Conversa com homens de negócios

Auckland

Amigos,

Eu acho que a maioria de nós pensa que o mundo seria maravilhoso se não existisse de fato a exploração, o mundo seria esplêndido se todo ser humano tivesse a capacidade de viver naturalmente, integralmente, e humanamente. Porém há muito poucos que querem fazer algo sobre isso. Como ideais, como uma utopia, como um sonho, todos se entregam a isso, mas poucos desejam agir. Você não pode realizar uma utopia nem pode haver a cessação da exploração sem ação.

Agora, pode haver ação, ação coletiva, somente se há antes de tudo um pensamento individual fora desse problema. Todo ser humano, em momentos de sanidade, sente horror à exploração, seja pelo sacerdote, pelo homem de negócios, pelo médico, pelo político, ou por qualquer pessoa. Se nós paramos pra pensar um pouco sobre isso, todos nós sentimos profundamente, em nossos corações, a crueldade terrível da exploração. E ainda cada um é apanhado nessa engrenagem, nesse sistema de exploração, e ficamos esperando por algum milagre, que um novo sistema passará a existir. E então, individualmente, sentimos que devemos esperar, deixar as coisas tomarem seu curso natural, e por alguns meios extraordinários um novo mundo começará a existir. Certamente o homem deve começar criar algo novo, um novo mundo, uma nova concepção de organização. Isto é, os homens de negócios, ou qualquer um em particular, deve começar a descobrir se suas ações de fato estão baseadas na exploração.

Agora, como eu disse, existe a exploração do líder espiritual baseada no temor, existe a exploração do homem de negócios baseada em seu próprio engrandecimento, no acúmulo de riqueza, na ganância, em formas sutis de egoísmo e segurança; e como vocês todos aqui são supostamente homens de negócios, com certeza não podem deixar todos os problemas de lado e se preocupar totalmente com o trabalho. Afinal de contas, homens de negócios são seres humanos, e seres humanos, enquanto explorados, constantemente terão esse espírito rebelde. Somente quando houver alcançado um certo nível, onde se está bastante seguro, que você esquece tudo sobre essa condição, sobre mudar o mundo, ou trazer uma certa atitude de ação espontânea em relação à vida. Porque alcançamos um certo estágio de segurança, esquecemos, e achamos que está tudo bem; mas por trás de tudo isso se pode sentir que não pode haver felicidade, felicidade humana, enquanto houver exploração.

Agora pra mim, a exploração nasce quando as pessoas almejam mais do que suas necessidades essenciais; e para se descobrir sua essencial necessidade requer-se muita inteligência, não é possível ser inteligente enquanto suas necessidades são os resultados da busca de segurança ou conforto. Naturalmente é necessário ter comida, abrigo, roupa, e tudo mais; mas fazer com que isso seja possível para todos, é preciso que as pessoas comecem a perceber suas próprias necessidades, as necessidades que são humanas, e organizar todo o sistema de pensamento e ação, e então só assim pode estar lá a verdadeira felicidade criativa no mundo.

Mas o que está acontecendo? Estamos lutando entre nós o tempo todo, nos impelindo, existe uma competitividade contínua, onde cada um se sente inseguro, e ainda continuamos à deriva, sem tomar uma ação definitiva. Ou seja, ao invés de ficar à espera que um milagre aconteça para alterar esse sistema, é necessário uma mudança completa e revolucionária – a qual cada um a reconheça.

Embora possamos ter um pouco de medo de uma revolução mundial, nós todos reconhecemos a imensa necessidade de uma mudança. E ainda, individualmente, nós somos incapazes de provocar essa mudança, porque como indivíduos não nos demos conta, nós não tentamos saber o motivo desse processo contínuo de exploração. Quando as pessoas são realmente inteligentes, elas criam uma organização que irá fornecer as necessidades essenciais para a humanidade não baseadas na exploração. Não podemos viver isoladamente separados da sociedade. Sociedade é o indivíduo e enquanto os indivíduos estão continuamente e meramente à procura de sua própria segurança, para si mesmo ou seus familiares, existe um sistema de exploração.

E não pode haver verdadeira felicidade no mundo se os indivíduos, como vocês mesmos, tratam os assuntos do mundo, os assuntos humanos, à parte dos negócios. Ou seja, vocês não podem ser, se assim posso dizer, nacionalistas predispostos, e ainda assim falar sobre a liberdade de comércio. Você não pode considerar a Nova Zelândia como o país mais importante e então rejeitar todos os outros países, porque você pessoalmente sente a necessidade para sua própria segurança. Ou seja, senhores, se é que eu posso colocar desta forma, pode haver liberdade de comércio, desenvolvimento das indústrias, e assim por diante, somente quando não houver nacionalistas no mundo. Penso que é óbvio. Enquanto existem barreiras tarifárias protegendo cada país deve haver guerras, confusão e caos; mas se nós estivéssemos aptos a tratar o mundo inteiro, não dividido em nacionalidades, em classes, mas como uma entidade humana; não dividido por seitas religiosas, pela classe capitalista e a classe trabalhadora; Então, somente haverá a possibilidade de uma real liberdade no comércio, na cooperação. Para que isso aconteça você não pode simplesmente pregar ou participar de encontros. Não pode haver um mero prazer intelectual dessas ideias, dever haver ação; e para que isso aconteça, devemos começar individualmente, embora possamos sofrer por isso. Devemos criar uma opinião inteligente, e assim teremos um mundo onde a individualidade não é esmagada, pressionada a um determinado padrão, mas que se torna um meio de expressão de vida; não massificada, a um formato condicionado que chamamos de seres humanos. A maioria das pessoas querem e percebem que deve haver uma completa mudança. Eu não posso ver nenhuma maneira que não seja começando como indivíduos, e então essa opinião distinta virá a ser a realização da humanidade.

Interrogante: Que significado inteligível, se posso perguntar, você atribui à ideia de um Deus masculino como postulado praticamente por todo o clero cristão, e arbitrariamente imposto sobre as massas durante a Idade Média até o presente momento? Um Deus concebido em termos do sexo masculino deve por todos os cânones da lógica e sensatez, ser pensado, suplicado, importunado e adorado em termos de personalidade. E um Deus pessoal – pessoal como nós seres humanos somos- deve ser limitado no tempo, espaço, poder, e propósito e um Deus tão limitado pode não ser Deus absolutamente. No extremo aspecto dessa imposição colossal, arbitrariamente imposto sobre as massas, não é de admirar que o mundo se encontra em sua presente condição catastrófica? Deus, ser Deus, deve na realidade sóbria e sã, ser a absoluta e infinita totalidade da existência, ambos negativo e positivo. Não é isso?

Krishnamurti: Senhor, por que você quer saber se Deus é masculino ou feminino? Por que perguntamos? Por que tentamos descobrir se existe um Deus, se ele é pessoal, se ele é masculino? Não é porque sentimos a insuficiência da vida? Achamos que se podemos descobrir o que essa imensa realidade é, então podemos moldar nossa vida de acordo com essa realidade; então começamos a preconceber o que essa realidade precisa ou deve ser, e moldamos essa realidade de acordo com nossas fantasias e caprichos, de acordo com nossos preconceitos e temperamentos. Começamos a construir por uma série de contradições e oposições, uma ideia que pensamos do que Deus deveria ser; e para mim tal Deus não é Deus em absoluto. É um meio humano de fuga das constantes batalhas da vida, disso que nós chamamos de exploração, das futilidades da vida, da solidão, das tristezas. Nosso Deus é apenas um meio de escape dessas coisas, ao passo que para mim, existe algo muito mais fundamental, real. Digo, há algo semelhante a Deus, não vamos investigar o que é. Você vai descobrir se você começar realmente a entender o extremo conflito que está danificando a mente e o coração: Essa luta contínua pela auto-segurança, esse horror da exploração, guerras e nacionalidades, e os absurdos das religiões organizadas. Se nós podemos enfrentá-los e entendê-los, então iremos descobrir o verdadeiro significado ao invés de especular; o real significado da vida, o real significado de Deus.

Interrogante: Você segue Mohammed, ou Cristo?

Krishnamurti: Posso perguntar por que deve-se seguir um ou outro? Afinal de contas, verdade ou Deus não é pra ser encontrada imitando outro: Assim iremos apenas nos tornarmos máquinas. De fato, precisamos como seres humanos, pertencermos a alguma seita, seja o Islamismo, o Cristianismo, o Hinduísmo, ou o Budismo? Se você estabelecer uma pessoa como seu salvador, ou como seu guia, então haverá exploração, haverá a formação do mundo em uma determinada seita limitada. Considerando que se não definirmos ninguém como autoridade, mas se descobrirmos o que eles dizem, ou que qualquer ser humano diz, então vamos perceber algo duradouro; mas meramente seguindo outro, isso não nos levará a lugar algum. Creio que todos vocês são Cristãos, e vocês dizem que são seguidores de Cristo. Vocês são? São seres humanos, seja pertencendo ao Cristianismo, Islamismo ou Budismo realmente seguindo aos seus líderes? Isso é impossível. Não. Então por que vocês se chamam por nomes diferentes e se separam? Visto que, se realmente alteramos o ambiente no qual nos tornamos escravos, então devemos ser realmente deuses de nós mesmos, sem seguir alguém. Pessoalmente, eu não pertenço a nenhuma seita, grande ou pequena. Eu encontrei a verdade, Deus, ou como vocês preferem chamar, mas eu não posso transmitir isso pra ninguém. Só se pode apenas descobrir através de uma completa inteligência, e não através da imitação de certos princípios, crenças e personagens.

Interrogante: Existe uma força exterior ou influência conhecida como organização perversa?

Krishnamurti: Existe? O homem de negócios moderno, o nacionalista, o seguidor da religião- Eu chamo a essas pessoas de perversas, organizações perversas; porque, senhores, individualmente criamos esses horrores no mundo. Como é que as religiões passam a existir com seus poderes para explorar as pessoas sem piedade através do medo? Como elas têm crescido em máquinas tão formidáveis? Nós individualmente as temos criado através de nosso medo do futuro. Não que não exista futuro, que é uma coisa completamente diferente. Nós criamos e estamos presos nessa máquina; e só poucos, muito raros romperam com isso, e essas pessoas são quem vocês chamam de Cristo, Budha, Lenin, or X, Y,Z.

Então, há o mal da sociedade como ela é. É uma organização, uma máquina opressiva para controlar seres humanos. Você acha que se os seres humanos forem libertados eles se tornarão perigosos, farão todos os tipos de horrores; então você diz,” Vamos controlá-los socialmente, pela tradição, pela opinião, pela limitação da moralidade”; e é a mesma coisa economicamente. Então gradualmente essas perversidades se tornam aceitas como normais, saudáveis. Sem dúvida, é óbvio que através da educação, somos feitos para se encaixar em um sistema onde vocação pessoal nunca é pensada. Você é feito pra se encaixar em algum trabalho; e assim criamos uma vida dupla, ao longo de nossas vidas, nossos negócios das 10 até as 17, ou seja que for, que nada tem a ver com a outra, a nossa vida privada, social, doméstica. Então vivemos continuamente em contradição, indo ocasionalmente, se é de interesse, na igreja, estar na moda, ir ao espetáculo. Indagamos na realidade por Deus, quando há momentos de conflito, momentos de opressão, momentos em que há uma colisão. Nós dizemos, “Deve haver alguma realidade. Por que vivemos?” Assim gradualmente criamos em nossas vidas uma dualidade, e por isso nos tornamos tão hipócritas.

Então para mim, existe uma crueldade. É a crueldade da exploração engendrada por indivíduos através de seus desejos por segurança, autopreservação a todo custo, independente de todos os seres humanos, e nisso não há afeição, amor verdadeiro, mas apenas possessividade, isso que chamamos de amor.

Interrogante: Você pode nos dizer como você chegou nesse grau de compreensão?

Krishnamurti: Receio que leve muito tempo, e pode ser muito pessoal. Primeiramente, senhores, eu não sou um filósofo, eu não sou um estudante de filosofia. Eu acho que aquele que é apenas um estudante de filosofia já está morto. Mas eu vivi com todos os tipos de pessoas, e fui criado, como talvez vocês saibam, para cumprir determinada função, um certo dever. Novamente tendendo a ser explorador. Eu fui também o cabeça de uma imensa organização em todo o mundo para fins espirituais; e eu vi a falácia disso, porque não se pode levar os homens à verdade. Você pode torná-los inteligentes pela educação, que não tem nada a ver com os sacerdotes e seus meios de exploração – cerimônias. Então eu dispersei essa organização; e, vivendo com pessoas, não tendo uma ideia fixa sobre a vida, ou uma mente vinculada a uma certa experiência tradicional, comecei a descobrir o que pra mim, é verdade: Verdade para todos – uma vida que se possa viver de forma saudável, de forma sã, humanamente; não baseada na exploração, mas nas necessidades. Eu sei o que preciso, e não é muito, assim se eu trabalho para isso fazendo um jardim, falando, ou escrevendo, isso não é de grande importância.

Antes de tudo, pra descobrir qualquer coisa, deve haver um grande descontentamento, um grande questionamento, infelicidade; e muito poucas pessoas no mundo, quando estão descontentes querem acentuar essa insatisfação, e desejam passar por ela para descobrir. Elas geralmente querem o oposto. Se estão descontentes, querem felicidade; enquanto que para mim – pessoalmente – não quis o oposto. Eu quis descobrir, e então gradualmente, através de vários questionamentos e atritos contínuos, eu vim a perceber  o que se pode chamar de verdade ou de Deus. Espero que eu tenha respondido.

Intervenção: Fale-nos de sua opinião sobre a vida após a morte.

Krishnamurti: Não é extraordinário! Supostamente esse encontro é para pessoas de negócios, e estamos falando sobre vida após a morte, Deus, e outras coisas. Isso indica que não estamos totalmente interessados em negócios; estamos interessados neles como um meio de mera obtenção de dinheiro para existir; e nossos interesses humanos estão separados de nossa vida diária.

Agora, no que diz respeito ao que se encontra na vida após a morte. Talvez você tenha lido o que alguns dos grandes cientistas na Europa estão dizendo: Que existe uma continuidade depois da morte. Outros negam com a mesma ênfase. É bastante óbvio que há um tipo de continuidade, seja do pensamento-forma da entidade que morre, ou a expressão do mundo do pensamento, e assim por diante.

Agora, vamos descobrir, investigar o que chamamos de individualidade. Quando perguntamos, “Há vida após a morte?” Por que perguntamos isso? Porque você quer saber se vai continuar como o Sr. X quando você morre; ou quer saber porque você ama uma pessoa tremendamente e essa pessoa morreu. Então vamos descobrir o que é isso que chamamos individualidade, que é meu irmão, minha esposa, meu filho, ou eu mesmo, o que é? Quando você fala sobre Sr. X, o que é o Sr. X? Não é a forma, o nome, certos preconceitos, uma determinada conta bancária, uma determinada distinção de classe? Ou seja, o Sr. X se tornou o ponto de foco dessa condição da sociedade.

Espero que eu esteja conseguindo explicar. Vou colocar dessa maneira: Um indivíduo normal, agora como ele é, nada mais é senão o ponto de foco do meio, da sociedade, da religião, de decretos morais e condições econômicas- como indivíduo normal, ele está lá. Não é assim? Esse ponto de foco, com suas contradições, preconceitos, esperanças, anseios, medos, gostos e desgostos, que constitui esse conjunto que chamamos um indivíduo como Sr. X. Agora, queremos saber se esse Sr. X viverá após a morte. Há a possibilidade de que ele possa viver, e ele vive agora. Espere. Isso não tem importância, não é? Porque o que chamamos de indivíduo não é outra coisa senão o resultado do falso meio. Esse ponto de foco do estado presente da individualidade é realmente falso, não é? Um homem comum tem que lutar neste mundo para viver. Ele deve ser competitivo, implacável, e deve pertencer a certa classe social, burguesa, proletária, capitalista; ou ele pertence a certas religiões, seitas, chamadas por diversos nomes, Cristianismo, Hinduismo, Budismo, e assim por diante. Certamente esses ambientes são falsos quando eu devo lutar contra meu vizinho impiedosamente para viver. Não há algo de deplorável em tal estado? Não há algo anormal em nos dividir em distinções sociais? Não há algo grosseiro quando temos que nos chamarmos Cristãos, Hindus, Muçulmanos ou Budistas?

Então esses falsos ambientes criam atritos na mente, e a mente se identifica com esse conflito, se identifica como Sr. X. E aí surge a pergunta, “O que está acontecendo? Devo ou não viver?” Como digo, existe a possibilidade que eles possam viver, mas nessa vida não há felicidade, inteligência criativa, alegria, ela é uma batalha contínua. Considerando que se entendermos o significado de todos esses meios embotados na mente – o religioso, o social, e o econômico – e assim libertar a mente do conflito, iremos descobrir que há um outro foco, uma individualidade completamente diferente. Essa individualidade é a eterna expressão da vida em si mesma, e nela não há morte, não há começo nem fim; há uma concepção mais ampla da vida. Ao passo que, nessa falsa individualidade deve haver morte, deve haver investigação contínua se vou viver ou não. O medo é contínuo, assombroso, perseguidor.

Interrogante: Você acha que os sistemas sociais do mundo irão evoluir para um estado de fraternidade global, ou será trazida por meio de instituições parlamentares, pela educação?

Krishnamurti: Da maneira que a sociedade está organizada, não é possível ter uma fraternidade global. Você não pode continuar a ser um neozelandês e eu um hindu, e falar sobre fraternidade. Como pode haver fraternidade realmente se você está restrito pelas condições econômicas, por esse patriotismo que é algo tão falso? Ou seja, como pode haver fraternidade se você permanece como um neozelandês, apegado aos seus próprios preconceitos, suas barreiras tarifárias e todo o resto; e eu um hindu morando na Índia, com meus preconceitos? Podemos falar de tolerância, deixando um ao outro só, ou eu enviando-lhe meus missionários e você me enviando os seus, não pode haver fraternidade. Como pode haver fraternidade enquanto você é cristão e eu sou hindu, quando você é um pregador dominante e eu também sou pregador dominante de um outro modo, enquanto você tem uma forma de adoração e eu tenho outra? O que não significa que você deve aderir a minha forma de adoração ou que eu deva aderir a sua.

Assim, como as coisas estão, elas não irão resultar em fraternidade. Pelo contrário, existe os nacionalismos, os governos mais soberanos que são apenas instrumentos de guerra. Então como as instituições sociais existem, elas não podem evoluir para algo esplêndido, porque a sua própria base, o seu fundamento está errado; e seus parlamentos, sua educação baseada nessas ideias, não irá trazer fraternidade. Olhe para todas as nossas nações. O que elas são? Nada, mas instrumentos de guerra. Um país é melhor que o outro, um derrotando o outro, a inflamar essa coisa falsa que chamam de patriotismo. Por favor, você gosta de certos países, certos países são mais bonitos que outros, e você os aprecia. Você gosta da beleza, como o desfrutar de um pôr do sol, seja aqui, na Europa ou na América. Não há nada de nacionalista, nenhum sentimento patriótico por trás disso, você aprecia. Patriotismo só vem quando as pessoas começam a usar o seu gozo para um propósito. E como pode haver uma verdadeira fraternidade através do patriotismo, quando toda forma de governo é baseada em distinção de classes, quando uma classe possui regras de tudo e a outra não tem nada, ou envia representantes que não têm nada para o parlamento? Certamente que essa abordagem ao estado humano, a unidade humana é impossível. É tão óbvio que não precisa de discussão.

Enquanto houver distinção de classes instigando em nacionalidades baseada na exploração pela classe dominante, ou pela classe que tem os meios de produção em suas mãos, haverá guerras, e através de guerras não se obtém fraternidade. Isso é óbvio. Podemos ver na Europa a partir da guerra: Mais sentimento nacionalista, mais patriotismo, elevadas barreiras tarifárias. Isso certamente não vai trazer fraternidade. Pode trazer fraternidade no sentido que terá uma grande catástrofe e as pessoas irão acordar e dizer “Pelo amor de Deus, vamos acordar e ser sensatos”. Quem sabe isso possa trazer fraternidade; mas nacionalidades não vão trazer fraternidade, nada mais que distinção entre religiões, que são realmente, se pensarmos sobre isso, baseadas num egoísmo refinado. Todos queremos estar seguros no céu – seja o que for esse lugar – salvos, seguros, certos, e então criamos instituições, organizações, para trazer a certeza e apelamos a essas religiões, e desse modo aumenta a exploração. Considerando que se nós realmente enxergarmos a falsidade de todas essas coisas, não apenas percebê-las intelectualmente, mas realmente senti-las completamente com a nossa mente e nosso coração, então existe uma possibilidade de fraternidade. Se percebemos isso e agimos, então há um voluntário, um verdadeiro ato moral. Eu chamo de um verdadeiro ato moral quando percebemos algo por inteiro e agimos, e não quando forçados por circunstâncias, ou quando é provocada uma fraternidade forçada pela pura necessidade brutal da vida. Ou seja, quando pessoas de negócios, capitalistas, financiadores, começam a ver que essa distinção não paga, não pode fazer mais dinheiro, não pode estar na mesma posição, então provocam um ambiente que força o indivíduo tornar-se fraterno, da mesma maneira que agora você é forçado pelo meio a ser não-fraterno, para explorar, assim você também será forçado a cooperar.

Então para realmente colocar a inteligência humana em ação, as pessoas precisam moralmente e voluntariamente agir, e assim elas vão criar uma organização na qual serão verdadeiros combatentes contra a exploração. Mas para isso é necessário uma grande percepção, agir com bastante inteligência, e se pode começar apenas com você mesmo; você pode cuidar apenas do seu jardim não o do seu vizinho.

Interrogante: Por favor, seja sincero. Podemos conhecer a verdade como você faz, deixar de explorar, e ainda permanecer no mundo dos negócios, ou você sugere deixar tudo? É possível ficar nos negócios e permanecer como está?

Krishnamurti: Senhor, por favor, não estou desviando o assunto. Eu serei absolutamente sincero. Como o sistema está organizado, a menos que você vá para uma ilha deserta onde você cozinhe e faça tudo por si mesmo, deverá haver exploração. Não é assim? É óbvio. Enquanto o sistema estiver baseado na competitividade, segurança, a possessividade em suas bases, deve haver exploração. Mas não é possível se livrar dessas bases porque você não tem medo, porque você descobriu quais são as suas necessidades essenciais, porque você está crescendo em si mesmo? Portanto, embora você permaneça nos negócios, você percebe que as suas necessidades são muito poucas; e que se há pobreza de espírito e de coração, suas necessidades se tornam colossais. Mas novamente, a menos que se seja realmente honesto, absolutamente franco e não enganar sutilmente a si mesmo, o que eu disse pode ser usado para explorar ainda mais. Pessoalmente não me importaria de ficar nos negócios, mas para mim não teria nenhum valor, porque não tenho necessidade. Sendo assim, qual é utilidade teórica de minha fala? Não que eu tenha dinheiro; mas eu faria qualquer coisa razoável, sensata, pois as minhas necessidades são muito poucas e não tenho medo de ser oprimido. É quando existe um medo de perder – o medo da perda de segurança, a preservação – é que lutamos. Mas se você está preparado para perder tudo porque você não tem nada – então não há exploração. Isso parece ridículo, absurdo, selvagem, primitivo, mas se você realmente pensar sobre isso com sensatez, se dar alguns minutos de pensamento criativo, você vai ver que não é tão absurdo assim. É o selvagem que está continuamente a mando de seus desejos, e não um homem de inteligência. Ele não se apega às coisas, porque o seu interior é riquíssimo, e portanto as suas necessidades externas são muito poucas. Certamente que podemos organizar uma sociedade que se baseia nas necessidades, e não na exploração através da publicidade. Eu espero que tenha respondido sua pergunta.

Intervenção: Sem querer explorar o palestrante, eu olho para ele como um dos maiores esclarecedores do altruísmo filosófico, mas eu gostaria muito que ele falasse para esse público nessa tarde o que ele acredita para esse último milênio, que sem dúvida ele e toda a raça humana buscam.

Krishnamurti: Senhor, para ter um perfeito milênio significa que o selvagem deve ser tão inteligente quanto qualquer outra pessoa, deve ter condições perfeitas como qualquer outra pessoa. Ou seja, todos os seres humanos que vivem no mundo nesse exato momento, ao mesmo tempo, todos devem estar felizes. Certamente que esse é o milênio, não é? Isso é o que queremos dizer quando falamos sobre isso. Tudo bem, senhor. Mas espere. Tal coisa é possível? Com certeza não é possível. Pensamos que um milênio é um momento quando o ideal se concretizou, quando a civilização atingiu o seu apogeu. É como um ser humano que molda a sua vida para um certo ideal, e atinge o seu auge. O que acontece com tal ser humano? Ele quer algo mais, um ideal maior. Porém, ele nunca alcança o auge. Mas quando um ser humano vive, não tentando conseguir para ter sucesso, para alcançar o topo, mas vivendo inteiramente, humanamente, o tempo todo, então a sua ação que deve ser refletida na sociedade, não irá alcançar o auge. Ela estará em constante movimento, e assim aumentando continuamente, e não ambicionando após uma culminação.

06/04/1934.