Primeira Palestra em Ojai

Embora este não seja um grupo pequeno, tentaremos ter uma discussão séria e livre em vez de transformar estes encontros em reuniões de perguntas e respostas. Alguns, sem dúvida, prefeririam palestras ininterruptas, mas me parece mais vantajoso para todos nós aderir a uma discussão que requer seriedade e interesse sustentado.

Pelo que estamos lutando? O que cada um de nós está buscando?Até estarmos conscientes de nossos objetivos separados, não será possível estabelecermos relações corretas entre nós. Uma pessoa pode estar em busca de realização e sucesso, outra riqueza e poder, outra fama e popularidade; alguns podem desejar acumular e outros renunciar; pode haver alguns que buscam seriamente dissolver o ego, enquanto outros querem simplesmente falar sobre ele. Não é importante para nós descobrir o que estamos buscando? Para nos desprendermos da confusão e da miséria em nós e a nossa volta, devemos nos conscientizar de nossos desejos e tendências instintivos e cultivados. Nós pensamos e sentimos em termos de aquisição, de ganho e perda e, assim, há luta constante; Mas existe um modo de viver, um estado de ser, em que conflito e sofrimento não têm lugar. Assim, para tornar estas discussões produtivas é necessário primeiro compreender nossas próprias intenções. Quando observamos o que acontece em nossas vidas e no mundo, percebemos que a maioria de nós, de formas sutis ou grosseiras, está ocupada com a expansão do ego. Queremos a auto-expansão agora ou no futuro; para nós a vida é um processo de contínua expansão do ego por meio de poder, riqueza, ascetismo, ou cultivo da virtude e assim por diante. Não só para o indivíduo, mas para o grupo, para a nação, essa procura significa realização, se tornar, crescer, e sempre levou a grandes desastres e misérias. Estamos sempre lutando dentro da moldura do ego, não importa quanto ele possa ser engrandecido e glorificado. Se essa for sua meta, e a minha completamente diferente, então não teremos relação, embora possamos nos encontrar; assim nossas discussões serão inúteis e confusas. Então, primeiro devemos ter bem claras nossas intenções. Devemos ter bem esclarecido e definido o que buscamos. Queremos a auto-expansão, a constante alimentação do ego, do eu, do ‘meu’, ou estamos buscando compreender e transcender o processo do ego? A auto-expansão trará compreensão, esclarecimento; ou existe iluminação, libertação, apenas quando o processo de auto-expansão cessou? Podemos nos revelar suficientemente para discernir em que direção está nosso interesse? Vocês devem ter vindo aqui com intenções sérias; portanto, discutiremos a fim de esclarecer essa intenção, e considerar se nossa vida cotidiana indica quais são nossos objetivos e se estamos alimentando o ego ou não. Assim essas discussões podem ser um meio de auto-exposição para cada um de nós. Nessa auto-exposição descobriremos o verdadeiro significado da vida.

Não devemos, primeiro, ter liberdade para descobrir? Não pode haver liberdade se nossa ação é sempre fechada. A ação do ego, o sentido de eu e ‘meu’, não é sempre um processo de limitação? Estamos tentando descobrir – não estamos? – se o processo de auto-expansão leva à realidade ou se a realidade surge apenas quando o ego cessa.

Interrogante: Não se deve passar pelo processo de auto-expansão a fim de perceber o imensurável?

Krishnamurti: Posso apresentar a pergunta de forma diferente? Deve-se passar pela embriaguez para conhecer a sobriedade? Deve-se passar pelos vários estados do anseio só para renunciar a eles?

Interrogante: Pode-se fazer alguma coisa em relação a este processo auto-expansivo?

Krishnamurti: Posso elaborar a pergunta? Nós estamos – não estamos? – positivamente encorajando a expansão do ego por meio de muitas ações. Nossa tradição, nossa educação, nosso condicionamento social sustenta positivamente as atividades do ego. Essa atividade positiva pode assumir uma forma negativa – não ser alguma coisa. Assim nossa ação é ainda uma atividade positiva ou negativa do ego. Ao longo de séculos de tradição e educação, o pensamento aceita como natural e inevitável a vida auto-expansiva, positivamente ou negativamente. Como pode o pensamento se libertar desse condicionamento? Como ele pode ficar tranqüilo, silencioso? Se houver essa quietude, ou seja, se ele não estiver preso nos processos auto-expansivos, aí está a realidade.

Interrogante: Se entendo corretamente, você está, certamente, indo em direção ao abstrato, não? Você está falando de reencarnação, eu presumo?

Krishnamurti: Não estou, senhor, nem estou indo em direção à reencarnação. Nossa estrutura social e religiosa se baseia no impulso para ser alguma coisa, positivamente ou negativamente. Tal processo é a própria alimentação do ego através de nome, família, aquisição, através da identificação do ‘eu’ e do ‘meu’, o que causa sempre conflito e sofrimento. Nós percebemos os resultados desse modo de vida – disputa, confusão e antagonismo – se espalhando, subjugando. Como se transcende a disputa e o sofrimento? É isso que estamos tentando compreender durante estas discussões.

O anseio não é a própria origem do ego? Como o pensamento, que se tornou o meio da auto- expansão, atua sem dar sustentação ao ego, a causa de conflito e sofrimento? Essa não é uma pergunta importante? Não me faça torná-la importante para você. Essa pergunta não é vital para cada um de nós? Se for, não devemos encontrar a verdadeira resposta? Nós alimentamos o ego de muitas maneiras, e antes de condenarmos ou encorajarmos, devemos compreender sua significação, não? Nós usamos religião e filosofia como meio de auto-expansão; nossa estrutura social se baseia no engrandecimento do ego: o balconista se tornará gerente e, mais tarde, dono, o aluno se tornará Mestre e por aí vai. Nesse processo existe sempre conflito, antagonismo, sofrimento. Esse é um processo inteligente e inevitável? Podemos descobrir a verdade por nós mesmos apenas quando não dependermos do outro; nenhum especialista pode nos dar a resposta correta. Cada pessoa tem que descobrir a resposta correta diretamente por si mesma. Por essa razão é importante ser sério.

Nós variamos nossa seriedade dependendo de circunstâncias, de nossas disposições e fantasias. A seriedade deve ser independente das circunstâncias e disposições, de persuasão e esperança. Muitas vezes pensamos que talvez, com um choque, nos tornamos sérios, mas dependência nunca produz seriedade. A seriedade surge com investigação consciente, e estamos alertadamente conscientes? Se você estiver consciente perceberá que sua mente está constantemente engajada nas atividades do ego e sua identificação; se prosseguir nessa atividade, encontrará o interesse próprio profundamente arraigado. Esses pensamentos de interesse próprio nascem das necessidades da vida cotidiana, coisas que você faz de momento a momento, seu papel na sociedade e por aí vai, tudo que constrói a estrutura do ego. Isso parece muito estranhamente inevitável, mas antes de aceitarmos essa inevitabilidade, não devemos nos conscientizar de nossa intenção proposital, se desejamos nutrir o ego ou não? Porque de acordo com nossas intenções ocultas atuaremos. Sabemos como o ego é construído e reforçado por meio do princípio de prazer e dor, pela memória, pela identificação e assim por diante. Esse processo é a causa de conflito e sofrimento. Nós seriamente buscamos pôr fim à causa do sofrimento?

Interrogante: Como sabemos se nossa intenção é correta antes de compreendermos a verdade da questão? Se primeiro não compreendermos a verdade, então sairemos do rumo, fundando comunidades, formando grupos, tendo ideias incompletas. Não é necessário, como você sugeriu, conhecer a si mesmo primeiro? Tentei anotar meus pensamentos-sentimentos como foi sugerido, mas me vi bloqueado e incapaz de acompanhar os pensamentos do princípio ao fim.

Krishnamurti: Estando consciente sem escolha de sua intenção, a verdade da questão é conhecida. Muitas vezes ficamos bloqueados porque, inconscientemente, temos medo de tomar atitudes que podem levar a mais problema e sofrimento. Mas nenhuma ação clara e definida pode acontecer se não tivermos descoberto nossa intenção profunda e oculta em relação a manter e alimentar o ego.

Este medo que impede a compreensão não é o resultado de projeção, especulação? Você imagina que a liberdade da auto-expansão é um estado de inexistência, um vazio, e isso cria medo, impedindo assim qualquer experiência real. Pela especulação, pela imaginação, você impede a descoberta do que é. Como o ego está em fluxo constante, buscamos, pela identificação, permanência. A identificação gera a ilusão da permanência, e é a perda disso que causa medo. Nós reconhecemos que o ego está em fluxo constante, no entanto nos prendemos a alguma coisa que chamamos de permanente no ego, um ego duradouro, que fabricamos a partir do ego inconstante. Se experimentarmos e compreendermos que o ego é sempre inconstante, então não haverá identificação com nenhuma forma particular de anseio, com nenhum país particular, nação, ou com nenhum sistema organizado de pensamento ou religião, pois com a identificação vem o horror da guerra, a crueldade da chamada civilização.

Interrogante: O fato deste  fluxo constante não é suficiente para fazer nos identificarmos? Parece a mim que nos prendemos a uma coisa chamada ‘eu’, o ego, pois esse é um hábito que soa agradável. Conhecemos um rio mesmo quando ele está seco; do mesmo modo, nos prendemos a uma coisa que é ‘eu’ mesmo sabendo que ele é inconstante. O ‘eu’ é superficial ou profundo, na cheia ou na seca, mas é sempre o ’eu’ para ser encorajado, alimentado, mantido a qualquer custo. Por que o processo do ‘eu’ deve ser eliminado?

Krishnamurti: Agora por que você faz essa pergunta? Se o processo é agradável você continuará nele e não faz tal pergunta; quando ele é desagradável, doloroso, só então você desejará dar um fim nele. De acordo com prazer e dor, o pensamento é moldado, controlado, dirigido, e sobre esta fundação fraca e mutável nós fazemos uma tentativa de compreender a verdade! Se o ego deve ser mantido ou não é uma questão muito vital, pois dela depende todo o curso de nossa ação e, assim, como abordar esse problema é importantíssimo. De nossa abordagem depende a resposta. Se não formos sérios, então a resposta será de acordo com nossos preconceitos e fantasias passageiras. Assim, a abordagem é mais importante do que o problema em si. Daquele que busca depende o que ele encontra; se for preconceituoso, limitado, ele encontrará segundo seu condicionamento. Então é importante para aquele que busca, primeiro, compreender a si mesmo.

Interrogante: Como sabemos se existe uma verdade abstrata?

Krishnamurti: Senhor, certamente não estamos considerando agora uma verdade abstrata; estamos tentando descobrir a resposta verdadeira e duradoura para nosso problema de sofrimento, pois disso depende todo o curso da vida.

Interrogante: Pode a mente condicionada observar seu condicionamento?

Krishnamurti: Não é possível estar consciente de nossos preconceitos? Não podemos saber quando somos desonestos, quando somos intolerantes, quando somos gananciosos?

Interrogante: A alimentação do corpo não é igualmente errada?

Krishnamurti: Estamos considerando a alimentação psicológica, a expansão do ego, que causa tal luta e miséria. Pode-se aceitar a atividade do ego como inevitável e seguir esse curso, ou pode haver outro modo de vida. Se for um problema intenso para cada um de nós, então devemos encontrar a resposta correta.

Interrogante: Não devemos conhecer a resposta verdadeira quando o desejo por isso for maior do que qualquer outra coisa?

Interrogante: O ego é sempre pernicioso? O egoísmo é sempre benéfico?

Krishnamurti: A atenção e a atividade autocentrada, positivamente ou negativamente, é a causa de luta e dor. Quão seriamente cada um está considerando esse problema? Quão seriamente somos em relação à descoberta da natureza e da atividade do eu, do ego? Nossa meditação e disciplina espiritual não tem significado se, primeiro, não estamos esclarecidos nesse ponto. A verdadeira meditação não é auto-expansão de forma alguma. Assim, até podermos ter uma compreensão comum de nosso propósito, haverá confusão, e a relação correta entre nós não será possível.

Interrogante: Não existe um caminho direto para o problema, para descobrir a verdade?

Krishnamurti: Existe, mas ele demanda completa quietude, receptividade aberta. Requer compreensão correta; por outro lado, o esforço para se abrir, ficar tranqüilo se torna outro meio de auto-expansão. Estou dizendo que existe um modo diferente de vida – um modo que não é de auto-expansão, em que existe êxtase – mas isso não tem validade se você simplesmente aceita minha afirmação; tal aceitação se tornará outra forma de atividade egoísta. Você deve saber por si mesmo, diretamente, a verdade de você, e não pode percebê-la através de outra pessoa, por maior que seja. Não existe autoridade que possa revelá-la. A verdade só pode ser descoberta pelo autoconhecimento. Nós temos um problema comum para o qual estamos tentando descobrir a resposta correta.

Interrogante: Escrever um livro, pode ser uma ação auto-expansiva, não?

Interrogante: Não deveríamos estabelecer um propósito em nossas vidas?

Krishnamurti: O ego pode escolher um propósito nobre e utilizá-lo como meio de sua própria expansão.

Interrogante: Se não há auto-expansão há um propósito, como conhecemos hoje?

Krishnamurti: Um homem que está adormecido sonha que tem um propósito ou pode escolher um propósito, mas aquele que está desperto tem um propósito? Ele está simplesmente desperto. Nossos quadros de referência, nossos propósitos são um meio, negativamente ou positivamente, de mensurar o crescimento do ego.

Interrogante: A realização é auto-expansão?

Krishnamurti: Se a realização é impedida não fica a dor da frustração do ego? Questões do mesmo tipo encontrarão sua resposta na descoberta da verdade em relação ao processo de auto-expansão; isso depende da seriedade e da receptividade aberta da mente-coração.

Interrogante: Não devemos saber qual é o outro modo de vida antes de podermos abandonar o auto-engrandecimento?

Krishnamurti: Como podemos conhecer ou estar conscientes de outro modo de vida até podermos perceber a falsidade, a futilidade da aquisição e da auto-expansão? Compreendendo os caminhos do auto-engrandecimento, nos conscientizaremos. Especular sobre o caminho se torna um obstáculo para a própria compreensão desta vida que não é aquela da perpetuação de si. Então não devemos descobrir a verdade em relação às atividades habituais do ego? O conhecimento do obstáculo é o fator libertador, não a tentativa de se libertar do obstáculo. O esforço feito para se libertar sem a ação libertadora da verdade está ainda dentro das paredes fechadas do ego. Você pode descobrir a verdade apenas se quiser dar toda sua mente e coração a isso, não alguns momentos de suas horas vagas. Se formos sérios encontraremos a verdade; mas essa seriedade não pode depender de nenhum tipo de estímulo. Devemos dar nossa completa e profunda atenção para a descoberta da verdade de nosso problema, não por durante alguns momentos relutantes, mas constantemente. Só a verdade liberta o pensamento de seu próprio processo de fechamento.

7 de abril de 1946.