Primeira Palestra em Oak Grove,

Ojai, Califórnia

É meu propósito durante estas palestras, não tanto fornecer um sistema de pensamento, mas despertar o pensamento, e para isso vou fazer certas afirmações, naturalmente não dogmáticas, que espero que vocês considerem, e ao considerá-las, surgirão muitas perguntas; se vocês gentilmente as fizerem para mim, tentarei respondê-las, e assim, podemos discutir mais o que tenho a dizer.

Eu me pergunto, por que a maioria de vocês vem aqui? Presumivelmente vocês estão buscando alguma coisa. E o que estão buscando? Vocês não podem responder, naturalmente, porque as buscas variam, o objeto de suas buscas varia; o objeto de suas buscas muda constantemente, de modo que vocês não sabem definitivamente o que buscam, o que querem. Mas vocês, infelizmente, desenvolveram um hábito de ir de um suposto líder espiritual para outro, de aderir a várias organizações, sociedades, e de seguir sistemas; em outras palavras, tentar descobrir o que lhes dá maior e maior satisfação, excitação.

Este processo de ir de uma escola de pensamento para outra, de um sistema de pensamento a outro, de um mestre para outro, você chama de busca da verdade. Em outras palavras, você fica indo de uma ideia para outra ideia, de um sistema de pensamento para outro, acumulando, esperando compreender a vida, tentando penetrar em seu significado, suas disputas, o tempo todo afirmando que encontrou alguma coisa.

Agora, eu não quero que vocês digam ao final de minhas palestras, que encontraram alguma coisa, porque no momento em que você descobre algo, já está perdido; isto é uma âncora na qual a mente se prende e, portanto, aquele eterno movimento, esta busca verdadeira da qual vou falar, cessa. E muitas mentes estão em busca de um objetivo definitivo, com este desejo definitivo de encontrar, e quando é estabelecido este desejo, você encontrará alguma coisa. Mas não será uma coisa viva, será uma coisa morta que você encontrará, e então você deixará isso de lado e se voltará para outra coisa e este processo de continuamente escolher, continuamente descartar, você chama de adquirir sabedoria, experiência, ou verdade.

Provavelmente a maior parte de vocês veio aqui com esta atitude, consciente ou inconscientemente, assim seu pensamento é usado meramente para buscar esquemas e confirmações, no desejo de aderir a um movimento ou formar grupos, sem a clareza do fundamental ou tentando compreender o que essas coisas fundamentais da vida significam. Então como eu disse, não estou apresentando um ideal a ser imitado, uma meta a ser alcançada, mas meu propósito é antes despertar esse pensamento pelo qual a mente pode se liberar destas coisas que estabelecemos, que tomamos como verdadeiras.

Ora, cada pessoa tenta imortalizar o produto do ambiente; essa coisa que é o resultado do ambiente, nós tentamos tornar eterna. Isto é, os vários medos, esperanças, anseios, preconceitos, gostos, visões pessoais, que glorificamos como nosso temperamento – estes são, afinal, o resultado, o produto do ambiente; e o fardo destas memórias, que é o resultado do ambiente, o produto das reações ao ambiente, este fardo se torna essa consciência que chamamos “eu”. Não é assim? Toda disputa é entre o resultado do ambiente com o qual a mente se identifica e se torna o “eu”, entre isso, e o ambiente. Afinal, o “eu”, a consciência com a qual a mente se identifica, é resultado do ambiente. A disputa acontece entre esse “eu” e o ambiente em constante mudança.

Você está sempre procurando imortalidade para este “eu”. Em outras palavras, a falsidade tenta se tornar o real, o eterno. Quando você compreende o significado do ambiente, não há reação e, portanto, não há conflito entre a reação, isto é, entre o que chamamos “eu” e o criador da reação, que é o ambiente. Assim, esta procura pela imortalidade, este anseio para estar seguro, para perdurar, é chamado de processo de evolução, processo de alcançar a verdade ou Deus ou a compreensão da vida. E qualquer um que lhe ajude nisto, que lhe ajude a imortalizar a reação que chamamos de “eu”, você transforma em seu redentor, seu salvador, seu Mestre, seu professor, e você segue o sistema dele. Você o segue com pensamento ou sem pensamento; com pensamento quando pensa que está seguindo com inteligência porque ele vai levá-lo à imortalidade, à realização desse êxtase. Isto é, você quer um outro que imortalize para você essa reação que é o resultado do ambiente, que é em si mesmo inerentemente falso. A partir do desejo de imortalizar aquilo que é falso, você cria religiões, sistemas sociológicos e divisões, métodos políticos, panaceias econômicas e padrões morais. Então, gradualmente, neste processo de desenvolver sistemas para tornar o indivíduo imortal, duradouro, seguro, o indivíduo fica completamente perdido, e entra em conflito com as criações de sua própria procura, com as criações nascidas de seu anseio de estar seguro e que ele chama de imortalidade.

Afinal, por que deveriam existir religiões? As religiões como divisões de pensamento cresceram, foram glorificadas e alimentadas por conjuntos de crenças porque existe este desejo que você realizará, que você alcançará, que haverá imortalidade.

E novamente, padrões morais são meramente criações da sociedade, de modo que o indivíduo possa ser mantido na sua dependência. Para mim, a moralidade não pode ser padronizada. Não pode haver moralidade e padrões ao mesmo tempo. Só pode haver inteligência, que não é, que não pode ser padronizada. Mas nós veremos isso em minhas próximas palestras.

Assim, esta contínua busca em que cada um de nós está preso, a busca da felicidade, da verdade, da realidade, da saúde – este desejo contínuo é cultivado por cada um de nós a fim de sermos seguros, permanentes. E a partir dessa busca por permanência, deve haver conflito, conflito entre o resultado do ambiente, que é o “eu”, e o próprio ambiente.

Ora, se você pensar nisto, o que é o “eu”? Quando você fala sobre “eu”, “meu”, minha casa, meu divertimento, minha esposa, meu filho, meu amor, meu temperamento, o que é isso? Não é nada mais que o resultado do ambiente, e existe um conflito entre esse resultado, o “eu”, e o próprio ambiente. O conflito só pode, e inevitavelmente deve existir entre o falso e o falso, não entre verdade e o falso. Não é assim? Não pode haver conflito entre o que é verdadeiro e o que é falso. Mas pode haver conflito e deve haver conflito entre duas coisas falsas, entre os graus de falsidade, entre os opostos.

Então, não pense que esta disputa entre o ego e o ambiente, que você chama de disputa verdadeira, é verdadeira. Não existe uma disputa acontecendo em cada um de vocês, entre você mesmo e seu ambiente, suas circunstâncias, seu marido, sua esposa, filho, vizinho, sua sociedade, suas organizações políticas? Não há uma constante batalha ocorrendo? Você considera essa batalha necessária a fim de lhe ajudar a concretizar a felicidade, verdade, imortalidade, ou êxtase. Explicando diferentemente: o que você considera ser a verdade não é nada mais que autoconsciência, o “eu”, que está o tempo todo tentando se tornar imortal, e o ambiente que eu digo é o contínuo movimento do falso. Este movimento do falso se torna seu ambiente sempre mudando, o que é chamado de progresso, evolução. Então para mim, felicidade, ou verdade, ou Deus, não pode ser encontrada como a consequência do resultado do ambiente, o “eu”, as condições continuamente mudando.

Tentarei explicar outra vez, diferentemente. Existe conflito, do qual cada um de vocês está cônscio, entre você mesmo e o ambiente, as condições. Ora, você diz para si mesmo, “Se eu puder conquistar o ambiente, superá-lo, dominá-lo, eu descobrirei, eu compreenderei”; então há sempre esta contínua batalha acontecendo entre você mesmo e o ambiente.

Ora, o que é o “você mesmo”? Não é nada além do que o resultado, o produto do ambiente. Então, o que você está fazendo? Está combatendo uma coisa falsa com outra coisa falsa, e o ambiente será falso enquanto você não compreendê-lo. Portanto, o ambiente está produzindo essa consciência que você chama de “eu”, que está constantemente tentando se tornar imortal. E para fazê-lo imortal deve haver muitos caminhos, muitos meios, e assim, você tem religiões, sistemas, filosofias, todos os transtornos e barreiras que você criou. Por isso, deve haver conflito entre o resultado do ambiente e o próprio ambiente e, como eu disse, só pode haver conflito entre o falso e o falso; nunca entre a verdade e o falso. Por outro lado, em suas mentes existe esta ideia firmemente estabelecida de que nesta disputa entre o resultado do ambiente, que é o “eu”, e o ambiente em si, está o poder, a sabedoria, o caminho da eternidade, da realidade, verdade e felicidade.

Nosso interesse vital deveria ser com este ambiente, não com o conflito, não em como superá-lo, como fugir dele. Questionando o ambiente e tentando compreender seu significado, descobriremos seu verdadeiro valor. Não é assim? A maioria de nós está enredada, presa no processo de tentar superar, fugir das circunstâncias, do ambiente; não estamos tentando compreender o que isto significa, qual a sua causa, sua significação, seu valor. Quando você vê a significação do ambiente, isto significa ação drástica, uma tremenda revolução na sua vida, uma mudança de ideias completa e revolucionária, onde não existe autoridade nem imitação. Mas muito poucos querem ver a significação do ambiente, pois isto significa mudança, uma mudança radical, uma mudança revolucionária, e muito poucas pessoas querem isso. Assim muitas pessoas, grande número de pessoas, estão interessadas na evasão do ambiente; elas o ocultam, ou tentam encontrar novas substituições livrando-se de Jesus Cristo e estabelecendo um novo salvador; buscando novos mestres em lugar dos antigos, mas elas nunca investigam se realmente necessitam de um guia. Só isto ajudaria, só isto daria a verdadeira significação dessa exigência particular.

Assim, onde existe uma busca por substituição, deve haver autoridade, seguir uma liderança, e com isso o indivíduo se torna não mais que um dente no mecanismo social e religioso da vida. Se você olhar com cuidado, verá que sua busca é apenas uma busca de conforto e segurança e fuga; não uma busca de compreensão, não uma busca da verdade, mas antes uma busca de evasão e, portanto, uma busca pela conquista de todos os obstáculos; afinal, toda conquista não é mais que substituição, e na substituição não há compreensão.

Há fugas através das religiões, com seus editos, padrões morais, medos, autoridades; e fugas através da autoexpressão – o que chamamos de autoexpressão, o que a grande maioria das pessoas chama de autoexpressão, é apenas reação contra o ambiente – autoexpressão através da arte, da ciência, de várias formas de ação. Aqui não estou incluindo as verdadeiras, espontâneas expressões da beleza, da arte, da ciência, estas são completas nelas mesmas. Estou falando do homem que busca estas coisas como meio de autoexpressão. Um verdadeiro artista não fala sobre sua autoexpressão, ele expressa aquilo que sente intensamente, mas há tantos artistas espúrios, como as pessoas religiosas espúrias, que ficam todo o tempo buscando autoexpressão como meio de conseguir alguma coisa, alguma satisfação que não podem encontrar no ambiente em que vivem.

Através desta busca de segurança e permanência, estabelecemos religiões com todas as suas futilidades, divisões, explorações, como meios de fuga e esses meios de fuga se tornam tão vitais, tão importantes, pois manejar o ambiente, isto é, as condições em torno de nós, exige tremenda ação, ação voluntária, dinâmica, e muito poucos querem assumir tal ação. Ao contrário, você quer ser forçado a uma ação pelo ambiente, pelas circunstâncias, ou seja, se um homem se torna altamente moral e virtuoso pela depressão, você diz que beleza de homem ele é, como ele mudou. Para essa mudança você depende do ambiente, e enquanto existe dependência do ambiente para a ação correta, deve haver meios de fuga, substituições, chame-as de religião ou o que quiser. Por outro lado, para o verdadeiro artista que também é verdadeiramente espiritual há expressão espontânea, que em si mesma é suficiente, completa, íntegra.

Então, o que vocês estão fazendo? O que está acontecendo com cada um de vocês? O que vocês estão tentando fazer em suas vidas? Vocês estão buscando; e o que estão buscando? Há um conflito entre você mesmo e o constante movimento do ambiente. Você está buscando um meio de subjugar esse ambiente, de modo a perpetuar seu próprio ego que não é nada mais que o resultado desse meio; ou, porque você foi muitas vezes contrariado pelo ambiente, o que o impede de se autoexpressar, como você diz, procura novos meios de autoexpressão através de serviço humanitário, ajustes econômicos, e todo o resto.

Cada pessoa tem que descobrir o que está buscando; se não está buscando, então há satisfação e decadência. Se existe conflito, existe o desejo de superar, fugir desse conflito, dominá-lo. E como eu disse, o conflito só pode existir entre duas coisas falsas, entre essa suposta realidade que você chama de “eu”, que para mim não é nada mais que o resultado do ambiente, e o próprio ambiente. E, por isso, se sua mente está meramente interessada na superação dessa batalha, então você está perpetuando a falsidade, portanto, há mais conflito, mais sofrimento. Mas se você compreende a significação do ambiente, ou seja, riqueza, pobreza, exploração, opressão, nacionalidades, religiões, e todas as futilidades da vida social na existência moderna, não tentando superá-las, mas vendo sua significação, então pode haver ação individual, e completa revolução de ideias e pensamento. Então não há mais uma disputa, mas antes, luz dissipando a escuridão. Não existe conflito entre luz e  escuridão. Não existe conflito entre verdade e aquilo que é falso. Só há conflito onde há opostos.

16/06/1934.