Hillary Peter Rodrigues

PHD, PROFESSOR DE ESTUDOS RELIGIOSOS, UNIVERSIDADE DE LETHBRIDGE, ALBERTA, CANADÁ

 

Foi com certa relutância que comprei meu primeiro livro de Krishnamurti, em 1973. Eu estava vasculhando livrarias a procura de literatura para saciar meu crescente interesse por filosofia clássica oriental e pela exploração da consciência, mas, ao contrário de muitos da minha geração, estava determinado a não sucumbir ao apelo exótico de um guru oriental contemporâneo. O nome obviamente indiano de Krishnamurti havia desencadeado minhas reações. Eu já havia percebido, na época, que as respostas satisfatórias e sólidas para minhas perguntas ardentes sobre o mistério da existência provavelmente não seriam encontradas em um livro, ou nas palavras de um grande sábio, não importa o quão inspiradoras fossem. O sentido era algo que eu preferiria encontrar por mim mesmo, embora eu realmente não soubesse procurar ou como proceder. Então foi com certa desilusão comigo mesmo por esperar por um vislumbre de luz em mais um livro, parcialmente com uma capacidade crítica ampliada, pronto para descartar qualquer coisa que cheirasse a bobagem, mas também com uma sede sincera por verdade, que eu li Krishnamurti pela primeira vez.

A experiência foi nada além de extraordinária. Diferente dos outros trabalhos que eu andava lendo, nos quais a linguagem era camuflada com mistério, ou nos quais as ideias eram remotas cultural e historicamente, ali estava um homem que falava sobre o mundo do modo que eu enxergava no fundo do meu coração. A linguagem dele era a mesma que a minha, suas questões eram as minhas, suas observações eram as minhas. Mas ele se diferenciava no ponto em que tinha coragem de falar a verdade da maneira que a via e vivia, e na profunda distância que ele havia viajado em sua jornada. Através do exemplo de sua própria paixão, Krishnamurti me proporcionou coragem para continuar um questionamento autossuficiente atrás da verdade sem capitular para o consolo temporário e prejudicial oferecido pela fé, esperança e comunidade ideológica. Eu viajei extensivamente, e nos anos que se seguiram esse espírito questionador levou a percepções sobre o pensamento e os processos de consciência que mudaram minha vida radicalmente e que, até hoje, eu ainda posso marcar como seus eventos mais significativos. Alguns anos depois, ainda com a euforia daqueles eventos transformadores, para minha sorte e por acaso, ouvi Krishnamurti falando em Oak Grove, em Ojai.

Dessa vez o encontro foi moderado. Eu vi que era possível continuar vivendo de forma vulnerável dentro da nova paisagem que eu habitava, permitindo que eu fosse revelado e moldado pelos processos de desenvolvimento da consciência. Ali, diante de mim, estava um homem que amadurecera através da ação do movimento criativo do real, sem quaisquer restrições das limitações do pensamento. O que mais me impressionou foi a total normalidade de Krishnamurti. Isso que era extraordinário, pois ele era acima de tudo um ser humano, nu e vulnerável, sem adornos e sem camadas, destemidamente desapegado de qualquer coisa, inclusive das peculiaridades de sua própria natureza.

Enquanto participava de estudos sobre religião na graduação, novamente me vi inclinado a examinar profundamente os ensinamentos de Krishnamurti, embora desta vez de uma perspectiva acadêmica. Embora entusiasticamente apoiado por muitos mentores respeitados, enfrentei oposição de um pequeno grupo de estudiosos intelectualmente talentosos, mas de mente pequena, que sentiram que o trabalho em Krishnamurti era, na melhor das hipóteses, sem importância, se não completamente irrelevante. Para minha grande satisfação e em defesa da confiança demonstrada em mim por meus orientadores, Visão e Mente Religiosa se tornou o primeiro estudo analítico dos ensinamentos de Krishnamurti a ser aceito para publicação por uma imprensa acadêmica no ocidente. Tais estudos abrem as portas para trabalhos acadêmicos sérios sobre o pensamento de Krishnamurti, permitindo que ele ocupe seu lugar de direito entre os mais renomados educadores, filósofos e figuras religiosas do século.

A vida de Krishnamurti, assim como seus ensinamentos, têm importância crucial para os acadêmicos do campo dos estudos religiosos, uma vez que ele é amplamente considerado uma pessoa religiosa contemporânea da mais elevada distinção. O que é particularmente digno de nota é que Krishnamurti não faz parte de nenhuma ordem religiosa já estabelecida, e intencionalmente se foi sem estabelecer uma.  Ao invés disso, Krishnamurti nos direciona para um estilo de vida essencialmente religioso aberto para todos, mas que pode ser vivido apenas sem dependência de qualquer tipo de autoridade. É uma autoridade que liberta o individuo para um relacionamento direto e autônomo com a fonte e substância da criação. Como resultado de seus ensinamentos e vida, Krishnamurti expandiu o significado de religião para abranger uma forma de vida que é fundamentalmente mística. No entanto, diferente do misticismo convencional que muitas vezes é confinada à força à linguagem e simbolismo de um meio cultural específico, a abordagem de Krishnamurti é total e necessariamente separada do contexto da tradição.

O crescente interesse por Krishnamurti sugere a capacidade de seus ensinamentos de se provarem notavelmente significativos em áreas em que a religião convencional parece estar seriamente aprisionada. Uma análise próxima e contínua de seu pensamento e impacto certamente proporcionará percepções proveitosas sobre os processos sociais e a condição humana.