Primeira Palestra na Escola Vasanta Gardens, 

Auckland, Nova Zelândia

Amigos,

Parece uma pena que, numa bela manhã como esta, devamos conversar sobre os vários tipos de opressão e crueldade que sofremos todos os dias, e as várias formas de exploração que estão ocorrendo consciente ou inconscientemente ao nosso redor; mesmo assim, sorrimos e tentamos suportá-las, levando uma vida algo repulsiva e feia, procurando de algum modo suportar os males e infortúnios que se nos apresentam diariamente.

Se considerarem o que está acontecendo, verão que, embora exista essa opressão, essa crueldade, essa extraordinária exploração de certos indivíduos por outros indivíduos, assim mesmo nós continuamente buscamos satisfação. Ou vocês como indivíduos estão satisfeitos em tolerarem todas essas coisas, ou vão mudá-las, modificá-las. Ocasionalmente, em momentos de contato imediato, há um desejo ardente, intenso de mudar, de arrancar pela raiz, e viver decentemente, humanamente, completamente, e, quando esse contato imediato é removido com os sofrimentos da vida, recaímos na satisfação. Portanto, se vocês estiverem satisfeitos, contentes com as coisas como elas são no mundo, então nada mais há a dizer; e estou falando sério. Se estiverem realmente satisfeitos, felizes, contentes em continuarem como estão, com as coisas desmoronando, quando há tanta corrupção, exploração e crueldade, verdadeiros horrores acontecendo no mundo, se estiverem realmente satisfeitos com isso, receio que minha palestra seja completamente inútil. Mas, se vocês querem mudança, e se acham que, como seres humanos, devemos ter outro estado, outra condição, outro ambiente, não só para uns poucos eleitos, mas para a humanidade inteira, então vamos examinar o problema conjuntamente; não que eu queira ser dogmático, ou empurrar vocês numa ou noutra direção, influenciando-os a agir de determinado modo; antes pelo contrário, examinando juntos chegaremos a uma conclusão natural, a partir da qual devemos necessária e naturalmente agir. Portanto, há duas opções disponíveis para cada indivíduo: ou fazer remendos, reformar, ou realizar uma completa reorientação do pensamento, uma mudança completa.

Aquilo que chamo de remendo é a contínua modificação do atual sistema de pensamento, porém mantendo sua fundação intacta. Isso é remendo, não é? Manter as coisas fundamentalmente como elas são e modificar as dificuldades superficiais, as aflições transitórias, mas não enfrentar as coisas fundamentais. Um trabalho assim e um pensamento assim, baseados nessa ideia, eu chamo de remendo ou reforma. É como melhorar as favelas da cidade. Não que seja ruim melhorar as favelas da cidade; mas que haja favelas, que haja pessoas que estejam explorando seus semelhantes, que haja essa divisão de classes, é que é o problema, e não quanto melhoramento se possa fazer. Até que reconheçamos isso, e enquanto não houver uma mudança radical, fundamental, restringir-se a cuidar dos sintomas não vai resolver nada.

Esta manhã desejo mostrar que, enquanto o pensamento – e, portanto, a ação – basear-se nessa ideia de autoengrandecimento, ou autocrescimento, ou numa continuamente limitada consciência de si mesmo, necessariamente haverá problemas oriundos dessa consciência limitada. Noutras palavras, se você fizer alguma mudança ou reforma social, enquanto o sistema de pensamento for baseado em possessividade, segurança, direitos de propriedade, etc., haverá necessariamente problemas com os quais só se pode lidar de modo sintomático, não radical. Por exemplo, senhores, suponham que haja uma reforma nas possessões; vocês ainda acham perfeitamente correto possuir seu pequeno pedaço de chão, e que todos deveriam ter um pedaço de chão. Isto é, vocês querem apegar-se a suas posses e deixar que os outros tenham as suas; entretanto, para mim, a própria ideia de posse deve levar a conflito com o seu vizinho, deve levar a distinções tais como nacionalidades, consciência de classe, vaidade. E, se estão fazendo uma reforma, então quanto haverão de possuir ou quanto não deverão possuir? Então atuarão só sintomaticamente, não radicalmente. É como consultar um médico que só trata de sintomas e não da causa.

Permitam-me outro exemplo. Tratar dos sintomas é considerar que você pode se manter aferrado à sua religião e eu à minha, e sermos tolerantes um com o outro. Mas, como expliquei noutra noite, para mim todo o processo da fundação de uma religião advém da adesão a determinada crença ou determinado dogma. Você afirma ser uma pessoa religiosa, um cristão, porque tem certas crenças, certos ideais, certos dogmas, e diz a si mesmo que haverá um mundo perfeito quando todas as pessoas tiverem as mesmas crenças que você, ou quando todas as pessoas do mundo adotarem a sua forma particular de pensamento; e estamos tentando fazer remendos e reformas com essa atitude para com as religiões. Para mim, a verdadeira reforma, a verdadeira mudança, a verdadeira mudança de pensamento, não consiste em remendos de reforma religiosa, mas em ver o absurdo que são as religiões. Enquanto você tiver crenças, haverá necessariamente divisões. Enquanto você estiver engajado em certa forma de pensamento, naturalmente estará separado de mim, e não há contato humano. Nesse caso, só há encontro de preconceitos, e não real compreensão humana.

Enquanto você só quiser reformar, isto é, introduzir mudanças nos sistemas atuais de pensamento, de cultura, de possessividade, embora possa momentaneamente aliviar o sofrimento, resolver os inumeráveis problemas que surgem, você não está mais que postergando, ignorando por um tempo a questão fundamental, a saber, se uma sociedade ou uma cultura será baseada em autoengrandecimento, possessividade e exploração.

Portanto vocês, como indivíduos, precisam descobrir o que pretendem fazer, se pertencerão a uma sociedade, a um sistema de pensamento baseados nesse autoengrandecimento, com todas as suas nuances, com suas sutilezas; ou se, na qualidade de indivíduos, percebem que, enquanto tal estado persistir, haverá necessariamente guerras, crueldades, exploração, e, assim, se vocês, como indivíduos, estão preparados para mudar completamente e não só cuidar dos sintomas. Na qualidade de indivíduos, temos diante de nós este problema, esta questão, a saber, se vamos cuidar dos sintomas, fazer remendos, ou realizar uma mudança completa de pensamento, não baseada em possessividade e autoimportância. Tal atitude trará, necessária e gradualmente, uma nova sociedade, um novo estado, uma nova consciência, em que não poderá haver exploração, não poderá haver essa luta incessante pela existência, para meramente existir. E você só lidará com essa questão se estiver realmente considerando, se estiver preocupado, se estiver realmente sofrendo, e não apenas sentado, discutindo intelectualmente, observando teoricamente. Então cabe a vocês decidirem pela razão, e, portanto, pela ação, se, na qualidade de indivíduos, por seu próprio entendimento, vocês farão surgir uma humanidade em que haja verdadeira compreensão, ou se continuam com essa luta incessante.

Recebi algumas perguntas e as responderei. É isso que pretendo fazer todos os dias.

Pergunta: Alguns dos meus amigos têm comentado que, embora achem as suas palavras muito interessantes, preferem prestar serviço a pensar demais sobre a verdade. Quais seriam suas observações sobre isso?

Krishnamurti: Cavalheiro, o que quer dizer com “serviço”? Todos querem ajudar. Esse é o grito daquelas pessoas que pensam estar prestando serviço ao mundo. Elas estão sempre falando em ajudar o mundo, especialmente aquelas pessoas que pertencem a seitas. Essa é sua forma peculiar de doença, pois pensam que, fazendo alguma coisa, não importa o quê, elas vão ajudar – servindo as pessoas, elas as estariam ajudando. Quem vai dizer o que é “serviço”? Um homem que seja do exército, preparado para matar o bárbaro que entre em seu país, diz estar servindo o país. O homem que mata – o açougueiro – diz estar servindo a comunidade. O explorador que tem nas mãos, monopolizados, os meios de produção, diz estar servindo a comunidade. O homem que explora crenças, o sacerdote, diz estar servindo o país, a comunidade. Quem é que decide?

Ou olharemos para isso de modo totalmente diferente? Você acha que uma flor, uma rosa, alguma vez considerou estar servindo a humanidade, que está ajudando o mundo com sua existência, por ser bela? Ao contrário, por ser bela, supremamente adorável, inconsciente de sua magnificência, ela está realmente ajudando. Não como o homem que sai por aí alardeando que está servindo o mundo. Noutras palavras, todos desejam utilizar seus meios, ou suas ideias, para explorar o mundo, e não para libertar o mundo. Pessoalmente, se você não me interpretar mal, este não é, de modo algum, o meu ponto de vista. Eu não desejo “ajudar” o mundo, por assim dizer; não posso evitá-lo: isso acontece naturalmente. Isso é serviço. Não quero fazer os outros adotarem minha crença ou pedir-lhes que venham para minha jaula de pensamento, pois sustento que ter crença constitui uma limitação.

Para realmente servir, é preciso estar completamente livre da consciência limitada que chamamos de “eu” – o ego, consciência centrada em si mesma; e, enquanto essa consciência existir, você não estará realmente servindo o mundo. A menos que você realmente pense, não poderá descobrir se está de fato ajudando o mundo. Portanto, não vamos considerar primeiro se estamos ajudando o mundo, mas sim descobrir se temos a capacidade de pensar e sentir. Para realmente pensar, a mente não pode estar amarrada a uma crença. Isso é muito simples, não é mesmo? Para pensar de modo realmente profundo, franco, completo, sua mente não pode estar presa a preconceito ou a uma crença, a uma tradição. Afinal, tradição só tem valor quando o ajuda a pensar, e não quando o subjuga com seu peso.

Reformulemos isso de modo diferente. Todos queremos ajudar. Quando você vê sofrimento no mundo, há um desejo intenso de ajudar, mas, para realmente ajudar as pessoas, é preciso ir à causa fundamental das coisas. Você precisa descobrir a causa do sofrimento, e só pode fazê-lo se houver profunda reflexão. E tal reflexão não é mero deleite intelectual, mas só pode ocorrer na ação.

Pergunta: Fica subentendido aqui que somente uma ou duas pessoas no mundo podem entreter a esperança de compreender a importância de sua mensagem, e que, portanto, o ensino da moderna teosofia é necessário como substituto para a salvação do mundo. O que diz o senhor?

Krishnamurti: Cavalheiro, primeiro deve descobrir o que tenho a dizer, antes de afirmar que é impossível. É isso que quero dizer. Todo o nosso sistema de pensamento, de ação e de vida está baseado em engrandecimento e crescimento individual, em detrimento dos outros. Isso é um fato, não é? E, enquanto tal fato existir no mundo, haverá necessariamente sofrimento, exploração, divisão de classes; e nenhuma forma de religião poderá trazer paz, porque as religiões são, elas mesmas, criações dos anseios humanos, são meios de exploração. A realidade viva, que eu afirmo existir – chamem-na Deus, verdade, ou qualquer outro nome – tal suprema inteligência que eu afirmo existir, que eu digo haver compreendido, só poderá ser encontrada em liberdade, sendo-se livre dos obstáculos que vocês criaram por meio da busca de segurança e conforto, a segurança das religiões e aquela segurança artificial proveniente das posses.

Certamente, compreender o que estou dizendo não é muito difícil. A dificuldade está em praticar o que estou dizendo. Entretanto, praticar o que estou dizendo não requer coragem, mas sim compreensão. A maioria de nós espera que o mundo mude, em vez de começarmos a mudar a nós mesmos. Esperamos que o sistema mundial altere essa atitude de possessividade, e não estamos tentando descobrir se podemos, como indivíduos, libertar-nos realmente da possessividade. Para compreender isso – esse libertar-se da possessividade – é preciso descobrir inteligentemente quais são as nossas necessidades. Quando tiver descoberto quais são suas necessidades, você deixará de ser possessivo. Cada pessoa saberá quais são suas necessidades, de modo muito claro, muito simples, se abordar a questão inteligentemente. Mas não é possível descobrir quais são suas necessidades enquanto a mente estiver presa na rede da possessividade, da avidez e da exploração. Então, quando descobrir quais são suas necessidades, você não estará firmando compromisso com suas necessidades e com as condições do mundo, que se baseiam em possessividade. Espero estar esclarecendo este assunto.

O que desejo dizer é que não pode haver relações humanas, relações vitais, ou uma vida de alegria em plenitude de vida no presente – que para mim é a única eternidade – enquanto a mente e o coração tiverem o aleijão do medo; e, para superar esse medo, havemos criado inúmeros empecilhos, tais como religiões, crenças, possessividade, medidas de segurança. Com isso, nós continuamente acrescentamos sofrimento, acrescentamos luta ao caos do mundo. Certamente isso é muito simples, realmente, se você refletir no assunto.

Se você realmente quiser descobrir o que estou dizendo, por favor examine uma das ideias que apresentei e coloque-a em prática. Você verá então que ela se torna prática, e não vaga, teórica, impossível de compreender. Então você não vai querer nenhum ensinamento substitutivo.

Você sabe muito bem que essa ideia de que, porque as pessoas não compreendem, você precisa dar-lhes algo que entendam, não passa de um modo astuto de exploração. É a atitude da classe capitalista. É a atitude do homem que tem muitas posses. Isto é, ele quer alimentar o mundo, guiar o mundo, ele quer guiar o seu próximo. Mas, ao contrário, quero despertar o meu próximo para que ele aja por si mesmo. Se eu puder despertá-lo para sua própria força, para sua própria compreensão, para sua própria responsabilidade, para sua própria ação, então eu destruo a distinção de classe. Então eu não o mantenho na creche para ser explorado como uma criança por alguém que supostamente sabe mais. Essa é, completamente, a atitude das religiões – segundo as quais você jamais consegue descobrir a verdade, que só uma ou duas pessoas a descobrem; portanto, deixe-me ajudá-lo como mediador; e assim eu passo a explorar você. Esse é o inteiro processo da religião. A religião é um meio astuto de exploração, de ser cruel em manter as pessoas em sujeição, como a classe capitalista o faz do mesmíssimo modo – uma classe, por meios espirituais; a outra classe, por meios mundanos. Mas, se examinarem a questão, ambas constituem impiedosa exploração. (Aqui! Aqui!)

Cavalheiros, por favor não se incomodem em dizer: “Aqui, aqui!” O importante é agir, e não concordar comigo intelectualmente. Isso não tem valor. A concordância só pode ocorrer na ação. Quando vocês dizem: “Aqui, aqui!”, isto significa que têm de tomar posição contra a sociedade, contra seus vizinhos, contra sua família, contra tudo que a sociedade construiu durante gerações. Isto exige grande percepção, e não coragem, não uma atitude heroica diante da vida, mas grande e direta percepção do que é verdadeiro.

Para mim, a vida não é para ser uma escola. A vida não é algo com o qual você aprende, mas existe para ser vivida – para ser vivida de modo supremo, inteligente, divino. Ao passo que, se você a tornar uma batalha, uma luta constante, um esforço contínuo, então a vida se torna detestável. E vocês a tornaram assim porque todo o seu pensamento consiste em autoexpansão, autocrescimento, autoengrandecimento, e, enquanto isso existir, a vida se torna uma batalha abominável.

É isso que eu quero dizer. Certamente pode ser compreendido com muita facilidade. Fácil de compreender em um sentido. Não se pode alcançar imediatamente todo o seu significado. Pode-se ver em que direção fica a coisa, e, para mudar de atitude, pode haver grande aflição, não contentamento, grande e ardente conflito que o forçará a descobrir. Temos conflitos ao longo de todo o dia, mas havemos treinado a mente para ser esperta e, assim, contornar facilmente esses conflitos, fugir deles. Então podemos ter conflito após conflito, problema após problema. Nossa mente aprendeu a ser esperta e fugir.

Pergunta: O senhor poderia explicar mais detalhadamente o que significa sua afirmação de que “Seus mestres são responsáveis pela destruição de vocês.”? Como pode um sacerdote, sendo honesto em seu propósito, ser um destruidor?

Krishnamurti: Cavalheiro, por que o senhor quer um padre? Para mantê-lo moralmente correto? É isso? Ou para guiá-lo à verdade? Ou para atuar como seu intérprete entre Deus e o senhor? Ou só para realizar um rito, uma cerimônia de casamento ou de funeral, ou um serviço religioso de domingo? Por que os senhores querem sacerdotes? Quando descobrirmos por que é que precisamos deles, então descobriremos que são destruidores.

Se vocês disserem que os sacerdotes são necessários para manter nossa moralidade, então certamente vocês já não são éticos, mesmo que o sacerdote os force a serem éticos. Para mim, ética não vem por compulsão, mas é uma ação voluntária.

A moralidade não nasce do medo, condicionado por circunstâncias. A verdadeira moralidade é compreensão voluntária e, por conseguinte, ação. Portanto, para mim o sacerdote é desnecessário para sustentar sua integridade. Ou, se você disser que ele é necessário para guiá-lo à verdade como mediador, como intérprete, então digo que tanto você quanto o sacerdote precisam saber o que é a verdade. Para ser guiado a alguma parte você precisa saber aonde está indo, e o líder também precisa saber aonde ele está indo. E, se você souber onde está a verdade, não precisa de líder. Por favor, isso não é inteligência. Essas coisas são apenas fatos.

Mas o que temos feito? Temos preconcebido o que é a verdade, como contraste, como um oposto àquilo que somos. Dizemos que a verdade é tranquila, que a verdade é sábia, ilimitada. Por não sermos isso, tornamo-lo um oposto e queremos que alguém nos ajude a chegar lá. O que quer isso dizer? Alguém que ajude você a fugir desse conflito para algo que você supõe ser a verdade. Portanto, o sacerdote está ajudando você a fugir das coisas reais, dos fatos.

Conversei com um sacerdote outro dia, e ele me disse que mantinha sua igreja porque havia muito desemprego. Ele disse: “As pessoas desempregadas não têm lares, não têm beleza, vida, música, luz, não têm cor, nada – horror, uma vida horrível. Mas se elas vêm uma vez por semana à igreja, pelo menos há beleza, há quietude, há perfume, e elas saem pacificadas pelo resto da semana e voltam de novo.” Não é isso a maior forma de exploração? Esse sacerdote estava tentando pacificá-las em seu conflito, procurando aquietá-las, isto é, dopá-las para não descobrirem a causa real do desemprego.

Agora, se você disser que os padres são necessários para realizar os ritos, as cerimônias do cristianismo, então investiguemos se tais ritos e cerimônias são necessários. São necessários? Como não os frequento, não posso responder. Essas coisas não têm valor algum para mim; mas, para você que as frequenta, são elas valiosas? De que modo você se beneficia com elas? Você vai a elas na manhã de domingo, sente-se devoto, elevado, seja o que for isso, e, pelo resto da semana, você estará explorando ou sendo explorado. Ainda há crueldade e todo o resto. Então, onde está o valor do padre, por que você tem necessidade dele?

Se você disser que isso é um meio de ganhar dinheiro, então o colocaremos numa categoria totalmente diferente. Se você o tratar como uma profissão (como a da lei, da marinha, do exército, ou qualquer outra profissão), então se trata de coisa completamente diferente, e a maioria das religiões com os seus sacerdotes são isso e nada mais que isso – uma velha profissão.

Portanto, se vocês procuram um padre para guiá-los como um professor, digo que ele é seu destruidor ou explorador. Por favor, não tenho nada contra os sacerdotes cristãos ou hindus – para mim eles são a mesma coisa. Digo que eles não são essenciais para a humanidade. E, por favor, não aceitem o que estou dizendo como autoridade final, como uma declaração dogmática. Examinem-na, considerem-na vocês mesmos. Se aceitarem o que estou dizendo, também me tornarei seu sacerdote; por conseguinte, tornar-me-ei seu explorador. Ao passo que, se vocês considerarem toda a questão, não por um fugaz momento, mas completamente, verão que as religiões, com todos os seus professores sectários, estão realmente mantendo a humanidade dividida. Elas estão aumentando os horrores da guerra, as distinções de classe, as nacionalidades, e, portanto, todas essas coisas conduzem à guerra e a maiores explorações, nas quais não há afeto verdadeiro, amor verdadeiro, consideração verdadeira.

Pergunta: Há uma vida futura?

Krishnamurti: Está realmente interessado nisso? Suponho que sim, ou não teria perguntado. Agora, espere um pouco. Por que pergunta se há uma vida futura? Só por entretenimento ou curiosidade, ou porque está com medo no presente e precisa descobrir qual será o futuro, ou meramente para se informar? Como sabe, alguns dos cientistas modernos, alguns dos famosos cientistas, estão dizendo que há uma vida futura. Dizem que, através de médiuns, pode-se descobrir por si mesmo que há vida após a morte. Muito bem, suponhamos que haja. E daí se houver uma vida futura? O que foi que você conseguiu com a descoberta de que há uma vida futura? Você não ficou mais feliz, nem mais inteligente, nem mais humano, nem mais respeitoso, nem mais carinhoso. Você voltou para onde estava antes. Tudo o que você aprendeu consiste em mais um fato – que há uma vida depois desta. Pode ser um consolo, mas, mesmo assim, e daí? Você diz: “Isso me dá a certeza de que viverei a próxima vida.” E daí? Mesmo que isso lhe dê a certeza de que vai viver, você terá exatamente o mesmo problema, as mesmas inquietações, as mesmas alegrias e os mesmos prazeres transitórios, embora haja outra vida. Ao passo que, para mim, embora isso possa ser um fato, é de muito pouca importância. Cavalheiro, a imortalidade não está no futuro; a imortalidade ou eternidade, ou como quiser denominá-la, está agora no presente; e o presente você só pode compreender quando a mente estiver livre do tempo.

Agora receio que precise ser um pouco metafísico, mas espero que não se importe. Não é realmente metafísico. Enquanto a mente for escrava do tempo, precisa haver medo da morte, o medo e a esperança de uma vida futura, e uma constante indagação quanto a essa questão. Isto é, onde houver medo, já haverá necessariamente uma lenta decadência, uma morte lenta, embora você esteja vivendo. A própria indagação quanto ao futuro mostra que você já está morrendo. Para viver completamente, para viver naquela plenitude do presente, no eterno agora, a mente precisa ficar livre do tempo. Não é assim? A palavra tempo, não a estou empregando no sentido comum de pegar um barco ou um trem, ou chegar na hora a um compromisso marcado. Estou usando a palavra tempo com o significado de memória. Se todas as manhãs, vocês nascessem de novo, sem todas as memórias de ontem, sem todas as cargas, sem todas as incrustações do passado, então cada dia seria novo, fresco, simples; e ser capaz de viver assim é estar livre do tempo. Isto é, a mente tem-se tornado um depósito de memórias, afligida pelo passado, sobrecarregada pelas inúmeras experiências que tivemos.

Por favor, espero que pense comigo a respeito disso, doutro modo não poderá compreender bem. Assim, com a carga do passado, a carga de memórias incontáveis, confrontamos cada experiência – nova experiência, novo pensamento, novo ambiente, novo dia. Com o background do passado, encontramo-nos com o presente. Não é assim? Se você é cristão, tem o background de uma mente cristã, dogmas cristãos, crenças, tradições, e você tenta enfrentar a vida com tais ideias. Ou, se é socialista, ou outro tipo qualquer, você tem certos preconceitos, certas ideias, certos dogmas bem definidos, e você enfrenta a vida com tal background, com tais óculos. Assim, você se defronta continuamente com o presente usando o background do passado, e, portanto, não compreende o presente. Há um contínuo processo de mal-entendidos que gera a memória; portanto, há a acumulação, a acentuação dessa memória e, daí, o desejo de saber se terei uma próxima vida. Por outro lado, se você for capaz de defrontar-se com todas as coisas de modo novo, com uma mente não infectada, com uma mente não sobrecarregada com possessividade do passado, ou com a memória de um futuro, então veria que não existe isso que chamamos de morte, veria que não existe medo. Então a vida está continuamente se tornando um êxtase, em vez de uma batalha medonha e horrível. Mas isso exige muita atenção, estar consciente do pensamento, da mente e do coração no presente.

Receio que o interrogador ficará desapontado. Ele quer saber se há ou se não há – uma resposta categórica, “sim” ou “não”. Receio que não possa haver uma resposta categórica. Cuidado com respostas categóricas – “sim” e “não”. Não é mais importante, realmente, saber como viver do que descobrir o que acontece quando se morre? É só aquele que já está morrendo que quer saber o que acontece após a morte – não o vivente. Assim, investiguemos e descubramos se podemos viver ricamente, humanamente, completamente, divinamente, em vez de descobrir o que há no além. Então você descobrirá o que há no além, quando souber como viver de modo supremamente inteligente. Então descobrirá o que há no além. E tal descoberta não será uma coisa teórica, será um fato. Verá então que isso tem muito pouca importância, pois não há o que chamamos de “além”. A vida é um todo completo, sem um começo e sem um fim. Então esse êxtase, essa sabedoria, resulta numa vida plena no presente.

Pergunta: A Grã-Bretanha se tornará fascista, e é isso um movimento progressista?

Krishnamurti: Nenhum movimento baseado em possessividade, que mantenha distinções de classe, que encoraje o medo, pode ser um movimento progressista nem verdadeiro. Li alguns livros fascistas e eles falam de um direito divino de posse, de manter distinções de classe, nacionalidade, os limites de fronteiras. Certamente, isso não pode ser um movimento humanitário. Por outro lado, um movimento verdadeiro, que destrua essas coisas, que ajude as pessoas a compreender e a pensar, seria certamente um movimento real, um movimento espiritual, um movimento humanitário. Como sabem, tais movimentos são encorajados ou desencorajados por indivíduos como vocês mesmos. Se eles satisfazem suas exigências ou sua possessividade, se garantem sua fortaleza, seus investimentos (espirituais ou mundanos), vocês os encorajam; assim como desencorajam aqueles que tentam menosprezar essas coisas, e ajudam a destruir aqueles movimentos que mostram a falsidade da possessividade. Para mim não existe possessividade humana instintiva. Toda possessividade é coisa artificial, criada por uma sociedade artificial, equivocada. Instintivamente, os seres humanos não são possessivos. Eles foram condicionados por circunstâncias que eles mesmos criaram. Assim, se o fascismo é ou não um movimento progressista tem pouca importância. O que importa é se vocês, como indivíduos, percebem que enquanto o mundo com seus governos, enquanto no mundo existir esse contínuo autoengrandecimento, sutilmente, conscientemente ou inconscientemente, essa autoimportância (espiritual ou mundana), haverá necessariamente tristeza, contínuos gritos de dor, haverá guerras, exploração, e não haverá amor real. Portanto, cabe a vocês como indivíduos pensarem de modo novo, descobrirem se toda a sua base de pensamento está fundada nessa limitada autoconsciência.

30 de março de 1934.