desejo. O hábito é estabelecido pela constante procura por satisfação, e a sensação que a mente estimula não é emoção.

Então, todo o esforço nascendo da vontade ou de estar satisfeita ou não estar satisfeita, deve sempre ser mecânico, formador de hábito, e, assim, não pode trazer o renascimento, a renovação. Mesmo quando a mente investiga a causa do sofrimento, o faz muito primariamente, pois ela deseja fugir, se afastar daquilo que não é satisfatório e obter aquilo que é.

Agora, todo esse processo em que a mente está presa é o caminho da ignorância. A vontade que se mantém através do esforço de ser satisfeita, ser gratificada, por vários meios e métodos – essa vontade de satisfação deve cessar por sua própria iniciativa, pois qualquer esforço para dar fim à satisfação é apenas outro modo de se satisfazer.

Assim, esse processo de satisfação, de gratificação, segue continuamente e todo esforço só o fortalece. Percebendo que todo esforço é o desejo de satisfação e, portanto, do próprio medo, como se faz esse processo chegar ao fim? Mesmo o próprio desejo de sua cessação nasce da vontade de ser satisfeito. A própria pergunta de como se livrar do desejo é induzida pelo desejo em si.

Se você sentir todo esse processo como ignorância, então não perguntará por um meio de se livrar do desejo, medo. Então não procurará nenhum método, mesmo promissor, mesmo auspicioso. Não existe sistema, nem método, nem caminho para a verdade. Quando você compreende a completa significação interior de todos os métodos, essa própria compreensão começa, espontaneamente, a dissolver o desejo, o medo, que busca satisfação.

Apenas na emoção profunda não existe anseio por satisfação. O amor não é dependente de satisfação e hábito. Mas a vontade do desejo sempre procura fazer do amor um hábito mecânico, ou tenta controlá-lo com leis morais, compulsão e assim por diante. Por isso há uma constante batalha da mente, com sua vontade de satisfação, para controlar, dominar o amor; e a batalha é quase sempre vencida pela mente, pois o amor não tem conflito em si nem com o outro. Só quando o desejo, com sua vontade de medo, cessa por sua própria iniciativa – não pela compulsão ou a promessa de recompensa – há uma renovação, um renascimento do ser inteiro da pessoa.

Interrogante: Posso confiar ou ter fé nesse amor, ou isso também é um meio de autoproteção?

Krishnamurti: A fé não é outro refúgio onde a mente encontra satisfação e abrigo? Você pode ter fé no amor, o outro em Deus e assim por diante. Toda essa fé é um amparo para a mente. Qualquer refúgio, qualquer apego, não importa o nome, é autoproteção, satisfação e, por isso, resultado do medo.

A pessoa percebe apavorante crueldade em si, completo caos e barbaridade, e se abriga em um ideal, uma crença, ou em alguma forma de consolo. Assim se escapa pela ilusão; mas o conflito entre o real e o ilusório continua até o irreal dominar o real ou o real romper todas as salvaguardas, todas as saídas, e começar a revelar sua profunda significação.

Interrogante: Insistindo simplesmente na realização individual você não está deixando de lado a questão social? Como pode o indivíduo, que está sempre em relação com a sociedade, ser o único fator importante? Por que você enfatiza o individuo?

Krishnamurti: Sem o indivíduo, a sociedade não pode existir; essa entidade social não é independente do indivíduo. A sociedade é a relação de um indivíduo com outro. A sociedade é pessoal, mas se tornou um mecanismo independente com vida própria que, simplesmente, usa o indivíduo. A sociedade se tornou, meramente, uma instituição que controla e domina o indivíduo através de opinião, leis morais, interesses investidos e assim por diante. Como as instituições nunca são importantes, mas apenas o indivíduo, devemos considerar sua realização, que não pode ser provocada pela simples mudança do ambiente, conquanto drástica a mudança possa ser. A simples alteração do superficial não produzirá a profunda realização do homem, mas apenas reações mecânicas. Essa divisão de indivíduo e ambiente é mecânica e falsa; quando, fundamentalmente, cada pessoa compreender que é isso, então o indivíduo agirá integralmente, não como um indivíduo nem como simplesmente o produto mecânico da sociedade, mas como um ser humano integrado.

Interrogante: Certamente isso levará muitos séculos, não? Então, não devemos fazer novas leis sociais e condições agora?

Krishnamurti: Como vamos produzir essa mudança que todos queremos? Ou pela força ou cada indivíduo começa a despertar a necessidade de mudança fundamental; ou pela coação, revolução, dominação ou pelo despertar do indivíduo para a realidade.

Se quisermos produzir um simples mundo mecânico de sistemas morais, lei, imposição, então a violência pode ser suficiente – força de toda espécie; mas, se queremos paz e fraternidade, relação baseada no amor, então a violência não pode ser o caminho de forma alguma. Pela violência você não pode chegar à paz, ao amor, mas apenas a mais violência. A violência é complexa e sutil, e até o indivíduo se libertar de sua dominação óbvia e oculta, não pode haver paz nem fraternidade duradoura.

Interrogante: Então devemos deixar que a pessoa cruel continue sendo cruel?

Krishnamurti: Para salvar a humanidade você deve destruir o humano primeiro? É isso que você está me perguntando? Porque você tem certas ideologias, certas crenças, o indivíduo deve ser sacrificado por elas? Não, meus amigos, nós não queremos ajudar o mundo, apenas queremos impor aos outros certa ideologia, certa fé, certa crença. Queremos que a tirania das ideias prevaleça, e não o amor.

Cada pessoa segue atrás de seu próprio problema particular, ou de seu próprio ideal de homem, ou de sua própria concepção de estado, ou de sua crença em Deus e assim por diante. Mas se você que está me ouvindo, captar fundamentalmente o que estou dizendo, então você estará interessado nos problemas originais – o desejo com seu medo e esforços – que impedem a realização individual, o renascimento.

12 de agosto de 1938