Alan Kishbaugh

ESCRITOR, AMBIENTALISTA, LOS ANGELES, CALIFORNIA 

Eu me sinto muito privilegiado por ter passado vinte anos na companhia de Krishnamurti. Ele apresentava tamanha capacidade de ter cuidado, de ter atenção por todos seres vivos, que só de estar próximo a ele já era possível sentir-se parte de uma proteção invisível e abrangente.

Sua afeição pelas pessoas se manifestava em sua capacidade de ver nos outros mais do que eles viam em si mesmos. Ele trazia à tona o melhor em cada um, e as pessoas frequentemente se surpreendiam ao perceber a profundidade de seus próprios seres na presença dele. O que se desenvolveu desse reconhecimento interior, dessa generosidade de espírito, foi um enorme carinho. Ali estava alguém que queria ver o outro se tornar aquilo que podia ser, que estava estendendo sua mão para que o outro fosse exatamente aquilo.

Nossa relação parecia com a de dois irmãos próximos, ou mesmo de bons amigos com respeito mútuo. Costumávamos ir fazer comprar juntos em Londres, e também ao cinema em Los Angeles. Ele era um companheiro magnífico.

Krishnamurti apreciava a excelência e era atento aos detalhes, qualidades visíveis em seus ensinamentos. Suas palestras eram realizadas de maneira responsável e cuidadosa, com linguagem precisa, visando minimizar as ambiguidades. Ele escolhia bem suas palavras para evitar usar palavras que seriam rapidamente esquecidas ou que tivessem várias conotações. Prestava muita atenção à origem das palavras e consultava vários dicionários que detalhavam amplamente os significados e sua origem.

Os ensinamentos de Krishnamurti falam sobre a ordem e o comportamento correto. Por vezes ele definia sanidade como “tudo em seu devido lugar.” Na ordem há um desdobramento natural da beleza. Ao apreciar os objetos bem feitos, tal como roupas, carros e relógios, Krishnamurti apontava a existência do reflexo lógico e externo dos mesmos princípios que permeiam todo o ensino – ordem, beleza e inteligência.  Esses mesmos princípios e valores, tão meticulosamente aplicados a objetos materiais bem feitos, também estão presentes no mundo interior, e são fundamentais para a sanidade e para o comportamento correto.

Krishnamurti amava a natureza. A natureza, segundo suas afirmações, é algo externo à mente, intacto. Ele preferia falar em ambientes externos, sob a copa das árvores, onde pudesse ouvir os pássaros, sentir a brisa do vento e ver a luz tocando as folhas.

Passeamos várias vezes juntos na Suíça, na Inglaterra e em Ojai. Ele era um observador atento do comportamento dos animais e da vida selvagem. Enquanto caminhávamos, frequentemente trocávamos histórias sobre animais com os quais havíamos cruzado.

Nos anos sessenta, o movimento hippie estimulou grandes questionamentos sobre todos os valores da sociedade. As pessoas procuravam por novas direções, e parecia haver uma ruptura com o passado e uma porta aberta para o novo. Inicialmente, parecia estar acontecendo uma revolução verdadeira, ao lado de uma mudança fundamental no mecanismo de percepção. Porém, a lacuna formada entre terminar com o antigo e permanecer aberto para o novo, sempre em formação, começou a ser preenchida pela filosofia asiática, pelas drogas e por todo tipo de noções fixas.

Então, em vez de enxergar a profundidade do condicionamento de alguém e permanecer aberto a essa observação, durante as falas de Krishnamurti, acontecia também um movimento de afastamento, um movimento em direção a um recondicionamento. As pessoas passaram de verdadeiras revolucionárias, percebendo-se em ação nova e continuamente, para não revolucionárias. Era como estar em uma prisão, abrir a cela e se declarar livre apenas para dar alguns passos e entrar em uma nova cela. A visão era diferente, mas a prisão no condicionamento continuava lá.

Krishnamurti fala sobre a verdadeira revolução como o momento em que vemos a profundidade de nosso condicionamento. Uma vez vista, alarma o organismo por tempo suficiente para perceber algo além de seus patrões habituais. Quando não há movimentos em direção ao velho ou ao novo, há a possibilidade de ser livre para agir de uma posição livre de conceitos, crenças e percepções acumuladas.

Outras disciplinas, tal como Zen, Yoga e Budismo, falam de libertação. Mas Krishnamurti, ciente do antigo significado e do longo uso da palavra “libertação”, preferiu falar sobre liberdade. A liberdade é central nos trabalhos de Krishnamurti, e o que a diferencia da libertação é o conceito de responsabilidade pessoal. Krishnamurti fala sobre a liberdade no centro do ser, enquanto “libertação” envolve a noção de ser livre de algo.

Outras abordagens falam de realização através da vontade, autodomínio, equilíbrio ou harmonia de várias partes de nós mesmos, física, emocional e mentalmente. Mas novamente, há uma sensação de liberdade nesse conceito de conquista e libertação. A doutrina budista da libertação certamente significa muito mais que isso, mas não apresenta a noção de liberdade como algo que não se pode trabalhar diretamente, um dom que vem ao vermos a profundidade de nosso condicionamento. O dom da liberdade, cósmico ou não, desafia a definição.

O mais difícil de tudo é reconhecer que ver requer nada além da “ação” de ver. Não necessidade de ser, ou agir. Fazer, tornar-se e alcançar são projeções de nosso condicionamento.

Os ensinamentos abrangem três áreas. Primeiro, há o corpo de tudo que Krishnamurti disse, gravou, filmou, digitou e escreveu, no qual ele definiu o tom e os parâmetros do que considerou importante.

Então, há o ensinamento que se desenvolve internamente quando as pessoas começam a ouvir e a ver como estão no mundo. Conforme procedem da verdade do que veem em si mesmos, seu condicionamento, como estão no mundo, e não se separam dele, o ensinamento começa a viver.

“O que vocês farão quando eu tiver partido?” Krishnamurti constantemente dizia essas palavras para aqueles responsáveis pelos trabalhos das fundações. Em outras palavras, “Se o trabalho é apenas ‘meu’, e não seu, como ele sobreviverá?”

É nesse ponto, à medida que os ensinamentos se tornam nossos, que uma terceira fase surge. A possibilidade de viver uma vida sã, inteligente e não destrutiva reside em aceitar a responsabilidade de ver a vida de alguém sem julgamento, mas como ela realmente é, e como estamos todos conectados com o resto da humanidade. Em tal vida, como Krishnamurti tão eloquente e graciosamente nos mostrou, há afeto por todos seres vivos.