4ª Palestra em Saanen, Suiça

Esta manhã, se puder, gostaria de falar sobre algo que pode ser um tanto difícil de compreender. A maioria das pessoas é escrava das palavras, as quais podem tornar-se extraordinariamente importantes. As palavras são necessárias como meio de comunicação, mas, para a maioria de nós, a palavra é a mente, e estamos escravizados pelas palavras. Até que entendamos esta profunda questão da verbalização e a importância da palavra, e quanto estamos escravizados às palavras, continuaremos a pensar mecanicamente, qual computadores. O computador é a palavra e o problema. Sem o problema e a palavra, não haveria computador; ele não teria valor algum. Para a maioria dos seres humanos, também, a palavra e o problema são tremendamente importantes, de modo que devemos entrar nessa questão das palavras.

Não sei se estamos cônscios de quão ligados estamos à palavra, ao símbolo, à ideia. Nunca questionamos a importância da palavra. Quando uso o termo “palavra”, refiro-me ao símbolo, ao processo de dar nomes, com sua extraordinária profundidade ou superficialidade, por meio do que pensamos ter compreendido o inteiro significado da vida. Não acho que cada um de nós compreenda até que ponto a mente, todo o nosso ser, depende da palavra, do símbolo, do nome, do termo. E parece-me que, enquanto formos escravos das palavras e permanecermos nesse nível, toda a nossa atividade, tanto física quanto psicológica, certamente será superficial.

Há muita discussão hoje em dia sobre a filosofia das palavras, e a construção de uma estrutura, um sistema de palavras. Acho que devemos estar atentos a esta questão e observar o quão profundamente ou superficialmente ela afeta nossa vida, e deveríamos procurar saber se a mente pode algum dia ficar livre da palavra.

Agora, quero entrar nesse assunto porque parece-me que a palavra é o passado; ela não é o presente ativo. Num mundo de tanta violência, de tanto ódio e brutalidade, uma palavra como compaixão tem muito pouco significado. Estamos todos cientes do que acontece no mundo: a competição, as ambições e frustrações, a enorme brutalidade, o ódio e a violência causada pelo conflito entre partidos políticos, a direita contra a esquerda, a esquerda contra a direita. Certas palavras são torcidas por conveniência e perderam todo o significado. Há violência em todos nós, consciente ou inconsciente. Há agressividade, desejo de ser ou de tornar-se alguma coisa, compulsão de expressar-se a qualquer custo, de satisfazer-se sexualmente, no relacionamento, no escrever, no pintar – coisas que são, todas elas, formas de violência.

Não sei até que ponto temos consciência disso tudo sem que ninguém no-lo diga. Há imensa crueldade em um mundo no qual um pequeno grupo de pessoas domina completamente milhões de outras e governa suas vidas com tirania, como acontece no Oriente e na Rússia. E pergunto-me até que ponto estamos conscientes da nossa própria crueldade, nossas ambições agressivas, nossa compulsão de satisfazer-nos a qualquer custo, de sorte que uma palavra como compaixão tenha muito pouco significado.

Como eu dizia outro dia, a menos que haja uma completa mudança, uma total mutação na inteira consciência do indivíduo, qualquer sociedade construída com base em impulsos aquisitivos e agressão está fadada a ficar cada vez mais cruel, mais tirânica, mais e mais entregue a valores materialistas – o que significa que a mente se tornará sempre mais submissa a esses valores. Não sei se vocês têm consciência de tudo isso. Provavelmente, a maioria de vocês lê jornal todos os dias, e, infelizmente, acabam acostumados com isso – acostumados a ler sobre as crueldades, as brutalidades. Ler tais coisas todos os dias embota a mente e, assim, fica-se acostumado a elas. Por conseguinte, gostaria de, nesta manhã, falar com vocês sobre como romper as camadas desse condicionamento ambiental feio e estúpido que tornou a mente escrava das palavras, e também da estrutura social na qual vivemos.

Como tenho procurado esclarecer, sinto que a crise que surgiu no mundo não é nem econômica nem social, mas uma crise na mente, na consciência; e não pode haver resposta a essa crise a menos que haja uma mutação profunda, fundamental em cada um de nós. Essa mutação só pode acontecer se entendermos o inteiro processo da verbalização, que é a estrutura psicológica da palavra. Por favor, não descarte isso dizendo: “Isso é tudo?” Isso não é coisa que se possa descartar facilmente, pois a palavra, o símbolo, a ideia está profundamente arraigada na mente. Estamos falando de induzir uma mutação na mente, e, para tal, é preciso que a palavra cesse. Ao ouvir uma afirmação deste tipo pela primeira vez, você provavelmente não saberá o que ela significa e dirá: “Que tolice!’ Mas não vejo como a mente possa ficar completamente livre, enquanto não tivermos entendido a influência da palavra, e da interpretação da palavra – o que significa que temos de entender todo o processo do nosso pensamento, pois ele é inteiramente baseado na palavra.

Por favor, isto não é uma conversa “intelectual”. Tenho horror à mente intelectual que apenas tece palavras sem muito significado. Vocês tiveram muitas dificuldades para virem aqui, e seria realmente uma pena se não levassem a sério o que estamos dizendo. Certamente, precisamos considerar este problema da palavra com grande determinação e profundidade.

Agora, se a palavra for removida, o que lhe sobra? A palavra representa o passado, não é? Os inúmeros quadros, imagens, camadas da experiência, tudo se baseia na palavra, na ideia, na memória. Da memória procede o pensamento, e damos ao pensamento extraordinária importância. Mas eu questiono toda essa importância. O pensamento não pode, de modo algum, cultivar a compaixão. Não estou usando a palavra compaixão no sentido de oposto, antítese de ódio ou violência. Mas, a menos que cada um de nós tenha um profundo senso de compaixão, seremos mais e mais brutais, desumanos uns com os outros. Teremos mentes mecânicas, qual computadores, treinadas apenas para realizar certas funções; continuaremos a buscar segurança, tanto física quanto psicológica, e perderemos a extraordinária profundidade e beleza, o inteiro significado da vida.

Por compaixão não me refiro a algo que deva ser adquirido. A compaixão não é a palavra, a qual só representa o passado, mas compaixão é algo que pertence ao presente ativo; é o verbo e não a palavra, o nome, ou o substantivo. Há diferença entre verbo e palavra. O verbo é do presente ativo, ao passo que a palavra é sempre do passado e, portanto, estática. Você pode dar vitalidade ou movimento ao nome, à palavra, mas ela não é o mesmo que o verbo, o qual é ativamente presente. E não estou, de modo algum, usando o termo “presente” no sentido existencialista.

A maioria de nós vive num ambiente de agressão, violência, brutalidade, e, como aqueles à nossa volta, somos conduzidos pela ambição, pela ânsia de nos satisfazermos. Qualquer que seja o talento que tenhamos – alguma insignificante capacidade de pintar quadros, escrever poemas, ou outra coisa qualquer – ele exige expressão, e disso fazemos uma coisa monumental, pela qual esperamos alcançar glória pessoal e renome. Essa é, mais ou menos, a nossa vida, com todas as suas satisfações, frustrações e desesperos.

A mutação precisa fazer-se na própria origem do pensamento, não nas expressões externas dessa origem, e isso só pode acontecer se entendermos todo o processo do pensamento – o qual é a palavra, a ideia. Tomemos, por exemplo, a palavra Deus. A palavra Deus não é Deus, e a pessoa só poderá chegar a essa imensidão, esse algo incomensurável, o que quer que seja, quando a palavra não mais existir, quando o símbolo não mais existir, quando não houver nenhuma crença, nenhuma ideia – quando se estiver completamente livre de segurança.

Portanto, estamos falando de uma mutação na própria fonte, na própria origem do pensamento. Como descobrimos, ao examinarmos isso outro dia, o que chamamos de pensamento é reação; é a resposta da memória, a resposta do background da pessoa, do seu condicionamento religioso e social; ele reflete a influência do ambiente da pessoa, e de outras coisas mais. Até que a semente (origem) do pensamento morra, não haverá mutação, e, portanto, não haverá compaixão. Compaixão não é sentimento; não é a vaga simpatia ou empatia. Compaixão não é coisa que você possa cultivar por meio do pensamento, da disciplina, do controle, da supressão, nem sendo gentil, polido, e tudo o mais. A compaixão só aparece quando o pensamento finda na própria raiz. Se você estiver ouvindo essa asserção pela primeira vez, provavelmente não terá sentido para você. Você dirá: “Como pode findar o pensamento?, ou “O que acontece com uma mente que não consiga pensar?” Você terá muitas dúvidas. Mas já falamos sobre isso; já entramos nesse assunto, embora talvez não detalhadamente.

Quero abordar, esta manhã, a questão de observar o ego. Mas primeiro entendamos o que significa observar, e então poderemos entrar no que significa a palavra ego. Tomemos a palavra observação. O que ela significa? A maioria de nós observa coisas mortas, as coisas que já se foram, as coisas que acabaram. Nunca observamos uma coisa que esteja viva, que se mova, que seja ativa.

Por favor, enquanto eu falo, enquanto explico, não fique preso na explanação, na palavra, mas observe a si mesmo; note como você vê, como você observa. O que vem a seguir é muito importante, e será muito difícil compreendê-lo se você não compreender primeiro a beleza da observação.

A maioria de nós observa com um senso de concentração, isto é, separando a coisa observada do contexto a que pertence. Há o observador e a coisa observada, e, portanto, surge um conflito entre o observador e a coisa observada – a pessoa luta para eliminá-la ou modificá-la, ou identifica-se com o que foi observado, o que inevitavelmente ocasiona outros problemas. Tal observação não passa de processo de análise, que examinamos anteriormente. É isso que a maioria de nós faz – analisamos aquilo que observamos. Quero conhecer, quero entender essa entidade extraordinariamente complexa, essa consciência que sou eu, e então digo: “Vou observar a mim mesmo.” E observo olhando para cada pensamento, separando-o do inteiro movimento do pensamento. É como se a pessoa fosse observar aquele riacho retirando dele um copo de água e olhando para ele como coisa separada, fora do fluxo inteiro, fora do ruído e do poder do próprio riacho. Obviamente, isso não revelaria o total significado do riacho. Para observar o riacho, a pessoa tem de prestar atenção a cada onda, por menor que seja, e perceber sua curvatura antes de ela se desfazer; a pessoa tem de mover-se com a mesma rapidez da água. Na observação não há tempo para interpretar, não há tempo para dizer que isto é certo, aquilo é errado, isto é bonito, aquilo é feio, isto precisa ser, aquilo não pode ser. Não há censor – durante a observação de uma coisa viva, móvel, uma coisa tão vital quanto aquele riacho – você não poderia ter um censor, um juiz. Só há censor, juiz, quando você separa um pouco da água do riacho e olha para ela.

Portanto, por favor, compreenda bem que, no momento em que você separa algo do seu contexto para observá-lo, você criou o censor, e, portanto, há conflito, há a palavra, todo o processo de verbalização com a sua satisfação, sua agonia e sua frustração. Você se separa da coisa para a qual está olhando, e então diz: “Tenho me observado, e sei que sou isto, que sou aquilo, mas não consigo ir mais longe.” Obviamente isso ocorre porque aquelas observações são de um observador externo que se separou do fluxo, do movimento, da rapidez do pensamento. Se isso não estiver claro, discuti-lo-emos no fim desta palestra.

Observar-se a si mesmo sem conflito equivale a seguir aquele riacho, ficando à frente da cascata, à frente dos movimentos de cada pequena onda, vendo cada pedrinha que faz a onda se desfazer. Isto não é uma teoria. Estou lidando com a questão cientificamente, objetivamente; não estou sendo sentimental, ideológico ou hipotético, mas fatual. Quando você tiver realmente captado o profundo significado da observação, descobrirá que o próprio processo de observação, de ver, é o fim do conflito, pois você terá removido a divisão entre o observador e a coisa observada; você a terá eliminado por completo e, portanto, estará olhando para o pensamento, não como entidade separada, mas como a própria coisa. Você é aquele pensamento, e não um pensador olhando para o seu pensamento. Se você realmente estiver seguindo algo muito vivo, muito rápido, algo que esteja em tremendo movimento, não terá tempo para julgar, avaliar, condenar, ou para identificar-se com aquela coisa. É tão dinamicamente vital que você não tenha tempo – e isto é importante – que você não tenha tempo para verbalizar, para dar-lhe nome, para atribuir-lhe uma palavra, pois essas coisas todas causam separação.

Portanto, se isso estiver entendido, voltemo-nos para essa coisa complexa chamada ego, que é o “eu”, o campo da consciência. Estamos olhando para descobrir se é verdade – e não apenas minha ideia ou sua ideia – que, para realizar uma mutação completa, uma total revolução na consciência, o pensamento não pode participar.

O pensamento não é compaixão – pensar que sim seria absurdo demais. Você não pode cultivar compaixão, assim como não pode cultivar amor. Faça o que fizer, você não pode produzir amor por meio da mente; não pode fabricá-lo com o pensamento. Agora, podem-se observar tanto os movimentos conscientes como os inconscientes dessa entidade integral chamada de “eu”, levando em conta que não há tempo? O tempo é a palavra. No instante em que você diz: “Isso é raiva; isso é ciúme; isso é ruim”, você já separou de si mesmo a coisa observada e está olhando para algo que está morto; portanto, você não está observando-se a si mesmo. E, se você não conhece a si mesmo, não conhece tudo sobre si mesmo, seu pensamento não tem razão de ser; em qualquer movimento do pensamento, em qualquer ação, você só está funcionando cegamente, como uma máquina. A maioria de nós não pensa de modo completo, mas fragmentário; o que pensamos em um nível é contrariado pelo nosso pensamento em outro nível. Sentimos algo em certo nível e o negamos em outro, de modo que nossa ação diária é igualmente contraditória, fragmentária, e tal ação engendra conflito, sofrimento, confusão.

Por favor, essas coisas são fatos psicológicos óbvios, e, para compreendê-los, você não tem de ler um único livro de psicologia ou de filosofia, pois há um livro dentro de você – o livro que foi escrito ao longo dos séculos pelo homem.

Portanto, estamos lidando não somente com ação, mas também com compaixão, pois a ação traz em si mesma a compaixão. A compaixão não é algo separado da ação; não é uma ideia da qual a ação se está aproximando. Por favor, olhe para isso, considere-o cuidadosamente, pois, para a maioria das pessoas, a ideia é importante, e da ideia vem a ação. Mas a ideia separada da ação cria conflito. Ação inclui compaixão; não só no nível tecnológico, ou no nível de relacionamento entre marido e mulher, ou entre o indivíduo e a comunidade, mas é um movimento total do ser integral da pessoa. Estou falando de ação total, não de ação fragmentária. Quando há observação e, por conseguinte, não há observador – o observador sendo a ideia, a palavra – e você começa a entender toda essa coisa complexa chamada de ego, o “eu”, então conhecerá essa ação total, não a ação separatista, fragmentária, na qual há conflito.

Não sei se vocês entenderam tudo isto.

Qual é o propósito desta palestra? Vocês estão sentados aí, e eu, falando. Qual o propósito disto? Não estou falando para satisfazer-me. Esta não é minha profissão; não é meu ganha-pão. Então, por que estou falando? Por que vocês estão escutando, e o que estão escutando? Vocês e eu estamos numa jornada juntos para descobrir o que é o fato, o que é a verdade – não uma ideia abstrata da verdade, não uma palavra separada do fato, mas o fato em si. A pessoa observa o estado catastrófico do mundo e sente que precisa haver uma tremenda revolução, uma completa mutação na mente, de modo que o ser humano seja realmente um ser humano – que esteja livre de problemas, livre do sofrimento, que viva uma existência plena, rica, completa – e não seja a entidade torturada, guiada, condicionada que é agora. Por isso eu falo, e espero que essa seja também a razão pela qual vocês estão escutando.

Agora, o que significa observar, digamos, o movimento da ambição? Estou considerando a ambição como uma das coisas feias em nossa vida – embora alguns de vocês a achem bonita. O que significa observar a estrutura, a anatomia da ambição? – não a palavra, pois a palavra não é a coisa. A palavra árvore não é a árvore. Você pode dizer: “Sim, é isso mesmo”; mas, psicologicamente, quando observamos a ambição em nós mesmos, imediatamente identificamo-nos com aquele estado, com aquela palavra, e nela ficamos presos. É fácil ver que a palavra árvore não é a árvore, mas observar em si mesmo, sem a palavra, esse estado extraordinário chamado ambição, é coisa bem diferente. Esse estado é construído dentro de você, no seu pensamento, no seu próprio ser, pela sociedade, pelo ambiente no qual você vive, por sua educação, pela igreja, por incontáveis séculos de esforço humano agressivo para alcançar, para avançar, para matar, e tudo o mais. E o que importa é observar esse estado em si mesmo, não somente agora, ao falarmos dele, mas observá-lo ao irmos para o escritório, ao lermos no jornal o louvor a algum herói ou homem de sucesso. Se você observar a ambição sem lhe dar nome, verá que ela não é coisa estática, mas um movimento não identificado com a palavra, e, portanto, não identificado com o nome, com você; e, se você a observar com intensidade, com certa celeridade, ultrapassará a ambição. Ela terá perdido a importância – e, ainda assim, você poderá estar totalmente em ação. Mas observar esse estado em si mesmo, olhar o pensamento sem um observador, sem um pensador que esteja olhando, é extremamente árduo.

A observação implica não acumulação de conhecimento, mesmo que o conhecimento seja obviamente necessário em certo nível: conhecimento como médico, conhecimento como cientista, conhecimento de história, de todas as coisas que existiram. Afinal, é isso o conhecimento: informação sobre as coisas que existiram. Não há conhecimento do amanhã, mas apenas conjecturas quanto ao que poderá acontecer amanhã, com base em seu conhecimento do que já aconteceu. Uma mente que observe com conhecimento é incapaz de acompanhar rapidamente o fluxo do pensamento. É só observando sem o filtro do conhecimento, que você começa a ver a inteira estrutura do seu próprio pensamento. E ao observar – que não é condenar nem aceitar, mas simplesmente olhar – você descobrirá que o pensamento chega ao fim. Observar casualmente um pensamento ocasional não leva a lugar nenhum. Mas, se você observar o processo do pensamento e não se tornar um observador separado do observado, se você vir o inteiro movimento do pensamento sem aceitar nem condenar, então essa mesma observação põe fim, imediatamente, ao pensamento – e, por conseguinte, a mente torna-se misericordiosa; ela fica num estado de constante mutação.

Podemos discutir o que acabei de falar?

Interrogante: Como podemos ficar livres de influência, de modo que possamos ver um fato como fato?

Krishnamurti: Primeiramente, precisamos ter consciência de toda essa questão da influência, não é? As influências nos envolvem por todos os lados, e somos influenciados. Quando você abre um jornal, lê um livro, escuta o rádio ou vê televisão, está sendo influenciado, conscientemente ou inconscientemente. Toda a sua educação consiste numa série de influências e diretrizes, e, com tal condicionamento, como pode ser possível ver um fato como fato? Claro que você não pode. Portanto, você tem de começar por compreender a influência.

É possível ficar livre de influências? Você só pode fazer essa pergunta quando percebe que é influenciado, nunca antes. Provavelmente você está sendo influenciado agora pelo orador. Se estiver, então você não está olhando para o fato. Se, por causa de o orador ter certa reputação, você estiver aceitando o que ele diz, obviamente você está sendo influenciado. Essa é a natureza da propaganda – e nós não estamos fazendo propaganda aqui. Ou você vê por si mesmo o que é verdadeiro, ou você não o vê. Isso é com você. Não é minha intenção influenciar você, mas tudo na vida é uma influência. Sua mulher e seus filhos influenciam você tanto quanto você os influencia. A influência pode ser consciente ou inconsciente. Se for consciente, você pode mais ou menos afastá-la – isso é comparativamente fácil. Se a sua mulher o importuna, você pode aceitar isso ou fazer algo a respeito – pode sair de casa. Mas, se você estiver sendo influenciado inconscientemente, se a influência for profunda e você não a perceber, será muito mais difícil livrar-se dela – e esse é o nosso problema. A influência assume muitas formas. Há a influência da tradição, a influência de palavras como comunista, católico, protestante, a influência do partido a que você pertence, e assim por diante.

Seria possível tomar consciência de todas as influências que são despejadas sobre nós? Por favor, não digam imediatamente que sim nem que não, porque vocês não sabem. Seria possível? Para ser livre de influências, certamente você precisa ter um corpo extraordinariamente sensível, e também uma mente, um cérebro que não tenha sido embotado pela tradição, pela sociedade, pela igreja com suas crenças e dogmas. Todas essas influências, e muitas mais, estão embotando o cérebro. Para ter consciência dessas inumeráveis influências, compreendê-las e ficar livre delas, a pessoa precisa sacudir o embotamento, a letargia que se instalou na mente – e a maioria de nós não quer fazer isso. A maioria de nós está confortavelmente estabelecida na vida. Somos católicos, protestantes, comunistas – vocês conhecem as muitas coisas às quais nos apegamos: nossa nacionalidade, nossas divisões de classe, e todo o resto. Estamos bem instalados no conforto de uma mente estagnada, e estamos satisfeitos. Só sabemos dizer sim; aceitamos e nunca questionamos.

Portanto, é preciso ter consciência das muitas influências, apenas estar atento a elas, em vez de dizer: “Sou a favor disso e contra aquilo.” Para estar atento, é preciso observar. A pessoa pode estar cônscia das influências que incidem no inconsciente – completamente cônscia delas. Como dissemos outro dia, é só quando o cérebro está quieto – não quero dizer resistindo, forçado ao embotamento, mas só quando o cérebro está muito sensível, muito alerta e vigilante – que ele pode perceber todas as influências inconscientes e, assim, livrar-se delas. Então a pessoa pode ver o fato como fato, e isso não é tão difícil assim; isto é, a pessoa pode perceber-se a si mesma, com todas as complicadas distorções da ambição. A pessoa pode observar tudo isso em si mesma, e observar todas as influências inconscientes. Então, pode-se ver o fato como fato, a verdade no falso, e a verdade como verdade. Isso não é uma coisa dividida; é um processo total.

Interrogante: O cérebro é uma coisa morta? E como ele pode voltar à vida?

Krishnamurti: O cérebro é uma coisa morta? Certamente, ele é coisa morta, mas só quando paralisado, quando os nervos não têm mais sensibilidade. Mas, para a maioria de nós, o cérebro é obrigado a embotar-se mediante conflito, dor, sofrimento, mediante os inúmeros meios de proteção e sanções com as quais vivemos. Ele se torna embotado pelo medo, pelos faça e não-faça da sociedade. Se você for especializado exclusivamente em um setor, como médico, como cientista, como engenheiro, ou outra profissão qualquer, uma parte do seu cérebro pode ser extraordinariamente brilhante, mas o resto obviamente fica embotado. Sabendo de tudo isso, observando tudo isso, e sondando todo o processo do pensamento, você descobrirá que o cérebro não é embotado; mas você tem de romper o embotamento em vez de apenas aceitá-lo.

Interrogante: Eu me enganei na pergunta. O que eu quero perguntar é: “Como pode uma coisa mecânica, como o cérebro, tornar-se parte da coisa total chamada de mente?”

Krishnamurti: Senhor, quando dizemos que o cérebro é mecânico, queremos significar isso? Não acho que o queiramos. Se você perde o emprego, ou se a sua mulher interessa-se por outro homem, você não diz: “Meu cérebro é mecânico”. Você fica inflamado com ansiedade, com ciúmes. Assim, você pode ver o quão enganadoras podem ser as palavras. Você diz que o cérebro é mecânico, e dá o assunto por encerrado. Você não descobre se ele realmente é mecânico. Se o cérebro fosse uma coisa mecânica como o computador, ele não teria problemas. Uma máquina não tem problemas, mas o operador da máquina tem problemas. Assim, você vê quão fácil é cair na armadilha de uma palavra e nela ficar preso.

Como vimos outro dia, o cérebro é, tanto biológica quanto psicologicamente, um instrumento que se pode aguçar e tornar-se extremamente sensível. Mas a sociedade – a saber, nossos relacionamentos no trabalho, na família, toda a estrutura psicológica da sociedade – não o tornará sensível. Ao contrário, é só quando a pessoa entende toda a estrutura psicológica da sociedade, da qual ela faz parte, observando e compreendendo o processo do pensamento – é só então que o cérebro se torna aguçado, vivo, penetrante, alerta.

14 de julho de 1963