3ª palestra em Nova Deli

 

Podemos continuar com o que falávamos na última segunda-feira? Estávamos tentando entrar na questão do medo, que é um problema muito complexo. Mas antes de entrarmos nela profundamente, se me permitem lembrá-los, essa não é uma conferência como se compreende em geral, para informar, para instruir, mas antes é uma conversa entre nós, conversa entre dois amigos que estão interessados no problema da existência, com toda a sua complexidade e dificuldades, e não para convencer o outro de nada, não para persuadir um ao outro, eles não estão fazendo propaganda. O que eles estão tentando fazer juntos é pensar sobre as várias questões contidas em nossa vida cotidiana. Apenas em nossa vida cotidiana, nem teorias, nem especulações, nem presunções e conclusões filosóficas ou intelectuais, mas antes investigar, pensar juntos. E para pensar juntos é preciso ouvir um ao outro. Existe uma arte de ouvir que é ouvir não apenas com o ouvido, mas a audição do ouvido, mais profunda, mais atenta, mais interessada, afetuosa, não traduzindo o que é dito em sua própria terminologia, em seu próprio condicionamento particular, mas antes ouvir um ao outro. E como isso não é possível com um grande público como esse, nem podemos ter um diálogo, que é uma conversa entre duas pessoas, vamos presumir que há apenas uma pessoa aqui, e falar um com o outro.

Falávamos outro dia – não? – que relação é de enorme importância porque a vida toda se baseia na relação. Se nessa relação existe conflito de algum tipo, então ela provoca divisão, toda a confusão que acontece em nossa relação seja ela íntima ou não. Dissemos também que, enquanto houver o mecanismo de formação de imagem sobre o outro a comunicação não é possível, ou a relação, a relação profunda, não é possível. Entramos nisso com muito cuidado. E assim, por favor, estamos pensando juntos se isso é possível, porque a maioria de nós é muito obstinada, muito definitiva em nossas opiniões, em nossas convicções, em nossas conclusões, em nossos ideais, em nossa própria importância e, assim, dificilmente ouvimos um ao outro, ou pensamos juntos. Talvez seja possível esta tarde pensarmos juntos, não sobre alguma coisa – isso é bem fácil. Se você for um homem de negócios pode pensar em conjunto sobre fazer alguma coisa e assim por diante, ou ganhar dinheiro,planejar para isso, daí você coopera. Mas aqui pensar juntos não significa a respeito de alguma coisa, a capacidade, o impulso de cooperar no pensar.

Então vamos pensar juntos sobre medo, o que é medo, como ele surge, qual é sua causa, aonde ele leva – à violência, a várias formas de neuroses, psicoses, e como ele obscurece nossas vidas, como o medo, tanto biológica como psicologicamente, contrai a pessoa. E falávamos também, quando discutimos isso brevemente outro dia, pensamento e tempo é um dos principais fatores do medo. Entramos na questão do pensamento; sendo o pensamento limitado, pois toda experiência é limitada, todo conhecimento seja no passado ou no futuro, o conhecimento sempre será limitado, sempre continuamente limitado, e dessa experiência, o conhecimento armazenado no cérebro como memória e dessa memória vem o pensamento. E, assim, o pensamento é sempre limitado tenha você inventado deus, que é invenção do pensamento, e toda a parafernália que acontece nos vários templos, igrejas e mesquitas é inventada pelo pensamento que é sempre limitado. O pensamento pode imaginar o ilimitado, o eterno, o imensurável, mas é ainda o movimento do pensamento. E o pensamento é um movimento material e não há nada de sagrado em relação ao pensamento. Eu espero… Estamos nos entendendo? Não que estejamos tentando persuadi-lo, mas esse é um fato óbvio. Você pode não estar querendo olhar para os fatos porque pode se ser supersticioso, ideológico, temeroso de olhar os fatos e, por isso, gostamos de viver em ilusões. Essa é nossa sina, temos vivido por milhões de anos na ilusão.

Uma das ilusões, principais ilusões, como apontamos outro dia, nossa consciência com todas as suas reações, com todo o seu conteúdo – medo, crença, fé, ansiedade, remorso, culpa, você sabe, prazer, dor, sofrimento – tudo isso é nossa consciência. E essa consciência não é individual, ela é compartilhada por todos os seres humanos, seja no ocidente, no oriente ou a que país pertençamos, essa consciência é compartilhada por todos os seres humanos. Falamos consideravelmente sobre isso. Assim, quando se percebe esse compartilhamento da consciência por toda a humanidade, você então é a humanidade, não é mais um indivíduo. Sei que esta é uma afirmação que você não vai aceitar, mas é um fato. Olhe para ele cuidadosamente, logicamente, sensatamente, com um sentido de questionamento, com a qualidade do cérebro que duvida, questiona a autoridade. E quando você começa a investigar, não os outros, mais examinar seus próprios pensamentos, ações e respostas, seus medos, suas ansiedades, então descobrirá por si mesmo que todos os seres humanos, estejam eles em regimes totalitários, ou nos chamados governos democráticos, separados por religiões, vocês todos compartilham a mesma ansiedade, incerteza, insegurança, busca por segurança. Então nós somos… nós partilhamos este enorme fardo.

E um dos principais fardos de nossa consciência é o medo. Por que os seres humanos, por mais sofisticados, por mais cultos, por mais que adorem devotadamente algum deus feito pela mão ou pela mente, há sempre medo – medo da morte, medo do amanhã, medo daquilo que aconteceu semanas atrás e assim por diante. Não estamos discutindo uma forma particular de medo, mas a causa do medo, se essa causa pode ser eliminada totalmente, completamente. Então devemos começar com a estrutura da psique – certo? – não como se libertar do medo externamente, mas psicologicamente, internamente, sob a pele por assim dizer. Quando existe medo internamente, não falado, não investigado, então esse próprio medo cria externamente, no mundo exterior, uma grande confusão – o que é óbvio. Você pode ver isso.

Então vamos pensar juntos, examinar juntos qual é a raiz do medo, se essa raiz pode ser totalmente extirpada. O medo assume muitas formas. O medo é parte da violência. A violência é um caso muito sério. A agressão, física e psicológica, faz parte do medo. E nós nunca compreendemos ou nos libertamos de toda a violência. Neste país vocês falaram um bocado sobre não-violência. Esse é um de seus lemas favoritos, clichê, que estamos todos tentando ser não-violentos. Essas duas palavras são usadas politicamente e por pessoas comuns. A não-violência não é um fato. É uma ideia. O fato é a violência. Certo? Nós nunca lidamos com o fato, mas antes, fugimos do fato para um conceito chamado não-violência. E esse conceito é criado pelo pensamento e nós o perseguimos e semeamos a violência na busca da não-violência. Certo? Você está acompanhando tudo isso? Vocês todos estão interessados nisso tudo ou tudo é uma porção… eu falo com alguém ou comigo mesmo em meu quarto, ou escrever um livro sobre isso. Estamos juntos? Espero que sim, de outra forma, não sei por que vocês estariam sentados aí. É uma perda de seu tempo.

Então qual é a raiz do medo? Violência, agressão, e quando se está inseguro, não esclarecido, essa confusão provoca um estado de ansiedade, e onde existe ansiedade, existe medo também. E onde existe medo existe o desejo de ferir pessoas e assim por diante. Portanto, não estamos falando de um medo particular – por favor, compreenda – não seu medo particular – você pode ter medo de sua esposa, ou de seu marido, ou de seu governo, ou de seu superior – mas medo é uma coisa integral. Está claro, que não estamos pensando juntos sobre uma forma particular de medo, mas antes examinando por que os seres humanos, durante milhares de anos, têm carregado esse fardo, por que, por mais intelectuais, cultos eles sejam, sofisticados ou tecnologicamente avançados, esse medo continua.

Então, se pudermos esta tarde pensar juntos e ver se é possível eliminar totalmente os medos psicológicos. Não como se libertar do medo. Quando você pergunta como se libertar, então quer um sistema, um método, uma prática, e esse próprio sistema, método, prática provoca mais medo – se você está fazendo corretamente, se você – entende? – o medo é mantido. Estamos juntos? Receio que não. Alguns de vocês, alguns de nós, estamos muitos treinados em sistemas, métodos, muito condicionados, ’Diga-me o que fazer, diga-me como me livrar do medo, eu vou praticar’. E seu cérebro se torna mecânico. Certo? Se você praticar vezes e vezes ele fica como uma gravação de gramofone tocando o mesmo velho som. Por outro lado, se você quiser… se nós dois quisermos entrar nesta questão muito profundamente e examinar não ‘como’, examinar de forma a descobrir a origem dele. Quando você vai a um médico ele não trata apenas do sintoma, mas quer descobrir a causa. E na diagnose ele encontra a causa e diz, ‘Não coma muito’, ou tome isso ou aquilo, e elimina a causa – pelo menos se espera que sim. Mas do mesmo modo estamos investigando a própria causa do medo. Certo? Qual é a causa? Estamos pensando juntos. Eu posso colocar em palavras, eu posso, pode-se descrever isso, é possível, colocando em palavras o orador não está ajudando você a compreender o medo. Você mesmo está fazendo isso. Certo? Você mesmo está fazendo, embora o orador possa falar a respeito. Certo?

Qual é a causa do medo? Por favor, se você descobrir, isso atua. Não continue com o medo. Qual é a causa dele? É o pensamento? Pensamento – tive certa ansiedade, medo no ano passado ou na semana passada e espero que isso não ocorra novamente. Entende? O medo tem uma continuidade. Certo? Claro? O medo tem uma continuidade, duração, e essa continuidade implica tempo. Então tempo, pensamento, é a raiz do medo. Certo? Você não pode contornar esse fato. O próprio pensamento cria o medo. Eu tenho um emprego, estou bem feliz neste momento, mas posso perdê-lo. Então o pensamento projeta no futuro uma condição em que posso me encontrar, e isso cria medo. Ou senti certa dor, dor física, lembrar dela e esperar que não aconteça de novo. Então são os dois: pensamento e tempo é a raiz do medo. Agora você ouviu isso – o que pode ser feito? Compreende? Você ouviu o fato que pensamento e tempo basicamente, fundamentalmente, é a causa do medo.

E a próxima pergunta surge naturalmente: como vou deixar de lado o pensamento? Certo? Ou como vou parar o pensamento? Você está acompanhando? Se eu posso parar o pensamento e a continuidade de um movimento como o tempo, isso é possível? Espero que você mesmo esteja se fazendo essa pergunta. Eu não estou lhe colocando essa pergunta. Você mesmo está se fazendo essa pergunta. A pessoa vê a verdade que pensamento, tempo, é a essência do medo. Agora como você observa esse fato, que pensamento e tempo são a causa do medo? Como você olha isso ou recebe isso ou aborda a pergunta? Compreende? Como você – devo repetir isso – como você, quando ouve esse fato, qual é sua resposta a ele? Resposta real, não resposta calculada. Você, naturalmente, diz que está preso. Certo? Você está preso nessa posição. E se você perguntar ‘como’, novamente a resposta é mecânica. Então você também está preso aí. Está bloqueado. Certo? Está? Sendo detido por um fato. Certo? Será que você vê isso? Você está retido por uma realidade, e não tem resposta para ela. Certo? Se você for honesto consigo mesmo, você vê essa verdade e sabe que não pode fazer nada. Certo? Ou seja, pela primeira vez em sua vida você disse, eu não posso fazer nada. Certo? Antes, você sempre fazia alguma coisa. Será que você…? Você sempre agia sobre o medo – eu devo controlá-lo, devo suprimi-lo, devo… há a racionalização do medo e assim por diante. Havia sempre… você tinha uma ação em relação a ele. Agora não pode. Certo?

Então você observa sem reação. Você olha o fato, e o fato não é diferente de você. Certo? O fato é você. Isso também está claro? O medo produzido por tempo e pensamento é você. Como a raiva é você, a ganância é você, seu nome, sua forma, seu modo de pensar é você. Então você está preso consigo mesmo. Não há ninguém para ajudá-lo. Compreendeu? Não. Ninguém para ajudá-lo a se libertar do medo, porque o próprio guru tem medo. Ele quer alcançar outro estado, e você sabe, todas essas tolices. Então, pela primeira vez, você está numa posição, numa situação onde não há ninguém para ajudá-lo – nem deus, nem anjos, nem governo, nem salvador. Daí o que acontece com todo o seu ser? Você está compreendendo tudo isso?

Daí você pode olhar isso totalmente sem nenhuma reação, porque você é isso, e você verá, porque você trouxe toda a energia que tem gasto na procura de uma saída, tentando suprimir o medo, tentando adorar deuses para salvá-lo do medo, toda essa energia gasta está agora reunida como energia completa, e essa energia dissolve totalmente o medo. Certo? Façam isso, senhores, façam enquanto estão sentados aqui escutando agora, não quando forem para casa, então será muito tarde. É simples adiamento, fuga. Pelo contrário, se você puder encarar o fato, então sempre estará lidando com fatos. Fatos são coisas que aconteceram no passado e o que está acontecendo agora. Fatos não existem no futuro. Certo? O fato que houve um acidente. Isso é um fato. No ano passado fui vítima de um acidente de carro – não fui, mas suponha que fui – e isso é um fato. E é um fato agora que estou sentado aqui falando e assim por diante. Então sempre viver com fatos, não com opiniões, não com conclusões, não com ideais, mas, na verdade, que você está furioso, que você é ambicioso, é violento. Esse próprio ato de viver com o fato do medo, porque esse fato exige sua atenção total, e onde existe atenção total, que traz toda a sua energia, é como jogar luz radiante sobre um objeto, e você vê as coisas claramente e, portanto, totalmente livre do medo. Para o orador isso é um fato, psicologicamente. Você pode não acreditar, não me importo. Mas o fato é que quando há liberdade desse medo, só então existe amor.

Vamos entrar nisso agora, na qualidade e natureza do amor, compaixão e inteligência. Mas não se pode chegar nisso onde existe medo. E também devemos considerar por que os seres humanos mundo afora ficam buscando o prazer eternamente. Você está? Prazer sexual, prazer de conseguir, prazer do poder, prazer da posição, prazer de ser alguém. Certo? Essa tem sido a busca do homem. Poder, dinheiro, sucesso – por quê? O que é prazer? Entre nisso, por favor, estamos pensando juntos. Eu não estou, o orador não está fazendo uma conferência sobre isso. O que é prazer? Conseguir um… se tornar bem sucedido, não só nesse mundo feio – o mundo é muito bonito, mas nós o tornamos feio – não só ser bem sucedido nesse mundo, mas também ser bem sucedido no outro mundo. É o mesmo movimento, eles não são duas coisas diferentes. Compreende? Nós dividimos. Essa é uma das nossas peculiaridades do pensamento, dividir. Dividir o mundo, mundo material e o chamado mundo espiritual. Num mundo espiritual se me permitem usar esta desgastada expressão ‘espiritual’, Se me permitem usá-la; eu, pessoalmente, o orador não gosta dessa expressão, mas vamos usá-la. No mundo espiritual há um tremendo prazer em alcançar. Eu sou assim hoje, mas amanhã serei aquilo. E no mundo físico isso é bastante óbvio.

E pergunta-se por quê. Por que isso, não só essa divisão, mas por que essa busca de prazer, de repetição dele, o conteúdo mecânico dele? Você compreende tudo isso? Seja sexual ou outro, ele se torna mecânico, habitual. Significando o quê? Nossos cérebros – não devo entrar muito nisso – nossos cérebros são tão… se tornaram… se tornaram muito mecânicos. Certo? Você vai à escola, ginásio, universidade, conhecimento – certo? – e funciona nisso pelo resto de sua vida, habilidosamente ou não. Você estabeleceu o padrão, a tradição, e a segue. Certo? Encare o fato, senhor. não seja… Você vai fazer exatamente aquilo que quer fazer. Certo? Você pode ouvir tudo isso muito educadamente, talvez com um pouco de respeito, e talvez ainda menos afetuosamente, mas depois de ter ouvido muito cuidadosamente por uma hora, vai fazer exatamente o que quiser fazer. Esse é seu prazer. E por que os seres humanos que são tão extraordinariamente inteligentes, inventivos, abertos numa direção, no mundo tecnológico, e por que eles ficam tão presos nesse prazer restrito, na rotina dele? É ainda o pensamento? É ainda o tempo? Então, o pensamento é tanto o criador do medo quanto a continuidade do prazer. Certo? Será que você vê isso? Tudo isso são fatos.

E perguntamos, próxima pergunta: amor é prazer? Amor é desejo? O amor é instrumento do pensamento? Por favor, estamos perguntando… você está fazendo essa pergunta não eu, não o orador. Ou só estamos interessados em prazer e desejo. Então temos que examinar, se você não estiver muito cansado, o que é desejo. Examinamos o medo, e encarando o fato e não saindo do fato, vemos o que o pensamento fez; tempo e pensamento produziram o medo, trouxeram a continuidade e a demanda por prazer, e perguntamos, o amor é parte do pensamento? O amor é uma continuidade do tempo? Certo? Então vamos descobrir juntos se é possível compreender – não intelectualmente ou sentimentalmente, pois a emoção é muito limitada, estreita, restrita, como o sentimentalismo. Sentimentalismo e romantismo geram violência. Certo? Não vou entrar nisso tudo agora, não há tempo.

Então o que é amor? Você ama sua esposa? Você ama seu marido? Você ama seus filhos? Amor. Se você amasse seus filhos, realmente os amasse com seu coração, não haveria guerras. Certo? Você os educaria de modo diferente. Veria as causas da guerra, nacionalismo e por aí vai, que examinamos. Se você realmente amasse, aquele perfume, aquela beleza, aquela qualidade de profundeza e força então não só não haveria guerras, então as religiões não dividiriam as pessoas – cristão, hindu, budista, islã, você conhece todo esse tipo de… divisões intelectuais que não têm realidade mesmo. Então vamos juntos descobrir. Não descobrir intelectualmente, nunca descobriremos por meio de palavras, de jogos intelectuais. Você tem que mergulhar nisso, descobrir muito profundamente. E temos que perguntar, desejo é amor? E o que é desejo? Por que os seres humanos ao longo das eras são escravos do desejo. Eles o suprimem, dedicam seu desejo a deus, se tornam monges, ‘sannyasis’, para suprimir – não olhe para a mulher, ou se você é freira, não olhe para o homem. Certo? Então o desejo foi pisado, controlado, suprimido, racionalizado, transmutado em algum propósito mais elevado, ao serviço da humanidade, serviço social, toda essa bobagem – desculpem por usar essa palavra – toda essa tolice, porque não compreenderam a profundidade dessa palavra ‘desejo’. Então juntos, por favor, vamos investigar, pensar juntos, a causa de por que os seres humanos se tornaram escravos do desejo. Nós não somos contra o desejo. Não estamos dizendo para suprimi-lo, fazer alguma coisa com ele. Estamos investigando a natureza do desejo, sua estrutura, sua origem. Certo?

Vocês estão cansados? Naturalmente dirão que não, porque o orador está fazendo todo o trabalho. (Riso) Se você realmente aplicasse seu cérebro para descobrir, então descobriria que tem mais energia, vitalidade para ir mais adiante nisso. Mas se simplesmente diz “Sim, concordo com você, é isso, é um fato’, e vai para casa e continua do seu próprio jeito antigo, então é inútil. Então, por favor, vamos pensar juntos sobre o que é desejo. Não como suprimi-lo ou atuar no desejo, mas qual é a sua origem, qual seu início? Vamos fazer isso?

Você já observou a lua nova, ou a lua surgindo, com todos os seus sentidos? Ou você apenas diz, “Como é bonita’, ou nunca olha para ela. Você já olhou para alguma coisa com todos os seus sentidos despertos? Talvez não, mas se o fez, nessa atividade em que todos os sentidos estão completamente em ação não existe centro como eu. Certo? Oh, você não compreende isso tudo. Então os sentidos são importantes. Certo? A menos que você esteja completamente paralisado – espero que não esteja – seus sentidos estão em ação. Quando você come, quando bebe, quando faz sexo, todos os seus sentidos estão funcionando. Mas eles nunca estão funcionando como um todo – certo? – eles funcionam parcialmente. Então as reações sensoriais são muito importantes. A menos que você esteja parcialmente paralisado, como a maioria de nós está – pelo medo, pela ansiedade, por todos os tipos de coisas – nossos sentidos são limitados, controlados. Então os sentidos respondem. Certo? O sentido de ver um carro, uma mulher, uma montanha, uma árvore – há uma resposta, há uma sensação – certo? – há contato. Ver, contato, sensação – certo? – isso é normal. Certo? Concordamos? Estamos juntos nisso? Você vê uma bela camisa na vitrine. Entra na loja, toca o material, e tem uma sensação. Certo? E o que acontece? É importante descobrir isso. Eu entro na loja, vejo um bom paletó, toco o material, o que é uma sensação natural normal. E então chega o pensamento e diz como eu ficaria bonito com esse paletó. Certo? E o pensamento cria a minha imagem naquele paletó. Neste momento nasce o desejo. Compreende? Ou seja, ver um belo carro com belas linhas modernas, bem polido – não os carros indianos (riso), desculpem – bem polido, o último modelo, pode andar muito rápido, seguro e todo o resto – você o vê, põe sua mão nele, vê como está bem polido, polimento metálico, e o pensamento chega e diz, por Deus, como seria bom entrar nesse carro e dirigir. Quando o pensamento usa a sensação com sua imagem, nesse momento o desejo nasce. Claro? Não, claro no sentido, ver por si mesmo, não a explicação que o orador está fazendo. Certo? Então a origem do desejo começa quando o pensamento cria a imagem. Certo? Isso é importante, por favor, se puderem ouvir calmamente.

Agora, nós disciplinamos o desejo, o controlamos, moldamos: esse desejo é certo, aquele desejo é errado; esse é um desejo nobre, desejo sagrado, e aquele é um desejo mundano, desejo baixo; desejo correto e desejo incorreto. Mas desejo é desejo. Certo? Chame você de profano ou sagrado, é desejo ainda. Então, a menos que se compreenda o início do desejo, então todo o problema de controle, supressão, o que fazer com o desejo e tudo o mais aparece. Certo? Por outro lado – se você gentilmente ouvir isso – por outro lado, se houver um intervalo entre ver, contato, sensação, um intervalo onde o pensamento não interfira – compreende? – quando o pensamento não diz como seria bom se eu pudesse entrar nesse carro e dirigir – um intervalo – compreende? – um espaço entre sensação e a atividade do pensamento interferindo com essa sensação. Entende? Se você puder ampliar o espaço. Você compreende o que estou dizendo? Não pareça surpreso. Vou entrar nisso de novo. Caramba, é preciso explicar todas essas coisas? Vocês não conseguem captar instantaneamente, sem incontáveis palavras, explicações intelectuais? Aparentemente não, então vamos entrar nisso.

Você vê aquele carro novo, um objeto na sua frente. Você se aproxima e toca nele. Certo? Vê como é lustroso, como o cromado está belamente polido, a cor nova. Esse é um estado – certo? – ver, contato, sensação. Então o pensamento chega, cria a imagem: você sentado no carro e dirigindo. Certo? Neste momento em que o pensamento cria sua imagem – nesse segundo nasce o desejo. Certo? Veja o fato, questione o fato, duvide do fato, descubra se isso é verdadeiro ou não. O desejo só existe onde existe sensação. Certo? E a sensação se torna o instrumento do pensamento. Certo? O pensamento usa a sensação: no carro – certo? – ou o pensamento diz, eu tive essa experiência que foi tremendamente agradável, quero mais. Certo? Então o que o orador está dizendo é muito simples, por isso você acha terrivelmente difícil. O orador está dizendo: a sensação e o pensamento com sua imaginação – certo? Deixe-os separados por enquanto. Compreende? Você vê o carro, toda a atração, a sensação, e deixa haver um intervalo, um hiato entre pensamento e sensação – certo? – não agir imediatamente, agir fisicamente ou agir inteligentemente. Compreende? Isso significa um sentido de observação em que há certa qualidade de observação em que não existe apego. Compreende? Oh, não posso… Colocar de dez maneiras diferentes.

Então estamos perguntando desejo é amor? Para a maioria de nós prazer, desejo é amor. Não se aborreça. Não boceje agora (risos), pois esse é um momento bem desagradável para você. Nós amamos de fato? Ou o amor se tornou uma troca: você faz isso para mim, e eu faço aquilo para você. Amor é prêmio e punição? Compreende? Estou usando o inglês comum, linguagem simples. Ou seja, você treina um cachorro dando prêmios – certo? – e punindo-o quando ele não obedece. Você deve ter cães, deve ter observado cães, ou tem seu próprio cachorro; se você está treinando um cachorro, você premia, ‘senta’, e dá um tapinha nele, ou o castiga quando ele não vem… não faz o que você pede. Assim ele logo aprende como agir de acordo com suas instruções, baseado em prêmio e castigo. Certo? E nós somos assim também. Certo? Eu farei isso se você me der aquilo; aquilo que for mais agradável, eu farei. Se me machucar, não farei. É o mesmo princípio. Compreende? Então estou perguntando, o amor é uma questão de prêmio e punição? Ou amor nada tem a ver com pensamento. Se a pessoa tem esposa ou marido, ou namorada, que é a tradição moderna, qual o lugar do amor? O amor é uma lembrança? Oh, você não faz essas perguntas! Amor é eu lhe dou isso, você me dá aquilo, troca, pensamento, dominação, apego, posse, isso é amor? Ou o amor não tem nada a ver comigo. Você compreende isso?

No amor não existe eu. Onde o amor existe, o ego não está. Isso significa que não há ambição. Oh, você não sabe nada disso. Como pode um homem ambicioso amar? Como pode um homem em busca de poder, seja politicamente, religiosamente, ou o poder sobre uma pessoa, como ele pode amar? Você compreende tudo isso? Não diga não, ele não pode – você está preso nessa posição. Você não vê poder sob nenhuma forma – poder político, poder religioso, o poder de um livro, o poder de um guru, o poder de um líder é feio, maligno, brutal, maligno – você não vê isso. Nós adoramos o poder. Não? Por isso existe o capital, onde todos os políticos florescem. Todos nós queremos poder, de uma forma ou outra. E, portanto, onde existe poder, o amor sai pela janela. E é por isso que o mundo está em tal medonha confusão.

E o amor tem sua própria inteligência. E onde existe amor essa inteligência atua, que não é a inteligência do pensamento, inteligência do cálculo, das lembranças, prêmios. Inteligência – que não podemos examinar esta tarde, estamos encerrando – a inteligência não é o instrumento do pensamento. Então é preciso investigar o que é inteligência. A palavra significa não apenas ler entre as linhas, mas reunir informação e usar essa informação intelectualmente, fisicamente e assim por diante. Esse é um significado comum da palavra ‘inteligência’, num dicionário, o significado original, interlegere é ler entre as linhas. Mas não estamos falando dessa inteligência; essa todos têm. Nós somos todos muito espertos, somos todos muito instruídos, sabemos muito, mas não somos inteligentes. Quando você sabe, por exemplo, que uma das causas da guerra, matar outros seres humanos, é nacionalismo, tribalismo – vocês sabem disso muito bem, mas são ainda hindus, muçulmanos, siks, sabem, todo o resto. De modo que embora conheçam a causa da guerra, estão perpetuando a guerra. Isso é o cúmulo da estupidez. E as pessoas que estão no poder são assim, no mundo inteiro.

Então, meus amigos, vocês ouviram, e se ouviram cuidadosamente um ao outro, o que significa ouvir a si mesmo, não ouvir o orador. Se você ouviu a si mesmo, ele é apenas um espelho em que você se vê como você é. Se você vê a si mesmo como você é, então pode jogar fora o espelho, quebrá-lo. O espelho não é importante, ele não tem valor. O que tem valor é você ver claramente a si mesmo nesse espelho, como você é – sua mesquinhez, sua estreiteza, sua brutalidade, as ansiedades, os medos – todo o resto. Então você começa… quando você começa a compreender a si mesmo, então você entra profundamente em alguma coisa que está além de qualquer medida. Mas você tem que dar o primeiro passo. E ninguém vai ajudá-lo a dar esse passo.

Agora vocês ouviram tudo isso – três palestras. O que vão fazer com isso? Apenas continuar do mesmo velho jeito, seguir o mesmo velho padrão – insensível, indiferente, despreocupado, exceto consigo mesmo, e a brutalidade do mundo que nós criamos, porque também somos pessoas muito brutas. Então, por favor, vamos pensar juntos, considerar juntos e encarar os fatos, não fugir dos fatos. Então as portas se abrem para a clareza. Então você abole a confusão completamente. Pensa claramente, objetivamente, e vê sua limitação. E quando você vê sua limitação então fica perguntando, procurando, tentando descobrir um novo instrumento que não seja o pensamento – o que examinaremos amanhã se houver tempo. Vamos ter que discutir, conversar juntos sobre a questão da morte, que é muito complexa, a questão do que é a mente religiosa, o que é religião, o que é meditação, se existe alguma coisa realmente sagrada, divina, que não está tocada pelo pensamento. Vamos considerar tudo isso amanhã, se houver tempo.

 

12/11/1983