Terceira Palestra no Town Hall

 New York

Amigos,

Gostaria de fazer uma pequena palestra antes de responder às perguntas, expor uma coisa que talvez seja difícil de compreender. Tentarei fazê-lo tão simples e claro quanto possível.

Penso que a maioria de nós está tentando descobrir o que é verdadeira felicidade, pois sem sermos inteligentemente felizes, a vida se torna muito superficial, fútil, e quiçá triste. E assim, na busca do que chamamos felicidade, vamos de uma experiência para outra, de uma crença para outra, de uma teoria para outra, até encontrar tais crenças, tais ideias, como satisfatórias. Ora essas satisfações não são mais que fugas. A própria busca de felicidade deve resultar numa série de fugas – pode ser, como eu disse, através da autoridade, através da sensação, através da simples multiplicação de experiências, e do aumento do poder – estas fugas se tornam padrões ou valores com os quais encobrimos o conflito.

Afinal, quando você está consciente do conflito, há perturbação que cria infelicidade; e para fugir dessa infelicidade você procura várias experiências e desenvolve certos valores, padrões, medidas, que se tornam sua fuga. Assim, gradualmente você se torna inconsciente de tudo exceto desses padrões, desses modelos, e sua vida não é nada além de uma viva imitação destes valores que você estabeleceu em sua busca por felicidade.

Se você examinar, verá que sua mente e coração estão presos em uma série de padrões ou valores. Estando tão limitada, a mente está sempre dando mais valores, estabelecendo mais padrões, e está sempre em julgamento. Até a mente se libertar deste contínuo processo de atribuir valores, nunca está inocente, nova, nunca criativamente vazia, se me permitem usar essa palavra sem ser mal entendido. Pois só no vazio criativo há o nascimento da verdade.

Conflito, sofrimento, é o processo de romper este hábito de atribuir valores. Você tem um conjunto de valores estabelecidos pela experiência, pela tradição, e estes valores se tornaram seus guias; com estes padrões e valores passados você aborda a experiência nova, o que naturalmente cria conflito. Este sofrimento não é nada mais do que o rompimento de antigos valores a que a mente se prende.

Ora, é a própria essência da estupidez fugir do conflito através de uma série de valores estabelecidos, ou através da formação de um novo conjunto de valores. A própria essência da inteligência é compreender a vida ou experiência com uma mente e coração abertos, novos, inocentes. Em vez de encontrar a vida sem demandas preconcebidas, você chega a ela com uma mente e coração já prejudicados, quase incapazes de ajustamento vivo, rápida flexibilidade. A falta deste discernimento instantâneo do movimento da vida cria sofrimento. O conflito é indicação de servidão, que não pode ser subjugada, mas cuja significação deve ser compreendida. Subjugar obstáculos através de um novo conjunto de valores é mais uma forma de fuga.

Você poderia dizer que uma mente que não dá valores é realmente a mente de um primitivo. É verdade em certo sentido; o primitivo encontra a vida inconscientemente, incompletamente, sem compreender seu significado totalmente. Mas encontrar a vida completamente e compreender sua significação totalmente requer uma mente não condicionada pelo passado, e isto pode acontecer apenas através de intensa conscientização, através de discernimento. Isto demanda, ao contrário do primitivo, ação integrada no presente sem o ímpeto do medo ou a busca por um prêmio. É a inteligência da completa solidão.

Apenas quando a mente aberta e vulnerável e o coração encontram a vida, o desconhecido, o imensurável, é que há o êxtase da verdade. Quando a mente não está carregada de valores, memórias, crenças preconcebidas, e é capaz de encontrar o desconhecido, nesse encontro nasce a sabedoria, a benção do presente. Assim o conflito é o próprio processo de despertar o homem para a consciência completa; e se nós não estamos continuamente atentos, criamos uma série de fugas que chamamos valores, embora eles possam estar mudando, e através desses valores tentamos encontrar alegria.

Os valores se tornam o meio de fuga. Uma mente que está em conflito e o encontra sem tentar interpretar esse conflito de acordo com certos valores se torna totalmente, completamente atenta. Então essa mente e esse coração despertarão para a realidade da vida, a benção do presente.

Interrogante: Você advoga a renúncia e a auto-abnegação como meio de encontrar a felicidade pessoal?

Krishnamurti: A felicidade pessoal não existe. Assim não há meio para ela. Há apenas o êxtase criativo da vida, a auto-abnegação é falsa. Você pensa que a felicidade é para ser encontrada abrindo mão de certas coisas, seguindo certas ações. Então você está realmente comerciando, trocando seu sacrifício, suas abnegações, por felicidade. Não há abnegações ou renúncia, mas apenas compreensão; e nisso existe felicidade criativa, que não é pessoal, individualista.

Deixe que eu mostre de outra forma. Eu começo a acumular porque penso que a felicidade está na acumulação, mas descubro no final de certo tempo que a posse não me traz felicidade. Portanto começo a renunciar às posses e busco sacrifícios, o que é apenas uma outra forma de aquisição. Mas se eu percebo a significação inerente da possessividade, então aí existe felicidade criativa.

Interrogante: Não é verdade que o essencial pode ser encontrado em todas as fases da vida, em todas as coisas?

Krishnamurti: Eu não penso que existe o essencial ou o não essencial. O que é o essencial? O que é o não essencial? Um dia eu quero uma coisa e isso se torna o mais essencial, o mais importante, e na própria posse daquilo, ela se torna o não essencial. Então quero uma outra coisa; e assim continuo, saindo de um essencial que se torna não essencial, para outro essencial que depois se torna o não essencial.

Em outras palavras, onde existe anseio nunca pode haver discernimento duradouro. Como a maioria das pessoas é escrava do anseio, ficam em constante conflito do essencial e do não essencial. De simples possessividade das coisas, que não dá mais satisfação, você vai para a posse mental e emocional de virtudes, da verdade, de Deus. De coisas, que foram essenciais um dia, você vai “em direção” da abstração. Esta abstração se torna o essencial.

Não podemos olhar a vida, não deste ponto de vista do essencial e do não essencial, mas daquele que é inteligente, compreensivo? Por que temos esta divisão do essencial e do não essencial, o importante e o não importante? Porque estamos pensando sempre em termos de aquisição, ganho; mas se olhamos para isto do ponto de vista da compreensão, então esta divisão cessa, então estamos encontrando a vida continuamente como um todo. Esta é uma das coisas mais difíceis de fazer, porque nós fomos e estamos sendo treinados em sistemas religiosos e econômicos que impõem certos conjuntos de valores. Para uma mente que não está atribuindo valores, mas está tentando viver completamente, sem o desejo do ganho – para tal mente não há degraus de valores mutantes, e, portanto, não há conflito entre o impermanente e o permanente, entre o estacionário e o constante movimento da vida.

Interrogante: Tudo bem para você falar sobre coisas fundamenteis, mas e o homem comum?

Krishnamurti: O que estamos discutindo? Estamos discutindo, no que me diz respeito, como viver inteligentemente, e portanto, divinamente, humanamente – não com esta competitiva, implacável brutalidade da aquisição, da exploração, seja por uma classe ou por um professor, econômica ou religiosa. Tudo isto se aplica, naturalmente, a todos nós, ou seja, ao homem comum. Eu não me segrego da média, do homem comum. Pessoas que estão preocupadas com o homem comum se separaram dele. Elas estão preocupadas com o homem médio. Por que? Elas dizem, “Eu posso abrir mão da tradição, mas e o homem da rua? Se ele abrir mão, haverá caos”. Então ele tem que ter uma tradição, enquanto as pessoas que estão preocupadas com ele não precisam.

Agora se você não está pensando em termos de distinções, seja de classe ou de necessidades, se você percebe a significação de uma coisa em si mesma, então ajudará aquele homem na rua a se libertar sem imposição da, digamos, tradição. Ou seja, se você está convencido da futilidade da tradição, se você vê a significação dela, então, naturalmente, ajudará o outro sem imposição, sem exploração. Compreendendo as coisas fundamentais da vida inteligentemente, você ajudará o outro a desprender-se deste caos cruel.

Se nós, todos nós aqui, realmente sentíssemos profundamente todas estas coisas, realmente compreendêssemos, agiríamos com inteligência. Primeiro, certamente, a pessoa deve começar consigo mesma. A pessoa deve tratar das coisas fundamentais porque são as mais simples; e numa civilização que está se tornando mais e mais complexa, se não compreendermos por nós mesmos estas coisas simples e fundamentais, não faremos mais do que aumentar a confusão, a exploração, e a ignorância.

Assim, o que estamos discutindo se aplica a todos, e como você tem a oportunidade – o que, infelizmente, nem todos têm – se você se torna cônscio, ciente, e começa a compreender e, portanto, agir, tal ação ajudará a dissipar a ignorância, a causa do sofrimento.

Interrogante: Como se pode competir com a memória e a obsessão de suas imagens?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, compreendendo como a memória é formada, como é criada. Agora, como tentei explicar outro dia, a memória não é nada além de ação incompleta. Não estou incluindo aí a capacidade de relembrar incidentes. Mas a memória é o resíduo, a cicatriz da ação que não foi vivida completamente ou completamente compreendida. Até essa ação ser integralmente compreendida, a memória dela ou sua cicatriz na mente continua. A memória é na maior parte o resíduo ou as cicatrizes de muitas ações incompletas, não realizadas. Se a pessoa tem consciência de classe ou se é preconceituoso religiosamente, naturalmente não pode viver a experiência integralmente, totalmente; a pessoa a aborda com esta tendência, o que inevitavelmente cria um conflito. Enquanto não se compreende a causa e a significação desse conflito completamente, integralmente, haverá mais cicatrizes ou barreiras como memórias. Nesse conflito, se a pessoa simplesmente foge ou busca substituições, então a memória, como uma barreira, deve continuamente perverter a completude da compreensão, que é a realização da ação. Espero não estar explicando com uma linguagem muito complicada.

Por exemplo, suponha que um homem nascido na Índia tem certos preconceitos religiosos. Com estas perversões do pensamento, ele aborda a vida. Naturalmente ele não distingue sua completa significação, porque está sempre olhando a vida através destas perversões e, portanto deve haver conflito. A partir disto ele desenvolve uma série de memórias auto defensivas, barreiras, que ele chama valores. Tais reações defensivas devem perverter mais a compreensão da experiência ou da vida.

Quando se percebe completamente que o preconceito ou alguma outra perversão está continuamente corrompendo, distorcendo, a totalidade da compreensão, então a pessoa começa a ficar atenta; nessa atenção se descobre os impedimentos. É apenas através da chama da atenção, através da total conscientização, não através da auto-análise, que a pessoa pode discernir os preconceitos, as fugas, os valores de autodefesa que estão continuamente distorcendo a experiência. Na própria totalidade da experiência em si estão as barreiras que impedem o discernimento para descobrir e compreender, e não através da auto-análise intelectual ou auto dissecação. Se você está intensamente consciente na totalidade da experiência, então verá como as perversões, impedimentos, limitações saltam para fora.

Se mente e coração podem libertar-se destes valores, que não são mais que memórias acumuladas com propósitos de autodefesa que você herdou ou adquiriu, então a vida é um eterno tornar-se. Mas isso requer, como eu disse, grande determinação, uma incessante investigação da causa e significação do sofrimento, do conflito. Se você está à vontade com a vida, ou simplesmente buscando satisfação, a benção do eterno presente não é para você. É só em momentos de grande crise, grande conflito, que a mente se liberta de todas estas acumulações e acréscimos autoprotetores.

Só então há o êxtase da vida, verdade.

Interrogante: Se todos abrissem mão de suas posses, como você sugere, o que aconteceria com todos os negócios e objetivos comuns da vida? Negócios e posses não são necessários se vamos viver no mundo?

Krishnamurti: Eu nunca disse que abrissem mão. Disse que a avidez é a causa da competição, da exploração, das distinções de classe, das guerras e assim por diante. Agora, se a pessoa distingue o significado real da possessividade, seja de coisas ou de pessoas ou de ideias, que é no final das contas a ânsia de poder em diferentes formas – se a mente puder se libertar disso, então pode haver felicidade inteligente e bem estar no mundo. Durante muitos séculos nós construímos um sistema de avidez, de possessividade, buscando poder e autoridade pessoais. Agora, enquanto isso existir em nossas mentes e corações, podemos mudar o sistema momentaneamente através de revolução, crise, guerras, mas enquanto houver esse anseio, ele inevitavelmente nos levará, sob outra forma, ao antigo sistema. E, como eu disse, a liberdade da avidez não é para ser aprendida eventualmente, através de adiamento; ela deve ser discernida imediatamente, e é aí que está a dificuldade. Se não podemos ver a falsidade da avidez imediatamente, não seremos então capazes individualmente e, portanto, coletivamente, de ter uma civilização diferente, um modo diferente de viver.

Assim todo meu ataque, se posso usar essa palavra, não é sobre um sistema, mas sobre o desejo de possessividade, avidez, levando finalmente ao poder. Você pensa hoje que possessividade confere felicidade. Mas se pensar sobre isto profundamente, verá que esta ânsia por poder não tem fim. É uma contínua batalha onde o conflito e sofrimento não cessam. Mas isto é uma das coisas mais difíceis, libertar a mente e o coração da avidez.

Sabem, na Índia temos certas pessoas chamadas “sannyasis”, que deixam o mundo em busca da verdade. Geralmente eles têm duas tangas, uma que usam e a outra para o dia seguinte. Um “sannyasi”, em busca da verdade, procurou vários mestres. Em suas perambulações lhe foi dito que certo rei foi iluminado, que ele estava ensinando a sabedoria. Então aquele “sannyasi” foi até o rei. Você pode ver o contraste entre o rei e o “sannyasi”: o rei que tinha tudo, palácios, jóias, cortesões, poder, e o “sannyasi” que tinha apenas duas tangas. O rei o instruiu em relação à verdade. Um dia, enquanto o rei estava lhe ensinando, o palácio pegou fogo. Serenamente o rei continuou com seu ensinamento, enquanto o “sannyasi”, aquele homem santo, ficou grandemente perturbado porque sua outra tanga estava queimando.

Sabem, vocês estão todos nessa posição. Podem não ser possessivos em relação a roupas, casas, amigos, mas há algum objetivo oculto de ganho ao qual vocês se apegam, ao qual se prendem, que está corroendo seus corações e mentes. Enquanto estes venenos inexplorados e ocultos existirem, haverá conflito e sofrimento contínuo.

Interrogante: Você diz que não é filiado a nenhuma organização, contudo, obviamente, está tentando fazer as pessoas pensarem segundo certas linhas. Pode o pensamento do mundo mudar sem uma organização cujo propósito seja trazer suas ideias constantemente a público?

Krishnamurti: Fico me perguntando se estou fazendo você pensar segundo certa linha definida. Espero que não. Estou tentando mostrar que pensar é necessário, estar apaixonado é necessário; e para pensar profundamente e estar grandemente apaixonado, você não pode ter um depósito de reações de autodefesa ou memórias. Certamente quando está apaixonado, você está vulnerável. Se eu só estou fazendo você pensar segundo certas linhas, então, por favor, cuidado comigo, porque assim vou forçá-lo e explorá-lo, e você vai me explorar por seus próprios variados objetivos.

O que estou dizendo é que para viver grandemente, pensar criativamente, a pessoa deve estar completamente aberta para a vida, sem nenhuma reação de autoproteção, como você fica quando está apaixonado. Assim você deve estar apaixonado pela vida. Isto requer grande inteligência, não informação ou conhecimento, mas essa grande inteligência que está desperta quando você encontra a vida abertamente, completamente, quando a mente e o coração estão totalmente vulneráveis à vida.

Você pergunta, “Pode o pensamento do mundo ser mudado sem uma organização cujo propósito seja trazer suas ideias constantemente a público?” Naturalmente não – você deve ter uma organização – isso é óbvio. Então não precisamos discutir isto. Mas quando você fala sobre organização, penso que quer dizer uma coisa completamente diferente. Para converter pessoas a certas crenças, forçá-las, incitá-las pela opinião, pela pressão, a adotarem certo método, certas ideias – para esse propósito a maioria das organizações é formada, não simplesmente para imprimir livros e distribuí-los. É assim que todas as religiões são formadas. É assim que os seguidores destroem os mestres, transformando seus ensinamentos em dogmas absolutos que se tornam a autoridade para exploração. Para esse propósito, a organização do tipo errado é necessária; por outro lado, se você está interessado nestas ideias que estou expondo, naturalmente ajudará a imprimir e distribuir livros, mas sem o desejo de converter, de explorar.

Interrogante: Mesmo depois de ir além da necessidade de autoridade organizada, a maioria das pessoas tem problemas com o conflito interno de escolher entre desejo e medo. Pode você explicar como distinguir, ou o que você considera desejo verdadeiro?

Krishnamurti: Existe tal coisa como desejo verdadeiro? O desejo essencial e o desejo não essencial? Um dia você quer um chapéu, no outro dia um carro, e assim por diante, satisfazendo seus anseios. Contudo no outro dia você quer alcançar a mais elevada verdade ou Deus. Você passa por toda uma série de desejos. O que é o essencial em tudo isto?  Coisas são essenciais; amor é essencial; a compreensão da verdade é essencial. Então por que separar o desejo em falso e verdadeiro, importante e não importante? Você não pode olhar para ele diferentemente, encontrar o desejo inteligentemente? Suas mentes estão tão mutiladas com valores contraditórios que vocês não podem discernir verdadeiramente.

Fico me perguntando se estou explicando isto. Suponha que você é possessivo. Não diga para si mesmo, “Bem, eu ouvi esta tarde que não devo ser possessivo, então vou me livrar desse desejo”. Não desenvolva uma resistência contraditória. Se você é possessivo, esteja completa e integralmente consciente disto; então você verá o que acontece. A mente deve se libertar deste desejo contraditório, o desejo comparativo que é realmente uma reação de autoproteção contra o sofrimento; então você irá discernir toda a significação da avidez. Você só pode compreender a avidez, ou qualquer outro problema, em seu isolamento, não o trazendo para comparação, para oposição. Quando não existe desejo contraditório ou oposto, só então há o discernimento do verdadeiro significado do desejo. A contínua contradição no desejo cria medo, e onde há medo deve haver fuga. E daí resulta uma incessante batalha entre desejo, razão, o impulso de realização, e seus opostos.

Nesta batalha, inteligência, realização verdadeira, está completamente perdida. Enquanto a mente estiver presa no conflito dos opostos, só pode haver uma fuga, uma substituição como o essencial e o não essencial, o falso e o verdadeiro. Nisto não há felicidade criativa.

Interrogante: Não há ocasiões em que a pessoa precisa se separar da confusão exterior para ajudar na realização do verdadeiro ego?

Krishnamurti: Se você coloca as necessidades primeiro, elas então se tornam seus mestres e a inteligência é destruída. Para descobrir suas necessidades é preciso inteligência, porque as necessidades estão mudando constantemente, se renovando constantemente. Mas se você se determina a descobrir exatamente quais são suas necessidades, e descobrindo-as, você se limita àquelas necessidades, então sua vida se tornará muito superficial, estreita, pequena.

Assim, do mesmo modo, se você está buscando solidão simplesmente para descobrir o que a verdade é, então a solidão se torna apenas um meio de fuga. Mas em sua busca durante sua vida ativa surgem naturalmente períodos de solidão. Estes momentos de solidão então não são falsos; são naturais, espontâneos.

Interrogante: Você disse na segunda-feira que para ter verdadeira inteligência, deve-se passar por um estado de grande solidão. Este é o único modo de chegar à verdadeira inteligência?

Krishnamurti: Vamos considerar o que fazemos agora. Estamos buscando segurança, constantemente nos cercando de certezas. Quando chega um estado de total incerteza, dúvida, nos colocamos em fuga. Assim, estabelecemos seguranças, certezas. Por favor, reflita e você verá que é assim. E só quando você está despido de toda esperança, no sentido de segurança, certeza, só quando você está completamente nu, despido de todas as medidas de proteção e reações, é que há o êxtase da verdade. Nesses momentos de completa solidão, que só chegam quando todas as fugas e sua significação foram verdadeiramente discernidas, está a ventura do presente.

15 de março de 1935.