Primeira Palestra na Cidade do México

Amigos,

Como foram feitas muitas afirmações incorretas com relação a mim nos jornais, quero corrigi-las antes de prosseguir com a palestra. Eu não sou teosofista. Eu não pertenço a nenhuma seita ou partido ou a alguma religião particular, pois religião é um evidente obstáculo à realização do homem. Nem desejo convertê-los a teorias fantásticas e conclusões.

Ora, vocês podem perguntar, “O que você quer fazer? Se não quer que nos juntemos a uma sociedade ou aceitemos certas teorias, o que você quer então?” O que eu quero fazer é ajudar você, o indivíduo, a cruzar a corrente do sofrimento, da confusão e do conflito, por meio de profunda e completa realização. Esta realização não está na auto-expressão egocêntrica, nem na compulsão e imitação. Nem em algum sentimento fantástico e conclusões, mas no pensamento claro, na ação inteligente, podemos cruzar esta corrente de dor e sofrimento. Existe uma realidade que pode ser compreendida, apenas, pela realização profunda e verdadeira.

Antes de podermos compreender a riqueza e a beleza da realização, a mente deve se libertar da carga do passado (background) de tradição, hábito e preconceito. Por exemplo, se você pertence a um partido político específico, naturalmente vê todas as suas considerações políticas a partir do ponto de vista estreito, limitado, desse partido. Se foi educado, criado, condicionado em certa religião, você olha a vida através de sua capa de preconceito e escuridão. Esse “background” de tradição impede a completa compreensão da vida e, assim, causa confusão e sofrimento. Eu pediria a você que ouvisse o que tenho a dizer, libertando-se, pelo menos nesta hora, do “background” em que foi criado com suas tradições e preconceitos e pensando simples e diretamente sobre os muitos problemas humanos.

Ser verdadeiramente crítico não significa estar em oposição. A maioria de nós foi treinada a se opor e não criticar. Quando o homem, simplesmente, se opõe isto significa, em geral, que ele tem algum interesse investido que deseja proteger, e isso não é penetração profunda pelo exame crítico. A verdadeira crítica está em tentar compreender o completo significado de valores sem o impedimento de reações defensivas.

Nós vemos mundo afora extremos de pobreza e ricos, abundância e, ao mesmo tempo, inanição; temos distinção de classe e ódio racial, a estupidez do nacionalismo e a apavorante crueldade da guerra. Há exploração do homem pelo homem; as religiões com seus interesses investidos se tornaram meios de exploração, também dividindo o homem do homem. Existe ansiedade, confusão, desesperança, frustração.

Nós vemos tudo isto. Faz parte de nossa vida cotidiana. Preso na roda do sofrimento, se você é cuidadoso realmente, deve ter se perguntado como estes problemas humanos podem ser resolvidos. Ou você está consciente do caótico estado do mundo, ou está completamente apático, vivendo em um mundo fantástico, em uma ilusão. Se você está cônscio, deve estar lutando com estes problemas. Tentando resolvê-los, alguns se voltam para especialistas para solucioná-los, e seguem as ideias e teorias deles. Gradualmente eles mesmos formam um corpo exclusivo e, por isso, entram em conflito com outros especialistas e seus grupos, e o indivíduo se torna, simplesmente, uma ferramenta nas mãos do grupo ou do especialista. Ou você tenta resolver estes problemas seguindo um sistema particular que, se você examinar com cuidado, se torna meramente outro meio de exploração do indivíduo. Ou você pensa que para mudar toda esta crueldade e horror, deve haver um movimento de massa, uma ação coletiva.

Ora, a ideia de um movimento de massa se torna, meramente, um lema se você, o indivíduo, que é parte da massa, não compreende sua verdadeira função. A ação coletiva verdadeira só pode acontecer quando você, o indivíduo, que é também a massa, está alerta e assume completa responsabilidade por sua ação sem compulsão. Por favor, tenha em mente que não estou lhe fornecendo um sistema de filosofia que você pode seguir cegamente, mas estou tentando despertar o desejo pela realização verdadeira e inteligente, que pode trazer ordem feliz e paz ao mundo.

Pode haver mudança fundamental e duradoura no mundo, pode haver amor e realização inteligente, apenas quando você despertar e começar a libertar a si mesmo da rede de ilusões, das muitas ilusões que você criou sobre si mesmo pelo medo. Quando a mente se liberta destes obstáculos, quando há mudança voluntária profunda, interior, só então pode haver verdadeira, duradoura ação coletiva, onde não pode haver compulsão. Por favor, compreenda que estou lhe falando como um indivíduo, não a um grupo coletivo ou a um partido particular. Se você não despertar para sua total responsabilidade, para sua realização, então sua função como ser humano na sociedade deve ser frustrada, limitada, e nisso está o sofrimento.

Então a pergunta é: Como pode haver esta profunda revolução individual? Se for verdadeira, a revolução voluntária por parte do indivíduo, então você criará o ambiente correto para todos, sem distinção de classe ou raça. Então o mundo será uma única unidade humana. Como vocês vão despertar, como indivíduos, para esta profunda revolução? Ora, o que vou dizer não é complicado, é simples; e devido a sua simplicidade, receio que vocês rejeitarão por não considerarem positivo. Mas se você compreender por si mesmo quais são os obstáculos que estão impedindo sua realização verdadeira e profunda, então você não se tornará um mero seguidor e não será explorado. Todo seguir é danoso à completude.

Para haver esta profunda revolução, você deve estar totalmente consciente da estrutura que criou sobre si mesmo e na qual está preso agora. Ou seja, nós temos, agora, certos valores, ideais, crenças, que atuam como uma rede para reter a mente, e questionando e compreendendo toda sua significação, perceberemos como eles surgiram. Antes de agir total e verdadeiramente, você deve conhecer a prisão em que vive, como ela foi criada; e examinando isto sem nenhuma autodefesa, você descobrirá por si mesmo seu verdadeiro significado, que ninguém mais pode transmitir a você. Por meio de seu próprio despertar da inteligência, por seu próprio sofrimento, você descobrirá o modo de realização verdadeiro.

Cada um de nós está buscando segurança, certeza, pelo pensamento egoísta e ação, objetiva e subjetivamente. Se você está consciente de seu próprio pensamento, verá que está no encalço de sua própria segurança e certeza egocêntrica, externa e internamente. Na realidade, não existe tal divisão absoluta da vida como mundo objetivo e subjetivo. Eu só faço esta divisão por conveniência. Objetivamente, esta busca por segurança e certeza egocêntrica se expressa na família, que se torna um centro de exploração baseado na ganância. Se você examinar isto, verá que o que você chama amor da família não é nada mais que possessividade. Novamente essa busca por segurança se expressa nas divisões de classe que se desenvolvem na estupidez do nacionalismo e imperialismo gerando ódio, antagonismo racial e a suprema crueldade da guerra. Assim, por meio de nossos próprios desejos egocêntricos, nós criamos um mundo de nacionalidades e governos soberanos conflitantes, cuja função é preparar para a guerra e forçar o homem contra o homem.

E existe a busca de segurança egoísta e certeza por meio daquilo que chamamos religião. Você gosta, loucamente, de acreditar que seres divinos criaram essas formas organizadas de crença que nós chamamos religiões. Você mesmo as criou por sua própria conveniência; ao longo dos tempos elas se tornaram santificadas e, agora, você se tornou escravo delas. Nunca pode haver religiões ideais, então não vamos gastar nosso tempo discutindo-as. Elas só podem existir em teoria, não em realidade. Vamos examinar agora como nós criamos as religiões e de que maneira nos escravizamos a elas. Se você examiná-las profundamente como elas são, verá que elas são nada mais do que interesse investido de crença organizada, retendo, separando e explorando o homem.

Como, objetivamente, você busca segurança, do mesmo modo, subjetivamente, também busca um tipo diferente de segurança, certeza, que chama de imortalidade. Você anseia por continuidade egocêntrica na vida futura, chamando-a de imortalidade. Mais tarde em minhas palestras, explicarei o que, para mim, é verdadeira imortalidade.

Na sua busca por essa segurança, nasce o medo, e assim você se submete a outra pessoa que lhe promete essa imortalidade. Pelo medo, você cria uma autoridade espiritual, e para administrar essa autoridade existem sacerdotes que exploram você pela fé, dogma e credo, pelo espetáculo, a pompa e a ostentação que chamamos de religião mundo afora. Ela se baseia, essencialmente, no medo, embora você possa chamar de amor a Deus ou verdade; ela é, se você examinar inteligentemente, nada além do resultado do medo e, por isso, deve se tornar um dos meios de explorar o homem. Pelo seu próprio desejo de imortalidade, pela continuidade egoísta, você construiu esta ilusão que chama de religião, e você fica, consciente ou inconscientemente, preso nisto. Ou, você pode não pertencer a alguma religião particular, mas pode pertencer a alguma seita que, sutilmente, promete uma recompensa, uma sutil presunção do ego na vida futura. Ou, você pode não pertencer a uma seita ou sociedade, mas pode haver um desejo interno, oculto e dissimulado, para buscar sua própria imortalidade. Enquanto existir este desejo da própria continuidade sob qualquer forma, deve haver medo, que cria autoridade, e daí vem a sutil crueldade e estupidez de submeter-se à exploração. Esta exploração é tão sutil, tão refinada, que a pessoa se enamora dela, chamando-a de progresso espiritual e avanço em direção da perfeição.

Agora você, o indivíduo, deve se tornar cônscio de toda esta estrutura intrincada, cônscio da origem do medo, e querer erradicá-la, qualquer que seja a consequência. Isto significa entrar em conflito individualmente com os ideais e valores existentes; e quando a mente se liberta do falso, pode haver a criação do ambiente correto para o todo.

Seu primeiro interesse é se tornar cônscio da prisão; aí você verá que seu próprio pensamento está, continuamente, tentando evitar entrar em conflito com os valores da prisão. Estas fugas criam ideais que, embora belos, são ilusões. É um dos truques da mente fugir para um ideal, porque se não fugir, ela deve entrar em conflito, diretamente, com a prisão, com o ambiente. Ou seja, a mente quer fugir para a ilusão mais do que enfrentar o sofrimento que surgirá, inevitavelmente, quando ela começar a questionar os valores, a moralidade, a religião da prisão.

Então o que importa é entrar em conflito com as tradições e valores da sociedade e da religião em que se está preso, e não fugir, intelectualmente, por meio de um ideal. Quando você começa a questionar estes valores, começa a despertar essa inteligência verdadeira que pode, sozinha, resolver os muitos problemas humanos. Enquanto a mente está presa em falsos valores, não pode haver realização. Só a completude revelará a verdade, o movimento da vida eterna.

20 de outubro de 1935