3ª Palestra em Londres

Parece-me que, especialmente em assuntos religiosos, nossa busca é bastante superficial. Não parece que sejamos capazes de chegar a profundidades além da superfície. A maioria das pessoas passa os dias buscando alguma realidade que o nosso pensamento condicionado projeta ou que só pode compreender superficialmente. Não é um problema, para a maioria de nós, investigar muito profundamente, ultrapassar as profundidades superficiais, ficar livre de todos os psicólogos, de todos os profetas, professores, salvadores, mestres e disciplinas, de modo que, como indivíduos, possamos realmente descobrir, por nós mesmos, o que é verdadeiro? E parece que não conseguimos realizar esse feito porque estamos sempre buscando apoio, confirmação daqueles que pensamos já terem achado, ou que nos foram designados pelas várias religiões. Não temos confiança em nossa capacidade de descobrir. Se pudermos ter confiança em nossa capacidade, então talvez fiquemos livres para descobrir, por nós mesmos, o que é verdadeiro – aquilo que se encontra além das medidas da mente.

E como alguém terá tal capacidade? Porque, se a pessoa a tiver, então será livre, estará livre de seguir seja quem for, livre de toda autoridade, livre do seu senso de imitação, livre de conformar-se com o padrão estabelecido por qualquer religião ou filosofia. Se tivermos essa capacidade de investigar realmente a fundo, de irmos aos recônditos do nosso ser, sem distorção, sem o medo de não descobrir, de não encontrar um resultado, então talvez possamos ficar livres de toda a cultura, seja do Oriente ou do Ocidente. Porque a cultura, quer-me parecer, não nos ajuda a encontrar a realidade – aquilo que está além de todas as medidas, aquilo que está além do tempo. A influência Ocidental ou Oriental nos condicionou de tal modo, formatou de tal modo nossa mente, que pensamos somente dentro do padrão da nossa cultura.

Não acho que a cultura alguma vez nos ajude. Ao contrário, penso que precisamos livrar-nos de todas as culturas, totalmente – o que significa ficarmos livres do desejo de sermos reconhecidos pela sociedade. O homem capaz de penetrar as coisas em profundidade, só ele é o verdadeiro indivíduo. Presentemente, somos a massa, o coletivo, o resultado da cultura, da tradição, de todas as várias crenças e experiências condicionadas. Certamente é só quando estamos livres de tudo isso que somos verdadeiramente indivíduos, e é só então que a realidade se manifesta.

Então, como teremos essa capacidade que nos libertará de toda autoridade em assuntos espirituais, de modo que sejamos verdadeiros indivíduos, capazes de descobrir por nós mesmos, nunca solicitando encorajamento, confirmação, apoio? Acho que essa é uma pergunta fundamental. Raramente fazemos perguntas fundamentais, e, se as fazemos, ficamos facilmente satisfeitos com respostas superficiais, com as palavras de outrem. Portanto, como podemos, você e eu, ter essa capacidade – não no processo do tempo, que é outra forma de fuga – mas podemos tê-la imediatamente? Pode-se ir além do nível superficial? O que é que me impede de ser tão claro que compreenda o todo, a totalidade do meu ser? No próprio processo de compreender como o meu ser é o resultado da tradição, do tempo, da cultura, do medo, da experiência, não poderia eu pôr tudo isso de lado, de modo que a mente fique fresca, clara e capaz de descobrir, de perceber, diretamente? Estou certo de que a maioria de nós fez essa pergunta. Pode a mente ficar livre, não depender de outra pessoa, seja quem for, não depender de nenhum sistema ou caminho? Se você perseguir um sistema, um caminho, então obviamente obterá o resultado de tal sistema, de tal caminho, mas você já não será um indivíduo, um verdadeiro investigador. Um verdadeiro investigador precisa, obviamente, ser livre. Então, o que é que impede essa extraordinária capacidade de investigar muito a fundo e não se satisfazer com explicações e crenças superficiais?

Uma das razões é que nos movemos, que pensamos, de acumulação para acumulação. Onde houver acumulação, tem de haver imitação. Cada experiência deixa um resíduo em forma de memória, e, a partir dessa memória, agimos, concluímos, fortalecemo-nos. Nunca há um momento em que a mente esteja realmente livre, mas sempre há o resíduo das experiências de ontem. É essa memória – o resultado de anos de acumulação – que impede a capacidade de ser claro, direto. Então, a mente nunca é livre. Não sei se já notaram como cada experiência deixa um resíduo, um resultado, ao redor do qual toda experiência posterior é traduzida, reunida, acumulada, retida. Portanto, a memória, como experiência, como tradição, como conhecimento, é a carga que nos impede de ter a capacidade de ser livres, de ser completamente individuais, de descobrir a nós mesmos.

Tendo nascido hindu ou cristão, é natural que a mente esteja condicionada de acordo com determinada simbologia, com várias ideias do que seja a realidade, do que é meditação. A mente tem experiências em conformidade com esse condicionamento, e, com isso, fortalece ainda mais o seu próprio condicionamento. O cristão, em assuntos espirituais, ater-se-á à visão de Cristo e da Virgem Maria; e o hindu faz o mesmo, só que a seu modo. Ser totalmente livre, não superficialmente, mas completamente – quando não há nenhuma forma de imitação, quando não há conformação psicologicamente, interiormente – só então, certamente, a pessoa pode ter a capacidade de investigar, de descobrir.

Se você acompanhou isso, a pergunta óbvia é: “Como é que vou libertar-me de todas as acumulações do passado, de todo o meu condicionamento?” Não há “como”; só há descoberta da verdade, sem se perguntar “como ficar livre”. Porque, se toda a nossa atenção for aplicada à descoberta do que é verdadeiro, então essa mesma percepção, esse mesmo escutar aquilo que é verdadeiro, liberta. Enquanto pensarmos em termos de crença, de ilusão, de coisas que queremos ser, seremos incapazes de escutar, de dar toda a nossa atenção. Nossas crenças, tradições, símbolos, impedem o verdadeiro escutar de qualquer verdade. Parece-me que a única coisa importante é dar atenção; a atenção completa é o bem completo. A atenção com um objetivo em vista já não é atenção, mas, sim, exclusão. Portanto, se pudermos escutar, não para ganhar alguma coisa – tal atenção torna-se excludente, estreita, limitada – mas escutar com todo o nosso ser, sem nenhum objetivo, então veremos que jamais perguntaremos “como” – o método, o sistema, a filosofia, a disciplina. Nesse estado de atenção completa, não há contradição em nós, não há batalha entre o consciente e o inconsciente – é uma atenção total. E, então, não há necessidade de passar por todo o processo psicanalítico, mergulhando numa memória depois da outra, para ser livre.

Então será que podemos – eu e vocês que estão escutando – realmente experimentar sem que cada experiência deixe um resíduo? Vocês entendem o problema? Se experimento algo e esse algo deixa uma memória, essa memória condiciona futuras experiências, e, então, aquilo que é imensurável jamais poderá ser experimentado. Aquilo que é, é atemporal, e a memória é do tempo. Quer seja a memória superficial de certo incidente ou a memória de uma experiência que a pessoa teve em raras ocasiões quando talvez tenha sentido, conhecido algo que transcenda as medidas da mente, algo eterno – seja o que for, estamos para sempre presos a essa experiência e, assim, ela impede a mente de continuar a experimentar mais profundamente. Enquanto a experiência deixar uma marca de memória, coisa que é tempo, aquilo que é eterno jamais poderá ser experimentado. Então, a mente precisa morrer para si mesma de momento a momento, a propósito de todas as experiências. Certamente, só nesse estado a mente é criativa.

E pode-se ter a capacidade de penetrar profundamente? Penso que sim, mas só quando não ficamos satisfeitos com explicações, quando não mais nos alimentemos de palavras, quando não mais dependamos das experiências de outras pessoas, quando já não estivermos olhando para ninguém, quando estivermos fazendo a jornada completamente sós, tendo abandonado todas as tradições, todas as culturas, todas as crenças e, acima de tudo, todos os conhecimentos – pois a mente entupida de conhecimentos só pode experimentar o que já conhece. Então, podemos, vocês e eu, não teoricamente, não só neste momento por vocês estarem escutando uma palestra, mas realmente, diretamente, pôr de lado toda a acumulação racial herdada, deixar de ser inglês ou hindu, deixar de ter religião no sentido de ortodoxia, dogmas, símbolos? Se nos agarrarmos a tudo isso, já não seremos investigadores; estaremos meramente buscando satisfação, o prazer de uma experiência que a mente condicionada exige.

E penso que essa capacidade não é do tempo. Se olharmos para o tempo, então seremos novamente presos no método. Mas, para ver a importância, sentir a importância, ficar cônscio da necessidade de completa liberdade interior, ver a verdade disso – então essa percepção mesma, esse mesmo escutar com atenção total, faz surgir a capacidade.

Interrogante: Quero que meu filho seja livre. A verdadeira liberdade é incompatível com a lealdade à tradição inglesa de vida e educação?

Krishnamurti: É isso que dizem na Índia também – posso ser hindu, com lealdade a meu país, e ainda assim ser livre para descobrir Deus? Posso ser hindu, budista, cristão, e ainda ser livre? Vocês podem? Pode-se ter um passaporte, um pedaço de papel para viajar, mas isso não precisa fazer da pessoa um hindu. Certamente a liberdade é totalmente incompatível com qualquer nacionalidade, qualquer tradição. Há o modo de vida americano, o modo de vida inglês, o russo, o hindu. Cada um diz: “O nosso modo é o único modo.” E a pessoa aferra-se a ele; e, no entanto, falamos de liberdade, de paz.

Penso que tudo isso tem de desaparecer se quisermos um mundo diferente, um mundo que seja nosso, um mundo em que não exista comunismo, ou socialismo, ou capitalismo, ou hinduísmo, ou cristianismo. A Terra é o nosso mundo, para nele vivermos sem divisões, com felicidade, com liberdade. Mas a Terra não pode ser o nosso mundo enquanto houver ingleses, hindus, alemães, comunistas, etc. – assim o mundo não pode jamais ser livre. Essa liberdade só pode existir quando formos realmente religiosos, quando cada um de nós for realmente um indivíduo, no sentido verdadeiro da palavra.

Quando formos religiosamente livres, poderemos então criar um mundo nosso e prover uma educação de tipo diferente – e não apenas condicionar a criança de acordo com determinada cultura, encaixá-la em dado sistema, treiná-la para ser comunista, ou ateísta, ou católica, ou protestante, ou hindu; tais indivíduos não são livres; portanto, não são realmente religiosos; são meramente condicionados e criam muito sofrimento. Se quisermos criar um mundo totalmente diferente, será preciso haver uma revolução religiosa – não o voltar a alguma crença, ou buscar alguma realização, mas liberdade em relação a todas as tradições, todos os dogmas, todos os símbolos, todas as crenças, de modo que a pessoa seja verdadeiramente um indivíduo, livre para descobrir, para investigar aquilo que é imensurável.

Interrogante: A mente ocidental é treinada para contemplar objetivamente; a mente oriental, para meditar subjetivamente. A primeira leva à ação; a outra, à negação da ação. É só pela integração dessas duas direções de percepção dentro do indivíduo que pode emergir uma total compreensão da vida.

Krishnamurti: Por que dividir o ser humano como sendo do ocidente ou do oriente? Não haveria outra abordagem para esse problema? – não apenas uma tentativa de integrar ação com meditação. Penso que tal integração não seja possível. Talvez haja uma abordagem de todo diferente para o problema, em vez dessa tentativa de integrar ação com um estado mental de distanciamento, que se atenha a observar, a contemplar. Dividimos a vida em ação e não-ação, e, portanto, buscamos integração. Mas, se não nos dividirmos de maneira nenhuma, se pudermos eliminar do nosso pensamento toda essa questão de oriente como oposto a ocidente e olhar para o problema de modo diferente – então, ao buscar a realidade, a mente se torna criativa, e, na própria percepção daquilo que é real, há ação, que é contemplação – não há divisão.

Para a mente ocidental, o Oriente, com seu misticismo e todas aquelas tolices é muito estranho. Em razão do clima frio do Ocidente, das várias formas de revolução industrial e tudo o mais, vocês precisam ser ativos, precisam de muita roupa. No Oriente, onde há um clima bem quente e pouca roupa é necessária, tem-se tempo, ócio; e há a antiga tradição de que a pessoa precisa sair da sociedade para encontrar (a verdade). Aqui, vocês estão completamente ocupados com reformas – melhores condições, melhor qualidade de vida. Então, como podem os dois ser integrados? Ambas as abordagens podem ser falsas – e, certamente, precisam sê-lo quando dão exagerada importância a uma coisa e negam a outra.

Mas, se tentarmos descobrir, buscando, não como um grupo de cristãos, mas como indivíduos, não contando com autoridade alguma em nossa busca da realidade, então essa própria busca é criativa, e essa mesma criatividade faz surgir sua própria ação. Se não buscarmos essa liberdade religiosa, todas as reformas resultarão em maior sofrimento – o que está demonstrado em todos os lugares. Vocês podem ter paz mediante terror, mas ainda haverá guerras íntimas com o próximo – competição, grosseria, a busca do poder pelo grupo ou pelo indivíduo. Só aquelas pessoas que são religiosas no sentido mais profundo da palavra, que abriram mão de toda autoridade espiritual, que não pertencem a nenhuma igreja, nenhum grupo, que não se identificaram com nenhuma doutrina, que estão eternamente buscando, eternamente perguntando e jamais acumulando nenhuma experiência – só tais pessoas são verdadeiramente criativas. Tal mente é a única mente religiosa e, portanto, revolucionária, e ela agirá sem se dividir em contemplativa ou ativa, porque tal mente é um ser total.

Interrogante: Tenho medo da morte. Tenho vivido uma vida muito rica e cheia de vida em termos intelectuais, artísticos e emocionais. Agora que a morte se aproxima, toda essa satisfação se foi e eu fiquei sem nada além das crenças religiosas da minha infância – tais como purgatório, inferno, etc. – as quais me enchem de terror. O senhor poderia tranquilizar-me?

Krishnamurti: Acho que a próxima pergunta refere-se à morte; por isso, vou lê-la também.

Interrogante: Sou um rapaz que, até poucas semanas atrás, estava em perfeita saúde e gozando a vida ao máximo. Um acidente feriu-me fatalmente, e os médicos dão-me apenas poucos meses de vida. Por que isso aconteceu comigo e como me encontrarei com a morte?

Krishnamurti: Acho que a maioria de nós, quer sejamos jovens ou velhos, temos medo da morte. O homem que quer terminar seu trabalho tem medo da morte porque quer alcançar um resultado. O homem que está fazendo uma carreira de sucesso não quer morrer em meio a isso, e então tem medo da morte. O homem que viveu plenamente, com todas as riquezas deste mundo, ele também tem medo da morte. Então, o que fazer? Nós nunca fazemos perguntas fundamentais. A pessoa que viveu ricamente, plenamente, jamais fez tal pergunta. Sua vida rica e plena foi muito superficial, pois, abaixo da superfície, lá no fundo, todas as tradições do cristianismo, do hinduísmo, ou do que for, estavam lá, ocultas, adormecidas; e, quando a vida não está sendo vivida ricamente, plenamente, os sedimentos do passado vêm à tona e ele teme o purgatório ou inventa um céu que seja satisfatório.

Então, há, no inconsciente, os sedimentos da nossa cultura, nossos medos raciais, etc. E, enquanto estamos ativos, com o cérebro e o corpo saudáveis, parece-me que é necessário investigar as profundezas do nosso ser para descobrir e erradicar todos esses depósitos, esses sedimentos de tradição, de temores, de modo que, quando a morte vier, sejamos capazes de encará-la. Isso significa, realmente, que devemos ser capazes de fazer a pergunta fundamental agora, e não nos darmos por satisfeitos com respostas superficiais. Há aqueles que acreditam em reencarnação; eles dizem que vão viver a vida seguinte, que há uma continuidade, não há aniquilação; e estão felizes com essa crença. Mas eles não resolveram o problema; estão satisfeitos apenas com palavras, com explicações. Ou, se você for muito intelectualizado, dirá: “A morte é inevitável, é parte da existência. Assim como nasci, morrerei. Por que fazer disso um problema?” Eles tampouco resolveram o problema.

A maioria de nós tem medo, só que o encobrimos com crenças, com explicações, com racionalidade. E há o homem que diz: “Sou jovem ainda; por que deveria eu ser eliminado? Quero viver, quero ver a riqueza da vida. E por que isso deveria acontecer comigo?” Quando alguém diz: “Por que isso acontece comigo?”, obviamente quer dizer: “Isso deveria acontecer não comigo, mas com você.” Portanto, todos estamos preocupados com essa questão. Podemos investigar o assunto?

Por favor, experimentem o que estou dizendo; não se limitem a escutar, mas, realmente, experimentem isso agora, realmente acompanhando a descrição e aplicando-a a si mesmos. A descrição é apenas a porta através da qual vocês estão olhando, mas vocês precisam olhar. Se vocês não olharem, terá muito pouco valor a descrição, a porta. Portanto, vamos olhar e descobrir por nós mesmos a verdade desse problema; porém não buscando explanações, não trocando uma crença por outra, não substituindo a crença hindu na reencarnação pela crença cristã no céu, e assim por diante.

O fato é que a morte existe; o organismo chega ao fim. E o fato é que pode haver ou não continuidade. Mas eu quero saber agora, enquanto tenho saúde, vitalidade, o que significa viver ricamente, e também quero descobrir agora o que significa morrer – e não esperar que um acidente ou uma doença me leve embora. Quero saber o que significa morrer; ainda vivendo, quero entrar na casa da morte. Não teoricamente, mas de fato, quero experimentar a coisa extraordinária que deve ser entrar no desconhecido, eliminando todo o conhecido.

Não encontrar o conhecido, não encontrar um amigo do outro lado – é isso que nos assusta. Tenho medo de abrir mão de todas as coisas que conheci: a família, a virtude que cultivei, a propriedade, a posição, o poder, a tristeza, a alegria, tudo que acumulei, o que vem a ser o conhecido – tenho medo de abrir mão de tudo isso, completamente, profundamente, das profundezas do meu ser, e ficar com o desconhecido, que é, afinal, a morte. Poderia eu, que sou o resultado do conhecido, não procurar mudar para algo também conhecido, mas entrar em algo que eu não conheça, algo que eu jamais tenha experimentado? Têm-se escrito livros sobre a morte, várias religiões têm ensinado sobre ela; mas todas essas coisas são descrições, são todas coisas conhecidas. A morte, certamente, é o desconhecido, assim como a verdade é o desconhecido, e a mente que estiver sobrecarregada com o conhecido jamais poderá entrar no reino do desconhecido.

Portanto, a questão é: “Posso abrir mão de todo o conhecido?” Não consigo fazê-lo pela vontade. Por favor, acompanhe isso. Não consigo abrir mão do conhecido pela vontade, pela volição, porque isso implica um forjador da vontade, uma entidade que diga: “Isto é certo e aquilo é errado; isto eu quero e aquilo eu não quero.” Tal mente está agindo a partir do conhecido, não é verdade? Ela diz: “Quero entrar naquela coisa extraordinária que é a morte, o incognoscível, e, portanto, preciso abrir mão do conhecido.” Tal pessoa então examina os vários cantos da mente para eliminar o conhecido. Tal ação permite a permanência da entidade que deliberadamente eliminou o conhecido. Mas, como essa entidade é, ela própria, o resultado do conhecido, jamais poderá experimentar ou entrar naquele estado extraordinário. Isso não está claro? – que, enquanto houver um experimentador, esse experimentador é o resultado do conhecido; e então esse experimentador deseja compreender aquilo que não é conhecido, o desconhecido. Faça o que fizer para alcançar isso, sua experiência estará ainda dentro do campo do conhecido. Então, o problema é: “O experimentador pode deixar de existir, totalmente?” Porque ele é o ator, a compulsão, ele é o investigador, ele é a entidade que diz: “Isto é o conhecido, e preciso mudar para o desconhecido”. E, certamente, qualquer ação, qualquer movimento da parte do observador, daquele que experimenta, estará ainda dentro do campo do conhecido.

Então, pode a mente, que é resultado do conhecido, que é resultado do tempo – pode tal mente penetrar o desconhecido? É óbvio que não. Então, qualquer explicação sobre a morte, qualquer crença, continua sendo produto do conhecido. Portanto, posso eu, pode a minha mente, desnudar-se completamente de todo o conhecido? Não existe resposta. Depende de você. Você terá de descobrir, terá de investigar, terá de mergulhar nesse problema. As perguntas fundamentais não comportam sim ou não como resposta. Você terá de propor a pergunta fundamental e esperar que ela mesma se revele. Ela não poderá revelar-se caso você esteja somente buscando uma resposta, uma explanação. Eis a pergunta fundamental: “Posso eu, que sou resultado do conhecido, penetrar o desconhecido, que é a morte?” Se eu quiser fazer isso, deverá ser enquanto eu viver, certamente, e não no último momento. No último momento, a mente não será capaz de olhar, compreender; ela estará doente, cansada, exausta; terá muito pouca consciência. Mas, enquanto a pessoa está ativa, em plena consciência, alerta, cônscia – será que pode descobrir? Entrar na casa da morte enquanto vivo não é só uma ideia mórbida: é a única solução. Enquanto vivemos uma vida rica, plena – seja o que for isso – ou enquanto vivemos uma vida miserável, depauperada, será que não podemos conhecer aquilo que não é mensurável, aquilo que só é vislumbrado pelo experimentador em raros momentos?

Então, podemos, você e eu, abrir mão do conhecido? Você compreende a profundidade do problema? A mente aferra-se a cada experiência prazerosa e quer evitar a desagradável. Essa acumulação das coisas agradáveis é o conhecido, e a fuga às coisas desagradáveis é também o conhecido. Pode a mente morrer momento a momento para tudo que experimenta, e jamais acumular? Porque, se houve acumulação, então haverá o experimentador sempre olhando a partir dessa acumulação; a própria acumulação é o experimentador; portanto, ele jamais conhecerá o que está além do conhecido. Acho que é muito importante que cada um de nós compreenda isso profundamente, pois então não terão significado algumas coisas como conhecimento, disciplina, crença e dogma, o seguir mestres e gurus e tudo o mais. Pois as disciplinas, os métodos, constituem o conhecido – coisas a serem praticadas e fins a serem alcançados.

Podemos ver a totalidade de tudo isso, dedicando toda a nossa atenção? – não a fim de alcançar o desconhecido, pois tal atenção seria meramente exclusão, uma forma de avidez. Podemos estar cônscios de que, enquanto houver qualquer movimento da mente, esse movimento terá nascido do tempo, do conhecido, e que tal movimento para o desconhecido jamais poderá penetrar naquele campo de liberdade? Se pudermos, então a mente, vendo a verdade disso, fica completamente imóvel. Ela já não está buscando, perguntando, investigando, pois compreende que qualquer investigação, qualquer pergunta, provém do conhecido. Só quando a mente está totalmente quieta, o desconhecido pode manifestar-se.

19 de junho de 1955