Quarta Palestra Pública em Bombaim, 8 de fevereiro de 1948

Eu acho que é importante compreender que existe ser, apenas quando não existe mais o pensador, e apenas no ser pode haver transformação radical. Ideias não podem transformar, a modificação dos pensamentos não pode gerar revolução, revolução radical. Só pode haver revolução radical quando o pensador chega a uma pausa, quando o pensador acaba. Quando você tem momentos criativos, sensação de alegria, sensação de beleza? Certamente apenas quando o pensador está ausente, quando o processo do pensamento cessa por um minuto, por um período de tempo, e aí existe uma possibilidade de transformação radical, renascimento radical. Então, nosso problema é como provocar um fim do pensador – não é uma questão de transformação, de modificação de ideias, sejam de esquerda ou de direita. Apenas levando o pensador a um fim há criatividade. Talvez vocês tenham experimentado isso enquanto observavam um pôr de sol, quando há grande beleza: a intensidade dela afasta o pensador, e nesse momento há uma extraordinária sensação de alegria. Este momento criativo traz revolução, que é um estado de ser. O pensador cessa, não como resultado da transformação de pensamentos, mas apenas pela compreensão dos movimentos do pensador e, portanto, chegando à questão principal, ao problema em si, que é o pensador. Quando o pensador está consciente de seus próprios movimentos, quando a mente está consciente dela mesma em ação – o que não é o pensador alterando os pensamentos, mas o pensador estando consciente dele mesmo – então você descobrirá que há um período em que a mente está absolutamente imóvel, quando ela está meditativa, quando não está atraída, não agitada. Então, nesse momento, quando o pensador está silencioso, surge o ser criativo, se você experimentar, descobrirá a base de toda transformação radical.

Agora vou responder a várias perguntas.

Interrogante: Pode-se amar a verdade sem amar o homem? Pode-se amar o homem sem amar a verdade? O que vem primeiro?

Krishnamurti: Certamente, senhor, o amor vem primeiro. Porque para amar a verdade, você deve conhecer a verdade; e conhecer a verdade é negá-la. O que se conhece não é verdade, pois o que se conhece já está envolvido no tempo; portanto, deixa de ser verdade. A verdade está em constante movimento e, assim, não pode ser mensurada no tempo ou em palavras; não pode ser mantida na sua mão. Então, amar a verdade é conhecer a verdade – você não pode amar alguma coisa que não conhece. Mas a verdade não vai ser encontrada em livros, na idolatria, em templos. Ela é encontrada na ação, no viver, no pensar; e desde que o amor vem primeiro, o que é óbvio, a própria busca pelo desconhecido é o amor em si mesmo, e você não pode buscar o desconhecido sem estar em relação com os outros. Você não pode procurar a realidade, Deus, ou o que seja, se recolhendo no isolamento. Você só pode descobrir o desconhecido na relação, só quando o homem se relaciona com o homem. Portanto, o amor do homem é a busca da realidade. Sem amar o homem, sem amar a humanidade, não pode haver a busca pelo real; porque, quando eu conheço você, pelo menos quando tento conhecê-lo na relação, nessa relação começo a conhecer a mim mesmo. A relação é o espelho em que descubro a mim mesmo – não meu ego mais elevado, mas o processo total, integral de mim mesmo. O ego mais elevado e o ego inferior estão ainda no campo da mente; e sem compreender a mente, o pensador, como posso ir além do pensamento e descobrir? A própria relação é a busca pelo real, pois esse é o único contato que tenho comigo mesmo; assim, a compreensão de mim mesmo na relação é o início da vida certamente. Se não sei como amar você, você com quem me relaciono, como posso buscar o real e, assim, amar o real? Sem você, eu não existo, não? Não posso existir separado de você, não posso ser em isolamento. Portanto, em nossa relação, na relação entre você e eu, começo a compreender a mim mesmo; e a compreensão de mim mesmo é o começo da sabedoria, não? Portanto, a busca pelo real é o início do amor em relação. Para amar alguma coisa você deve conhecê-la, deve compreendê-la, não? Para amá-lo, devo conhecê-lo, devo examinar, devo descobrir, devo estar receptivo a todos os seus humores, suas mudanças, e não simplesmente me fechar em minhas ambições, meus objetivos e desejos; e conhecendo você, começo a descobrir a mim mesmo. Sem você não posso ser; e se não compreendo esta relação entre você e eu, como pode haver amor? E certamente, sem amor não existe busca, existe? Você não pode dizer que se deve amar a verdade; pois para amar a verdade, você deve conhecer a verdade. Você conhece a verdade? Sabe o que é realidade? No momento em que você conhece alguma coisa, já está acabado, não? Já está no campo do tempo, e deixa de ser verdade.

Então, nosso problema é, como pode um coração seco, um coração vazio, conhecer a verdade? Ele não pode. A verdade, senhor, não é uma coisa distante. Ela está muito perto, mas não sabemos como procurá-la. Para procurá-la, devemos compreender a relação, não só com o homem, mas com a natureza, com as ideias; devo compreender minha relação com a terra, e minha relação com a ideação, bem como minha relação com você; e a fim de compreender, certamente deve haver abertura. Se quiser compreendê-lo, devo estar aberto a você, devo estar receptivo, não devo impedir nada – não pode haver um processo de isolamento. Assim, na compreensão existe verdade e para compreender deve haver amor; pois sem amor, não pode haver compreensão. Então, não é o homem ou a verdade que vem primeiro, mas o amor; e o amor só surge na compreensão da relação, significando que se está aberto à relação e, portanto, aberto à realidade. A verdade não pode ser convocada – ela deve chegar a você. Buscar a realidade é negar a realidade. A verdade chega a você quando você está aberto, quando está completamente sem barreira, quando o pensador não está mais pensando, produzindo, fabricando, quando a mente está muito quieta – não forçada, não drogada, não hipnotizada, pela repetição. A verdade deve chegar; e quando o pensador vai em busca da verdade, está apenas perseguindo seu próprio benefício. E a verdade lhe escapa. O pensador só pode ser observado na relação; e para compreender, deve haver amor. Sem amor, não há busca.

Interrogante: Você não pode construir um novo mundo do modo que está fazendo agora. É óbvio que o método de treinar laboriosamente alguns discípulos escolhidos não fará nenhuma diferença na humanidade. Não pode. Você deve ser capaz de deixar uma marca como Gandhiji, Maomé, Buda, Krishna, fizeram. Mas eles não mudaram fundamentalmente o mundo – nem você o fará, a menos que descubra uma forma inteiramente nova de abordar o problema.

Krishnamurti: Vamos refletir sobre isso juntos. A questão implica que a onda de destruição, a onda da confusão, é co-existente com a vida; que a onda de destruição, e a vida, estão sempre juntas, correndo simultaneamente, e não existe intervalo entre elas. Então o interrogante diz, ‘Você pode ter alguns discípulos que compreendem, alguns que realmente percebem e se transformam, mas eles não podem transformar o mundo’. E esse é o problema: que o homem deve ser transformado, não apenas alguns. Cristo, Buda e outros não transformaram o mundo, porque a onda de destruição está sempre varrendo a humanidade; e o interrogante diz, ‘Você tem um modo diferente de resolver este problema? Se não, você será como os outros mestres. Alguns podem sair do caos, da confusão, mas a maioria será engolida, destruída’. Você compreende o problema, não? Ou seja, os poucos que fogem da casa em chamas esperam tirar outros do fogo; mas desde que a vasta maioria está condenada a queimar, muitos que estão queimando inventam a teoria do processo do tempo: na próxima vida tudo ficará bem. Então, eles veem o tempo como um meio de transformação. É esse o problema, não? Alguns de nós podem estar fora do caos, mas a grande maioria está presa na rede do tempo, na rede do se tornar, na rede do sofrimento; e eles podem ser transformados? Eles podem deixar a casa em chamas instantaneamente, completamente? Se não, a onda de confusão, a onda de miséria, estará continuamente os encobrindo, continuamente os destruindo. É este o problema, não? Estou apenas explicando, estudando a questão. Então, há uma nova abordagem ao problema? De outro modo, apenas alguns podem ser salvos – significando que a onda de destruição, a onda da confusão, está sempre ao encalço do homem. Esse é o problema, não é, senhores?

Agora, vamos tentar descobrir a verdade disso. Não nos é possível sair do tempo – todos nós aqui – não por algum processo auto-hipnótico, mas de fato? Esse é o problema envolvido. Podemos, você e eu, podem vocês que estão me ouvindo, sair do processo do tempo, de modo que fiquem livres do caos? Porque, enquanto acreditarem nesse processo, ou seja, enquanto disserem que vão se libertar do caos através do processo do tempo, vocês e o caos serão sempre co-existentes. Não sei se estou me explicando. Isto é, se você pensa que se libertará do caos, nunca estará livre, porque o se tornar faz parte do caos. Ou você compreende agora, ou nunca. Se você diz, ‘Eu compreenderei amanhã’, está realmente adiando; está, de fato, convocando a onda da destruição. Assim, nosso problema é pôr um fim no processo de se tornar e, consequentemente, dar fim ao tempo. Enquanto você pensar em termos de se tornar – ‘Eu serei bom’, ‘eu serei nobre’, ‘serei amanhã algo que não sou hoje’ – nesse se tornar está implicado o processo do tempo, e no processo do tempo há confusão. Então, existe confusão porque você fica pensando em termos de se tornar. Agora, em vez de se tornar, você pode ser? – e só nisso há transformação, transformação radical. Se tornar é um processo de tempo, o ser está livre do tempo. E, como expliquei anteriormente, apenas no ser pode haver transformação, não no se tornar; só no findar existe renovação, não na continuidade. Continuidade é se tornar. Quando você encerra alguma coisa, existe um ser; e apenas no ser pode haver transformação fundamental, radical.

Então, nosso problema é dar um fim ao se tornar – não o se tornar cronológico, como ontem se torna hoje e hoje se torna amanhã, mas, se tornar psicológico. Pode você dar um fim instantaneamente a esse se tornar? Essa é a única nova abordagem, não? Qualquer outro caminho é a antiga abordagem. Compreendem a pergunta? Atualmente, todas as formas de abordagem são graduais. Eu sou isso, mas me tornarei aquilo amanhã; sou funcionário, mas me tornarei chefe em dez anos; sou raivoso, mas me tornarei virtuoso aos poucos. Isso é se tornar, que é processo de tempo; e onde há tempo, haverá a onda da confusão também. Assim, nosso problema é, podemos imediatamente e completamente, parar de pensar em termos de se tornar? Essa é a única nova abordagem, de outro modo repetimos a antiga abordagem. Eu afirmo que é possível. Afirmo que você pode fazê-lo, você pode deixar de ficar preso na rede do tempo, na rede do se tornar, pode deixar de pensar em termos de tempo, em termos de futuro, em termos de ontem. Você pode fazê-lo, e está fazendo agora; você faz isso quando está tremendamente interessado, quando o processo do pensamento cessa inteiramente, quando há completa concentração, completa consciência. Ou seja, senhores, vocês o fazem quando ficam face a face com um novo problema. Agora, esse é um novo problema, como levar o tempo a um fim. Como é um novo problema, você deve estar completamente novo em relação a ele, não? Porque, se você pensar em termos do antigo, certamente estará traduzindo o novo problema no antigo e, portanto, confundindo, não entendendo o problema. Quando é um novo problema, você deve chegar a ele como novo; e aquilo que é novo é intemporal.

Então, a questão é esta: Pode você, enquanto está sentado aí me ouvindo, se libertar do tempo? Você pode estar cônscio deste estado de ser em que não existe tempo? Se você estiver consciente desse estado de ser, verá que há uma tremenda revolução acontecendo instantaneamente, pois o pensador cessou. É o pensador que produz o processo de se tornar. Assim, o tempo pode ser levado ao fim, o tempo tem uma parada – não o tempo cronológico, mas o tempo psicológico. Agora, olhem: muitos de vocês estão olhando para outra pessoa – estão mais interessados em quem está entrando e saindo. E o que aconteceu? Não estão interessados em descobrir o que é existir sem tempo; e vocês podem descobrir o que é existir livre da rede do tempo apenas quando dão toda a sua mente e coração a isso, toda sua atenção que é meramente exclusiva. Isso, certamente, é meditação correta, não? Pois o pensamento findando é o início da meditação real; e só então há uma revolução, uma abordagem fundamentalmente nova da existência. A nova abordagem é pôr um fim ao tempo; e eu afirmo que isso pode ser feito instantaneamente, se você estiver interessado. Você pode sair do rio para a margem em qualquer ponto. O rio do se tornar cessa quando você compreende o processo do tempo; mas para compreender, você deve entregar seu coração e mente a isso. Você fica livre do tempo apenas quando existe completa absorção na compreensão – o que você está fazendo agora. Você está muito quieto. Está quieto, porque estamos discutindo, estamos forçando a questão. Mas você deixa de ficar quieto no momento em que a questão desaparece. Se você mantiver, se você tiver essa questão claramente em sua frente o tempo todo, sair do tempo se torna um problema extraordinariamente absorvente; e eu digo para qualquer um que esteja querendo dar seu coração e mente a isso, é possível sair do tempo. Essa é a única nova abordagem, e ela pode produzir uma transformação radical na sociedade.

Interrogante: Quando ouço você tudo parece claro e novo. Em casa, a velha, pesada inquietação se afirma. O que há de errado comigo?

Krishnamurti: O que está acontecendo, de fato, em nossas vidas? Há desafio constante e resposta. Essa é a existência, isso é vida, não? – um constante desafio e resposta. O desafio é sempre novo, e a resposta é sempre velha. Encontrei você ontem, e você veio a mim hoje.

Você está transformado, está modificado, você mudou, está novo; mas eu tenho sua imagem como você era ontem. Assim, eu absorvo o novo no velho. Não encontro você como novo, mas tenho sua imagem de ontem; então minha resposta ao desafio é sempre condicionada. Aqui, no momento, você deixa de ser um brâmane, você deixa de ser alta casta, ou o que seja – você esquece tudo. Está apenas ouvindo, absorto, tentando descobrir. Mas quando sai daqui, você se torna você mesmo – está de volta a sua casta, seu sistema, sua profissão, sua família. Ou seja, o novo está sempre sendo absorvido pelo velho, pelos velhos hábitos, costumes, ideias, tradições, memórias. Nunca há o novo, pois você está sempre encontrando o novo com o velho – o desafio é novo, mas você o encontra com o velho. Então, o problema nesta pergunta é, como libertar o pensamento do velho, de modo que seja novo o tempo todo? Quando você vê uma flor, quando vê um rosto, quando vê o céu, quando vê uma árvore, um carro, um sorriso, como vai encontrá-los como novos? Por que não os encontramos como novos? Por que o velho absorve o novo, e o modifica; por que o novo cessa quando você vai para casa?

Agora, a velha resposta surge do pensador. O pensador não é sempre o velho? Porque seu pensamento está baseado no passado, quando você encontra o novo, é o pensador que o está encontrando; a experiência de ontem o está encontrando. O pensador é sempre o velho. Assim, você volta para o mesmo problema de forma diferente: Como libertar a mente de si mesma como o pensador? Como erradicar a memória, não a memória fatual, mas a memória psicológica, que é o acúmulo de experiência? Porque sem liberdade do resíduo da experiência, não pode haver recepção ao novo. Agora, libertar o pensamento, ficar livre do processo do pensamento e, então, encontrar o novo, é árduo, não? Porque todas as nossas crenças, todas as nossas tradições, todos os nossos métodos na educação, são um processo de imitação, cópia, memorização, construção de um reservatório de memória. Essa memória está respondendo constantemente ao novo; chamamos a resposta dessa memória de pensar, e esse pensar encontra o novo. Então, como pode haver o novo? Só quando não há resíduo da memória pode haver novidade, e há resíduo quando a experiência não se encerra, conclui, acaba, ou seja, quando a compreensão da experiência é incompleta. Quando a experiência é completa, não há resíduo – essa é a beleza da vida. Amor não é resíduo, amor não é experiência, é um estado de ser. O amor é eternamente novo. Então nosso problema é: Pode-se encontrar o novo constantemente, mesmo em casa? Certamente, se pode. Para fazer isso, deve-se provocar uma revolução no pensamento, no sentimento; e você só pode estar livre quando cada incidente é pensado de momento a momento, quando cada resposta é totalmente compreendida, não simplesmente casualmente vista e deixada de lado. Há liberdade da memória acumulada apenas quando cada pensamento, cada sentimento é completado, pensado até o fim. Ou seja, quando cada pensamento e cada sentimento é pensado, concluído, há um fim; e há um espaço entre esse fim e o próximo pensamento. Neste espaço de silêncio, há renovação, a nova criatividade acontece. Ora, isso não é teórico, não é impraticável. Se você for tentar pensar cada pensamento e cada sentimento, descobrirá que é extraordinariamente prático em sua vida cotidiana; porque então você está novo, e aquilo que é novo é eterno, duradouro. Ser novo é criativo, e ser criativo é ser feliz; e um homem feliz não está preocupado se é rico ou pobre, ele não se importa a qual casta pertence, ou a que país. Ele não tem líderes, nem deuses, nem templos e, consequentemente, não tem discussão, nem inimizade. Sem dúvida, este é o modo mais prático de resolver nossas dificuldades neste mundo caótico atual. É porque não somos criativos, no sentido em que estou usando esse termo, que somos tão anti-sociais em todos os diferentes níveis de nossa consciência. Para ser muito prático e efetivo em nossa relação social, em nossa relação com todas as coisas, deve-se ser feliz; e não pode haver felicidade se não houver findar, não pode haver felicidade se existe um se tornar. No findar existe renovação, renascimento, novidade, um frescor, uma alegria. Mas o novo é absorvido pelo velho, e o velho destrói o novo enquanto houver conteúdo, enquanto a mente, o pensador, estiver condicionada por seu pensamento. Para estar livre do conteúdo, das influências condicionadas, da memória, deve haver liberdade da continuidade; e há continuidade enquanto pensamento e sentimento não são encerrados completamente. Senhor, você completa um pensamento quando segue o pensamento até seu fim e, assim, traz um fim para todo pensamento, para todo sentimento. Certamente, amor não é hábito, memória; o amor é sempre novo.  Pode haver o encontro com um novo caminho apenas quando a mente está fresca; e a mente não estará fresca enquanto houver resíduo de memória. A memória é fatual, bem como psicológica. Não estou falando de memória fatual, mas de memória psicológica. Enquanto a experiência não for completamente compreendida, fica o resíduo, que é o velho, que é de ontem, da coisa passada; e o passado está sempre absorvendo o novo e, assim, destruindo o novo. Apenas quando a mente está livre do velho é que ela encontra tudo como novo, e nisso existe alegria.

Interrogante: Você nunca menciona Deus. Ele não tem espaço em seus ensinamentos?

Krishnamurti: Vocês falam muito sobre Deus, não? Seus livros estão cheios dele. Vocês constroem igrejas, templos, fazem sacrifícios, fazem rituais, representam cerimônias e estão cheios de ideias sobre Deus, não? Vocês repetem a palavra, mas seus atos não são devotos, são? Embora adorem o que chamam Deus, seus modos, seus pensamentos, sua existência não são devotos, são? Embora repitam a palavra ‘Deus’, vocês exploram o outro, não? Vocês têm seus deuses – hindu, muçulmano, cristão e tudo o mais. Vocês constroem templos; e quanto mais rico você é, mais templos constrói. (Riso) Não ria, senhor, você faria o mesmo – apenas você ainda está tentando ficar tico, isso é tudo.  Então, vocês estão bem familiarizados com Deus, pelo menos com a palavra; mas a palavra não é Deus, a palavra não é a coisa. Vamos ter este ponto bem esclarecido: a palavra não é Deus. Você pode usar a palavra ‘Deus’ ou alguma outra palavra, mas Deus não é a palavra que você usa. Porque a usa, não significa que você conheça Deus; você apenas conhece a palavra. Eu não uso essa palavra pela simples razão de que vocês a conhecem. O que você conhece não é o real. E, além disso, para descobrir a realidade, todo o murmurar verbal da mente deve cessar, não? Vocês têm imagens de Deus, mas a imagem não é Deus, certamente. Como você pode conhecer Deus? Obviamente, não por meio de uma imagem, não num templo. Para receber Deus, o desconhecido, a mente deve ser o desconhecido. Se vai em busca de Deus, então você já conhece Deus, conhece o fim; você sabe do que está atrás, não? Se você busca Deus, deve saber o que Deus é; de outro modo não o buscaria, não? Você o busca de acordo com seus livros, ou de acordo com seus sentimentos; e seus sentimentos são, simplesmente, a resposta da memória. Assim, aquilo que você busca já está criado, seja pela memória ou por boato, e aquilo que é criado não é o eterno – é produto da mente, senhores, se não houvesse livros, se não houvesse gurus, nem fórmulas para serem repetidas você conheceria apenas sofrimento e felicidade, não? Constante sofrimento e miséria, e raros momentos de felicidade; e aí você quereria saber por que você sofre. Não poderia escapar para Deus – mas provavelmente escaparia de outras formas, e prontamente inventa Deus como uma saída. Mas se você quiser, realmente, compreender todo o processo do sofrimento, como um novo homem, um homem vigoroso, investigando e não fugindo, então você se libertará do sofrimento, então descobrirá o que é realidade, o que é Deus. Mas um homem em sofrimento não pode descobrir Deus ou a realidade; a realidade só pode ser descoberta quando o sofrimento cessa, quando há alegria, não como um contraste, não como o oposto, mas aquele estado de ser em que não existem opostos.

Assim, o desconhecido, aquilo que não é criado pela mente, não pode ser formulado pela mente. Aquilo que é desconhecido não pode ser pensado. No momento em que você pensa no desconhecido, ele já é o conhecido. Certamente você não pode pensar no desconhecido, pode? Você só pode pensar no conhecido. O pensamento sai do conhecido para o conhecido; e o que é conhecido não é realidade, é? Então, quando você pensa e medita, quando senta e pensa em Deus, você pensa apenas no que é conhecido, e o conhecido pertence ao tempo; está preso na rede do tempo e, portanto, não é o real. A realidade só pode passar a existir quando a mente está livre da rede do tempo. Quando a mente deixa de criar, há criação. Ou seja, a mente deve estar absolutamente imóvel, mas não com uma imobilidade induzida, hipnótica, que é um resultado simplesmente. Tentar se tornar imóvel a fim de experimentar a realidade é outra forma de fuga. Só existe silêncio quando todos os problemas cessaram; como a poça fica imóvel quando a brisa para, do mesmo modo a mente fica naturalmente imóvel quando o agitador, o pensador, cessa. Para dar um fim ao pensador, todos os pensamentos que ele fabrica devem ser pensados. Não é bom criar uma barreira, uma resistência, contra o pensamento; porque os pensamentos devem ser sentidos, a mente estando imóvel, a realidade, o indescritível, surge. Você não pode convocá-la. Para convocá-la, você precisa conhecê-la, e aquilo que você conhece não é o real. Assim, a mente deve ser simples, descarregada de crença, de ideação; e quando há imobilidade, quando não há desejo, nem anseio, quando a mente está absolutamente imóvel com a imobilidade que não é induzida, então a realidade chega. E essa verdade, essa realidade, é o único agente transformador; é o único fator que traz uma revolução fundamental, radical à existência, à nossa vida cotidiana. E encontrar essa realidade é não buscá-la, mas compreender os fatores que agitam a mente, que perturbam a mente em si. Então a mente fica simples, imóvel. Nessa imobilidade o desconhecido, o irreconhecível, surge; e quando isso acontece, há uma benção.

8 de fevereiro de 1948