Stresa, Itália – 2ª palestra 8 de julho, 1933.
Pergunta: O senhor nunca viveu a vida de um homem pobre; sempre teve a segurança invisível dos seus amigos ricos. Fala da absoluta abdicação de qualquer tipo de segurança na vida, mas milhões de pessoas vivem sem essa segurança. O senhor diz que uma pessoa não se pode aperceber do que não experimentou; consequentemente, o senhor não pode saber o que a pobreza e a insegurança física realmente são.
Krishnamurti: Esta é uma pergunta que frequentemente me fazem; já a respondi muitas vezes antes, mas fá-lo-ei de novo.
Primeiramente, quando falo de segurança, quero dizer a segurança que a mente estabelece para seu próprio conforto. O homem deve ter segurança física, algum conforto físico, para existir. Portanto, não confundam as duas. Cada um de vocês procura não só uma segurança física mas também uma segurança mental, e nessa procura estão a estabelecer autoridades. Quando percebem a falsidade da segurança que procuram, então essa segurança deixa de ter qualquer valor; então apercebem-se que apesar de ter que haver um mínimo de segurança física, mesmo essa segurança não pode ter senão pouco valor. Então já não concentram mais toda a vossa mente e o coração na aquisição constante de segurança física.
Colocarei a questão de forma diferente, e espero que fique clara; mas qualquer coisa que se diga pode facilmente ser mal interpretada. Tem que se passar através da ilusão das palavras para descobrir o pensamento que o outro deseja transmitir. Espero que tentem fazer isso durante esta conversa.
Eu digo que a vossa persecução da virtude, que é apenas o oposto daquilo a que chamam vício, é simplesmente uma busca de segurança. Porque têm um conjunto de padrões na vossa mente, procuram a virtude pela satisfação que dela conseguem; porque para vocês virtude é apenas um meio de adquirir segurança. Não tentam adquirir virtude pelo seu valor intrínseco, mas pelo que lhes dá em troca. As vossas ações, no entanto, estão apenas relacionadas com a persecução da verdade; em si próprias isentas de valor. A vossa mente está constantemente à procura da virtude para obter, através dela, outra coisa, e assim a vossa ação é sempre um objetivo intermédio para uma ulterior aquisição.
Talvez a maior parte dos que aqui estão estejam à procura de uma segurança espiritual mais do que de uma segurança física. Procuram segurança espiritual ou porque já possuem segurança física – uma abastada conta bancária, uma posição segura, uma alta posição na sociedade – ou porque não podem alcançar segurança física e por isso voltam-se para a segurança espiritual como um substituto. Mas para mim não existe essa coisa de segurança, um abrigo em que a nossa mente e emoção possa sentir conforto. Quando se aperceberem disso, quando a vossa mente estiver livre da ideia de conforto, então não se apegarão à segurança como fazem agora.
Perguntam-me como posso entender a pobreza se não a experimentei. A resposta é simples. Uma vez que não procuro segurança nem física nem mental, não tem qualquer importância para mim se são os meus amigos que me dão comida, ou se trabalho para a ter. É de muito pouca importância para mim se viajo ou não viajo. Se me pedem, venho; se não me pedem, não faz qualquer diferença para mim. Porque eu sou rico em mim mesmo (e não digo isto com presunção), porque não procuro segurança, tenho poucas necessidades físicas. Mas se eu procurasse o conforto físico, eu daria ênfase às necessidades físicas, daria ênfase à pobreza.
Olhemos para isto de uma maneira diferente. A maioria das nossas desavenças no mundo dizem respeito à posse ou não posse; dizem respeito à aquisição disto e à proteção daquilo. Então porque colocamos tal ênfase na posse? Fazemo-lo porque a posse nos dá poder, prazer, satisfação; dá-nos uma certa garantia de individualidade e proporciona-nos margem de manobra para a nossa ação, para a nossa ambição. Colocamos ênfase na posse devido ao que dela obtemos.
Mas se nos tornarmos ricos em nós mesmos, então a vida fluirá através de nós harmoniosamente; então a posse ou a pobreza já não serão de grande importância para nós. Porque colocamos ênfase na posse, perdemos a riqueza da vida; ao passo que, se fossemos completos em nós mesmos, descobriríamos o valor intrínseco de todas as coisas e viveríamos em harmonia de mente e coração.